MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
JUROS REMUNERATÓRIOS
Sumário

No contrato de mútuo bancário, oneroso, liquidável em prestações, se o mutuante exigir o vencimento imediato daquelas, não são devidos os juros remuneratórios incluídos nas prestações posteriores à data em que se venceu o capital mutuado, continuando em vigor a jurisprudência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25 de março.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

RECURSO N.º 83228/22.5YIPRT.E1

Tribunal recorrido: Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 2
Apelante: (…) – Instituição Financeira de Créditos, S.A.
Apelado: (…)

Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)

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Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. veio propor a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, proveniente de requerimento de injunção, contra (…), pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de € 11.354,53, acrescido de juros de mora vincendos, correspondente às seguintes parcelas: (i) capital no valor de € 7.418,09; (ii) juros de mora vencidos no montante € 3.683,44; (iii) outras quantias no valor € 100,00 e (iv) taxa de justiça paga no valor de € 153,00.
Alega em síntese que concedeu ao réu um crédito para aquisição de um veículo automóvel, no valor a reembolsar de € 11.807,00; que no decurso do contrato o réu deixou de pagar as prestações a que estava obrigado, tendo sido o mesmo resolvido por esse facto, encontrando-se em dívida o montante peticionado.
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1.2. Citado o réu, apresentou contestação, na qual argui a exceção de prescrição do crédito invocado pela apelante, a exceção de compensação de créditos, assim como impugna a matéria de facto alegada pela autora, dizendo que não é responsável pelo pagamento da dívida reclamada.
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1.3. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
Em harmonia com o expendido, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente ação, e em conformidade decide-se:
a) Condenar o Réu (…) a pagar à Autora “(…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” a quantia de € 2.925,67 (dois mil, novecentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), a título capital, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a data de resolução do contrato em 21.04.2010 até efetivo e integral pagamento, que na data de entrada em juízo da presente injunção computava-se em € 1.452,74 (mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos).
b) Absolver o Réu do demais contra si peticionado.”
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1.4. Inconformada com a decisão, dela apela a autora, extraindo da motivação do recurso as seguintes conclusões (transcrição):
1. A Recorrente pretende a reapreciação da prova que determinou a redução da quantia exequenda;
2. Considerando os seguinte factos provados e analisada a prova documental pelo tribunal a quo o enquadramento jurídico e factual é divergente;
3. O contrato foi junto aos autos em audiência de julgamento no dia 23/10/2023;
4. O contrato celebrado entre as partes, trata-se de contrato de mútuo com o n.° (…), no qual está claramente inscrito o valor do empréstimo € 7.000,00, plano de proteção no valor de € 394,10, taxa de juros fixa, em 72 prestações, sendo a primeira em 05/11/2005, TAEG aplicável 18,10%, referente ao veículo (…), do qual são parte integrante as condições especiais e gerais do mesmo constantes e aceites pelas partes;
5. Conforme consta das condições particulares, o valor total do financiamento ascende a € 11.807,00;
6. Perante o incumprimento do ora Recorrido foi interposta acção executiva que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sob o n.° 1662/10.6TBOLH pelo valor inicial de € 7.571,41;
7. O ora Recorrido foi declarado insolvente no decorrer da acção executiva, e em 11 de abril de 2019, a execução foi declarada extinta em virtude do encerramento do processo de insolvência;
8. Em 12 de setembro de 2019 foi cessado antecipadamente o procedimento de exoneração e recusado a exoneração do passivo restante;
9. O contrato formalizado entre as partes trata-se de um contrato mútuo, regulado nos artigos 1142.° e seguintes do Código Civil no qual o mutuante coloca na disponibilidade do mutuário, uma certa quantia em dinheiro equivalente a certa coisa fungível, e em contrapartida, o mutuário assume a obrigação de restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, com ou sem retribuição;
10. Existe um erro na apreciação da prova documental, i.e., no cálculo do valor ainda em divida realizado pelo tribunal a quo e consequentemente no valor da condenação;
11. Desde logo porque, pelo mero cálculo aritmético, verificamos que o pagamento de 72 prestações de € 163,37, conforme previsto contratualmente determina o valor a reembolsar de € 11.762,64;
12. À data da resolução, estavam em dívida as prestações vencidas desde 05/01/2009 n.° 39 a 05/04/2010 n.° 54;
13. Mediante a resolução do contrato de mútuo, opera o vencimento das prestações vincendas, i.e., as prestações n.° 55 a n.° 72, o que determina o valor em divida indicado na carta de resolução de € 7.418,09;
14. Valor de € 7.418,09, deveria ter sido considerado pelo douto tribunal a quo;
15. O douto tribunal a quo conclui corretamente pela inexistência da prescrição aplicando o prazo de 5 anos determinado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 6/2022;
16. Contudo, a sentença padece de um grave erro de cálculo e do valor da condenação do Recorrido, nomeadamente porque mediante a resolução do contrato, a credora mutuante o que pretende é ver restituídos os valores que mutuou, determinando a reposição da situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato;
17. Cumpre atender ao regime do artigo 781.° CC., i.e., à imediata exigibilidade de todas as prestações;
18. A Recorrente aceita a conclusão da página 17 da douta sentença, “Em síntese, ao valor devido a título de prestações vencidas até à data de resolução do contrato [21.04.2010] acresce o montante devido a título de capital correspondente às prestações vincendas”, no entanto discorda da operação aritmética para o seu cálculo e da falta de menção ao valor de juros;
19. A operação aritmética posteriormente realizada para aferir o valor em divida, falece de razão, pois desconsidera o valor total do valor a reembolsar inscrito no contrato, e atende apenas ao valor de aquisição do bem;
20. A douta sentença elabora o cálculo do suposto valor em divida com o objetivo de separar na prestação, o valor de capital e juros, o que faz sem qualquer base legal ou documental;
21. O cálculo aritmético da douta sentença parte de um errado pressuposto, nomeadamente que o valor da prestação mensal sem juros seria de € 102,70, conclusão sem qualquer suporte legal ou documental;
22. Nos termos da clausula 16a das clausulas contratuais gerias, determina-se o seguinte:” O não cumprimento do Mutuário de qualquer das obrigações aqui assumidas tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, facultará à (…) – Instituição Financeira de Crédito S.A., o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito”;
23. O acordado entre as partes, conforme estipulado no contrato, determina, que o vencimento da totalidade das prestações implique o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama;
24. A estipulação contratual referente aos juros e penalização, deveria ter sido atendido pelo tribunal e, respeito pelo princípio da liberdade contratual, pois foi aceite por ambas as partes;
25. O valor em divida referente a prestações vencidas à data da resolução ascendia a € 2.583,74;
26. Não foi solicitado pelo douto tribunal a quo a discriminação de valores vincendos ou a junção de extrato que permitisse apurar os valores que contribuíram para o cálculo aleatório realizado;
27. Ao valor das prestações vencidas acresce o valor das prestações vincendas e, conforme previsto contratualmente uma penalização em caso de mora, conforme clausula 6a das clausulas contratuais gerais, de 2%, i.e. o valor de € 3.768,55;
28. Cumpre contabilizar juros de mora, que têm por base de calculo a taxa mínima legal de 4% anos, desde a data da resolução até à data da interposição da Injunção (16/09/2022) e computam-se em € 3.683,44;
29. Em sede de execução foram recebidos valores, devidamente considerados na interposição do procedimento de injunção, conforme informado o douto tribunal (21/12/2011 € 150,00, 08/11/2012132,00, 08/11/2012210,00 e 16/02/2017713,93);
30. A ora Recorrente, admite que possa operar alguma redução referente ao valor de outras quantias (€ 100,00) inscrito na injunção, sendo devido o valor de € 11.254,53, conforme consta do requerimento de Injunção;
31. Não obstante e se prescindir do supra exposto, sempre se dirá que a condenação do Recorrido deverá considerar as prestações vencidas no montante de € 2.583,74, as prestações vincendas no montante de € 2.584,89 acrescida da penalização em caso de mora, de 2%, i.e. o valor de € 3.768,55, e juros de mora à taxa mínima legal de 4% ano, que se computam em € 3.683,44;
32. Sem prescindir, e não se conformando com a decisão do douto tribunal a quo, poderá a ora Recorrente admitir a redução para € 10.035,73, acrescido de juros à taxa mínima legal de 4% ano até integral e efectivo pagamento.”
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1.5. Não houve contra-alegações.
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1.6. Por despacho proferido em 21 de março de 2024, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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1.7. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, Almedina, pág. 109).
Tendo em conta o supra exposto, a única questão a decidir é a de determinar se o tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento quanto à condenação do réu em quantia que não inclui os juros remuneratórios das prestações vencidas n.ºs 55.º a 72.º, peticionada pela autora, do contrato de mútuo entre ambos celebrado.
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2.2. Na sentença recorrida foram considerados PROVADOS os seguintes factos:
1) Em 01 de outubro de 2005 e no exercício da sua atividade, a Autora e Réu estabeleceram um acordo entre si, por documento particular com a epígrafe “Contrato de Mútuo n.º (…)”, mediante o qual a Autora disponibilizou ao Réu o montante global de € 7.394,10, para aquisição do veículo automóvel ligeiro, de marca Fiat Punto com a matrícula (…), ao qual foi atribuído o preço de € 8.500,00.
2) O montante de € 7.394,10 disponibilizado pela Autora corresponde à soma das seguintes parcelas:
a. Montante de empréstimo: € 7.000,00;
b. Plano Proteção (…): € 394,10.
3) Nessa data foi entregue ao Réu o veículo automóvel acima descrito.
4) Ficou estabelecido que sobre o montante de empréstimo disponibilizado incide uma taxa anual de encargos efetiva global (TAEG) de 18,10% ao ano.
5) Acordaram ainda as partes que o montante disponibilizado acrescido da TAEG, deveria ser reembolsada pelo Réu à Autora em 72 prestações mensais e sucessivas no montante de € 163,37 cada, vencendo-se a primeira no dia 05 de novembro de 2005 e as restantes no 05 dos meses subsequentes.
6) Sob o ponto 4 das Condições Gerais, ficou estabelecido que o reembolso das prestações seriam efetuadas mediante transferência bancária a efetuar pelo Réu, através de instrução permanente de transferência bancária a favor da Autora, de acordo com o prazo de vencimento acima mencionado.
7) No ponto 16 das Condições Gerais, sob a epigrafe «Incumprimento» estabeleceu-se que «o não cumprimento do(s) Mutuário(s) de qualquer das obrigações aqui assumidas, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, facultará à (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito».
8) Aquando a assinatura do acordo descrito em 1), foi entregue ao Réu um exemplar do convénio.
9) Nos termos do aludido acordo, o Réu liquidou 32 prestações.
10) Em data não propriamente apurada, mas anterior a 02 de outubro de 2009, o Réu comunicou à Autora, por contacto telefónico, a alteração da sua morada, fixando a mesma na Rua (…), n.º 9, 3.º Andar, Olhão.
11) Em 30 de setembro de 2009, o Réu entregou à Autora o veículo automóvel descrito em 1) com vista a futura venda e afetação do respetivo valor ao montante a restituir.
12) Em 23 de dezembro de 2009, o veículo automóvel acima descrito foi vendido em leilão, pelo preço de € 1.200,00, que deduzidos os encargos correspondeu ao montante líquido de € 1.010,40.
13) Por carta datada de 31 de dezembro de 2009, remetida para a morada do Réu, o Autor comunicou a este a venda do automóvel acima descrito pelo preço líquido de € 1.010,40.
14) O referido valor foi descontado para pagamento de 6 prestações, no valor integrais e ainda para pagamento parcial de uma prestação, no montante de € 30,18.
15) Por carta datada de 21 de abril de 2010, a Autora comunicou ao Réu a resolução do acordo acima descrito.
16) Naquela data, encontrava-se por liquidar a 39.ª prestação, no montante de € 133,19 e as prestações seguintes até à 54.ª prestação, vencida a 05 de abril de 2010, no montante unitário acordado e descrito em 5).
17) Em 18 de novembro de 2011, a Autora instaurou ação executiva contra o Réu, para pagamento do montante de € 7.571,41 que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Execução de Loulé do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sob o n.º 1662/10.6TBOLH.
18) Em 04 de dezembro de 2014, foi o Réu notificado das diligências de penhora efetuadas no âmbito do processo executivo supra identificado.
19) Em 16 de fevereiro de 2017 foi suspensa a instância executiva em virtude da declaração de insolvência do Réu.
20) Em 11 de abril de 2019 foi declarada extinta a ação executiva em virtude do encerramento do processo de insolvência do Réu.
21) No âmbito desta ação executiva foram recuperados, através de penhora de vencimentos do Réu, o montante global de € 1.628,02.
22) Em 07 de fevereiro de 2017, o Réu apresentou-se à Insolvência, com pedido de exoneração de passivo restante, dando origem ao processo n.º 161/17.0T8OLH, que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Comércio de Olhão.
23) Indicou no seu requerimento inicial como sendo um dos seus credores, a ora Autora, no montante de € 7.043,00.
24) Por sentença proferida em 09 de fevereiro de 2017 foi declarada a insolvência do Réu.
25) Por despacho proferido em 10 de novembro de 2017 liminarmente admitido o pedido de exoneração de passivo restante.
26) Nessa data foi ainda determinado o encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente.
27) Por decisão proferida em 12 de setembro de 2019 foi cessado antecipadamente o procedimento de exoneração e recusado a exoneração do passivo restante do Réu.
28) O Réu não sabe ler e escrever.
29) O Réu apenas sabe assinar o seu nome.
30) A presente ação entrou em juízo no dia 16 de setembro de 2022.
31) O réu foi citado no dia 17 de março de 2023.
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2.3. Na sentença recorrida foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos:
a) O Réu viu penhorado o seu salário desde 2014 a 2017.
b) No momento em que o Réu entregou o veículo à Autora não sabia o destino que lhe iria ser dado.
c) A Autora tenha despendido o montante de € 100,00 com a cobrança da dívida.
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2.4. Apreciação do recurso
Questão prévia
Quer no corpo da motivação, quer nas conclusões do recurso, a apelante parece suscitar a impugnação da matéria de facto, pois que no ponto 1.º da motivação refere que “vem expor e alegar relativamente à:
A) Reapreciação da prova que determinou a redução da quantia exequenda;” e no ponto 2.º escreve que “O presente recurso tem como objeto obter a modificação da decisão do Tribunal “a quo”, em virtude da necessária reapreciação da prova produzida e do errado enquadramento jurídico, factual da prova documental constante dos autos.
Ainda ao nível da motivação (ponto 18.º) é dito pela apelante que “Ora o erro na apreciação da prova documental, tem o seu início no entendimento da ora Recorrente no cálculo realizado pelo tribunal e supra descrito.”
Ao nível das conclusões (1.ª e 2.ª), a recorrente refere que “pretende a reapreciação da prova que determinou a redução da quantia exequenda;” e “Considerando ose seguinte factos provados e analisada a prova documental pelo tribunal a quo o enquadramento jurídico e factual é divergente.”
Porém, se analisarmos mais a fundo a motivação do recurso e as respetivas conclusões, concatenando-as com a factualidade provada e não provada, facilmente se chega à conclusão que a recorrente apenas diverge da solução jurídica dada pela sentença da 1.ª instância quanto ao cálculo da quantia em dívida pelo réu, uma vez que tal decisão não inclui no montante em dívida e, consequentemente, não condena o réu, os valores relativos a juros remuneratórios das prestações mensais que não estavam vencidas à data da resolução do contrato de mútuo por parte da autora/apelante (prestações n.ºs 55.º a 72.º).
Até porque, se bem verificarmos, a apelante não impugna um único facto concreto, e, consequentemente, não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Sendo assim, como julgamos que é, a única questão a decidir é a de determinar se o tribunal de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento quanto à quantia em dívida pelo réu à autora ao não incluir os juros remuneratórios das prestações vencidas n.ºs 55.º a 72.º, do contrato de mútuo entre ambos celebrado.
Vejamos, então.
Na sentença recorrida deu-se como provado, com interesse para a questão em causa, que:
- Em 01 de outubro de 2005 e no exercício da sua atividade, a autora e o réu estabeleceram um acordo entre si, por documento particular com a epígrafe “Contrato de Mútuo n.º (…)”, mediante o qual a autora disponibilizou ao réu o montante global de € 7.394,10, para aquisição do veículo automóvel ligeiro, de marca Fiat Punto com a matrícula (...), ao qual foi atribuído o preço de € 8.500,00 [ponto 1) da matéria de facto provada].
- O montante de € 7.394,10 disponibilizado pela autora corresponde à soma das seguintes parcelas:
a. Montante de empréstimo: € 7.000,00;
b. Plano Proteção (…): € 394,10 [ponto 2) da matéria de facto provada].
- Acordaram ainda as partes que o montante disponibilizado, acrescido da TAEG, deveria ser reembolsada pelo réu à autora em 72 prestações mensais e sucessivas no montante de € 163,37 cada, vencendo-se a primeira no dia 05 de novembro de 2005 e as restantes no dia 05 dos meses subsequentes [ponto 5) da matéria de facto provada].
- Nos termos do aludido acordo, o réu liquidou 32 prestações [ponto 9) da matéria de facto provada].
- Por carta datada de 31 de dezembro de 2009, remetida para a morada do réu, o autor comunicou a este a venda do automóvel acima descrito pelo preço líquido de € 1.010,40 [ponto 13) da matéria de facto provada].
- O referido valor foi descontado para pagamento de 6 prestações, no valor integrais e ainda para pagamento parcial de uma prestação, no montante de € 30,18 [ponto 14) da matéria de facto provada].
- Por carta datada de 21 de abril de 2010, a autora comunicou ao réu a resolução do acordo acima descrito [ponto 15) da matéria de facto provada].
- Naquela data, encontrava-se por liquidar a 39.ª prestação, no montante de € 133,19 e as prestações seguintes até à 54.ª prestação, vencida a 05 de abril de 2010, no montante unitário acordado e descrito em 5) [ponto 16) da matéria de facto provada].
- No âmbito desta ação executiva foram recuperados, através de penhora de vencimentos do réu, o montante global de € 1.628,02 [ponto 21) da matéria de facto provada].
Quanto à fundamentação de direito, a sentença recorrida refere o seguinte:
Conforme acima se assinalou, com a celebração do presente contrato o Réu obrigou-se a restituir a quantia mutuada, acrescido de juros e encargos em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor unitário de € 163,37, vencendo-se a primeira em 05.11.2005 e a última, 72 meses depois, a 05.10.2011.
Neste campo, o Réu pagou voluntariamente 32 prestações.
Por outro lado, em 23.09.2009 foi vendido em leilão o automóvel identificado nos autos pelo valor líquido de € 1.010,40, tendo sido esse valor integralmente imputado para pagamento do valor integral de 6 prestações e o remanescente de € 30,18 de uma sétima prestação.
Assim, à data da resolução contratual, operada em 21.04.2010, encontrava-se em dívida, a título de prestações vencidas, a 39.ª prestação, no montante parcial de € 133,19 [€ 163,37 – € 30,18] e as prestações seguintes até à 54.ª, no seu valor unitário integral, o que totaliza o valor global de € 2.643,74 [€ 133,19 + 15 * € 167,37].
A este valor acresce juros de mora – artigos 805.º n.º 1 e 2, a) e 806.º do Código Civil – geralmente calculados nos termos do contrato e contabilizados desde o vencimento de cada uma das prestações até à data de resolução contratual.
(…)
Para além destes valores, há que somar, naturalmente, o capital em dívida a título de prestações vincendas. A este propósito mantem-se atual o entendimento fixado pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/20093 no sentido de que «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».
Com efeito, das normas legais que estabelecem o vencimento antecipado das prestações em dívida (cfr. artigo 781.º do Código Civil) e a autonomia da obrigação de juros relativamente ao capital (cfr. artigo 561.º do Código Civil), lidas à luz da conhecida diferença de função entre os juros remuneratórios e os juros moratórios no contrato de mútuo, resulta que, segundo a lei, o vencimento antecipado das prestações em dívida, por falta de pagamento nos termos referidos, apenas confere ao credor o direito de exigir o capital mutuado e a respetiva remuneração pela sua disponibilidade até ao momento da sua restituição, isto é, até ao seu vencimento dentro do plano contratual inicial.
Se a credora pretende receber todo o capital e juros remuneratórios contratualizados terá de aguardar pelo decurso do tempo da duração do contrato, de acordo com o programa contratual gizado. Optando pela resolução contratual e vencimento de todas as prestações, ainda que vincendas, os juros remuneratórios perdem a sua utilidade porquanto o tempo de restituição do capital foi encurtado.
Assim, perante um incumprimento definitivo do contrato de mútuo, operado pela resolução contratual, terá a credora direito a ser ressarcida do capital e juros remuneratórios referentes às prestações vencidas e do capital referente às prestações vincendas.
Tal entendimento não é afastado pela cláusula 16 das Condições Gerais do contrato em crise, que estabelece que «o não cumprimento do(s) Mutuário(s) de qualquer das obrigações aqui assumidas, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, facultará à (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito», na medida em que a sua ambiguidade (na verdade não se concretiza as componentes que constituem o crédito, nesta situação de incumprimento) terá de ser interpretada no sentido mais favorável ao consumidor aderente, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, ou seja, a interpretação restritiva do termo «crédito».
Em síntese, ao valor devido a título de prestações vencidas até à data de resolução do contrato [21.04.2010] acresce o montante devido a título de capital correspondente às prestações vincendas.
(…)
Consta do contrato que o capital mutuado foi de € 7.394,10, que seria restituído (acrescido dos demais juros e encargos) em 72 prestações, de valor unitário idêntico, o que significa que cada prestação de € 163,37 comporta uma componente de capital e outra componente de juros e encargos.
Assim, através da divisão entre o capital mutuado [€ 7.394,10] e o número de prestações [72], alcança-se o valor mensal unitário de € 102,70.
Por outro lado, tendo a resolução operado após o vencimento da 54.ª prestação, computa-se como prestações vincendas, as amortizações compreendidas entre a 55.ª e a 72.ª, totalizando um total de 18 prestações.
Deste modo, multiplicando-se o valor unitário de capital devido [€ 102,70] pelo número de prestações vincendas não pagas [18], conclui-se que o montante devido a título de capital vincendo é de € 1.848,60.
A decisão não merece reparo em termos de compreensibilidade e clareza argumentativa, restando saber se lhe assiste razão.
Basicamente, a divergência assenta em saber se autora tem direito a receber juros remuneratórios do contrato de crédito celebrado com o réu, face ao incumprimento deste último, quanto às prestações que estavam em dívida no futuro (ou seja, respeitantes a prazo que ainda não tinha decorrido no momento do vencimento antecipado).
Por carta datada de 21 de abril de 2010, a autora comunicou ao réu a resolução do contrato de mútuo.
Nesta data, encontrava-se por liquidar a 39.ª prestação, no montante de € 133,19 e as prestações seguintes até à 54.ª prestação, vencida a 05 de abril de 2010.
A base da resposta a esta questão não pode deixar de estar no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25 de Março de 2009, proferido no processo n.º 08A1992, e publicado no Diário da República, I Série, de 05 de maio de 2009, onde se concluiu que “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
Com base nestes pressupostos:
1 – A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando-se o seu cumprimento por partes, em momentos temporais diferentes, mas sem deixar de ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;
2 – Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;
3 – A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;
4 – Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781.º do Código Civil;
5 – Não pode assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;
6 – O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;
7 – Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;
8 - O artigo 781.º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;
9 – A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;
10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil”.
Não há dúvidas que as partes acordaram que “No caso de mora no pagamento da prestação de capital e/ou juros, incidirá sobre o montante dessa prestação, e durante o tempo em que a mora se verificar, a taxa de juro fixada, neste contrato, acrescida de uma sobretaxa de mora de 4% (quatro por cento) ao ano, ou de outra que estiver legalmente em vigor (cláusula 6.ª, ponto 1, sob a epígrafe “MORA”, das condições gerais do contrato celebrado entre autora e réu)), podendo os juros em mora ser capitalizados nos termos da lei (ponto 2).
A questão é que, quanto às prestações vincendas não havia mora, pelo que não tem de haver juros remuneratórios.
Se a autora os quisesse receber deixaria que se vencessem no seu tempo as prestações fixadas e aguardaria pelo decurso do tempo da duração do contrato, aguardaria o decurso do tempo convencionado, de acordo com o programa contratual estabelecido (e aí manter-se-ia a disponibilidade do capital a ter de ser remunerada).
Os juros remuneratórios, como o próprio nome indica, destinam-se a remunerar o prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo em que o mutuante está sem o capital, proporcionando-lhe assim um valor que compense o mutuante por uma privação do capital que não deveria ter suportado.
Optando pelo vencimento imediato de todas as prestações e pela existência de um incumprimento definitivo, essa remuneração não faz sentido, porque o plano contratual passou a ser distinto do convencionado, porque esse tempo não chegou a ocorrer (houve um encurtamento forçado do período de disponibilização do capital) e nada há, por essa via, a ressarcir (sendo certo que o artigo 781.º do Código Civil se reporta ao capital e não aos juros).
Neste sentido, pode ler-se nos acórdãos:
i) do STJ, de 14.05.2009 (processo n.º 218/09.OYFLSB, Cons. Sebastião Póvoas), que os “juros remuneratórios, que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas, ou seja, o vencimento imediato de qualquer prestação não implica o pagamento daqueles juros nela incorporados”;
ii) do STA, de 21.04.2010 (processo n.º 0878/09, Cons. Alfredo Madureira), que os “juros remuneratórios, que visam retribuir o credor pela disponibilização do capital durante o período de vigência do respectivo contrato de mútuo, são devidos também desde o incumprimento contratual pelo devedor e até ao momento em que, aquele, nos termos contratuais, se faz prevalecer do vencimento imediato do contrato”.
iii) do TRE, 10.05.2018 (processo n.º 3216/12.3TBPTM-A.E1, Relatora Elisabete Valente), que:
“II – A cláusula que prevê que o incumprimento implique a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas…”, não significa que as partes quiseram que o vencimento da totalidade das prestações implicasse o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama.
III – Mantém-se, assim, a aplicação do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2009, que determina que no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.
IV – Mantêm-se actualizada a posição desse Acórdão, pois o quadro legal em que o mesmo foi gizado continua, no fundamental, idêntico.
V - Pelo que, caso as partes não prevejam expressamente que o vencimento da totalidade das prestações implique o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama, se os mesmos forem tidos em conta há preenchimento abusivo da livrança” – itálico e sublinhado nossos.

A autora parece procurar receber tudo como se o contrato não tivesse tido vicissitudes.
Relevando o que se mostra acordado no contrato, a cláusula 6.ª reporta-se à mora e a cláusula 16.ª reporta-se ao incumprimento definitivo.
Ora, analisada a cláusula 6.ª verifica-se que a mesma se aplica às situações de mora pontual, e não às as situações de incumprimento definitivo, em que todas as prestações foram já consideradas vencidas, exigindo-se a totalidade do capital em dívida.
De facto, é a própria cláusula que afirma que no caso de mora no pagamento da prestação de capital e/ou juros, incidirá sobre o montante dessa prestação, e durante o tempo em que a mora se verificar, a taxa de juro fixada, neste contrato, acrescida de uma sobretaxa de mora de 4% (quatro por cento) ao ano, pelo que, passando-se a uma situação de incumprimento definitivo – que é regulada pela cláusula 16ª – dela decorre que “o não cumprimento do(s) Mutuário(s) de qualquer das obrigações aqui assumidas, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, facultará à (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A. o direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito” – sublinhado nosso.
Na sentença recorrida entendeu-se que a cláusula é ambígua porque não concretiza as componentes que constituem o crédito, nesta situação de incumprimento, devendo ser interpretada no sentido mais favorável ao consumidor aderente, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, ou seja, a interpretação restritiva do termo «crédito». E, acrescentamos nós, não permite de forma alguma defender que abarca o pagamento de todos os juros remuneratórios que nasceriam até ao fim do contrato.
O que a autora faz é elaborar uma cláusula dúbia/ambígua – tudo quanto constituir o seu crédito – que em muitos casos os seus subscritores nem dela se apercebem e os incumpridores pagarão os juros remuneratórios.
E ao constar da cláusula 16.ª que o não cumprimento pelo mutuário, ora réu, de qualquer das obrigações que assumiu, facultando à autora o direito de resolver o contrato, quiseram as partes contratantes, no âmbito da liberdade contratual o vencimento da totalidade das prestações, incluindo o pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações cujo pagamento antecipado se reclama?
Citando-se o supra mencionado acórdão do TRE “Tal interpretação seria absolutamente desfavorável ao devedor e, considerando o regime de interpretação contratual estabelecido no artigo 236.º do Código Civil, ao estipulado sobre interpretação de cláusulas ambíguas, no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, alterado pelos DL n.º 220/95, de 31.08 e n.º 249/99, de 07.07 (regime das cláusulas contratuais gerais), e face às apertadas exigências consignadas no DL n.º 133/2009, de 02.06.2009 (relativo ao crédito ao consumo) - que estabelece, na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil, novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações - um declaratário normal não interpretaria essa cláusula no sentido preconizado pela recorrente, ou seja, de que a falta de pagamento de uma mensalidade acarretaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim do contrato.”
Ou seja, como defende a sentença recorrida, não cremos que haja acordo em contrário à aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
Citando, uma vez mais, o aresto do TRE, com o qual concordamos na íntegra “Estes acórdãos são de extrema importância e não podem de forma alguma ser ignorados, pois traduzem a interpretação uniforme do direito que constitui um dos vectores por que se tutela a certeza e a segurança jurídica, bem como a igualdade de tratamento postulada no princípio da confiança.
Só faz sentido o afastamento da jurisprudência uniformizada quando verificados fundamentos não considerados no acórdão uniformizador e de tal forma relevantes e convincentes, que sejam capazes de provocar a alteração pelo STJ da jurisprudência fixada.
Finalmente, outro argumento ao qual somos particularmente sensíveis é o de que o ordenamento jurídico deve ser harmonioso e não faz sentido que, em casos iguais, sendo a acção contestada (…), o juiz deva decidir de acordo com a jurisprudência uniformizada e, não sendo contestada, se veja obrigado a decidir contra a mesma ao confinar-se a decisão judicial, à mera conferição de força executiva à petição.”
Neste conspecto, o recurso haverá de improceder, mantendo-se a sentença recorrida.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a apelação, e, em consequência manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 23 de abril de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
José António Moita (2.º Adjunto)