DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO DAS EXCEÇÕES NO DESPACHO SANEADOR
EXCEÇÃO DILATÓRIA
IMPROCEDÊNCIA
Sumário

Não é de admitir de imediato o recurso ora interposto do despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória do caso julgado, o qual subirá com o recurso que vier a ser interposto da sentença final.

Texto Integral

Proc. n.º 13053/23.4YIPRT -A.P1
(Recurso)



Acordam, em audiência de julgamento, na 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

AA, Ré nos autos em epígrafe, inconformada com o despacho saneador proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1, em 14 de Junho de 2023, que, na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias decorrente do regime previsto no DL 269/98, intentada por A... S.A., julgou improcedente a excepção dilatória de caso julgado por si deduzida, veio interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
· “O douto saneador não se fundamentou correctamente nos factos alegados e provados documentalmente, estando arredado do melhor direito aplicável.
· Resulta claramente dos documentos 1,2,3 juntos pela requerida, e não impugnados , nem contraditados pela requerente de que o objecto da presente acção foi já decidido por sentença transitada em julgado no âmbito de uma injunção/acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a qual correu termos no proc. Nº 57153/21.4YIPRT do Juizo Local Cível de Santo Tirso-Juiz 1, em que a causa de pedir ali alegada corresponde essencialmente á da presente causa, o suposto contrato de fornecimento de bens ou serviços celebrado entre A. e R..
· O objecto da presente acção e o do Proc. 57153/21.4YIPRT tem por verificada, além da identidade de sujeitos e da causa de pedir, a coincidência das respectivas pretensões na parte em que versam sobre o alicerçado no mesmo contrato.
· Atendendo a que a anterior acção foi totalmente julgada improcedente por a R. não ter celebrado qualquer contrato com a A. e que tendo havido cessão da posição contratual a mesma não foi consentida pela recorrente, pelo que consequentemente não está obrigada ao pagamento do serviço, devendo ser considerado o efeito de autoridade de caso julgado por na presente acção o valor peticionado radica precisamente na mesma causa de pedir/facto jurídico a existência e celebração de um eventual contrato de prestação de serviços datado de 08/08/2000.
· A autoridade de caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejucialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial da segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
· No caso em apreço o pedido formulado na presente acção contra a requerida funda-se além do mais também no mesmo facto jurídico/contrato de prestação de serviços, com a mesma data, e dado como não provado na anterior acção. Temos por assente que a decisão absolutória do pedido proferida na acção anterior traduz-se em decisão de questão fundamental que constitui precedente lógico indiscutível da peticionada extensão do serviço de saneamento anteriormente invocado e negado o direito ao seu pagamento.
· Nessa medida não pode deixar de se considerar o efeito de autoridade de caso julgado material decorrente da decisão absolutória proferida na acção nº 57153/21.4YIPRT, como radical e substantivamente impeditivo da procedência da pretensão deduzida na presente acção, pese embora a não coincidência integral do petitório formulados nas duas acções.
· Acresce ainda que a autoridade de caso julgado de sentença já transitada em julgado pode actuar independentemente dos requisitos da tríplice identidade a que se refere o Artº 498º do CPC, - DE SUJEITOS, CAUSA DE PEDIR E PEDIDO- implicando contudo a proibição de novamente apreciar certa questão.
· Foram assim violados entre outros os ARTºs 186º,580º, 619ºe 621º do C.P.C.”

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A ora Apelada A... S.A., contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, e suscitou, a título de questão prévia, a questão da inadmissibilidade do recurso.
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Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à audiência de julgamento.
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QUESTÃO PRÉVIA

Como vimos, a ora Apelada suscitou, a título de questão prévia, a questão da inadmissibilidade do recurso, alegando que não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a previsão a al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.
Ao invés, a Apelante sustenta nas suas alegações, como questão prévia, que o recurso é admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência porquanto se funda na ofensa de caso julgado, atento o disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.


Vejamos.
Dispõe o artigo 595.º, n.º 1, al. a), do CPC, que o despacho saneador destina-se a conhecer «das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente», estabelecendo o seu n.º 3 que « no caso previsto na alínea a) do nº 1, o despacho constitui, logo que transite caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas»
Por sua vez, sob a epígrafe Apelações autónomas, estabelece o at. 644º, nº 1 do CPC que «1. Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão».
Como refere ABRANTES GERALDES in, RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL , 2018-5ª edição, Almedina, págs. 200 e 201, este artigo distingue as decisões sujeitas a recurso imediato [as previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 e no seu nº 2] daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior, ou seja, daquelas que apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso que venha a ser interposto de algumas das decisões previstas no n.º 1 ( máxime da decisão final ou do despacho saneador com o conteúdo previsto na al. b) do nº1) ou, se este não existir (por não ser admissível ou por não ter sido apresentado), em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte ( n.º 4).
Daí ter-se por certo que, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 deste artigo 644.º, não há recurso autónomo da decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 595.º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da excepção dilatória do caso julgado, julgando-a improcedente.
Decorre do exposto, na situação presente, que a Ré, inconformada com a improcedência da excepção dilatória de caso julgado, só poderá apresentar a respectiva impugnação após a prolação da sentença final.
A este respeito chamamos à colação ABRANTES GERALDES in, RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL , 5ª edição, Almedina, 2018 págs. 50 e 51,quando escreve em anotação à al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC que “ Estão (…) excluídas desta previsão especial [ do artigo 629.º, n.º 2, al. a)] as situações em que se afirme a existência da excepção de caso julgado ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão. Efectivamente, nestes casos, não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade ( artigo 629.º, n.º1 d ) e oportunidade da impugnação (artigos 644.º e 671.º).”
No mesmo sentido leia-se ainda o Acórdão do STJ de 6 de Maio de 2021, in Proc. n.º 2218/15.2 T8VCT-A.G2-A.S1 , disponível em www.dgsi.pr., cujo sumário se passa a transcrever:
“I - Estatui o direito adjectivo civil, salvaguardando o princípio dimanado da Lei Fundamental, que lhe permite regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões, condições gerais quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, nomeadamente, aquelas que respeitam às decisões que comportam revista.
II – Só é admissível o recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal, ou seja, faz-se depender a admissibilidade do recurso de dois requisitos cumulativos, quais sejam, o valor da causa e o valor da sucumbência, tendo em vista restringir as questões que devem ser submetidas à apreciação dos Tribunais superiores, evitando que conheçam de decisões em processos, cujo valor ou sucumbência não exceda determinado montante.
III – Independentemente do valor ad causa e da sucumbência, poder-se-á admitir a revista, enquanto admissibilidade excepcional do recurso, estando em causa objecto de recurso que incida, nomeadamente, sobre a excepção dilatória de caso julgado, conforme prevenido no art.º 629.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil.
IV. Estão excluídas da admissibilidade excepcional da revista, decorrente do art.º 629.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil, as situações em que o Tribunal afirme a existência da excepção de caso julgado, ou se assumam os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão, na medida em que, nestes casos, não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade e oportunidade da impugnação.”

Por todo o exposto, não é de admitir de imediato o recurso ora interposto do despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória do caso julgado, o qual subirá com o recurso que vier a ser interposto da sentença final.
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III – DECISÃO
Acordam, pois, os juízes que compõem a 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em não admitir de imediato o recurso ora interposto o qual subirá com o recurso que vier a ser interposto da sentença final.


Custas pela Apelante com taxa de justiça que se fixa em 1 UC.





Porto, 21 de Março de 2024
António Paulo Vasconcelos
Manuela Machado
Paulo Duarte Teixeira