DELIBERAÇÃO SOCIAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
NULIDADE
Sumário

1 - Não resultando demonstrado que determinada deliberação tomada em assembleia geral de condomínio viola norma imperativa e/ou que contraria a ordem pública inexiste fundamento para declarar a respectiva nulidade;
2 - Do mesmo passo, não tendo a Apelante logrado provar que outras duas deliberações aprovadas na mesma assembleia geral violam normas ou regulamentos anteriormente aprovados à tomada de tais deliberações soçobra igualmente fundamento para declarar a anulabilidade das mesmas. (Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação n.º 254/22.1T8LAG.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de competência Genérica de Lagos - Juiz 1

Apelante: (…), Apartamentos, Lda.
Apelado: Condomínio sito na Rua (…), Largo (…), em Lagos, representado pelo Administrador do Condomínio, (…)
*
Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)

***
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – Relatório
(…), Apartamentos, Lda., com sede na Rua (…), n.º 30, r/c, em Lisboa, instaurou a presente ação contra Herdeiros de (…), (…), (…), (…), (…), Lda., (…), (…), (…), (…), (…), (…), representados pelo Administrador do Condomínio (…), pedindo:
«a) A anulação, nos termos do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, das deliberações da Assembleia Geral de Condóminos de 4 de Fevereiro de 2022, do prédio sito na Rua (…), “Edifício (…)”, que aprovaram, a eleição da Administração para o ano de 2022 e o orçamento para o exercício de 2022;
b) Ou, caso se entenda que a deliberação sobre as contas de 2021 não foi tomada legalmente, por não ter havido efetiva e suficiente prestação das mesmas pelo Administrador, a declaração de nulidade da mesma deliberação».
Para tanto alegou, em síntese, ser condómina no prédio sujeito a regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), Largo (…), em Lagos, acrescentando que a Assembleia de Condóminos realizada em 4 de Fevereiro de 2022 foi presidida por outrem que não o seu Administrador do Condomínio, revelando-se ainda pautada por várias irregularidades.
Citado, veio o Administrador do Condomínio, (…), apresentar contestação em representação dos Réus na qual, além de pugnar pela exceção de ilegitimidade passiva dos demais Réus, alegou, em síntese, estarem as contas apresentadas devidamente organizadas, documentalmente justificadas e terem sido aprovadas pela maioria dos condóminos, inexistindo qualquer vício nas deliberações impugnadas.
Terminou, pugnando pela absolvição da instância dos demais Réus e pela absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade passiva e, em consequência, foram absolvidos os demais réus, permanecendo no pleito o réu (…), na qualidade de Administrador do Condomínio do Prédio sito na Rua (…), Largo (…), Lagos, e em sua representação.
Realizou-se a audiência final e de seguida foi proferida sentença que inclui o seguinte dispositivo:
“DISPOSITIVO:
Em face do exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.
Custas a cargo da autora.”
*
Inconformada com a sentença a Autora apresentou requerimento de recurso de apelação para este Tribunal da Relação alinhavando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
1. O objeto do litígio coincide com as questões que as partes submetem à apreciação do Juiz, delimitadoras dos seus poderes de cognição (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), nomeadamente das questões consubstanciadas no pedido, causa de pedir e matéria de exceção.
2. Assim a Recorrente na apresentação da petição inicial, definiu o seu pedido, nos termos seguintes:
“a) A anulação, nos termos do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, das deliberações da Assembleia Geral de Condóminos de 4 de Fevereiro de 2022, do prédio sito na Rua (…), “Edifício (…)”, que aprovaram, a eleição da Administração para o ano de 2022 e o orçamento para o exercício de 2022;
b) Ou caso se entenda que a deliberação sobre as contas de 2021 não foi tomada legalmente, por não ter havido efetiva e suficiente prestação das mesmas pelo Administrador, a declaração de nulidade da mesma deliberação».
3. Ora, perante a fundamentação da sentença recorrida e perante os factos provados e não provados que constam dessa sentença, não resta qualquer dúvida de que o Juiz a quo não compreendeu a verdadeira causa de pedir da petição inicial da Recorrente.
4. Não basta formalmente a Administração apresentar contas e documentos do Recorrido. É necessário averiguar cabalmente, o conteúdo dessas contas e documentos, sendo também necessário que o seu conteúdo seja válido e correto.
5. Entendeu o Tribunal a quo que bastava que qualquer tipo de documentação fosse apresentada e votada favoravelmente pela maioria, para que não houvesse razão legal para impugnação da Assembleia Geral de Condóminos.
6. O dever a essa informação, encontra-se desde logo plasmado no artigo 1431.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, pois para ser feita uma discussão sobre contas do ano anterior e aprovação do orçamento das despesas e receitas a efetuar durante o ano, tem de ser dado efetivo conhecimento de toda a situação do Condomínio e não apenas resumos financeiros internos, sem qualquer base em documentação que os sustente.
7. Ora no caso concreto, a situação ainda é mais problemática, pois quaisquer documentos ou contas que sejam apresentados pelo administrador, logo à partida já têm a garantia que vão ser votados favoravelmente, pois o Administrador do Recorrido, agrega sempre na sua pessoa, a qualidade para representar a maioria da permilagem nas Assembleias de Condómino, através de procurações de condóminos para os quais também faz administração dos seus imóveis.
8. Deve ressaltar da necessária conta-corrente, que as receitas passíveis de objeto da prestação de contas não podem ser senão os rendimentos, bens ou produtos efetivamente cobrados, recebidos ou colhidos pelo administrador no/e por causa do exercício da administração de património alheio e, por seu turno, as despesas não podem ser outras que não as realizadas no/e para cumprimento dessa mesma atividade de administração de bens alheios.
9. Na fundamentação da sentença pelo Tribunal a quo, a alínea 7) dos factos provados que: “Consta ainda no documento referido em 2) que foi efetuada uma pausa de 20 minutos na sessão, na qual, além do mais, o representante da autora analisou os documentos da contabilidade, tendo o administrador do condomínio prestado os esclarecimentos solicitados.”
10. Ora, este facto só por si, não pode valorizar qualquer raciocínio de certeza que pretendesse fundamentar a decisão da sentença, quando à efetiva prestação de contas pelo Administrador do Recorrido.
11. Pois se é certo que foram solicitados esclarecimentos, e se possivelmente foram gastos vinte minutos para tal, nada ficou provado quanto à satisfação daqueles que solicitaram tais esclarecimentos, perante a pouca documentação apresentada e a explicação do seu conteúdo, tendo em conta os valores envolvidos, assim como também não ficou provado que o conteúdo de tal documentação fosse válido e correto.
12. A Recorrente considera incorretamente julgado o constante na alínea 7), dos factos provados, assim como o constante na alínea d) dos factos não provados, pois o Tribunal a quo não colheu com segurança toda a prova produzida, designadamente as declarações do gerente da Recorrente e das testemunhas (…) e (…).
13. No entanto, e conforme se pode ouvir nessa gravação (áudio número 20230509113331_4267015_2870874 (18:09), e cuja transcrição se refere ao período gravado entre o minuto 16:31 e o minuto 17:18), é possível ouvir claramente o representante da Recorrente, dizer que não foram apresentados os documentos solicitados anteriormente à Assembleia, de modo a que pudesse o Administrador do Recorrido, se encontrar munido dessa documentação na Assembleia.
14. Tanto através do depoimento do representante da Recorrida, como do depoimento de (…), podemos constatar que ficou provado que a documentação solicitada não foi apresentada em Assembleia Geral de Condóminos.
15. Deveria ter sido dado como provado na douta sentença recorrida, que a Administração do Recorrido além de não apresentar os documentos solicitados na Assembleia, também não o fez após a mesma.
16. Nos depoimentos do Representante Legal da Recorrente, e das testemunhas (…) e (…), nenhum confirma que a documentação solicitada tenha sido apresentada. Pelo contrário, só fortalecem a convicção de que não foram apresentados os documentos solicitados, de forma a que fosse possível discernir com certeza e precisão da contabilidade apresentada pelo Administrador.
17. O Tribunal a quo parece não achar relevante se as contas apresentadas estavam corretas ou não. No entanto, o pedido da Recorrente vai precisamente ao encontro da necessidade de a Administração do Recorrido apresentar e justificar os valores apresentados, devendo o Tribunal a quo averiguar a veracidade e correção desses valores.
18. Aliás, o Tribunal a quo desvaloriza o depoimento de (…) quanto a esse assunto, conforme o depoimento prestado no dia 09/05/2023, em áudio registado com o número 20230509121026_4267015_2870874, entre os minutos 05:53 e 08:15.
19. O conhecimento dos factos pela testemunha (…) foi no tempo em que lá esteve no prédio, acompanhado pelo representante da Recorrente e da testemunha (…), pelo que teve a oportunidade de observar muito do que se lá passava, nomeadamente no que concerne à administração que é feita no prédio.
20. Um dos fatos que essa testemunha teve a oportunidade de observar aquando esteve a trabalhar no local em questão, foi que no ano de 2021, as frações da (…), Lda., e da Recorrente estavam encerradas, tal como a testemunha (…) também já havia afirmado no seu depoimento.
21. As testemunhas (…) e (…) são unânimes em considerar os valores das contas, pelo menos no que diz respeito à eletricidade, como completamente desproporcionais, em relação ao efetivo custo despendido pelo Edifício na totalidade.
22. Seria necessário, que o Tribunal a quo fundamentasse a sentença com o esclarecimento acerca da avaliação que fez ao depoimento das diferentes testemunhas.
23. Não deveria apenas o Tribunal a quo, indicar que achou um testemunho credível e outro não, sem que fundamentar o porquê dessa opinião. E não poderá ser uma fundamentação baseada em critérios estritamente pessoais, com a maior amplitude do poder da livre apreciação da prova, mas sim em critérios estritos.
24. Objetivamente, podemos afirmar que o Meritíssimo Juiz a quo se escuda na livre apreciação de prova para decidir o pleito, sem que o mesmo seja devidamente respeitado, na medida em que a fundamentação do juiz não foi reconduzida a critérios objetivos para que seja oponível a terceiros e a objeto de recurso.
25. A experiência que o Tribunal já possui, tem que levar à compreensão que em audiência de julgamento, estamos a lidar com pessoas que regra geral, ficam nervosas perante um Juiz, e que certamente esse estado de espírito, influencia a escolha das palavras. O que realmente importa é compreender a veracidade do depoimento e o conteúdo do mesmo.
26. Também decorre da motivação da douta sentença recorrida que: “No que concerne aos pontos 4) a 10), os mesmos resultaram da análise do teor da ata n.º 1 de 2022 e respetivos anexos a esta, junta com a petição inicial.”
27. A Recorrente apenas juntou na sua petição inicial a própria ata da Assembleia de Condóminos de 2022, e não também os anexos, pois tal documentação nunca lhe foi enviada, apesar de sempre solicitar à Administração do Condomínio que procedesse a esse envio.
28. A própria testemunha (…), assim como o legal representante da Recorrente, (…), foram claros a afirmar, em sede de audiência de discussão e julgamento, que nunca tal documentação foi enviada ou entregue em mão à Recorrente.
29. Assim sendo, tais pontos 4) a 10) dos fatos provados não poderiam resultar provados com base na análise dos anexos à ata, porque simplesmente tal documentação não consta dos autos.
30. Também no que se refere à deliberação que aprovou o orçamento, que considerou a douta sentença recorrida como legal, não concorda a Recorrente, salvo melhor opinião, que tal deliberação não enferme de invalidade.
31. Ora entende assim o Tribunal a quo que, poderá a Administração fazer uma simples previsão de despesas e receitas, sem ter qualquer base certa, independentemente de despesas anteriores que sejam realmente justificadas, pois não exigirá que este orçamento tenha rigor contabilístico.
32. No entanto, não terá sido essa a intenção do legislador, uma vez que as quotizações a pagar pelos condóminos relativas à conservação e fruição das partes comuns, que advêm do orçamento a aprovar em cada ano, são típicas obrigações “propter rem”. Além do mais, essa obrigação de pagamento, recaí sobre cada condómino, nos termos do artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil, na proporção do valor da respetiva fração ou frações, sendo passível de cobrança judicial executiva, desde que constem de ata dessa Assembleia Geral de Condóminos (sendo de imediato título executivo).
33. O orçamento deverá ser sempre elaborado, em conformidade com o disposto no artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil, isto é, mediante as despesas e serviços de interesse comum, que existam em cada Edifício.
34. Consequentemente, se a deliberação que aprova o orçamento viola a citada disposição legal, será assim anulável, nos termos do artigo 1433.º, n.º 1, do Código Civil.
35. Ora, a Recorrente apresentou em audiência de julgamento, conforme o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, meio de prova testemunhal onde fez prova de que as contas apresentadas pelo administrador não estavam corretas, e que a documentação necessária e solicitada não foi apresentada na dita Assembleia de Condóminos, nem antes dessa Assembleia.
36. Competia então ao Recorrido, conforme o n.º 2 do mesmo artigo, a prova de que as contas estavam corretas e a apresentação da documentação necessária e solicitada, que lhe permitisse provar que o alegado pela Recorrente não era verdade, o que não foi o caso.
37. Se o objeto do litígio se prendia com o facto de não ter havido efetiva e suficiente prestação de contas pelo Administrador, então era fundamental que o Recorrido, fizesse prova do contrário, que havia sido alegado pela Recorrente.
38. A fundamentação da sentença, no que se refere à matéria de facto dada como provado teria que ter também aplicação quanto ao Recorrido, pois a sua produção de prova em audiência de julgamento, foi de total ausência de produção de prova que pudesse contrariar o alegado pela Recorrente.
39. Houve deficiente fundamentação de toda a sentença, quanto aos factos provados e não provados, pelo que claramente por parte do Tribunal a quo, houve uma evidente violação do princípio do poder de livre apreciação da prova.
40. A prova apresentada pela Recorrente é totalmente indicadora de que as contas apresentadas pelo administrador não se apresentam corretas, pelo que tal deliberação deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo.
41. Deveria ter sido dado como provado que, todo o consumo energético do Edifício no período de 2019 a 2022 resultou praticamente só da exploração turística da (…), Lda., consumo esse que não se encontra refletido nas contas do Recorrido.
42. Deveria ter sido dado como provado que não houve qualquer contrapartida financeira da dita empresa em relação ao Recorrido, por conta desse consumo energético.
43. Deveria também ter sido dado como provado que as contas apresentadas não refletiam a contagem individual dos contadores de energia elétrica de cada fração.
44. Deveria ter sido dado como provado que as contas apresentadas, refletiam apenas o consumo de energia elétrica baseado na permilagem de cada fração.
45. O Mmo. Juiz a quo não fez uma valoração correta da prova, justificando-se apenas na ata da assembleia, em algumas partes do depoimento da testemunha (…), para concluir que não existia qualquer causa que determinasse a nulidade ou anulabilidade das deliberações, quando em termos objetivos e factuais, o Recorrido nunca fez prova em audiência de que os fatos alegados pela Recorrente fossem falsos.
Termos em que V. Exas. concedendo provimento ao presente recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações,
Farão inteira JUSTIÇA!”
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O Apelado apresentou resposta ao recurso, alinhando as seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO
I- A impugnação do julgamento da matéria de facto não cumpre os requisitos formais previstos no artigo 640.º do CPC pelo que quanto à matéria de facto o presente recurso deverá ser rejeitado.
II- A matéria de facto mostra-se julgado de acordo com a prova produzida e a fundamentação invocada pelo julgador para o efeito mostra-se lógica, coerente e suficiente pelo que deverá ser integralmente mantida.
III- A douta sentença recorrida não sofre de quaisquer erros, vícios ou irregularidades que imponham a sua anulação ou alteração.
IV- Improcedem todas as conclusões apresentadas pela recorrente.”
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Foi proferido despacho que admitiu o recurso e ordenou a subida do mesmo a este Tribunal Superior para apreciação.
O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado.
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Correram Vistos.
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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as únicas questões que enformam o objecto deste recurso são as seguintes:
1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2-Reapreciação de mérito, circunscrita a saber se determinadas deliberações tomadas na Assembleia Geral de Condóminos de 04/02/2022 devem ser anuladas ou declaradas nulas.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consta do segmento atinente aos fundamentos de facto da sentença recorrida o seguinte:
“FACTOS PROVADOS
[…]
1) A Autora é condómina no prédio sujeito a regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), Largo (…), em Lagos.
2) O condomínio do prédio identificado em 1) é administrado por (…).
3) … é legal representante da sociedade “(…) – Exploração Hoteleira, Lda.”.
4) Datada de 04 de fevereiro de 2022, foi elaborada ata n.º 1 de 2022, relativa à assembleia geral de condomínio do prédio identificado em 1), dando conta da presença ou representação dos condóminos perfazendo a permilagem de 972 de 1000, fazendo menção da constituição da mesa, como presidente, (…) e, como secretária, (…).
5) Mais se menciona em tal documento, analisando o ponto I da ordem de trabalhos, versando sobre a apresentação, apreciação e votação das contas do condomínio referente ao ano de 2021, que o administrador do condomínio, (…), pediu a palavra e apresentou as contas, mencionando que face a despesas ordinárias e extraordinárias no ano de 2021, foi apurado um saldo negativo operacional global no valor de € 19.899,11, informando os valores das despesas, receitas, património e dívidas, indicados nos anexos II, IV e V anexos à ata referida em 2).
6) Menciona-se, ainda, que quanto à rúbrica Energia, durante o ano de 2021, em concordância com o acordo judicial estabelecido entre o condomínio e as Condóminas (…) e (…), Apartamentos em outubro de 2020, procedeu-se mensalmente à leitura dos contadores instalados nas frações autónomas e zonas comuns do edifício.
7) Consta ainda no documento referido em 2) que foi efetuada uma pausa de 20 minutos na sessão, na qual, além do mais, o representante da autora analisou os documentos da contabilidade, tendo o administrador do condomínio prestado os esclarecimentos solicitados.
8) Após, o presidente colocou as constas a votação, as quais foram aprovadas pela permilagem de 556 a favor e pela permilagem de 416 contra, na qual se inclui a autora.
9) Mais se menciona, versando sobre o ponto II da ordem de trabalhos, atinente à recondução da administração do condomínio, a reeleição do administrador de condomínio, (…), pela permilagem de 528 a favor e pela permilagem de 427 contra, na qual se inclui a autora.
10) Menciona-se, no que concerne ao ponto III da ordem de trabalhos, referente à apresentação, apreciação e votação do orçamento para o ano de 2022, que pelo administrador foi apresentada a proposta do mesmo, constante do anexo VII à ata, informando ter por base a projeção dos custos de anos transatos, esclarecendo o modo como se contabilizará e procederá ao cálculo do consumo, esclarecendo que, no que respeita à rúbrica Energia, proceder-se-á à recolha das leituras dos contadores instalados nas frações autónomas e zonas comuns, conforme acordado entre o condomínio e as condóminas (…) e (…), Apartamentos, a qual ocorrerá ao dia 13 de cada mês, e, colocado o orçamento a votação, foi o mesma aprovado pela permilagem de 528 a favor e pela permilagem de 444 contra.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos além dos acima enunciados, nomeadamente não se provou que:
a) O administrador do condomínio, (…), enquanto legal representante da sociedade “(…) – Exploração Hoteleira, Lda.”, e no âmbito da exploração da atividade turística das frações do prédio – com exceção das frações da ora autora e da condómina “(…) – Construções e Gestão Imobiliária, Lda.” –, melhor identificado em 1), coloca utensílios de escritório e publicidade dessa exploração turística denominada «(…)», em espaços comuns do prédio identificado em 1).
b) A sociedade referida em a) tenha instalado no condomínio do prédio melhor identificado em 1) um computador, uma impressora, um terminal de fax, um terminal de multibanco, um router de internet, um equipamento de gestão e distribuição televisiva e internet.
c) A exploração turística referida em a) ocorre apenas entre os meses de abril a outubro de cada ano.
d) As despesas de eletricidade, água e limpeza apresentadas pelo administrador de condomínio reportam-se, em grande monta, à sua atividade de exploração turística realizada pela sociedade (…), Lda..
e) Na garagem, parte comum do prédio identificado em 1), são colocados objetos da atividade de exploração turística realizada pela sociedade (…), Lda.”.
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Os restantes factos constantes da petição inicial e da contestação, não especificadamente dados como provados ou não provados, ou são a repetição ou negação de outros já dados como provados na sua formulação positiva, ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivações), ou são irrelevantes para a decisão.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
A Apelante impugnou no seu recurso os factos contidos nos pontos 4) a 10) do segmento da sentença recorrida atinente aos factos provados, bem como o facto contido na alínea d) do segmento respeitante aos factos considerados como não provados, sustentando que os primeiros deveriam ter sido considerados como não provados e o último julgado como provado, invocando, outrossim, a integração de mais três factos no segmento dos factos provados.
Na respectiva resposta ao recurso o Apelado defendeu a rejeição da impugnação apresentada pela Apelante alegando que a mesma não cumpriu os requisitos formais previstos no artigo 640.º do CPC.
Sobre a reapreciação da matéria de facto e sua eventual modificabilidade estatuem os artigos 640.º e 662.º, ambos do CPC.
No artigo 640.º, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, previu-se que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso , sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
[…]”.
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, a páginas 168-169), que a rejeição, total ou parcial, respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Relativamente a esta matéria e entre os muitos arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que sobre tal se pronunciaram, chamamos à colação, a título exemplificativo, o acórdão proferido pelo referido Tribunal em 28/04/2016 (Proc.º 1006/12), acessível para consulta in www.dgsi.pt. de onde nos permitimos transcrever o seguinte excerto constante do respectivo sumário:
“1. Deve considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no artigo 640.º se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou.”
Dispõe, por outra banda, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que:
A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere sobre este normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima citada, pág. 287), o seguinte:
“O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava …através dos nºs 1 e 2, alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Sobre este preceito diz-nos ainda o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte:
“A redação do preceito [662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.
[…]
A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Nesta sede importa, ainda, recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduzem no seguinte:
4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” .
Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:
“O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis”.
Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do n.º 4 do supra referido artigo 607.º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:
“O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”
Baixando aos contornos do caso concreto verificamos que a Apelante indica nas suas conclusões recursivas os pontos de factos que considerou incorrectamente julgados deixando igualmente claro qual a diversa decisão que no seu entendimento deveria ter sido proferida sobre os mesmos.
Com efeito, percebemos do exposto quer no segmento da motivação, quer no das conclusões recursivas, que a Apelante considera que os factos contidos nos pontos 4) a 6) e 8) a 10) do acervo dos factos considerados como provados deveriam ter sido pura e simplesmente considerados como não provados, enquanto no tocante ao facto contido no ponto 7) do aludido elenco deveria ter sido decidido considerando como demonstrado que a Administração do Recorrido além de não apresentar os documentos solicitados na Assembleia, também não o fez após a mesma.
Quanto ao facto contido na alínea d) dos factos considerados como não provados a Apelante entendeu que deveria ter sido considerado como provado que ”Todo o consumo energético do edifício no período de 2019 a 2022 resultou praticamente só da exploração turística da (…), Lda., consumo esse que não se encontra refletido nas contas do Recorrida”.
Entendeu, ainda, a Apelante que deveriam ter sido inseridos como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
“Não houve qualquer contrapartida financeira da dita empresa em relação ao Recorrido, por conta desse consumo energético”.
“As contas apresentadas não refletiam a contagem individual dos contadores de energia elétrica de cada fração”.
“As contas apresentadas, refletiam apenas o consumo de energia elétrica baseado na permilagem de cada fração”.
Prosseguindo na leitura da motivação e conclusões recursivas também verificamos que a Apelante indica meios probatórios concretos para tentar infirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos pontos que impugnou, designadamente excertos de declarações de Parte e de depoimentos gravados de testemunhas inquiridas em audiência final cujas passagens indicou e até transcreveu na motivação recursiva.
Por conseguinte temos de convir que foi satisfatoriamente cumprido o ónus de impugnação exigido à Apelante, impondo-se avançar na apreciação da impugnação apresentada.
Relembremos o teor dos pontos de facto colocados em crise pela Apelante:
“4) Datada de 04 de fevereiro de 2022, foi elaborada ata n.º 1 de 2022, relativa à assembleia geral de condomínio do prédio identificado em 1), dando conta da presença ou representação dos condóminos perfazendo a permilagem de 972 de 1000, fazendo menção da constituição da mesa, como presidente, (…) e, como secretária, (…).
5) Mais se menciona em tal documento, analisando o ponto I da ordem de trabalhos, versando sobre a apresentação, apreciação e votação das contas do condomínio referente ao ano de 2021, que o administrador do condomínio, (…), pediu a palavra e apresentou as contas, mencionando que face a despesas ordinárias e extraordinárias no ano de 2021, foi apurado um saldo negativo operacional global no valor de € 19.899,11, informando os valores das despesas, receitas, património e dívidas, indicados nos anexos II, IV e V anexos à ata referida em 2).
6) Menciona-se, ainda, que quanto à rúbrica Energia, durante o ano de 2021, em concordância com o acordo judicial estabelecido entre o condomínio e as Condóminas (…) e (…), Apartamentos em outubro de 2020, procedeu-se mensalmente à leitura dos contadores instalados nas frações autónomas e zonas comuns do edifício.
7) Consta ainda no documento referido em 2) que foi efetuada uma pausa de 20 minutos na sessão, na qual, além do mais, o representante da autora analisou os documentos da contabilidade, tendo o administrador do condomínio prestado os esclarecimentos solicitados.
8) Após, o presidente colocou as constas a votação, as quais foram aprovadas pela permilagem de 556 a favor e pela permilagem de 416 contra, na qual se inclui a autora.
9) Mais se menciona, versando sobre o ponto II da ordem de trabalhos, atinente à recondução da administração do condomínio, a reeleição do administrador de condomínio, (…), pela permilagem de 528 a favor e pela permilagem de 427 contra, na qual se inclui a autora.
10) Menciona-se, no que concerne ao ponto III da ordem de trabalhos, referente à apresentação, apreciação e votação do orçamento para o ano de 2022, que pelo administrador foi apresentada a proposta do mesmo, constante do anexo VII à ata, informando ter por base a projeção dos custos de anos transatos, esclarecendo o modo como se contabilizará e procederá ao cálculo do consumo, esclarecendo que, no que respeita à rúbrica Energia, proceder-se-á à recolha das leituras dos contadores instalados nas frações autónomas e zonas comuns, conforme acordado entre o condomínio e as condóminas (…) e (…), Apartamentos, a qual ocorrerá ao dia 13 de cada mês, e, colocado o orçamento a votação, foi o mesma aprovado pela permilagem de 528 a favor e pela permilagem de 444 contra.
[…]
d) As despesas de eletricidade, água e limpeza apresentadas pelo administrador de condomínio reportam-se, em grande monta, à sua atividade de exploração turística realizada pela sociedade (…), Lda.”.
Vejamos de seguida de que forma motivou o Tribunal a quo a decisão a que chegou relativamente aos descritos pontos de facto censurados pela Apelante.
“[…]
No que concerne aos pontos 4) a 10), os mesmos resultaram da análise do teor da ata n.º 1 de 2022 e respetivos anexos a esta, junta com a petição inicial.
*
No que respeita à matéria de facto dada como não provada, o tribunal formou a sua convicção na ausência de produção de prova da sua realidade.
Com efeito, (…), representante legal da autora – apesar de ter participado na assembleia de condomínio cuja ata se encontra sob impugnação, referiu que a representação da autora nessa assembleia foi assegurado pelo Dr. (…), o qual teve acesso à documentação que lhe disponibilizada e procedeu à sua análise –, apresentou declarações vagas e imprecisas, baseando-se em conjeturas e ilações, razão pela qual não mereceu a credibilidade do Tribunal.
Já a testemunha (…) não possuía quaisquer conhecimentos dos factos referidos nos pontos a) a e).
Por sua vez, as testemunhas (…) e (…) apresentaram depoimentos vagos e imprecisos, porquanto o que sabem adveio de ilações/conjeturas dos próprios, não sabendo se há ou não condóminos que pagam as quotas, se o administrador (…) utiliza ou não as partes comuns do prédio para o exercício da sua atividade de exploração turística como legal representante da empresa (…), sendo que também não estiveram presentes na assembleia de condóminos a que respeita as deliberações sob impugnação.
Por fim, a testemunha (…), administrativa da (…), pessoa que exerceu as funções de secretária na assembleia de condomínio cujas deliberações foram impugnadas pela autora, esclareceu de forma escorreita e clara que faz as leituras dos contadores de eletricidade instalados nas várias frações, como as leva a efeito, desde quando, com quem, o motivo pelo qual as realiza, que inexiste qualquer receção no prédio, sendo que existe, efetivamente, um balcão no prédio que pode ser usado por quem quer que seja, não estando afeto à empresa (…) ou a qualquer outra entidade.
Assim, não tendo a autora logrado provar, como lhe incumbia (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), o tribunal deu como não provados os factos a) a e).”
Começando pelos factos que a Apelante pretende sejam inseridos no acervo dos factos considerados como provados, entendemos, desde logo, não resultarem os mesmos concretamente alegados nos autos e mormente na petição inicial, tal como se pretende sejam contidos na sentença.
Além disso, também se entende que face ao objecto da acção e do presente recurso, que aponta no sentido da anulabilidade/nulidade de deliberações tomadas na Assembleia Geral de Condomínio que se realizou em 04/02/2022 e ficaram documentadas na acta n.º 1 de 2022, os ditos factos não revestem interesse para a sua decisão considerando as várias soluções plausíveis de direito.
Acresce que ainda que assim não fosse importaria anotar que se consubstancia num juízo eminentemente conclusivo e opinativo e não em factos concretos e naturalísticos afirmar que “não houve qualquer contrapartida financeira …por conta desse consumo energético”, assim como que “as contas apresentadas não refletiam a contagem individual dos contadores”.
Do exposto resulta, desde logo, o naufrágio da impugnação apresentada quanto ao aditamento factual ao segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida.
No tocante ao facto contido no ponto 7) dos factos provados e na alínea d) dos factos considerados como não provados entende a Apelante que a redacção que defende resulta de excertos dos depoimentos prestados pelo depoente (…), legal representante da Apelante, bem como pelas testemunhas (…) e (…), bem como da ausência nos autos dos anexos à acta a que alude o Tribunal recorrido no segmento da motivação de facto da sentença recorrida.
Ora bem, auditados os ditos excertos de declarações de Parte e depoimentos prestados resulta claro que, como bem se salienta na motivação, o depoente de parte (…) emitiu declarações vagas e pouco assertivas, sendo que parte do que disse até confirma parcialmente o que ficou provado sob o ponto 7), sendo certo que no tocante à testemunha (…), (funcionária / colaboradora da Apelante), a mesma confirmou não ter estado presentes na assembleia de condomínio onde foram tomadas as deliberações sob impugnação, assentando o que disse, aliás também de forma pouco assertiva, em juízos baseados em ilações tomadas pela própria.
Por seu turno, do excerto de depoimento relativo à testemunha (…), que secretariou a assembleia de condomínio onde forma tomadas as deliberações ora impugnadas, não resulta minimamente evidenciada a tese defendida pela Apelante tendente a infirmar a solução conferida ao ponto 7) dos factos considerados como provados e à alínea d) dos factos considerados como não provados, sendo certo que os considerandos feitos pela Apelante relativos a tal depoimento não conhecem sustentáculo em qualquer elemento carreado aos autos, resultando, outrossim, da leitura da acta de audiência final não ter sido, aquando da sua produção, suscitado para a acta qualquer incidente, mormente de contradita, ou acareação.
Já quanto à eventual apresentação nos autos dos “anexos” à acta de assembleia de condóminos verificamos que, de facto, com a petição inicial apenas foi apresentada a acta de assembleia de condomínio n.º 1 de 2022 realizada em 04/02/2022. Porém, não só resulta inequivocamente da leitura integral dos autos (ao contrário do argumentado no corpo das suas alegações de recurso por parte da Apelante), terem sido apresentados juntamente com a contestação os nove “anexos” da acta em apreço como ainda que tal documentação foi devidamente notificada à Apelante pela contraparte e não foi objecto de qualquer impugnação.
Independentemente de tudo isso percebemos pela leitura integral de tal acta que a mesma contem a narração dos factos que estão elencados nos pontos n.ºs 4 a 10 do segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, não tendo sido invocado nos autos e mormente neste recurso uma eventual falsidade da acta e/ou do seu conteúdo, mas antes e diferentemente o vício de anulabilidade/nulidade de deliberações tomadas na assembleia de condomínio a que a dita acta respeita.
Como também percebemos que no tocante aos factos contidos nos pontos 4 a 6 e 8 a 10 a Apelante se limita essencialmente a discordar da motivação relatada na sentença recorrida por parte da Mmª Juíza a quo aludindo à inexistência dos tais “anexos” à acta por não terem sido apresentados com a petição inicial (cfr. corpo das alegações e ponto 29 das conclusões recursivas).
Isto dito, impõe-se deixar claro não decorrer para este Tribunal de recurso partindo dos termos da impugnação apresentada pela Apelante uma convicção segura de que a solução pretendida por aquela se afigure mais correcta que a solução encontrada pelo Tribunal a quo no tocante aos pontos 4 a 10 dos factos considerados como provados assim como no concernente ao facto contido na alínea d) dos factos julgados como não provados, da sentença recorrida, improcedendo, em consequência e na totalidade a impugnação factual delineada pela Apelante.
Ainda assim, da leitura atenta da acta n.º 1 de 04/02/2022 junta aos autos com a petição inicial e com a contestação verifica-se existir um lapso, provavelmente de escrita, que afecta o facto contido no n.º 9) dos factos considerados como provados, designadamente quando se menciona “427”, uma vez que do teor da dita acta consta “416”, pelo que nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, impõe-se corrigir esse facto que passará a ter a seguinte redacção:
“9) Mais se menciona, versando sobre o ponto II da ordem de trabalhos, atinente à recondução da administração do condomínio, a reeleição do administrador de condomínio, (…), pela permilagem de 528 a favor e pela permilagem de 416 contra, na qual se inclui a autora.”
Isto dito e com a ressalva acabada de fazer mantem-se incólume o acervo dos factos julgados como provados e não provados da sentença recorrida.

2-Reapreciação de mérito, circunscrita a saber se determinadas deliberações tomadas na Assembleia Geral de Condóminos de 04/02/2022 devem ser anuladas ou declaradas nulas.
Resulta do artigo 1433.º, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC), que:
1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
[…]
4. O direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação”.
No caso vertente resulta do alegado e peticionado pela Apelante na petição inicial que a mesma pretendeu:
«a) A anulação, nos termos do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, das deliberações da Assembleia Geral de Condóminos de 4 de Fevereiro de 2022, do prédio sito na Rua (…), “Edifício (…)”, que aprovaram, a eleição da Administração para o ano de 2022 e o orçamento para o exercício de 2022;
b) Ou, caso se entenda que a deliberação sobre as contas de 2021 não foi tomada legalmente, por não ter havido efetiva e suficiente prestação das mesmas pelo Administrador, a declaração de nulidade da mesma deliberação».
Da leitura da acta n.º 1 de 04 de Fevereiro de 2022 resulta, pois, que a Apelante pretende a anulação das deliberações tomadas sobre os pontos II e III da ordem de trabalhos da assembleia geral de condomínio realizada naquela data e a que se referem, respectivamente os pontos 9) e 10) do segmento da sentença recorrida respeitante aos factos provados, ou, em alternativa, caso resulte demonstrado que a deliberação também tomada na dita assembleia constante do ponto I da ordem de trabalhos a que se reportam os factos contidos nos pontos 5) a 8) do aludido segmento da sentença recorrida, foi tomada sem efectiva e suficiente prestação das contas de 2021, a nulidade da mesma.
Estão em causa, por conseguinte, três deliberações distintas tomadas na mencionada assembleia geral de condóminos realizada no dia 04/02/2022, na qual a Apelante, na qualidade de condómina, esteve devidamente representada conforme decorre do ponto 4) dos factos considerados como provados que se alicerça no conteúdo da acta n.º 1 de 2022 e anexo I (“Lista de Presenças”), da mesma junto aos autos com a contestação.
Na conformidade exposta e sob pena de operar a caducidade do direito de anulação de deliberações tomadas na aludida assembleia, questão que seria de conhecimento oficioso, tinha a Apelante 60 dias para propor a correspondente acção, ou seja deveria fazê-lo até ao dia 05/04/2022, pelo que tendo a presente acção sido instaurada a 04/04/2022 é de concluir não ter operado tal facto jurídico extintivo do direito de peticionar a anulação.
Convocando o disposto nos artigos 280.º e 286.º do CC, dir-se-á que a nulidade de deliberações, invocável a todo o tempo, afere-se a deliberações da assembleia de condomínio tomadas ao arrepio e em violação de normas de carácter imperativo e/ou contrárias à ordem pública, enquanto a anulabilidade das mesmas afere-se às demais deliberações prevenidas no já acima assinalado artigo 1433.º do mesmo diploma legal, bastando-se a intervenção do tribunal, em qualquer dos casos, a aferir da legalidade da deliberação tomada e não a apreciar da substancialidade de factos que possam estar conexionados com a matéria sobre a qual a deliberação é tomada, de que constitui exemplo a tal factualidade, supra referenciada, que a Apelante pretendia fosse incluída no segmento atinente aos factos considerados como não provados, a qual, podendo revestir interesse numa eventual acção autónoma com vista a ressarcimento fundada em responsabilidade civil, ou baseada em enriquecimento sem causa, nenhum interesse pode efectivamente assumir na presente causa atenta a respectiva causa de pedir e pedido formulado.
Dito isto é tempo de aferir se a deliberação relativa às contas de 2021 é passível de declaração de nulidade “por não ter havido efetiva e suficiente prestação das mesmas pelo Administrador”.
Decorre do artigo 1436.º do Código Civil que, entre muitas outras aí previstas, constitui função do administrador do condomínio:
[…]
l) Prestar contas à assembleia”.
Importa, ainda, lembrar que não existe norma a definir o modo concreto de prestação de tais contas à assembleia, nem para a tomada de deliberação sobre tal assunto, (ao contrário do que resulta previsto máxime no n.º 3 do artigo 1422.º, n.º 3, do artigo 1422.º-A, n.º 2, do artigo 1424.º, n.º 1 e do artigo 1425.º, todos do CC), sendo aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 1432.º do CC que prevê que “5. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.”
Aqui chegados vejamos o que ficou exposto na sentença recorrida sobre este ponto relativo à nulidade de deliberação.
“Vaticina o artigo 1436.º, n.º 1, alínea j), do Código Civil que o administrador do condomínio tem a obrigação de prestar contas à assembleia.
O Código Civil nada estatui no que concerne ao modo de organização e funcionamento da assembleia, muito menos impondo que seja esta presidida pelo administrador do condomínio.
Na verdade, ao contrário do referido pela autora, o administrador esteve efetivamente presente da assembleia e apresentou as contas (cfr. facto provado n.º 5)), descrevendo-as sumariamente, ainda que não presidisse à mesma e sendo certo que a obrigação de prestação de contas pode sempre ser efetuada por representante constituído para o efeito.
Deste modo, não se pode, pois, reputar que o administrador não prestou contas, muito menos que houve falta de suporte documental.
Com efeito, consta da ata, subscrita pelo representante da autora, sem qualquer reserva ou adenda, que o mesmo analisou os documentos de contabilidade, pedindo esclarecimentos e expondo os seus pontos de discórdia, tendo sido esclarecido.
Ora, uma coisa é não concordar com os esclarecimentos prestados e outra, substancialmente diversa, é ter por não apresentadas as contas.
Não subsistem dúvidas que o administrador do condomínio tem o dever de informação, sem o qual as contas, por não esclarecidas, não poderão ser aprovadas ou reprovadas.
Porém, tal dever não é irrestrito ou infinitamente amplo, apenas cessando com o convencimento de quem quer que seja.
Quanto ao dever de informação, o artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais estatui a anulabilidade da deliberação que não tenha sido precedida do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, sendo certo que os gerentes das sociedades estão, por força do mesmo Código, obrigados à prestação de informação verdadeira, completa e elucidativa aos sócios, prestada por escrito, se assim for solicitada, tendo obrigação de facultar a consulta da escrituração, livros e documentos (cfr. artigo 214.º do Código das Sociedades Comerciais).
Ora, um condomínio não é uma sociedade comercial, nem o seu administrador tem os deveres inerentes ao cargo de gerente.
Porém, só são anuláveis as deliberações que não hajam sido precedidas do fornecimento de elementos mínimos de informação, pelo que no plano da apresentação de contas perante a assembleia de condóminos não se será mais exigente.
A pedra de toque é que os pedidos de esclarecimentos e consulta de documentos sejam atendidos e não se verifique recusa injustificada.
No caso em apreço, conforme se deu como provado, consta da ata, subscrita pelo representante da autora, sem qualquer reserva ou adenda, que lhe foram facultados para analisar os documentos de contabilidade, pedindo esclarecimentos e expondo os seus pontos de discórdia, tendo sido esclarecido.
Entendemos que tal é mais do que suficiente para se concluir que houve efetiva e suficiente prestação das contas pelo administrador, razão pela qual não é nula a deliberação quanto às mesmas tomada.”
Perante a factualidade que resultou assente, designadamente a contida nos pontos 6) a 8) do segmento respeitante aos factos considerados como provados, não olvidando que mais nada resultou demonstrado sobre tal questão, pois faleceu a impugnação respeitante à decisão de facto apresentada pela Apelante, não podemos deixar de concordar com o juízo feito pelo Tribunal a quo no excerto acima transcrito, razão pela qual soçobra a pretendida declaração de nulidade de deliberação.
Prosseguindo na reapreciação da decisão recorrida no tocante à pretendida anulabilidade das deliberações tomadas e partindo da previsão do n.º 1 do artigo 1433.º do CC, já acima transcrito, convêm salientar que nenhuma prova foi apresentada nos autos (e caberia à Apelante fazê-lo), da eventual existência de regulamentos anteriores (maxime o regulamento do próprio condomínio), às deliberações tomadas em 04/02/2022 atinentes à (re)eleição do administrador e à apresentação, apreciação e votação do orçamento anual, que permitisse concluir no sentido da ilegalidade das ditas deliberações a que, aliás, respeitam os factos descritos nos pontos 9) e 10) do segmento da sentença recorrida respeitante aos factos provados.
Também quanto às matérias subjacentes às deliberações pretendidas anular dispõe o artigo 1435.º do Código Civil que:
1.O administrador é eleito e exonerado pela assembleia”.
Sendo certo que no artigo 1436.º do mesmo diploma legal encontra-se elencado nas funções do administrador:
[…]
b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano.
Percebemos que também no tocante à aprovação das deliberações cuja anulabilidade é requerida pela Apelante se revela aplicável a regra contida no n.º 5 do artigo 1432.º do Código Civil.
Por outro lado, também estamos cientes de que os factos contidos nos pontos 9) e 10) da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida se manteve inalterada após o reexame feito nesta Instância de recurso e bem assim que mais nenhuma factualidade resultou provada designadamente a que foi sustentada pela Apelante, importando, assim, neste momento e à semelhança do que supra foi feito quanto à deliberação censurada por eventual vicio de nulidade, recordar o que ficou expresso na sentença recorrida a propósito da pretensa anulabilidade de deliberações cuja declaração foi requerida pela Apelante.
Importa agora aquilatar se é de anular a deliberação que aprovou a eleição da administração para o ano de 2022.
Atenta a matéria dada como não provada em a) a e), constata-se que, ao contrário do alegado pela autora, o administrador não praticou qualquer irregularidade ou agiu com negligência no exercício das suas funções. Sempre se dirá que, a na eventualidade de se darem como provados os factos referidos em a) a f) dos factos não provados, estes apenas poderão conduzir à exoneração do administrador, nos termos previstos no artigo 1435.º, n.º 3, do Código Civil, por via judicial e ação própria, não constituindo causa de violação de lei ou regulamento anteriormente aprovado, razão pela qual a deliberação da eleição da administração para o ano de 2022 é legal.
Por fim, importa averiguar se a deliberação que aprova o orçamento de exercício é anulável.
Antes de mais, importa salientar que um orçamento não é mais do que uma previsão de receitas e despesas futuras para a administração de um determinado exercício.
Como previsão que é, é revestido de certa álea, podendo inclusivamente conter previsões diversas por reporte a cenários distintos que possam ocorrer, pelo que não tem que apresentar rigor matemático – antes, bem senso – nem ter suporte documental das verbas inscritas, pois que são para o futuro e podem, ou não, ocorrer.
Deste modo, não se vislumbra que a aprovação do orçamento viole qualquer disposição legal ou regulamentar, razão pela qual não é de anular tal deliberação.”
Em face do que fomos adiantando não podemos deixar de considerar, por reporte aos factos que resultaram provados e das normas aplicáveis, assertiva a análise e correcta a solução a que chegou a sentença recorrida no tocante ao invocado vicio de anulabilidade de deliberações tomadas pela assembleia geral de condomínio realizada em 04/02/2022, naufragando, assim, também no tocante a este ponto, as conclusões recursivas formuladas pela Apelante.
Improcede, em consequência, na totalidade, a pretensão recursiva da Apelante não sendo a, aliás, douta sentença recorrida, merecedora de censura.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso de apelação apresentado por (…), Apartamentos, Lda. e, em consequência, decidem:
a) Confirmar a sentença recorrida;
b) Fixar as custas a cargo da Apelantes, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do C.P.C..
*

Évora, 23/04/2024
José António Moita (relator)
Francisco Xavier (1.º Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)