DIVISÃO DE COISA COMUM
ADMISSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO
Sumário

I – Numa ação de divisão de coisa comum, na qual o réu formula pedido reconvencional para reconhecimento e compensação dos valores despendidos para pagamento do empréstimo contraído para a aquisição da fração autónoma em comum, em idêntica proporção, não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objeto de cada um dos pedidos – da ação e da reconvenção – mas elas são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade intrínseca.
II – Não há qualquer ato a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objeto da outra pretensão.
III – Nessa hipótese, os poderes de gestão processual do juiz permitirão definir os termos da tramitação a observar, acolhendo a reconvenção sob a forma de processo comum, definindo o conteúdo dos direitos em litígio e prevenindo a necessidade de instauração de outras ações.
IV – No caso dos autos, os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõem que, a ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de resolução do contrato de compra e venda, fundamento do direito de compropriedade das partes, como ocorre nos presentes autos, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 266.º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, ambos do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
(Sumário da Relatora

Texto Integral

RECURSO N.º 283/23.8T8CTX-A.E1

Tribunal recorrido: Juízo de Competência Genérica do Cartaxo – J2
Apelante: (…)
Apelada: (…)

Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)

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Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. (…) intentou no Juízo de Competência Genérica do Cartaxo, ação especial de divisão de coisa comum contra (…), pedindo que seja julgada procedente a ação e, em consequência, se determine, a divisão do prédio misto situado na Rua da (…), (…), (…), concelho do Cartaxo e União das Freguesias de (…) e (…), constituído pela parte rústica inscrita na matriz no artigo (…), da Secção (…) e a parte urbana inscrita na matriz n.º (…), ambas (parte rústica e urbana) da referida União de Freguesias de (…) e (…), descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…), da freguesia da (…).
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1.2. O réu contestou alegando que o prédio foi por si adquirido e que, no decurso da união de facto com a requerente, a construção de uma habitação no prédio passou a ser um projeto conjunto, sendo que o empréstimo realizado era, no acordo entre as partes, inteira responsabilidade da requerente, tendo o requerido acabado a assumir o mesmo.
Deduziu pedido reconvencional, alegando que o contrato de compra e venda de onde resulta a compropriedade do imóvel é inválido, porquanto estava convencido de que assinou um testamento e não uma escritura de compra e venda e nunca recebeu o preço indicado em tal escritura, nunca tendo sido sua intenção desfazer-se de metade do imóvel.
Requereu, pois, que fosse declarada a resolução do contrato de compra e venda celebrado pelas partes em 2005, por falta de pagamento de preço.
Subsidiariamente, e caso se entenda que o contrato de compra e venda é eficaz, verificando-se a existência de compropriedade, peticiona o reconhecimento do seu direito de crédito sobre a requerente, relativo:
- às despesas com a construção, manutenção, benfeitorias, fornecimento de água e eletricidade no imóvel;
- às despesas inerentes ao pagamento do empréstimo bancário celebrado, que ainda continuam a ser assumidas até à adjudicação do prédio.
Em alternativa, seja tal crédito compensado na quota resultante da divisão, caso o imóvel seja adjudicado ao requerido.
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1.3. A requerente pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da reconvenção.
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1.4. Por despacho datado de 2 de novembro de 2023, o tribunal de primeira instância entendeu julgar inadmissível o pedido reconvencional, proferindo a seguinte decisão:
Por despacho datado de 2 de novembro de 2023, o tribunal de primeira instância entendeu julgar inadmissível o pedido reconvencional, por não apresentar “a conexão material e formal exigida pelo artigo 266.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.”.
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1.5. Inconformado, interpôs o presente recurso o réu / reconvinte, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões (transcrição):
Com o devido e elevado respeito pelo Douto Tribunal a quo, entende o Recorrente que a fundamentação apresentada e a decisão de rejeição liminar do pedido reconvencional de resolução do contrato e venda emergente da escritura pública datada de 26/10/2005, (documento n.º 5 da petição inicial) se encontra em contradição material com os factos e o direito aplicável.
II. Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 926.º do CPC, uma das questões que o pedido de divisão de coisa comum pode suscitar, e que o julgador terá naturalmente de decidir, é a da compropriedade, pressuposto da ação de divisão que a coisa seja comum, nos termos do artigo 925.º do CPC.
III. Na ação de divisão de coisa comum, a compropriedade apresenta-se, não como causa de pedir, mas sim como um pressuposto do pedido.
IV. Se o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, conforme dispõe o n.º 3 do citado artigo.
V. A Requerente, na sua petição inicial juntou uma escritura de compra e venda, outorgada em 26/10/2005 (documento 5 da petição), por via da qual se arroga ter adquirido o direito a metade do prédio misto situado na Rua da (…), (…), (…), (…), distrito de Santarém, concelho do Cartaxo e União de Freguesias de (…) e (…), constituído pela parte rústica inscrita na matriz no artigo (…), da Seção (…) e a parte urbana inscrita na matriz n.º (…), ambas (parte rústica e urbana) da referida União de Freguesias, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…), da Freguesia da (…), com o valor patrimonial de € 46,74 (quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos) e de € 84.640,00 (oitenta e quatro mil e seiscentos e quarenta euros).
VI. É na escritura de compra e venda de 26/10/2005, junta pela requerente como documento 5 da sua petição inicial, que fundamenta a natureza comum do bem imóvel, a sua compropriedade e consequentemente o seu pedido de divisão de coisa comum, ou seja, a “situação patrimonial e legal atual” do bem que pretende dividir.
VII. A resolução constitui uma das modalidades que o Direito prevê para a extinção de uma relação contratual e, neste caso, da compropriedade, sendo a resolução equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e tem efeito retroativo (artigos 433.º e 434.º do Código Civil).
VIII. A questão apresentada pelo requerido é uma questão relevante e prejudicial à divisão de coisa comum, porque a decisão da ação irá incidir materialmente sobre o pedido formulado pela Requerente, quanto à existência ou não de compropriedade.
IX. Sendo uma questão prejudicial, prévia à qualificação do imóvel como comum e na impossibilidade de ser sumariamente decidida, nos termos do n.º 3 do artigo 926.º, deveria o douto tribunal a quo ter mandado seguir os termos subsequentes, em processo comum, em vez de ter liminarmente rejeitado o pedido reconvencional.
X. A decisão sobre a questão de resolução do contrato de compra e venda que serviu de fundamento ao pedido de divisão, é uma questão conexa com o mesmo e prejudicial, como reconhecido pelo douto Tribunal a quo, porque a consequência da declaração judicial de resolução é que o bem não é comum, não se encontra em compropriedade, logo, não terá cabimento a presente ação de divisão de coisa comum.
XI. A questão foi apresentada na reconvenção, a título de pedido subsidiário e foi também objeto da defesa do Requerido, quando este na contestação se defendeu por impugnação quanto ao alegado no artigo 1º da PI, que expressamente impugnou no artigo 2º da contestação, nomeadamente, quando se invoca que “autora e réu são comproprietários (…)”.
XII. Do teor da contestação levanta-se efetivamente uma questão quanto ao pedido de divisão do imóvel, uma vez que porque a existência de compropriedade foi impugnada pelo Requerido, na contestação, sendo o pedido subsidiário reconvencional subsequente uma consequência direta dessa mesma impugnação.
XIII. Há conexão entre o pedido de declaração judicial da resolução do contrato de compra e venda e o facto jurídico que serve de fundamento à ação (a natureza comum do imóvel identificado nos autos).
XIV. Está preenchido o elemento de conexão da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, na medida em que o pedido do Requerido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, ou seja, a alegada natureza comum do bem imóvel que a Requerente pretende ver dividido.
XV. Verificando-se algum dos elementos de conexão entre o pedido da Requerente e o pedido reconvencional do Requerido, a reconvenção na ação de divisão de coisa comum será admissível se houver interesse relevante na apreciação conjunta do pedido do autor e do pedido do réu, ou se a apreciação conjunta das pretensões (do autor e do réu) se mostrar indispensável para a justa composição do litígio, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, ambos do CPC.
XVI. Assim, o Tribunal a quo pode pronunciar-se sobre esta questão, efetivamente suscitada quanto ao pedido de divisão do imóvel e para a defesa do Requerido.
XVII. A decisão de não admissão do pedido reconvencional subsidiário de resolução do contrato de compra e venda, é contraditória na sua própria fundamentação e viola o disposto nos artigos 926.º, n.º 2 e 3 e 266.º, n.º 2, alínea a), todos do CPC, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que efetivamente conheça da questão submetida a julgamento pelo Requerido.
XVIII. A decisão que rejeitou a admissão do pedido reconvencional de reconhecimento e declaração do direito de crédito invocado pelo Requerido, está em manifesta contradição com o que vem sendo decidido em casos semelhantes pela maioria da jurisprudência, continuadamente emitida pelos nossos Tribunais superiores.
XIX. O que é peticionado pelo Requerido não é a compensação creditória, mas sim que seja declarado como reconhecido o seu direito de crédito sobre a requerente, e consequentemente o seu direito [do requerido] ao ressarcimento de metade dos montantes por si despendidos. É essa a sua pretensão principal e não a compensação creditória.
XX. Na alínea b), ponto iii), do pedido reconvencional, o requerido pede que seja declarada a compensação desse valor no montante a atribuir na sua quota-parte resultante da divisão, no caso de o prédio ser adjudicado ao Requerido, como consequência do reconhecimento do crédito que invoca sobre a Requerente, sendo claro e inequívoco, que o primeiro e principal pedido formulado é o reconhecimento do crédito.
XXI. O pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, na medida em que são despesas suportadas exclusivamente pelo Recorrente com o bem imóvel qualificado como comum pela Recorrida e cuja divisão é por esta peticionada (alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC).
XXII. Tendo sido formulado pelo Recorrente, igualmente, ao abrigo da alínea c) da mesma disposição legal, porquanto peticiona o reconhecimento do crédito, ou pelo seu pagamento ou pela sua compensação.
XXIII. Se a Recorrida pede a divisão do imóvel, também será legitimo e justo ao Recorrente peticionar que sejam reconhecidos/declarados os direitos de créditos por si titulados sobre esta, por motivos emergentes do mesmo imóvel.
XXIV. As questões suscitadas pelo pedido de divisão, a que alude o n.º 2 do artigo 926.º do CPC podem contemplar aquelas que a divisão física suscita entre os comproprietários, mormente em caso de indivisibilidade as referentes à compensação do valor que um deles haja suportado a mais com a aquisição, do valor das tornas a haver pelo outro.
XXV. O que o Recorrente pretende com a formulação deste pedido é que, a prosseguir a ação de divisão de coisa comum, na conferência de interessados, no caso de se adjudicar o imóvel a um dos comproprietários, o valor de tornas a entregar ao outro tenha em conta a contribuição de cada um na quota respetiva.
XXVI. Há o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem o prédio dividendo, de modo a evitar que o Recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido.
XXVII. Não existe razão para lançar mão de outro processo judicial com vista à resolução daquilo que separa as partes: o encontro entre o “deve” e o “haver”, entre a contribuição de cada um para o valor da sua quota.
XXVIII. Considerando que o processo especial de divisão de coisa comum pode ser convertido em processo comum nos termos do disposto na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 926.º do CPC, os princípios subjacentes aos poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), impõem que, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de reconhecimento de créditos por desigualdade na contribuição para a aquisição dos bens a dividir, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, seguindo o processo a tramitação do processo comum.”
XXIX. A admissão da reconvenção não fere, minime que seja, qualquer princípio estruturante do processo civil, muito pelo contrário. São claramente menores os inconvenientes decorrentes da admissão da reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que aqueles que resultariam da sua não admissão.
XXX. Existe um interesse relevante na apreciação conjunta das duas questões para a justa- composição do litígio, ao abrigo do n.º 3 do artigo 266.º do CPC, como corolário do princípio da economia processual, evitando-se o esforço adicional de dedução, análise e julgamento de uma nova ação, quando a questão pode ser logo decidida nesta sede, que com esta é manifestamente conexa.
XXXI. Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, o mesmo não poderia ter tomado a decisão que tomou, deveria sim ter-se pronunciado e decidido sobre todas as questões concretamente apresentadas na contestação e reconvenção, nos termos do artigo 926.º, n.º 2 e 3 e artigo 266.º, n.º 2, alíneas a) e c) e n.º 3 do CPC.
XXXII. Não o tendo feito, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 926.º, n.º 2 e 3 e 266.º, n.º 2, alíneas a) e c) e n.º 3, todos do CPC, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que efetivamente conheça da(s) questão(ões) submetida(s) a julgamento pelo Recorrente”.
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1.6. A requerente, ora apelada, contra-alegou apresentando a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
I – Entende a Requerente que o Douto Despacho que não admitiu o pedido reconvencional se encontra em absoluta conformidade com os factos alegados, bem como com o direito aplicável.
II – A Requerente e o Requerido celebraram um contrato de compra e venda, tendo a mesma adquirido metade do imóvel referido nos presentes autos.
III – O imóvel encontra-se registado em nome de ambos, em compropriedade.
IV – Nos presentes autos as questões a apreciar relacionam-se com a discussão da existência de compropriedade, com a indivisibilidade da coisa comum, e, ou a fixação dos respetivos quinhões a cada uma das partes, questões, estas, que se reportam ao direito real de compropriedade.
V – O Requerido veio pôr em causa a validade/resolução do contrato de compra e venda que originou a compropriedade, o que, efetivamente, se trata de uma questão contratual e de cumprimento de contratos, que em nada se relaciona com a presente ação.
VI – O pedido reconvencional não pode ser admitido porque não se verifica qualquer conexão entre o objeto da ação e o objeto da reconvenção.
VII – O processo de divisão de coisa comum deve seguir a sua tramitação normal, pela simplicidade das questões suscitadas quanto ao pedido de divisão, não podendo o pedido reconvencional ser admitido por ser processualmente incompatível nos termos do artigo 266.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
VIII – Todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do Requerente, porque seria inadmissível que ao Requerido fosse lícito enxertar na ação pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.
IX – O pedido de resolução do contrato de compra e venda deduzido em reconvenção por falta de pagamento não apresenta qualquer conexão com o objeto da presente ação, não preenchendo qualquer os requisitos de nenhuma das alíneas do artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
X – O Requerido apresenta pedidos que abrangem o reconhecimento de um crédito sobre a Requerente, a sua condenação ao respetivo pagamento ou a sua compensação na quota a atribuir à Requerente no caso de adjudicação ao Requerido, ou venda do prédio; mas a compensação tem por objeto a aceitação da existência de um crédito a que se opõe um contra-crédito que desobriga o devedor na sua exata medida.
XI – Sucede que, nos presentes autos não se encontra o referido requisito de reciprocidade – um contra-crédito, da mesma natureza.
XII – De acordo com disposto no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, verifica-se que se destina ao confronto de dois créditos, situando-se, por isso, num plano de confronto de duas relações meramente obrigacionais – a de que emerge o crédito do reconvinte e a que determina o crédito do reconvindo exercido por via da ação.
XIII – Atentando nos pedidos formulados pela Requerente e pelo Requerido verifica-se que não se encontra preenchido nenhum dos requisitos de conexão material consagrados no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
XIV – Para que o Requerido pudesse obter uma compensação pela eventual existência de um direito de crédito sobre a Requerente, forçoso seria que a mesma peticionasse, também, o reconhecimento de um direito de crédito sobre o Requerido, o que não se verifica nos presentes autos, pois que a Requerente peticiona, em concreto, a divisão do prédio existente em compropriedade com o Requerido.
XV – O Requerido pretende que lhe seja reconhecido um eventual direito de crédito, sobre a Requerente, a ser realizado ou concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja aquando da adjudicação do imóvel ; sendo que a admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respetivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução.
XVI – A tramitação segundo o processo declarativo comum iria complicar e prolongar desnecessária e intoleravelmente a tramitação da presente ação de divisão de coisa comum.
XVII – A finalidade desta forma processual especial é o exercício do direito potestativo de exigir a divisão da coisa comum identificado pelo artigo 1412.º, n.º 1, do Código Civil.
XVIII – O Requerido não demonstrou o preenchimento dos requisitos substantivos que limitam o exercício do direito de reconvir constantes no artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
XIX – O pedido reconvencional não preencheu os requisitos necessários à conexão material e formal exigidos pelo artigo 266.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, pelo que não pode ser admitido.”
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1.7. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, a única questão que importa decidir é a de saber se o pedido reconvencional (quer o pedido principal, quer o pedido subsidiário) deduzido pelo requerido é ou não admissível.
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2.2. Apreciação do recurso
O processo especial de divisão de coisa comum previsto nos artigos 925.º e seguintes, do Código de Processo Civil, regula o modo de pôr termo à indivisão da coisa, atento o estatuído no artigo 1412.º do Código Civil, segundo o qual qualquer comproprietário pode exigir a divisão, sem prejuízo da convenção de indivisibilidade consagrada no n.º 2 deste normativo legal.
Dispõe o artigo 925.º do Código de Processo Civil que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.”
A menção efetuada pelo artigo 925.º, citado, a «coisa comum» tanto abrange a divisão de uma coisa como a divisão de um direito sobre uma coisa, pelo que o seu sentido é o de que “a divisão tem como resultado objectivo a individualização do objecto sobre o qual passa a incidir o direito de propriedade exclusiva ou o direito (real ou de crédito) que, de contitularidade, passa a ser de titularidade singular” [Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2.ª edição, pág. 12].
A finalidade do processo de divisão de coisa comum cinge-se a três possíveis resultados: a divisão em substância da coisa, a sua adjudicação a um dos comproprietários ou a sua venda, com repartição do respetivo valor.
Assim, tal ação tem como pressuposto a compropriedade e como objetivo a efetivação do direito à divisão, sendo considerada uma ação de natureza real, que se integra na categoria das ações declarativas constitutivas referidas no artigo 10.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea c), do Código de Processo Civil, visando a modificação subjetiva e objetiva do direito de compropriedade implicando uma mudança na ordem jurídica existente.
É sabido que o processo especial de divisão de coisa comum comporta duas fases essenciais: uma, de natureza declarativa, que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão e que apenas se irá desenvolver se for apresentada contestação ou, na falta desta, quando a revelia seja inoperante (artigo 926.º, n.º 2, do Código de Processo Civil); outra, de cariz executivo, para materialização do direito definido na fase declarativa ou afirmado, sem contestação, pelo autor.
A fase declarativa do processo de divisão, havendo contestação ou a revelia não sendo operante, processa-se, em regra, segundo as regras aplicáveis aos incidentes da instância. Apenas nas situações em que, atenta a complexidade das questões colocadas, o juiz entenda que estas não podem ser sumariamente decididas, segundo o modelo incidental, deve ter lugar os termos do processo comum adequados ao valor da causa.
Parece não se suscitarem especiais dúvidas que, havendo contestação, a ação especial de divisão de coisa comum admite reconvenção – reunidos que estejam os respetivos pressupostos substanciais (cfr. artigo 266.º do Código de Processo Civil) –, pois nesse caso o processo converter-se-á, por regra, em processo comum, atento o disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 926.º do Código de Processo Civil. Isso apenas não sucederá se as questões deduzidas na contestação/reconvenção puderem ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum – artigo 926.º, n.ºs 2 e 3, primeira parte, do citado Código [acórdãos do TRG de 20.09.2018, processo n.º 242/17.0T8VPC-A.G1 e do TRL de 11.01.2018, processo n.º 386/15.2T8MFR.L2-8 (acessíveis em www.dgsi.pt), em que se admitiu a reconvenção porque fora já proferido despacho, transitado em julgado, ordenando o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 366].
Todavia, a questão que aqui importa resolver não se integra nessa situação tendo antes a dificuldade de a reconvenção ter sido deduzida num contexto em que as partes estão em litígio quanto à própria existência do direito de compropriedade.
De facto, a requerente, na sua petição inicial, veio requerer, na presente ação especial de divisão de coisa comum, que o prédio misto situado na Rua da (…), (…), (…), constituído pela parte rústica inscrita na matriz no artigo (…), da Secção (…) e a parte urbana inscrita na matriz n.º (…) ambas, descrito na Conservatória do Registo Predial do Cartaxo sob o n.º (…), seja declarado indivisível em substância e, bem assim, seja ordenada a adjudicação ou no limite a venda do prédio com repartição do respetivo valor com todas as consequências legais.
Como fundamento, alegou e juntou uma escritura de compra e venda, outorgada em 26 de outubro de 2005, por via da qual adquiriu ao réu o direito a metade do prédio misto acima identificado (que por sua vez o havia adquirido na sua totalidade em 14 de setembro de 2000).
Por seu turno, o réu pede, em sede reconvencional, que seja declarado resolvido o aludido contrato de compra e venda celebrado com a autora, de onde resulta a compropriedade do imóvel, por falta de pagamento do preço e, subsidiariamente, que seja reconhecido um direito de crédito sobre a autora, relativo a despesas de construção, manutenção e outras e despesas com o pagamento do crédito bancário.
O tribunal a quo, para fundamentar a decisão de inadmissibilidade da reconvenção escreveu: “a resolução do contrato não se relaciona com o imóvel em si nem com a sua situação patrimonial e legal atual” (…). Não está, pois, em causa a existência de compropriedade. Mas a validade/resolução do contrato de compra e venda que deu origem a tal compropriedade. No entanto, evidente nos parece que essa é uma questão contratual e de cumprimento dos contratos, em nada se relacionando com a presente ação (embora se admita a prejudicialidade desta questão) (…) Com efeito, admitida a validade do contrato de compra e venda, ambas as partes reconhecem a compropriedade e na proporção de cada um (metade), bem como pretendem por fim a essa mesma situação” – itálico e sublinhado nossos.
Não podemos concordar com a posição assumida pela senhora Juíza da 1.ª instância.
Vejamos.
As questões suscitadas pelo pedido de divisão de coisa comum podem ser decididas pela tramitação mais simples do incidente de instância ou, não podendo ser sumariamente resolvidas, deve seguir o processo comum; e só depois de determinadas é que se passa à fase executiva da adjudicação ou venda.
O que significa que sendo o processo de divisão de coisa comum um processo especial pode comportar uma fase de processo comum, sem que haja incompatibilidade entre as duas formas de processo.
Com efeito, se o n.º 3 do artigo 266.º do Código de Processo Civil estabelece que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, logo a seguir exceciona, como não poderia deixar de ser que, a hipótese de o juiz autorizar a dedução da reconvenção, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º do Código de Processo Civil, ou seja, sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
Na verdade, uma das questões que o pedido de divisão pode suscitar, e que terá de ser dirimida pelo tribunal, é a da compropriedade, uma vez que, conforme resulta da norma prevista no artigo 925.º do Código de Processo Civil, constitui pressuposto da ação de divisão que a coisa seja comum. Na ação de divisão de coisa comum, a compropriedade apresenta-se como um pressuposto do pedido.
Constitui pressuposto da ação de divisão de coisa comum a existência de compropriedade, isto é, que sobre o bem concreto a dividir incida um direito detido conjuntamente pelos contitulares.” [acórdão do TRG, de 29.04.2014, in www.dgsi.pt;].
Não podemos concordar com o tribunal de 1.ª instância quando refere que “Naturalmente que tal situação levaria, como pretende o Requerido/reconvinte, a pôr fim à compropriedade, por efeitos da resolução do contrato, mas não se relaciona com o imóvel em si nem a sua situação patrimonial e legal atual.” (…)
Não está, pois, em causa a existência de compropriedade. Mas a validade/resolução do contrato de compra e venda que deu origem a tal compropriedade. No entanto, evidente nos parece que essa é uma questão contratual e de cumprimento dos contratos, em nada se relacionando com a presente ação”, admitindo, embora, que tal poderá constituir uma questão prejudicial.
Como se lê na motivação de recurso do recorrente “Efetivamente, a decisão de tal questão irá incidir, materialmente, sobre o pedido formulado pela Requerente, quanto à existência ou não de compropriedade.”
É nesta particular aquisição, nesta “situação patrimonial e legal atual” que a autora fundamenta a natureza comum do bem imóvel, a sua compropriedade com o réu e consequentemente o seu pedido de divisão de coisa comum.
E, na realidade, salvo melhor opinião, parece ser indispensável para a justa composição do litígio e para uma decisão consciente que na fase executiva, quanto à adjudicação ou venda do prédio, esteja previamente decidida a questão de saber se o imóvel pertence, em compropriedade à autora e ao réu ou se, tal como este entende, o contrato de compra e venda que alegadamente funda a compropriedade é inválido e deve ser resolvido por alegada falta de pagamento do preço da autora ao réu.
Neste último caso, “cai” o pressuposto da compropriedade da ação de divisão de coisa comum.
Não se percebe o raciocínio do tribunal de 1.ª instância quando conclui que “o pedido reconvencional deduzido de resolução do contrato de compra e venda por falta de pagamento do preço não apresenta nenhuma conexão ou relação com o objeto dos autos, conforme fixado pelo requerimento inicial, não se enquadrando em nenhuma das alíneas do artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, (…)”.
Não podemos deixar de concordar com o apelante quando no corpo das alegações diz que “(…) a decisão sobre a questão apresentada de resolução do contrato de compra e venda que serviu de fundamento ao pedido de divisão, é uma questão conexa com o mesmo e prejudicial (…).
Qual é a consequência da declaração de resolução sobre o bem imóvel controvertido? O mesmo não se encontra em compropriedade, não é um bem comum, logo não terá cabimento a presente ação de divisão de coisa comum.”
Assim, as questões suscitadas pelo pedido de divisão podem ser decididas pela tramitação mais simples do incidente de instância ou, não podendo ser sumariamente resolvidas deve seguir o processo comum; e só depois de determinadas é que se passa à fase executiva da adjudicação ou venda.
Tal está ao alcance do juiz, incumbindo-lhe adaptar o processo, ao abrigo dos princípios da gestão processual e adequação formal “que resulta dos artigos 6.º e 547.º do C.P.C. – tendo sempre como limite o respeito pelos princípios estruturantes do direito processual civil, sobretudo daqueles que constituem emanações de princípios constitucionais, designadamente, a garantia de imparcialidade do tribunal, os princípios do dispositivo e do contraditório, da proibição das decisões surpresa e da igualdade substancial das partes e o caso julgado formal” [Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, pág. 44].
Ora, o n.º 2 do artigo 2.º do Código de Processo Civil adverte para a garantia de acesso aos tribunais, mediante todos os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação, salvo se a lei disser o contrário, o que neste caso não diz; e, por via do artigo 6.º do mesmo diploma legal, compete ao juiz adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a almejada justa-composição do litígio em prazo razoável.
Neste sentido, tal poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide –, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efetiva composição do litígio que reponha a paz social.
Como aliás, corresponde à jurisprudência mais recente sobre esta temática – acórdão do TRE de 23.04.2020; acórdãos do TRG de 20.09.2014 e de 25.05.2017; acórdãos do TRL de 24.09.2015 e de 15.03.2018 e acórdão do STJ de 10.01.2019 (todos disponíveis em www.dgsI.pt).
Lapidarmente defendido no acórdão do TRG de 20.09.2014, extraído do âmbito do processo n.º 260/12.4TBMNC-A.G1, acima referido, ao concluir que “o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, (…) evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção. E o próprio processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o “iter” inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”.
Acrescente-se ainda que o disposto no n.º 3 do artigo 266.º do Código de Processo Civil (“Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações”) constitui um preceito que permite ao juiz admitir a reconvenção, apesar de, ainda que de forma abstrata, aos pedidos corresponderem formas de processo diferentes, se não seguirem tramitação manifestamente incompatível, sempre que haja interesse relevante, o que nos presentes autos ocorre de forma ostensiva, ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio, o que nos presentes autos também ocorre de forma evidente, incumbe ao juiz, quando admita a reconvenção nas referidas circunstâncias, adaptar o processo à cumulação autorizada.
Esta possibilidade assume hoje especial relevância face à atual lei processual civil, que atribui ao juiz amplos poderes (deveres) de gestão e adequação processual, a quem “Cumpre (…) dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”, que decorre do n.º 1 do artigo 6.º do Código de Processo Civil e que “(…) deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, que resulta do artigo 567.º do Código de Processo Civil.
Assim, há uma conexão evidente entre o pedido (reconvencional) de declaração judicial da resolução do contrato de compra e venda e o facto jurídico que serve de fundamento à ação (a natureza comum do imóvel identificado nos autos) – artigo 266.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
O mesmo raciocínio é válido relativamente ao pedido reconvencional deduzido pelo réu reconvinte a título subsidiário (benfeitorias no imóvel e despesas inerentes ao pagamento do empréstimo bancário, alegadamente realizadas e suportadas pelo reconvinte); caso seja improcedente o pedido formulado a título principal (resolução do contrato de compra e venda), ficará assente a compropriedade da autora e do réu sobre o imóvel objeto dos autos.
O pedido reconvencional claramente emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, na medida em que são despesas alegadamente suportadas exclusivamente pelo apelante com o bem imóvel qualificado como comum pela apelada e cuja divisão é por esta peticionada (alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil), tendo este sido formulado pelo apelante, igualmente, ao abrigo da alínea c) da mesma disposição legal, porquanto peticiona o reconhecimento do crédito, ou pelo seu pagamento ou pela sua compensação.
O que o recorrente pretende com a formulação deste pedido é que, a prosseguir a ação de divisão de coisa comum, na conferência de interessados, no caso de se adjudicar o imóvel a um dos comproprietários, o valor de tornas a entregar ao outro tenha em conta a contribuição de cada um na quota respetiva.
Está em causa, como dissemos, o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem o prédio dividendo. Importa evitar que o recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido [acórdão do TRP de 28.03.2023].
Concluindo, os princípios subjacentes àqueles poderes / deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõem que, a ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de resolução do contrato de compra e venda, fundamento do direito de compropriedade das partes, como ocorre nos presentes autos, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 266.º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, ambos do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
O interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, que envolvem o imóvel, evitando dessa forma que se recorrer à propositura de uma outra ação para ver (neste caso, o réu) o seu direito reconhecido, para além de não contundir com qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e, em nosso entender configura questão prejudicial, que justifica plenamente a admissão da reconvenção.
Aliás, como corolário do novo princípio da adequação formal, Madeira de Brito escreve in Aspectos do Novo Processo Civil - Lex, pág. 36:
“[O] novo princípio da adequação formal vem romper com este regime apertado do princípio da legalidade das formas processuais. Através dele, visa-se remover um obstáculo ao acesso à justiça em obediência à natureza instrumental da forma de processo: se a tramitação prevista na lei não se adequa ao fim do processo, então conferem-se os correspondentes poderes ao juiz para adaptar a sequência processual às especificidades da causa…”.
Sendo esta a situação dos presentes autos, deverá ser ordenado que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum, admitindo-se o pedido reconvencional deduzido pelo réu, para se obter uma apreciação global da causa e uma justa composição do litígio, evitando-se uma duplicação de processos.
Com tais fundamentos, procede a presente apelação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 1.ª secção cível do Tribunal de Relação de Évora, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, com a consequente devolução do processo ao tribunal de primeira instância para que, sendo admitida a reconvenção, se determinem os ulteriores termos processuais que forem tidos por adequados à apreciação do correspondente pedido, sob a forma de processo comum.
Custas pela apelada.
Notifique.
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Évora, 23 de abril de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
José António Moita (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)