EMBARGO DE OBRA NOVA
INOVAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Sumário

I – Estabelecendo o artigo 397.º, n.º 1, do CPC, entre os fundamentos do embargo, como um dos requisitos do respetivo decretamento, que o ato iniciado – obra, trabalho ou serviço – seja novo, é de rejeitar a peticionada ratificação de embargo realizado por via extrajudicial de obra que não apresenta inovação relativamente à situação preexistente;
II – A rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação de questão de direito suscitada na apelação, se solução preconizada se baseia na peticionada modificação de determinado facto considerado indiciariamente assente;
III - A improcedência da apelação deduzida, com a consequente manutenção da decisão recorrida, importa se considere prejudicada a apreciação das questões que integram a ampliação do objeto do recurso requerido pelo recorrido.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 312/23.5T8BNV.E1
Juízo Local Cível ...
Tribunal Judicial da Comarca ...

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

AA – representada por BB, na qualidade de procurador, e entretanto falecida, tendo sido declarados habilitados como seus sucessores CC, BB e DD – e EE requereram em 18-04-2023, contra FF, procedimento cautelar de embargo de obra nova, pedindo se ratifique embargo realizado por via extrajudicial, bem como se condene o requerido: i) a não prosseguir a obra que iniciou; ii) a repor a situação preexistente, reconstruindo o muro nas suas dimensões exatas e repondo o portão do prédio conforme se encontrava antes da sua intervenção; iii) a pagar sanção pecuniária compulsória de valor diário não inferior a € 500,00 por cada dia de atraso na reposição da situação preexistente às obras que realizou.
Alegam, em síntese, que requerentes e requerido são herdeiros da herança aberta por óbito de GG, de que faz parte o prédio rústico que identificam, no qual iniciou o requerido em 13 ou 14 de abril de 2023, sem consultar a totalidade dos demais herdeiros da herança, a remoção do portão existente na parte da frente do prédio e dos pilaretes em que se encontrava fixado, a demolição parcial do muro dessa parte do prédio e a construção de caboucos para instalação de outro portão no mesmo local, bem como a construção de fundações para a instalação de um portão na parte de trás do prédio, visando privar os demais herdeiros do uso do prédio, pelo que realizou embargo extrajudicial, nos termos que descreve, como tudo melhor consta do requerimento inicial.
Citado, o requerido deduziu oposição, defendendo-se por exceção – invocando a nulidade da citação e a ilegitimidade ativa – e por impugnação, como tudo melhor consta do aludido articulado.
Os requerentes apresentaram articulado no qual se pronunciam sobre a matéria de exceção deduzida no articulado de oposição.
O requerido requereu a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
Os requerentes apresentaram resposta, sustentando que se mantém o interesse e a necessidade de prosseguimento da lide.
Realizada a audiência final, por decisão de 16-01-2024, foram consideradas não verificadas a nulidade da citação e a ilegitimidade ativa, bem como a inutilidade superveniente da lide, e foi indeferido o procedimento cautelar, tendo-se decidido o seguinte:
- Julgar improcedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, indeferir a ratificação de embargo extrajudicial de obra nova.

*
Fixa-se ao procedimento cautelar o valor de 30.000,01 Euros, por ser o atribuído pelos requerentes, sem oposição do requerido, não existindo elementos de facto para dele divergir, e sendo aplicável o critério normativo previsto no artigo 304.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Civil.
*
As custas são da responsabilidade dos requerentes por irem vencidos, que assim vão condenados, cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Inconformados, os requerentes interpuseram recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que ratifique o embargo extrajudicial realizado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«I. A douta sentença deu como provados, entre outros que:
«4) Na parte de trás desse mesmo prédio (no sentido oposto à referida via pública), o requerido iniciou a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.
7) Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos facilmente amovíveis.
9) O muro e os pilares pré-existentes na parte da frente do prédio apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fracturas.
11) O prédio rústico identificado em 2) tem sido usado pelo requerido, para cultivo, desde há 30 anos aproximadamente, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, na sequência do seu pai, em vida, lho ter disponibilizado para esse efeito.»
II. Dando, depois, como não provado que:
«a) Que o requerido deu início aos trabalhos referidos em 3) no dia 13 ou 14-04-2023, e que não consultou previamente nenhum dos outros herdeiros do prédio.
b) Que a substituição do portão da frente do prédio e a colocação de um portão nas traseiras do prédio foram realizadas pelo requerido com o único propósito de assegurar a utilização, por ele, em exclusivo, do referido prédio e, consequentemente, impedir a utilização do prédio pelos demais herdeiros.»
III. Existem meios probatórios constantes do processo e da gravação que impunham decisão diversa sobre estes pontos da matéria de facto;
IV. As declarações da testemunha HH, nomeadamente:
(…)
V. As declarações da testemunha II, nomeadamente:
(…)
VI. As declarações de parte de um dos recorrentes, BB, nomeadamente:
(…)
VII. Bem como as declarações do recorrido, FF, nomeadamente:
VIII. Das declarações de parte supra reproduzidas e das declarações das únicas testemunhas ouvidas no decurso do julgamento, o que resulta é que existem factos dados como provados de forma errada ou incompleta e factos dados como não provados erradamente.
IX. Assim, no ponto 4 dos factos dados como provados:
«4) Na parte de trás desse mesmo prédio (no sentido oposto à referida via pública), o requerido iniciou a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.»
X. O que resulta da prova testemunhal e dos depoimentos de parte é que efetivamente o Requerido iniciou e concluiu construção de duas sapatas e que colocou um portão entre as mesmas, num local onde não existia anteriormente qualquer portão ou estrutura para esse efeito (cfr. depoimentos das duas testemunhas e declarações de parte de um dos Recorrentes e do Recorrido).
XI. Pelo que haveria que ser dado como provado que:
Na parte de trás desse mesmo prédio (no sentido oposto à referida via pública), onde não existia anteriormente qualquer construção o requerido iniciou, e concluiu posteriormente, a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.
XII. Quanto ao ponto 7 dos factos dados como provados:
«7) Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos facilmente amovíveis.»
XIII. Da prova produzida, o que resulta é que o Recorrido construiu um novo pilar e aumentou a área da entrada do portão existente na frente do terreno (cfr. declarações da testemunha JJ e declarações de parte de um dos Recorrente).
XIV. Assim como, não resulta de qualquer elemento de prova que os dois postes metálicos colocados nas sapatas construídas pelo Recorrido são facilmente amovíveis.
XV. Antes pelo contrário, o que resulta é que é uma obra inamovível.
XVI. O erro na apreciação é notório, até porque como é do conhecimento comum, do homem médio, que as sapatas, são uma fase importante de qualquer obra e que garantem que a edificação permaneça no local sem sofrer instabilidades e fissuras. Tratam-se assim das fundações, neste caso, daquela colocação de um portão, sendo esta é a estrutura que pode suportar todas as pressões uma construção como aquela que foi realizada que vai sofrer, situação que não se compadece com algo que seja facilmente amovível.
XVII. A fundação foi realizada em cimento armado e dessa forma, não se consegue entender, como pode concluir o MM Juiz a quo que era facilmente amovível algo que é feito para manter e estabilizar uma estrutura e feita com material de construção cujas características e fins são de estabilidade e continuidade no tempo, claramente incompatíveis com «facilmente amovíveis».
XVIII. Para serem retirados, quer as sapatas quer os postes metálicos neles assentes ter-se-á sempre de realizar uma obra profunda, com máquinas que permitam destruir uma estrutura que não é efetuada para ser retirada de qualquer modo e a qualquer tempo, mas sim para se manter indefinidamente.
XIX. Pelo que haveria que ser dado como provado que:
7) Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, construiu um novo pilar para assentar o portão da frente do prédio aumento a área da entrada em, pelo menos, um metro linear e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos assentes em sapatas, não removíveis.
XX. Quanto ao ponto 11 dos factos dados como provados:
«11) O prédio rústico identificado em 2) tem sido usado pelo requerido, para cultivo, desde há 30 anos aproximadamente, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, na sequência do seu pai, em vida, lho ter disponibilizado para esse efeito.»
XXI. Do que resulta dos depoimentos de parte, não se pode concluir, por um lado, uma utilização ininterrupta há mais de trinta anos por parte do Requerido e que tal lhe tenha sido permitido em vida pelo seu pai.
XXII. Assim como resulta dos depoimento das partes e das testemunhas que não é realizado cultivo no referido, terreno.
XXIII. De igual forma, é evidente até pelo presente procedimento cautelar, de que se ocupa o terreno, é com oposição de, pelo menos, parte dos demais titulares da herança do seu falecido pai.
XXIV. Pelo que o constante no ponto 11 dos factos dados como provados haveriam que ser dados como não provados.
XXV. Por outro lado, os factos inscritos nas alíneas a) e b) dos factos dados como não provados:
«a) Que o requerido deu início aos trabalhos referidos em 3) no dia 13 ou 14-04-2023, e que não consultou previamente nenhum dos outros herdeiros do prédio.
b) Que a substituição do portão da frente do prédio e a colocação de um portão nas traseiras do prédio foram realizadas pelo requerido com o único propósito de assegurar a utilização, por ele, em exclusivo, do referido prédio e, consequentemente, impedir a utilização do prédio pelos demais herdeiros.»
XXVI. O que resulta das declarações requerido, quanto à alínea a) é que (…)
XXVII. O próprio requerido confessa que não consultou os seus irmãos e demais interessados, acrescentando que depois disse a alguns, mas não disse a todos.
XXVIII. É assim evidente que não consultou o recorrido previamente os demais interessados e isso ao invés de ser dado como não provado, deveria ter sido dado como provado.
XXIX. Quanto aos factos da alínea b), também é evidente e resulta dos depoimentos que da testemunha JJ quer do depoimento de um dos Recorrentes que tal corresponde à realidade.
XXX. Da testemunha JJ, retira-se do seu depoimento:
(…)
XXXI. E das declarações de parte:
(…)
XXXII. Sendo assim claro e evidente que as obras realizadas foram no intuito de, ainda mais, limitar o acesso dos demais interessados no bem de acederem ao mesmo.
XXXIII. Pelo que estes factos ao invés de serem dados como não provado, deveriam ter sido dados como provado.
XXXIV. Assim, claramente, a douta sentença em crise fez uma errada interpretação dos factos dados como provados, fazendo com que, dessa forma, exista um erro de julgamento.
XXXV. Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, de 30/09/2010, disponível em www.dgsi.pt «O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. … Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, …»
XXXVI. Desta forma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do C.P.C., indica-se que os concretos pontos de facto incorretamente julgados são os supra reproduzidos e que constam dos pontos 4), 7), 9) e 11). E as alíneas a) e b) dos factos dados como não provados. Tudo junto, que determinaram no seu conjunto o julgamento, no nosso entender, errado de que o procedimento de embargo extrajudicial de obra nova não deveria ser ratificado.
XXXVII. Para que exista um embargo extrajudicial de obra nova, os requisitos essenciais são:
- A titularidade de um direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse;
- Que o requerente se julgue ofendido no seu direito, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
- Que a obra lhe cause ou ameace causar prejuízo.
XXXVIII. Quanto ao ponto primeiro destes requisitos, provado está (pontos 1) e 2) dos factos dados como provados) que os Recorrentes têm a titularidade de um direito sobre o prédio rústico aqui em causa.
XXXIX. No que respeita ao ponto segundo dos requisitos, falece aqui a douta decisão em crise, por duas ordens de razão:
XL. Entende a douta decisão, por um lado, que a “intervenção” realizada no prédio dos autos não configura inovação, “mas apenas e só uma intervenção destinada a conservar e recuperar o património existente”.
XLI. Para lá da nuance, e do cuidado, de nunca se chamar na douta sentença “obra” ao que estava a ser realizado a mando do Recorrido aquando da realização do embargo extrajudicial, mas sim “intervenção”, quase parecendo que nenhuma atividade aí estaria a ser realizada de relevante.
XLII. O MM Juiz a quo peca, claramente, quando cria uma nova característica essencial para que o embargo se possa processar, ou seja, não obstante tal não resultar da norma jurídica, entende-se que teria de existir inovação na obra realizada, presume-se em relação ao já existente, como se a alteração do que aí existe não fosse passível de ofender o direito do requerente do embargo e como se tal obra, sem inovar, não pudesse causar ou ameaçar causar prejuízo a este.
XLIII. Mas para lá da “nuance” da inovação vai mais além a douta decisão, quando em algo que não é uma inovação, a colocação de sapatas, com pilares e portão na parte traseira do prédio, se vem afirmar que são “facilmente amovíveis”.
XLIV. Como já se viu, e foi dado como provado, foi pelo Recorrido iniciado a construção e depois concluído, apesar do embargo realizado, na parte traseira do prédio duas sapatas para colocação posterior de dois postes que, por sua vez, suportam um portão.
XLV. Uma sapata, como é conhecimento comum, na construção é algo que se faz mediante um buraco no solo e colocação no mesmo de betão ou cimento armado, por forma a criara uma base sólida e inamovível de um determinada estrutura.
XLVI. É evidente que o julgador não pode querer passar uma imagem de ligeireza para que a sua decisão tenha uma base decisória que pareça aceitável.
XLVII. Indo contra aquilo que é a prova realizada e indo contra aquilo que é o conhecimento comum de qualquer pessoa média, sem sequer ser necessário ter conhecimentos na área da construção, venha a firmar que uma sapata e os respetivos postes insertos no mesmo são “facilmente amovíveis”, como se tratasse de estacas para fixação de um tenda de campismo por exemplo, essas sim amovíveis e facilmente.
XLVIII. É assim, absurda, com o devido respeito que é muito, a conclusão retirada pelo MM Juiz a quo de que uma obra da natureza daquela que foi realizada nas traseiras do prédio é algo transitório retirável, pelo que viola a douta decisão a prova produzida nos autos e, bem assim, claramente o constante no artigo 397.º do C.P.C..
XLIX. Aliás, referia-se ainda quanto à questão da obra que foi chamada de “intervenção” e da necessidade ou não de se tratar de um inovação, o que refere a jurisprudência:
«A remoção duma cobertura de uma varanda e a retirada de uma parede interior divisória constituem obra nova.» (…)
Ac. TRL, processo n.º 21079/16.8T8LSB.L1-6, de 26/01/2017, in www.dgsi.pt
Ou:
“A abertura de uma vala para construção de um muro configura uma obra, na medida em que implica uma modificação substancial do prédio dos requerentes, configurando, por isso, execução de obra nova.
Ac. TRG, processo n.º 161/17.0T8MDL.G1, de 18/12/2017, in www.dgsi.pt
L. Sendo assim evidente, que a abertura de caboucos, a demolição de um do pilhares e construção de outro e alargamento da entrada do prédio, isto na parte da frente da mesma e na parte traseira construção de sapatas, colocação de postes de ferro e colocação de portão, configuram claramente obra nova e dessa forma passível de embargo extrajudicial por quem tem legitimidade para tal.
LI. Apesar de o MM Juiz a quo não se ter pronunciado quanto à terceira característica do embargo, haverá que dizer que a obra em causa ameaça prejuízo para os Recorrentes, o que é evidente e foi demonstrado.
LII. Pelo que a douta sentença ao decidir, como decidiu, errou clamorosamente e violou desta forma o disposto no artigo 397.º do C.P.C., in fine, do Código Civil.»
O requerido apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição da impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes, por incumprimento de ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, e pela manutenção do decidido, bem como requereu, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso, defendendo se considere verificada a invocada ilegitimidade ativa, bem como a nulidade do embargo realizado, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. No âmbito dos presentes autos, os Recorrentes apresentaram Providência Cautelar de Ratificação Extrajudicial Embargo de Obra Nova por, segundo os mesmos, o Recorrido ter procedido a obras num prédio rústico propriedade dos Recorrentes e Recorrido.
B. Tal providência foi julgada improcedente, por ter entendido o Tribunal de 1.ª Instância não estarem reunidos os pressupostos legais.
C. Insatisfeitos com o resultado, os Recorrentes recorreram de tal decisão, e cuja competente resposta se encontra no ponto I. da presente peça processual.
D. Não obstante, caso o Recurso apresentado pelos Recorrentes seja julgado procedente – o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder – o Recorrido, desde já requerer a este Colendo Tribunal a apreciação, quer da matéria de facto dada como provada (em concreto, o facto 5) do elenco dos factos dados como prova), a qual, necessariamente terá consequências de índole jurídica, quer de um segmento da fundamentação de direito em que o Recorrido decaiu, nomeadamente, a questão por si suscitada em sede de oposição, respeitante à irregularidade de representação da Requerente AA para instaurar a acção, cujo Tribunal a quo (no modesto entendimento do Recorrido, erradamente) entendeu considerar-se sanada.
E. É, pois, destes segmentos da decisão que ora se recorre, nos termos conjugados dos artigos 636.º, n.º 1 e 2, 630.º, a contrario, 637.º, 638.º, n.ºs 1, 7 e 8, 644.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, para reexame da matéria de facto e de direito.
F. Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, considera-se incorretamente julgado o facto provado 5).
G. Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, permitindo considerar o facto dado como provado incorretamente julgados são os seguintes: Prova por declarações de parte: As Declarações de Parte do Recorrente BB, prestadas na sessão de Audiência de Julgamento de dia 12-01-2024, constante da gravação Diligencia_312-...3.5T8BNV_2024-01-12_10-46-10, com início às 10h46 e término às 11h03; As Declarações de Parte do Recorrido FF, prestadas na sessão de Audiência de Julgamento de dia 12-01-2024, constante da gravação Diligencia_312-...3.5T8BNV_2024-01-12_11-04-43, com início às 11h04 e término às 11h26. Prova testemunhal: O depoimento de HH, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 12-01-2024, constante da gravação Diligencia_312-...3.5T8BNV_2024-01-12_09-55-37, com início às 09h55 e término às 10h23; O depoimento de II, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 12-01-2024, constante da gravação Diligencia_312-...3.5T8BNV_2024-01-12_10-24-12, com início às 10h24 e término às 10h43;
H. Ao abrigo do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC, no que concerne ao facto provado 5) [“No dia 14 de Abril de 2023, BB e EE, na presença das testemunhas HH e II, entre outros, manifestaram ao requerido o seu desacordo na realização da obra em curso, por a não terem autorizado, e ordenaram-lhe que a parasse.”] impunha-se decisão distinta, devendo o mesmo integrar o elenco dos factos não provados, por não se ter produzido prova do mesmo, tendo ao invés, sido produzida prova em sentido diametralmente oposto.
I. Com efeito, da prova produzida não só não resulta que a Requerente EE, ora Recorrente, tenha naquela data (ou em qualquer outra) manifestado ao Requerido, ora Recorrido, o seu desacordo na realização da obra, como também não resulta que a mesma tenha ordenado que a obra parasse. Do mesmo passo, também não resultou da prova produzida em audiência ou de qualquer outro elemento probatório que, naquela data, e no momento em que os Recorrentes (alegadamente) lá se encontravam, estivesse a decorrer qualquer obra.
J. Aliás, do depoimento prestado pela Testemunha HH resulta que, no momento em que as testemunhas chegaram ao local, não se encontrava a decorrer qualquer obra, o que aliás foi perentoriamente afirmado, mais do que uma vez, pelo mesmo. Também a testemunha II asseverou, no início do seu depoimento que não viu nada, além do desentendimento que relatou, ocorrido entre o Recorrente BB e o Recorrido, chegando a confessar inclusivamente que quando chegou já havia trabalhos concluídos.
K. Assim, e desde logo não se podia ter dado como provada a existência de qualquer obra em curso.
L. Por outro lado, e no que concerne ao embargo propriamente dito, resulta do depoimento da testemunha HH que apenas o Recorrente BB terá dito “no geral” que o Recorrido não podia fazer a obra, não tendo, porém, em momento algum, a testemunha referido que a Requerente, ora Recorrente EE, terá mandando parar a obra, limitando-se a referir que a mesma esteve presente.
M. Do mesmo passo, das Declarações prestadas pelo Recorrente BB, resulta apenas que, alegadamente, o mesmo terá mandado parar a obra, nunca se referindo, todavia, à sua prima EE, ora Recorrente.
N. O Recorrido, por seu turno, através das Declarações prestadas em Audiência de Julgamento, asseverou que ninguém lhe ordenou que parasse qualquer obra.
O. Resulta, assim, indubitavelmente dos Depoimentos das Testemunhas HH e II e ainda das Declarações prestadas pelas Partes em sede de Audiência de Julgamento, não só que não estava a decorrer qualquer obra, como os Requerentes, ora Recorrentes não ordenaram que se parasse qualquer obra.
P. Razão pela qual, não podia a sentença recorrida ter dado como provado que “No dia 14 de Abril de 2023, BB e EE, na presença das testemunhas HH e II, entre outros, manifestaram ao requerido o seu desacordo na realização da obra em curso, por a não terem autorizado, e ordenaram-lhe que a parasse” devendo o mesmo passar a constar da factualidade dada como não provada, nos termos supra expostos.
Q. Em face da alteração da matéria de facto – e objeto da ampliação do âmbito do recurso –, também as conclusões jurídicas da sentença de 1.ª Instância terão que ser alteradas, pois que se alteram as suas circunstâncias fácticas.
R. Ora, não resultando provado que a Requerente, ora Recorrente, EE tenha procedido ao embargo da obra, nos termos acima melhor discriminados, terá, necessariamente de ser declarada a nulidade do embargo judicial por inobservância das formalidades legais previstas no n.º 2 de artigo 397.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, a inexistência de notificação verbal.
S. Aliás, em momento algum da produção de prova foi invocado o nome da aqui Recorrente EE que, contrariamente ao seu primo, também Recorrente BB, preferiu não prestar declarações.
T. E pese embora o Recorrido tenha expressamente referido que o Recorrente BB nunca lhe ordenou que a obra parasse, ainda que se entenda que o mesmo tenha ordenado o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, o certo é que o mesmo, como decidiu o Tribunal a quo (e não tendo sido, tal segmento, alvo de recurso por parte dos Recorrentes), não tinha legitimidade para o fazer.
U. Desta forma, e caso o Recurso apresentado pelos Recorrentes seja julgado procedente, deverá ser decretada a nulidade do embargo judicial por inobservância do requisito implícito no n.º 2 do artigo 397.º do Código de Processo Civil, devendo, em consequência, ser a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que a julgue improcedente neste segmento.
V. A respeito da irregularidade de Representação da “primitiva” Requerente AA e respectiva excepção de ilegitimidade activa invocada pelo Recorrido em sede de oposição, pese embora o Tribunal a quo, tenha entendido que a procuração outorgada ao recorrente BB, não lhe conferia poderes específicos, quer para realizar embargos de obras, quer para propor quaisquer acções judiciais em nome da sua mãe, concluiu, não obstante, que tal irregularidade se encontrava sanada uma vez que os Herdeiros foram Habilitados no processo.
W. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a conclusão alvitrada pelo Tribunal a quo, pois que a irregularidade da representação, terá sempre que ser aferida por reporte à data da propositura da acção. Na verdade, apesar de a “primitiva requerente”, ela sim, à data, ter legitimidade para instaurar a acção judicial, desconhece-se se a mesma pretendia/queria, naquele momento, mover qualquer acção judicial contra o Requerido, ora Recorrido. E neste caso em concreto, tal irregularidade toma ainda mais relevância na medida em que a mesma faleceu entretanto, não tendo sido sequer possível aferir de tal facto.
X. Não podendo, salvo melhor entendimento, a Habilitação dos Herdeiros daquela nos autos, suprir tal irregularidade, na medida em que os mesmos não se poderão/poderiam substituir à sua vontade.
Y. Carecia assim e, em consequência, o Recorrente BB de legitimidade para outorgar procuração forense de molde a agir judicialmente em representação da Sra. D. AA, pois que os poderes para o fazer limitam-se aos fins apostos na procuração, os quais, e como aferiu, e bem, o Tribunal a quo, não contemplavam a instauração de acção judicial ora sob escrutínio.
Z. Nestes termos e nos melhores de Direito, e caso o Recurso apresentado pelos Recorrentes seja julgado procedente, deverá ser decretada a excepção dilatória de ilegitimidade activa, devendo, em consequência, ser a Sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada neste segmento, e substituída por outra que a decrete.»
Os apelantes não apresentaram resposta.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e das contra-alegações do recorrido, considerando que requereu a ampliação do objeto do recurso, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) no âmbito do recurso interposto pelos requerentes:
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- verificação dos pressupostos de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial e respetivas consequências;
ii) caso a apelação deva ser considerada procedente, apreciação da ampliação do objeto do recurso:
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- fundamentos em que o requerido decaiu.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados indiciariamente apurados em 1.ª instância:
1) GG faleceu em ../../2012, tendo deixado a suceder-lhe, entre outros, o requerido, seu filho, e os requerentes CC, BB e DD, marido e filhos da sua filha falecida AA, e EE, filha do seu filho pré-falecido KK.
2) Da herança de GG, objecto de partilha no âmbito do processo de inventário nº ......, que corre termos neste Tribunal, faz parte o prédio rústico sito em “..., com uma área de 10.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob a descrição nº ...68, propriedade em comum e sem divisão de parte ou direito dos seus herdeiros.
3) Em data não concretamente apurada, sem que consultasse BB e EE, o requerido removeu o portão existente na frente do prédio, que confina com a Estrada ..., e por onde habitualmente se acede ao prédio, demoliu um dos pilares laterais que o suportavam e demoliu parte do muro da frente.
4) Na parte de trás desse mesmo prédio (no sentido oposto à referida via pública), o requerido iniciou a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.
5) No dia 14 de Abril de 2023, BB e EE, na presença das testemunhas HH e II, entre outros, manifestaram ao requerido o seu desacordo na realização da obra em curso, por a não terem autorizado, e ordenaram-lhe que a parasse.
6) Na sequência do facto referido em 5), o requerido interrompeu nesse momento a realização da obra, mas veio a retomá-la e a concluí-la em data posterior à oposição que apresentou nos presentes autos em 11-05-2023.
7) Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos facilmente amovíveis.
8) O portão substituído na parte da frente, e recolocado na parte de trás, encontrava-se velho, enferrujado e degradado.
9) O muro e os pilares preexistentes na parte da frente do prédio apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fracturas.
10) Por procuração outorgada em Cartório Notarial, em 22-02-2022, AA emitiu procuração conferindo ao seu filho BB os seguintes poderes para:
«I) A representar no processo de Inventário que corre os seus termos do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Cível ..., sito na Avenida ..., ..., no Processo de Inventário número ......, nomeadamente, na conferência de interessados, concordando ou não com a composição dos quinhões, recebendo bens em qualquer espécie; pagando ou recebendo tornas, recebendo a primeira e outras citações e notificações, intervindo em conferências de interessados e licitando; e ainda os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, e os especiais para transacionar, acordar, transigir e desistir, receber cheques e custas de parte;
II) Prometer vender e vender, conjuntamente com os demais interessados e herdeiros, pelo preço, cláusulas e condições que entender por convenientes, e a quem quiser, os bens móveis e imóveis ou direitos imobiliários, que fazem parte das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais, GG e LL, podendo receber o preço e dele dar a respectiva quitação, outorgar e assinar o contrato promessa se necessário for, outorgando e assinando as respectivas escrituras e ou contratos, bem como outras de quaisquer rectificações que sejam necessárias; e
III) Para aceitar ou repudiar e/ou partilhar quaisquer heranças em que seja herdeira ou por qualquer forma interessada, e dividir quaisquer bens, quer por via amigável, quer por via judicial, dar ou receber tornas e quitação; acordar sobre a composição de quinhões, bem como sobre o valor dos bens a partilhar e a adjudicação dos bens, receber os seus quinhões em valor ou substância, dar ou receber tornas e delas dar ou receber quitação, nos termos, condições e valor que tiver por convenientes, para vender, ceder ou, por qualquer outra forma, alienar quaisquer bens imóveis, que lhe pertençam ou a que tenha direito; para outorgar e assinar todas as escrituras e outros documentos públicos ou particulares dos atos e contratos atrás mencionados, estabelecendo e aceitando as cláusulas e condições que julgue convenientes; e
IV) Confere-lhe ainda os poderes para, junto de quaisquer repartições públicas e administrativas e, designadamente, nos respetivos Serviços de Finanças, pedir a eliminação de artigos, participar prédios novos, e alterar a sua natureza se necessário for, assinar quaisquer documentos referentes a isenções e reclamações de colectas ou quaisquer outros documentos que se tornem necessários em seu nome; junto das respectivas Conservatórias do Registo Predial, requerer quaisquer registos, provisórios ou definitivos, bem como averbamentos e cancelamentos, e ainda prestar declarações complementares; e de um modo geral, praticar, requerer e assinar tudo o que for necessário aos indicados fins.
V) Para junto das estações dos C.T.T., levantar qualquer tipo de correspondência ou encomendas, registadas ou não, que lhes sejam endossadas;
(…).»
11) O prédio rústico identificado em 2) tem sido usado pelo requerido, para cultivo, desde há 30 anos aproximadamente, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, na sequência do seu pai, em vida, lho ter disponibilizado para esse efeito.
12) O portão da frente do mesmo prédio dá acesso a um caminho que percorre o prédio até às traseiras, sobre o qual está constituída uma serventia de passagem, de pé e de carro, com a largura de quatro metros e meio, no sentido norte-sul, a favor de um outro prédio propriedade da empresa “(...) – Sociedade de Exploração Agrícola, Lda. (SAG)” da qual o requerido é único gerente, conforme Apresentação ...4, de 1994/11/09, da matrícula desse prédio.

2.1.2. Factos considerados não apurados em 1.ª instância:
a) Que o requerido deu início aos trabalhos referidos em 3) no dia 13 ou 14-04-2023, e que não consultou previamente nenhum dos outros herdeiros do prédio.
b) Que a substituição do portão da frente do prédio e a colocação de um portão nas traseiras do prédio foram realizadas pelo requerido com o único propósito de assegurar a utilização, por ele, em exclusivo, do referido prédio e, consequentemente, impedir a utilização do prédio pelos demais herdeiros.

2.2. Apreciação do objeto do recurso interposto pelos requerentes

2.2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Os recorrentes põem em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, impugnando os factos considerados indiciariamente assentes sob os pontos 4, 7, 9 e 11 de 2.1.1. e os factos tidos por não apurados sob as alíneas a) e b) de 2.1.2..
Nas contra-alegações apresentadas, o apelado pronunciou-se no sentido da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por incumprimento de ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado artigo 640.º o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 165-166), o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”.
Analisando as alegações de recurso, verifica-se que os recorrentes indicam nas conclusões os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados – os factos constantes dos pontos 4, 7, 9 e 11 de 2.1.1., considerados indiciariamente assentes, e os factos constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2., tidos por não apurados –, assim dando cumprimento ao ónus constante da alínea a) do n.º 1 do citado preceito.
No que respeita aos factos constantes dos pontos 4, 7 e 11 de 2.1.1. e aos factos constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2., os apelantes indicam a solução que preconizam, elemento que especificam no corpo das alegações e também nas respetivas conclusões. Porém, quanto ao facto constante do ponto 9 de 2.1.1., não é indicada a decisão que, no entender dos apelantes, deverá ser proferida, elemento que não especificam no corpo das alegações, nem nas conclusões, assim incumprindo, relativamente a este ponto de facto, o ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º.
Quanto aos factos constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2., os apelantes especificam os meios probatórios que entendem impor decisão diversa, indicando as passagens da gravação em que fundam o seu recurso aquando da transcrição dos excertos tidos por relevantes para o efeito. Tal não sucede, porém, quanto ao facto constante do ponto 9 de 2.1.1. relativamente ao qual não é indicado pelos apelantes qualquer elemento probatório que entendam impor decisão diversa, assim incumprindo o ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º, nem quanto a cada um dos factos constantes dos pontos 4, 7 e 11 de 2.1.1., relativamente aos quais não são indicadas com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, não sendo cumprindo o ónus estatuído nas alíneas b) do n.º 1 e a) do n.º 2 do preceito.
Os recorrentes indicam determinados depoimentos prestados na audiência final, os quais transcrevem praticamente na íntegra no corpo das alegações e nas conclusões; no entanto, salvo quanto aos factos constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2., não estabelecem a necessária conexão entre os meios probatórios que indicam e os pontos de facto que pretendem ver alterados, não especificando com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso relativamente a cada um dos factos constantes dos pontos 4, 7 e 11 de 2.1.1..
Apesar de basearem a impugnação deduzida em provas gravadas e de transcreverem na quase totalidade determinados depoimentos prestados na audiência final, os recorrentes não indicam as passagens da gravação que consideram relevantes para a peticionada modificação da decisão proferida quanto a cada uma das questões de facto a que se reportam os pontos 4, 7 e 11 de 2.1.1., sendo certo que igualmente não procedem à transcrição dos excertos dos depoimentos que invocam como relevantes para o efeito, assim incumprindo o ónus imposto pela alíneas b) do n.º 1 e a) do n.º 2 do citado preceito.
O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas várias alíneas do n.º 1 do preceito, é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo daquele n.º 1, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
Verificado o incumprimento pelos recorrentes do ónus previsto na alínea c) do n.º 1, na parte respeitante à impugnação do facto constante do ponto 9 de 2.1.1., e dos ónus previstos nas alíneas b) do n.º 1 e c) do n.º 2, quanto aos factos constantes dos pontos 4, 7, 9 e 11 de 2.1.1., cumpre rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação dos aludidos pontos de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, o que não impede a apreciação da impugnação deduzida quanto aos factos constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2..
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Na parte não afetada pela rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, os apelantes defendem o aditamento à matéria considerada indiciariamente assente dos factos, tidos por não apurados, constantes das alíneas a) e b) de 2.1.2..
No que respeita ao facto constante da alínea a) de 2.1.2. – com a redação: O requerido deu início aos trabalhos referidos em 3) no dia 13 ou 14-04-2023, e não consultou previamente nenhum dos outros herdeiros do prédio –, verifica-se que o facto julgado indiciariamente assente sob o ponto 3 de 2.1.1. – com a redação: Em data não concretamente apurada, sem que consultasse BB e EE, o requerido removeu o portão existente na frente do prédio, que confina com a Estrada ..., e por onde habitualmente se acede ao prédio, demoliu um dos pilares laterais que o suportavam e demoliu parte do muro da frente –, não impugnado na apelação, impede a procedência da impugnação deduzida pelos apelantes àquele ponto.
Efetivamente, da procedência desta parte da impugnação deduzida pelos apelantes à decisão de facto resultaria uma contradição entre dois factos tidos por indiciariamente assentes, sendo considerado indiciado que não se apurou a data em que se iniciaram os trabalhos e, simultaneamente, que se apurou que os mesmos se iniciaram em 13 ou 14-04-2023. Assim sendo, impõe-se considerar improcedente a impugnação deduzida, quanto ao facto constante da alínea a) de 2.1.2..
No que respeita ao facto constante da alínea b) – com a redação: A substituição do portão da frente do prédio e a colocação de um portão nas traseiras do prédio foram realizadas pelo requerido com o único propósito de assegurar a utilização, por ele, em exclusivo, do referido prédio e, consequentemente, impedir a utilização do prédio pelos demais herdeiros –, com relevo para a apreciação dos motivos pelos quais foi julgado não provado, extrai-se da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida o seguinte:
Os factos não indiciados assim foram julgados, por não ter sido produzida prova confirmatória ou por ter sido produzida prova de sinal contrário.
Em particular, quanto ao da alínea b), o requerente BB repetiu sobejamente que o requerido impede todos os herdeiros de acederem e usarem o prédio, porém, para além de esta ideia ter sido refutada convincentemente pelo requerido, nenhuma testemunha foi precisa quanto a este aspecto e o próprio requerente BB foi vago e lacónico quando questionado pelo Tribunal sobre se já tinha tentado usar o prédio, quando e para quê.
Discordando deste entendimento, os apelantes defendem que a prova produzida impõe seja o indicado facto considerado apurado, requerendo a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha II e das declarações prestadas pelo requerente BB.
Reapreciado o depoimento prestado pela testemunha II, verifica-se que dele não decorre qualquer elemento seguro relativo aos objetivos visados pelo requerido com a substituição do portão da frente e a colocação de um portão nas traseiras do prédio. A testemunha, que é namorado da requerente EE, conhecendo os demais intervenientes nos autos, e que trabalha nas proximidades do prédio em causa, revelou conhecer a situação do imóvel e a utilização que dele vem sendo feita, não decorrendo do depoimento prestado que a substituição do portão da frente e a colocação de um portão nas traseiras tenha alterado tal utilização ou que visasse impedir a utilização do prédio pelos demais herdeiros.
A declarações prestadas pelo requerente BB, por seu turno, além de não se mostrarem claras quanto ao facto em apreciação, não se encontram apoiadas por qualquer outro elemento probatório, não impondo, por si sós, se considere indiciariamente assente o facto constante da alínea b) de 2.1.2..
Improcede, assim, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Em conclusão, decide-se o seguinte:
i) rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação dos factos constantes dos pontos 4, 7, 9 e 11 de 2.1.1.;
ii) indeferir, no mais, a impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes.

2.2.2. Preenchimento dos pressupostos de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial
Está em causa, no presente recurso, embargo extrajudicial de obra nova realizado pelos requerentes, cuja ratificação foi rejeitada pela decisão recorrida, por se ter entendido que a matéria de facto indiciariamente apurada não preenche os requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
Considerou a 1.ª instância que não decorre da matéria de facto tida por indiciariamente assente que os trabalhos iniciados pelo requerido, cujo embargo extrajudicial foi realizado, constituam uma obra nova, pelo que se concluiu não se encontrarem preenchidos os requisitos de que depende a ratificação de tal embargo.
No que respeita aos motivos pelos quais assim se entendeu, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
(…) considera-se que in casu falece o pressuposto da «obra nova».
O requerido afasta este pressuposto sustentando que a intervenção realizada no prédio dos autos não configura inovação, mas apenas e só uma intervenção destinada a conservar e recuperar o património já existente.
Neste conspecto, apurou-se indiciariamente que, o requerido removeu o portão existente na frente do prédio e demoliu um dos pilares laterais que o suportavam, assim como demoliu parte do muro da frente. Na parte de trás do prédio, o requerido iniciou a construção de duas sapatas. Este, o estado da obra no momento em que foi comunicado o embargo.
Ressuma, ainda, da matéria de facto indiciada que a obra que o requerido pretendia realizar no prédio, na parte de trás, era a colocação de um portão sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis, que assentariam em duas sapatas, e tanto assim que isso mesmo veio a executar, colocando o portão que existia na parte da frente (e que substituiu por um novo) na parte de trás.
Já na parte da frente do prédio, o requerido pretendia substituir o portão existente por um novo, e restaurar o muro e os pilares – e isso mesmo veio a concluir – sendo que esse portão encontrava-se velho, enferrujado e degradado, e o muros e os pilares, por seu turno, apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fracturas.
Assim sendo, é manifesto que, na parte da frente, não há novidade nenhuma: o que o requerido pretendeu fazer, e veio a concluir de facto, ressume-se a uma mera obra de conservação e restauração de infra-estruturas já existentes: o muro, os pilares e o portão.
Relativamente à obra levada a cabo na parte de trás, não se vê como a colocação de um portão (com aproveitamento do portão substituído na parte da frente) sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis – e portanto sem que se possa sequer concluir que estão incorporados no prédio, e ainda considerando que o acesso ao prédio se fazia habitualmente pelo portão da frente – tenha relevância suficiente para constituir uma inovação para efeitos da presente providência cautelar.
Para que esta providência cautelar possa ser decretada é, pois, necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efectivamente novo, ou seja, que implique uma modificação substancial da coisa (v.g. a abertura de novas portas ou janelas, demolição de paredes ou remoção de cobertura, ou reconstrução de um edifício em ruínas com diferente volumetria ou com novos pisos).
O embargo de obra nova não está ao alcance dos interessados para interferir com obras de meras modificações superficiais (em que incluímos a colocação de um portão nas traseiras, facilmente amovível) ou a mera reconstrução de uma situação pré-existente, em que não há inovação alguma, ou seja, quando se trate de reprodução ou repetição, pura e simples, de facto anterior […].
Com este fundamento, impõe-se julgar improcedente a presente providência cautelar e, em consequência, prejudicado fica o conhecimento dos demais pressupostos legais da providência sub iudice, assim como de todas as demais questões suscitadas pelas partes.
Discordando deste entendimento, os apelantes sustentam, quanto à obra em curso na parte da frente do prédio, que a lei não faz depender o decretamento da providência requerida da existência de uma inovação relativamente à situação preexistente e, quanto à construção iniciada nas traseiras do imóvel, que as sapatas e os postes metálicos que suportam o portão aí colocado, após remoção da parte da frente do prédio, não são facilmente amovíveis, conforme se consignou, defendendo se considere preenchido o pressuposto da ratificação do embargo extrajudicial tido por não verificado.
Vejamos se lhe assiste razão.
O procedimento cautelar de embargo de obra nova encontra-se regulado nos artigos 397.º a 402.º do CPC.
Permite o n.º 1 do artigo 397.º, àquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente; acrescenta o n.º 2 do preceito que o interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar; esclarece o n.º 3 que o embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.
Visando suspender a execução de obra, trabalho ou serviço que cause ou ameace causar prejuízo ao requerente, até à decisão definitiva do litígio no âmbito da ação principal, o embargo de obra nova consiste numa providência cautelar de natureza conservatória, destinada a evitar a ofensa do direito do requerente ou o agravamento do respetivo prejuízo.
Da análise do n.º 1 do citado artigo 397.º decorre que são requisitos cumulativos do decretamento desta providência cautelar especificada os seguintes: i) encontrar-se em curso obra, trabalho ou serviço novo; ii) ofensa do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou da posse do requerente, em resultado daquela obra; iii) verificação de prejuízo ou ameaça de prejuízo causado pela obra.
Face ao objeto do recurso, cumpre aferir, antes de mais, se a factualidade indiciariamente assente preenche o primeiro dos indicados requisitos, isto é, se permite concluir que se encontrava em curso, aquando da realização do embargo extrajudicial, no prédio rústico identificado no ponto 2 de 2.1.1., obra, trabalho ou serviço novo.
Encontra-se indiciariamente assente que, aquando da realização do embargo extrajudicial, o requerido: i) havia removido o portão existente na frente do prédio, demolido um dos pilares laterais que o suportavam e demolido parte do muro da frente; ii) na parte de trás do prédio, iniciara a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão.
Mais se apurou que, após o embargo, o requerido prosseguiu os trabalhos, tendo: i) na parte da frente do prédio, reconstruído o muro e o pilar que havia demolido, bem como substituído o portão removido por um portão novo; ii) colocado na parte de trás o portão que removera da parte da frente, sustentado em dois postos metálicos facilmente amovíveis.
No que respeita à parte da frente do prédio, decorre desta factualidade que o requerido removeu o portão aí colocado, que substituiu após o embargo extrajudicial por um portão novo, bem como demoliu um dos pilares que o suportavam e parte do muro, os quais veio a reconstruir depois do embargo, assim concluindo a obra iniciada.
Extrai-se dos pontos 8 e 9 de 2.1.1. que o portão substituído se encontrava velho, enferrujado e degradado, sendo que o muro e os pilares que existiam na parte da frente do prédio apresentavam aspecto envelhecido, rachas profundas e extensas, e algumas fraturas. Consta do ponto 11, por seu turno, que o prédio rústico em causa tem sido usado pelo requerido, para cultivo, desde há 30 anos aproximadamente, na sequência de lho ter o seu pai disponibilizado para o efeito.
A análise que a 1.ª instância efetuou destes elementos mostra-se acertada, ao considerar que se trata de uma mera obra de conservação e restauro de infraestruturas já existentes – o muro, os pilares e o portão – e não de uma obra nova, nos termos previstos no artigo 397.º, n.º 1, do CPC.
Os apelantes, sem colocarem em causa a ausência de inovação relativamente à situação preexistente, defendem que a lei não faz depender de tal requisito o decretamento da providência requerida.
Não lhes assiste, porém, razão, dado que a posição que defendem não tem em conta os fundamentos do embargo constantes do n.º 1 citado artigo 397.º, na parte em que estabelece como requisito do respetivo decretamento que o ato iniciado – obra, trabalho ou serviço – seja novo.
Esclarece Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 228) o seguinte: «A ‘novidade’ que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa e não se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente».
Em anotação ao aludido artigo 397.º, explicitando o sentido da previsão legal, no que respeita à referência a «obra, trabalho ou serviço novo», José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 166) afirmam: «Para que possa ser considerada nova, a obra tem de inovar relativamente ao estado anterior. Assim não pode ser tida por obra nova a retomada da extração de minério (…), a reconstituição dum edifício destruído por incêndio (…) ou a reparação de paredes e a substituição de telhados e pisos».
No mesmo sentido, afirma Marco Carvalho Gonçalves (Providências Cautelares, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 282) o seguinte: «(…) para que possa ser decretado o embargo de obra nova, torna-se ainda necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efetivamente “novo”, isto é, que implique “uma modificação substancial da coisa”, não sendo, por isso, admissível o recurso a este meio cautelar para o embargo de uma obra que se traduza em “meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente”. Com efeito, o embargo de obra nova só pode ser requerido contra a execução de “obras relevantes”, encontrando-se excluídas as “meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores” (por exemplo, substituição de um telhado, reparação de uma parede ou reconstrução de um edifício).
Assente que os atos iniciados na parte da frente do prédio – remoção do portão, demolição de um dos pilares laterais que o suportavam e demolição de parte do muro da frente –, visando a substituição do portão, que se encontrava enferrujado e degradado, por um portão novo, bem como a reconstrução de um dos pilares que suportavam o portão e de parte do muro, que apresentavam aspecto envelhecido, rachas e fraturas, não configuram uma inovação relativamente à situação preexistente, tal impede se considere preenchido o aludido pressuposto de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial, no que se reporta a tais atos, conforme decidiu a 1.ª instância.
No que respeita à parte de trás do prédio, decorre da factualidade apurada que, aquando da realização do embargo extrajudicial, o requerido havia iniciado a construção de duas sapatas destinadas a suportar dois postes metálicos para albergar um portão, o que veio a concluir após o embargo, colocando nas traseiras do prédio o portão que removera da parte da frente, sustentado em dois postos metálicos facilmente amovíveis.
Considerou a 1.ª instância que, relativamente à obra levada a cabo na parte de trás, não se vê como a colocação de um portão (com aproveitamento do portão substituído na parte da frente) sustentado em dois postes metálicos, facilmente amovíveis – e portanto sem que se possa sequer concluir que estão incorporados no prédio, e ainda considerando que o acesso ao prédio se fazia habitualmente pelo portão da frente – tenha relevância suficiente para constituir uma inovação para efeitos da presente providência cautelar. Pelo motivo exposto, foi considerado não preenchido o requisito em apreciação, de que depende a ratificação judicial do embargo extrajudicial.
No que respeita à construção iniciada nas traseiras do imóvel, os apelantes baseiam a solução que preconizam na alteração da factualidade considerada indiciariamente assente, por via da modificação do ponto 7 de 2.1.1. – com a redação: Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos facilmente amovíveis –, preconizando lhe seja atribuída a redação seguinte: «Concretamente, para concluir a obra, o requerido reconstruiu o muro e o pilar que havia demolido, construiu um novo pilar para assentar o portão da frente do prédio aumento a área da entrada em, pelo menos, um metro linear e substituiu o portão existente na parte da frente do prédio por um novo, e na estrema das traseiras do prédio, colocou o portão removido da parte da frente, sustentado em dois postes metálicos assentes em sapatas, não removíveis».
Rejeitada a modificação da decisão de facto, designadamente do aludido ponto da matéria tida por indiciariamente assente, mostra-se prejudicada a apreciação da solução defendida pelos apelantes, no que respeita aos atos executados nas traseiras do prédio.
Efetivamente, a solução que os recorrentes defendem para esta parte do litígio assenta na alteração da factualidade considerada indiciariamente assente, por via da modificação da redação do ponto 7; rejeitada tal modificação da matéria de facto, não defendem qualquer alteração da matéria de direito, no que respeita à questão indicada, a apreciar na hipótese de se manter a factualidade fixada pela 1.ª instância.
Verifica-se, assim, que a não alteração da factualidade considerada indiciariamente assente importa se considere prejudicada a apreciação da questão da verificação dos pressupostos do decretamento da providência requerida, no que respeita aos atos executados nas traseiras do prédio.
Como tal, cumpre considerar acertada a decisão recorrida, ao ter como não preenchido o aludido requisito necessário ao decretamento da providência requerida.
Nesta conformidade, não se encontrando preenchido um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, deve a mesma ser indeferida, conforme decidido pela 1.ª instância.
Improcede, assim, a apelação deduzida pelos requerentes.

2.3. Apreciação da ampliação do objeto do recurso requerida pelo recorrido
O recorrido requereu a ampliação do objeto do recurso, invocando a previsão do artigo 636.º, n.º 1, do CPC.
Sob e epígrafe Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, dispõe o artigo 636.º do CPC, o seguinte: 1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. 3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.
Estando em causa recurso intentado pela parte vencida, o citado preceito regula os meios ao dispor da parte vencedora que pretenda obter a reapreciação de determinados fundamentos de decisão que lhe foi favorável, relativamente aos quais tenha decaído, tendo em vista obviar à alteração da decisão recorrida por efeito da procedência do recurso intentado pela parte contrária.
No caso presente, face à improcedência da apelação deduzida pelos requerentes, com a consequente manutenção da decisão recorrida, mostra-se prejudicada a apreciação das questões que integram a ampliação do objeto do recurso requerido pelo recorrido.
Em conclusão, atenta a improcedência da apelação, mostra-se prejudicada a apreciação da ampliação do objeto do recurso.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Évora, 23-04-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1.ª Adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª Adjunta)