RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA CONJUNTA
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Sumário

Pese embora o regime de residência alternada seja aquele que, em princípio, favorece mais a manutenção de relações de grande proximidade da criança/jovem com ambos os progenitores e que respeita o princípio da igualdade entre os progenitores, existem outros vetores a considerar para que o tribunal possa decidir-se por aquele regime, nomeadamente, a capacidade e disponibilidade de cada um dos progenitores para cuidar do filho, o tempo que cada um deles tem para lhe dedicar, as respetivas condições de natureza económica, logística, profissional e moral, a idade e o estádio de desenvolvimento da criança bem como a existência de irmãos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2203/23.0T8PTM-C.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Anabela Luna de Carvalho
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO

I.1.

(…), requerido na ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao menor (…), que lhe foi movida por (…), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Família e Menores de Portimão, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro o qual ao fixar um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais determinou que o menor ficasse entregue aos cuidados da mãe e com ela residente.

O despacho sob recurso tem o seguinte teor:

"Da análise conjugada dos elementos já carreados para os autos, designadamente, o teor dos CRC´s, o facto de o processo-crime ainda estar em fase embrionária, sem constituição de arguidos, conjugado com as declarações que aqui foram prestadas, toda a factualidade descrita nos remete para um conflito exacerbado entre os progenitores, tanto assim, que concentram o seu discurso num ataque mútuo constante, remetendo para uma relação passada conturbada, contrária ao superior interesse do menor.
Nesse contexto, e considerando que os autos deverão estar alicerçados de mais elementos que possam determinar com uma maior segurança a fixação de um regime que possa eventualmente coincidir com a situação atual do menor, por ora, à míngua de outros elementos, e atento à tenra idade da criança, de forma a que possa ter estabilidade e criar rotinas sem percalços, decido fixar o seguinte regime (artigo 37.º, n.º 5, RGPTC):
I. Residência e Exercício das responsabilidades parentais:
1. A criança fica entregue aos cuidados da mãe e com ela residente, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano;
2. As responsabilidades parentais, no que concerne às questões de particular importância para a vida da criança, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
II.Visitas/Férias:
3. O pai pode estar e visitar a criança, sem prejuízo das horas de descanso e afazeres escolares desta, combinando com a progenitora com antecedência razoável;
4. A criança passa com o pai os fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, sendo a recolha à sexta-feira e a entrega à segunda-feira na escola/creche;
5. A mãe deve avisar com 15 dias de antecedência o pai do seu horário laboral mensal e, nos dias em que trabalha até à meia-noite, a criança fica junto do pai;
6. No dia de aniversário da criança, no dia de aniversário do pai, no dia do pai e no dia da criança, a criança tomará uma refeição com o progenitor, sucedendo o mesmo para a mãe nos dias correspondentes;
7. A criança passa metade das férias escolares do Natal/Ano Novo e Páscoa, em semanas alternadas com cada um dos progenitores, sem prejuízo de alternarem a véspera e o dia de
natal, o mesmo no ano novo e domingo de Páscoa, a combinar entre os progenitores;
8. A criança passa metade das férias escolares de verão com cada um dos progenitores, a combinar com antecedência entre ambos;
III. Alimentos:
8. O pai pagará a título de alimentos a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) para o filho menor, a depositar na conta bancária da progenitora, até ao dia 08 de cada mês, cujo IBAN PT50 (…), já é do conhecimento do progenitor;
9. A referida quantia será atualizada anualmente em janeiro à taxa de 2%, com início em 2024.
10. O pai contribuirá com metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas e extracurriculares (estas, desde que acordadas) devidamente comprovadas, devendo a mãe enviar ao pai, no prazo de um mês, os comprovativos da efetivação das ditas despesas e devendo o pai proceder ao seu pagamento juntamente com a prestação de alimentos do mês seguinte à sua comunicação.

**
Sem prejuízo de melhor avaliar um regime que melhor se adeque aos interesses do menor, uma vez que os progenitores estão a ter dificuldades em acordar um regime adequado para a criança, a fim de evitar um possível conflito entre os progenitores, decido suspender por dois meses a presente conferência e remeto as partes para a audição técnica especializada
– artigos 23.º e 38.º, alínea b), ambos do RGPTC.
Notifique e comunique à Segurança Social para os fins convenientes, com cópia das P.I e da presente ata (artigo 23.º RGPTC)».

I.2.
As alegações do recorrente culminam com as seguintes conclusões:

«A. Por despacho de 4/10/2023 proferido nos autos, decidiu o Tribunal estipular o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, passando a criança a ficar entregue aos cuidados da mãe e com ela residente; As responsabilidades parentais, no que concerne às questões de particular importância para a vida da criança, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;

B. Quanto às visitas o pai pode estar e visitar a criança, sem prejuízo das horas de descanso e afazeres escolares desta, combinando com a progenitora com antecedência razoável; A criança passa com o pai os fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, sendo a recolha à sexta-feira e a entrega à segunda-feira na escola/creche; A mãe deve avisar com 15 dias de antecedência o pai do seu horário laboral mensal e, nos dias em que trabalha até à meia-noite, a criança fica junto do pai; No dia de aniversário da criança, no dia de aniversário do pai, no dia do pai e no dia da criança, a criança tomará uma refeição com o progenitor, sucedendo o mesmo para a mãe nos dias correspondentes;

C. A criança passa metade das férias escolares do Natal/Ano Novo e Páscoa em semanas alternadas com casa um dos progenitores, sem prejuízo de alternarem a véspera e o dia de Natal, o mesmo no Ano Novo e Domingo de Páscoa, a combinar entre os progenitores; A criança passa metade das férias escolares de Verão com cada um dos progenitores, a combinar com antecedência entre ambos;

D. Relativamente aos alimentos, o pai pagará a título de alimentos a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) para o filho menor, a depositar na conta bancária da progenitora, até ao dia 08 de cada mês, cujo IBAN PT50 (…) já é do conhecimento do progenitor; A referida quantia será atualizada anualmente, em janeiro à taxa de 2%, com início em 2024; O pai contribuirá com metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas e extracurriculares (estas desde que acordadas) devidamente comprovadas, devendo a mãe enviar ao pai, no prazo de um mês, os comprovativos da efetivação das ditas despesas e devendo o pai proceder ao seu pagamento juntamente com a prestação de alimentos do mês seguinte à sua comunicação;

E. O Requerido, ora Apelante, insurge-se com o Despacho que determinou que a criança fica entregue aos cuidados da mãe e com ela residente, que teve como argumentação fundamentalmente um conflito que existe entre os progenitores e que deu lugar a queixa contra queixa que se encontram a correr os seus termos.

F. Contudo, os progenitores não confundem a própria relação com a relação de cada um com o seu filho, nem envolvem nos conflitos, pois sabem distinguir as coisas;

G. Apesar dos conflitos entre ambos e que é normal ambos os progenitores quererem a guarda do filho, é claro pelo supra referido despacho que o menor passa bastante tempo com ambos os progenitores e de acordo entre eles para se ajudarem mutuamente quando um ou outro se encontra a trabalhar.

H. Em boa verdade, da referida decisão em lado algum consta que os pais entram em desacordo quanto ao filho e quanto aos períodos em que podem estar com ele.

I. Resulta até que apesar de contraditórios, que o menor Rafael passa tempo com ambos os pais.

J. Não há dúvidas que:

- Existe consenso entre os pais quanto às questões que envolvem os filhos, ou dito de outra forma, a existência de uma relação amistosa (não conflituosa) entre os pais em relação ao filho.

- Existe uma disponibilidade manifestada por cada progenitor para possibilitar relações de proximidade do filho com o outro progenitor;

- A manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os dois progenitores, que segundo os mesmos chegam a passar vários dias da semana com cada um deles e por acordo entre os dois.

K. No caso dos autos, nada obsta à instituição de uma residência alternada.

L. Caso o Tribunal a quo percecionou essa impossibilidade e procurou identificar, m face dos elementos que os autos dispunham naquele momento, qual dos dois progenitores tinha melhores condições para cuidar dos filhos e com ele residirem, deveria ter sempre entendido que seria o pai que “tem a ajuda dos seus pais, se necessário”.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o Douto Despacho recorrido, sendo substituída por decisão que decida a residência alternada do menor;

Assim se fazendo Justiça!».

I.3.

A apelada apresentou resposta às alegações de recurso, que culminam com as seguintes conclusões:

«1ª.- Os requisitos básicos para a existência do exercício da guarda partilhada não estão preenchidos.

a) - Ambos os progenitores não têm um relacionamento saudável, estando a separação /divórcio muito fresco;

b) - Além de que o menor (…) tem dois anos de idade, é muito pequeno;

2º.- A vida de casados de ambos os progenitores foi atribulada, a Recorrida perdeu a autonomia, foi isolada de amigos e família, pressionada pelo Recorrente.

- Entrou em depressão, sofreu agressões, não viviam felizes.

3º.- Não sabemos o que o menor de tenra idade presenciou, mas a Recorrida não quer mais isso para si e para os seus filhos.

- Neste momento, é independente, trabalha, tem a sua casa, e sustenta os seus filhos menores, o (…) e a sua filha (…) de 13 anos.

- Retomou os laços com a sua família, cortados porque o Recorrente “não gostava” da mãe da Recorrida.

4º.- E também, por certo não quis, nem quer o Douto Tribunal a quo separar os irmãos, o (…) da (…), já que sempre viveram juntos.

4.1- A Recorrida trabalha na Santa Casa da Misericórdia;

4.2– Suporta o arrendamento da sua casa, e conseguiu pagar as suas dívidas, sendo certo que o Recorrente com nada contribuiu.

4.3- O Recorrente saiu de casa no passado mês de maio, e nunca mais ajudou com as despesas, tendo a Recorrida de suportar todos os custos que até aqui eram suportados pelos dois.

5º.- É a Recorrida que suporta sozinha o pagamento da cresce, e o Recorrente ainda não pagou a Prestação de Alimentos.

6º.- O Recorrente, quase nunca está em casa, trabalha no Hospital (…) de (…);

6.1 - Por norma, faz mais de um horário de trabalho, e quando não o faz, faz biscates na área da informática, que o ocupam o dia todo, chegando de noite a casa, permanecendo pouco tempo em casa.

6.2 – Que não haja dúvidas que gosta do seu filho, mas não tem grande tempo para ele.

7º.- Quando o menor fica com o progenitor, Recorrente, não é com ele que fica, mas sim com os avôs paternos, que fazem parte integrante do agregado familiar do Recorrente, já que este retornou mais uma vez para residir com os seus pais, na casa que estes têm nas (…), a 2 km de (…).

8º.- Os avós paternos ainda têm uma vida profissional ativa, já com doenças que os debilitam e um pouco cansados o que é natural, perante um petiz de 2 anos de idade, cheio de vida.

8.1- A avó … (mãe do recorrente) é que fica com o menor e cuida deste, alimentando-o, brincando com ele, dando-lhe banho, etc., não o Recorrente como quer fazer crer.

8.2 – Os avôs não são os pais, já criaram o Recorrente, e demonstram algum cansaço com o menor (…), o que é natural, sendo certo que a avó fica com o menor sempre que a Recorrida o solicita de bom grado, tendo a Recorrida e os avós paternos do menor um bom relacionamento.

9º.- O Recorrente tem outro filho de outra relação (…), da qual também não tem a guarda partilhada, e suporta o pagamento da pensão de alimentos, no montante de € 200,00, que lhe é retirada do seu salário mensal por ordem do Tribunal.

9.1 – Não tem grande convívio com este filho apesar de viverem no mesmo concelho.

9.2 – O certo, é que o Recorrente não quer suportar a nova Pensão de Alimentos, que foi estipulada no dia 04 de outubro, último, ao (…).

10º.- Sendo certo, que não se coloca em dúvida o amor que o pai sente pelo menor, e o menor sente pelo pai, deixando-o fazer tudo, no pouco tempo que passa com ele, sendo certo que tal comportamento também não será o mais adequado/correto.

10.1 – A forma conflituosa e os comportamentos para com a mãe do seu filho, são demasiado agressivos e espera-se que com o passar do tempo se normalizem, de qualquer forma a Recorrida evita encontrar-se com o Recorrente.

11º.- É certo que o ideal seria “um mundo perfeito”, mas tal não existe, neste momento o melhor e o superior interesse do menor passará pela melhor qualidade de vida, do seu bem-estar, e sem dúvida que será junto da irmã de 13 anos, e da sua mãe, que tem disponibilidade total para estar e brincar com ele.

12º.- Por tal, deve continuar com a residência fixada na progenitora, e esta ter o exercício do poder paternal em tudo o que for do quotidiano do menor, continuar tudo, como foi definido na conferência de pais, não tendo a Meritíssima Juiz cometido qualquer violação ou má interpretação da Lei, tendo sim, procurado a melhor situação para o caso em concreto, o que fez.

12.1- Uma decisão difícil de aceitar para o Recorrente, que se recusa a suportar a pensão de alimentos do pequeno Rafael, o que é de lamentar, já que tem um rendimento mensal muito superior ao da Recorrida.

--- Nestes termos e nos melhores termos de direito, que vossas Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e por via dele, ser mantida a decisão tomada pelo Douto Tribunal a quo, concedendo provimento à Resposta do recurso e por via dele, e com todas consequências legais.

Porém Vossas Exas. decidirão como for de Justiça».

I.4.

O Ministério Público apresentou resposta às alegações de recurso, que culminam com as seguintes conclusões:

«1.ª O recorrente/requerido interpôs recurso do despacho proferido no âmbito dos presentes autos, em sede de conferência de pais que teve lugar no passado dia 4 de outubro de 2023 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2º Concordamos na íntegra com os fundamentos constantes daquela decisão ora sob censura, nada mais se nos oferecendo acrescentar.

3.º No presente caso, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, onde a solução mais adequada ao caso concreto se deve impor aos critérios de legalidade estrita (cfr. artigo 1409.º e seguintes do CPC), a que acresce ainda o facto de estarmos perante uma decisão, provisória, proferida ao abrigo do disposto no artigo 38.º do RGPTC, pelo que as exigências de fundamentação de tal decisão não poderão ser as mesmas que as de uma sentença final.

4.º Assim, tendo tal decisão sido proferida no âmbito de uma conferência de pais, em que os progenitores não chegaram a acordo quanto à guarda do menor, tal decisão foi alicerçada nos documentos juntos aos autos e nas declarações destes que ficaram exaradas em ata, o que constituiu fundamentação bastante para a decisão.

5.º O Tribunal a quo, ao fixar o regime provisório de visitas dos menores ao seu progenitor, nos termos em que o fez, norteou a sua decisão apenas e tão só pelo princípio da defesa do superior interesse do menor.

6.º O interesse das crianças para efeitos de uma decisão provisória, em sede preliminar do processo e antes de serem consultados técnicos especializados, diz- nos o bom senso que é que causar o “menor estrago”, isto é, a que assegure a residência com a mãe, como já sucedia, com a manutenção do convívio com o pai, visando a menor perturbação da vida do menor.

7.º No caso em apreço, estamos perante uma criança com cerca de 2 anos de idade, sendo a mãe a figura primária de referência do menor, com quem este residia desde que nasceu, na mesma casa onde antes residia com ambos os progenitores e onde tinha estabelecida a sua rotina doméstica, pelo que, considerando a tenra idade da criança, de forma a que possa ter estabilidade e criar rotinas sem percalços, bem andou o Tribunal a quo quando determinou que a criança ficasse entregue aos cuidados da mãe e com ela residente, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais no que concerne as questões relativas à gestão do seu quotidiano.

8.º Por isso o alegado pelo recorrente não possui a virtualidade para abalar aquela decisão, que deverá ser mantida nos precisos termos.

Termos em que, deverá a decisão recorrida manter-se nos seus precisos termos, julgando-se improcedente o recurso interposto pela requerida.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!».

I.5.

O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido e foi fixado efeito meramente devolutivo ao recurso.

Correram vistos nos termos do artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), pelo que cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.

As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2.) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.

No caso a única questão que cumpre decidir é saber se a decisão recorrida ao decretar provisoriamente que o menor Rafael Alexandre fica a entregue aos cuidados da sua mãe e a reside com ela deve ser alterada no sentido de se fixar um regime de guarda alternada.

II.3.

Reapreciação do mérito da decisão
A decisão recorrida fixou um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor (…), tendo fixado um regime de residência única do menor junto da mãe, aqui apelada, com o correlativo regime de visitas com o pai e a fixação de uma prestação de alimentos a cargo do último.
Na perspetiva do recorrente a decisão deve ser revogada, fixando-se um regime de residência alternada do menor com ambos os progenitores.
O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é de jurisdição voluntária pelo que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, ao invés, adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna – artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, doravante designado por RGPTC, e artigo 987.º do Código de Processo Civil.
O artigo 1906.º, n.º 6, do Código Civil, na sua versão atual[1], dispõe que «Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos».
Preceito normativo que tem de ser conjugado com o artigo 40.º da RGPTC que dispõe que «Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiado a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela» e com o artigo 37.º/1, do mesmo diploma normativo, de acordo com o qual na conferência de pais que se segue à instauração da ação, o tribunal deve procurar obter um acordo que corresponda aos interesses da criança.
O superior interesse da criança que deve nortear a decisão do julgador é um conceito jurídico indeterminado que visa permitir ao juiz alcançar, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, a solução que melhor proporcione um pleno desenvolvimento da criança/jovem. Trata-se de um conceito consagrado não apenas nos normativos legais acima citados, mas também e, designadamente, na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro (artigo 4.º), na Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990[2] (artigo 3.º), na Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo em 25 de janeiro de 1996[3] (artigo 1.º) e no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU de 20 de novembro de 1959.
No caso em análise o recorrente fundamenta a sua posição – de que deve ser fixado um regime que contemple a residência alternada do menor – nas seguintes premissas:
(i) Existe consenso entre os pais quanto às questões às questões que envolvem os filhos, ou dito de outra forma, a existência de uma relação amistosa (não conflituosa) entre os pais em relação ao filho;
(ii) Existe uma disponibilidade manifestada por cada progenitor para possibilitar relações de proximidade do filho com o outro progenitor;
(iii) A manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os dois progenitores, que segundo os mesmos chegam a passar vários dias da semana com cada um deles e por acordo entre os dois.
Sucede, porém, que tais “premissas” assentam em factualidade que não foi julgada provada na decisão recorrida. Com efeito, e ao contrário do que sustenta o apelante, não é pelo facto de não constar da decisão recorrida que os progenitores não se entendem quanto às questões relacionadas com o filho e quanto aos períodos em que cada um deles pode estar com o mesmo que se pode extrair o facto contrário, a saber, que as partes se entendem perfeitamente quanto às questões relacionadas com o menor. Ademais, da decisão recorrida extrai-se que existe um «conflito exacerbado entre os progenitores» e um processo-crime a decorrer (ainda sem a constituição de arguidos) e que envolve ambos os progenitores.
Acresce que o recorrente tão pouco concretiza/especifica em que termos deveria ser fixada a residência alternada e, sobretudo, não aponta factos – para além dos supra referidos que não foram julgados provados na decisão sob recurso – que permitam a este tribunal de segunda instância concluir que um regime que contemple a residência alternada do menor é aquele que, em concreto, corresponde ao superior interesse do menor (…). Cientes que estamos de que o regime de residência alternada é aquele que, em princípio, favorece mais a manutenção de relações de grande proximidade da criança/jovem com ambos os progenitores e que respeita o princípio da igualdade entre os progenitores, existem outros vetores a considerar (v.g. a capacidade e disponibilidade de cada um dos progenitores para cuidar do filho, o tempo que cada um deles tem para lhe dedicar, as respetivas condições de natureza económica, logística, profissional e moral, a idade e o estádio de desenvolvimento da criança bem como a existência de irmãos) e não existe nos autos factualidade que nos permite concluir que é essa a solução que melhor se adequa à satisfação do superior interesse do menor Rafael, sendo que in casu o apelante não põe em causa a capacidade ou a disponibilidade da progenitora para cuidar do filho de ambos.
Por todo o exposto, julgamos não merecer provimento a presente apelação, mantendo, por isso, a decisão recorrida.


Sumário: (…)

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.

As custas são da responsabilidade do apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Notifique.

DN.

Évora, 23 de abril de 2024

Cristina Dá Mesquita (Relatora)

Anabela Luna de Carvalho (1.ª Adjunta)

Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (2.ª Adjunta)

__________________________________________________

[1] Na redação dada pela Lei n.º 65/2020, de 04/11.

[2] Aprovada pela Assembleia da República, para ratificação, em 8 de junho de 1990, publicada no DR n.º 211/90, Série I, 1.º Suplemento, de 12 de setembro de 1990 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro.

[3] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/201, em 13 de dezembro de 2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27 de janeiro, publicada no DR, 1.ª Série, n.º 18, de 27.01.2014.