CRIME DE ABANDONO
CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR
GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
Sumário

I - No crime de abandono de posto p.p. pelo art. 66 do Código de Justiça Militar o bem jurídico tutelado é o cumprimento da missão das forças armadas enquanto corpo eficaz que assegura e auxilia o Estado democrático.
II - O CJM aplica-se aos membros da Guarda Nacional Republicana por força do art. 4º do CJM, mas também pela Lei de Bases da Condição Militar -Lei 11/87de 1 de junho - art.16, quer pelo estatuto da GNR previsto no DL 30/2017 de 22 de março -art.10º.
III - Para que a sua missão possa ser cumprida exige-se que os seus membros respeitem a hierarquia e sejam subordinados que cumpram as ordens internas de serviço, como claramente se depreende do disposto no art.20 da Lei Orgânica da GNR, - Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro -, de onde resulta a importância da estrutura de comando daquela força de segurança de natureza militar.
IV - O art. 13 do CJM restringe as causas de justificação atendíveis em casos de incumprimento dos deveres.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 7385/22.6T9PRT.P1





1. Relatório

No Processo Militar n.º 7385/22.6T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal, (Juiz 3), foi depositado em 19/12/2023 Acórdão que decidiu condenar o arguido AA, cabo da GNR, pela prática de um crime de abandono de posto, p.p. pelo art. 66, n.º 1, al e), do Código de Justiça Militar, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), no montante global de €960,00 (novecentos e sessenta euros) e nas custas do processo.
Inconformado com a decisão condenatória veio o arguido interpor o presente recurso.
É o seguinte o teor das conclusões recursivas:
«1. O presente recurso tem por objecto a impugnação da matéria de direito, que sustentou a decisão de que se recorre;
2. O Tribunal a quo errou ao considerar preenchidos todos os pressupostos do tipo de crime p.p pelo art.º 66º n.º 1 do CJM;
3. Com efeito o posto não foi abandonado, nunca ficou a descoberto ou desamparado;
4. O arguido assegurou-se que outra unidade estava de prevenção àquela área de intervenção e solicitou que o posto de trânsito da Maia fosse contactado caso fosse necessário;
5. Da mesma forma deu instruções ao Guarda Principal BB para que o substituísse;
6. A Ausência foi temporária, cerca de uma hora e meia e o serviço não foi posto em perigo;
7. O arguido não representou como possível consequência da sua acção o abandono do posto que na sua prespectiva estava assegurado
8. De resto o serviço foi assegurado e nunca esteve em perigo, não obstante se trate de um perigo abstracto, certo é que o perigo constituiu o motivo da incriminação e não se provou em algum momento que a prontidão do serviço ou a unidade tivessem ficado em perigo.
9. Inexistindo abandono de posto, com arrimo do facto do arguido ter assegurado e solicitado a sua substituição, caso tal fosse necessário, naquele hiato temporal, não se preenchem os pressuposto subjacentes ao tipo de crime de que o arguido foi condenado, impondo-se a sua absolvição.
10. Acresce ainda que:
11. O arguido actou no exercício de um motivo legítimo;
12. Defendendo a sua saúde e a sua integridade física;
13. O Tribunal a quo estribou a sua argumentação no facto de que o arguido não estava perante uma urgência;
14. Mas só as urgências integram o conceito de motivo legítimo?
15. Na nossa prespectiva não;
16. No sopeso jurídico, motivo legitimo é muito mais abrangente do que uma simples urgência;
17. São inúmeras as situações de pessoas que recorrem à urgência e que no âmbito dos conceitos médicos não traduzem qualquer emergência, nem são criticas;
18. De somenos importância o facto da dor e dos sintomas do arguido não serem efectivamente mensuráveis;
19. Contudo eram reais, por tal facto foi intervencionado e submetido ao tratamento que debelaram os sintomas que naquele circunstancialismo e tempo e lugar persistiam;
20. A integridade física do arguido, na vertente de controlo dos sintomas que sentiu durante a noite e que se traduziram na turbação da visão e lacrimejar da vista quando se levantou, sintomas que lhe geravam confusão, causando-lhe receio ao ponto de aceitar uma cirúrgia que já lhe tinha sido proposta à muito tempo;
21. Densificado pelo facto do arguido ser uma pessoa que “padece de problemas de saúde mental, ansioso depressivo, reativo.”
22. Traduzem que o motivo da sua ausência temporária foi legítimo;
23. Que o arguido actuou na defesa da sua saúde e não com intenção de prejudicar a prontidão do serviço ou de pôr em crise a segurança da unidade;
24. Por tal facto na noite anterior havia pedido à CC para desmarcar a consulta em virtude de começar o seu turno muito cedo.
25. Na ponderação dos valores a defesa da saúde é um motivo que legitima o comportamento do arguido e o facto de já existir uma consulta não passou de mera coincidência.
26. O elemento subjectivo do tipo de crime não se encontra preenchido, porquanto a emergência da sintomalogia que apresentava antes da consulta integram circunstancialismo, susceptível de legitimar o recurso à consulta, excluindo-se a culpa por inexigibilidade de outro comportamento, afastando-se a responsabilidade penal do arguido.
27. O facto do arguido não se queixar aos colegas, não quer dizer que não tivesse aqueles sintomas, que de resto foram dados como provados;
28. Desconsiderar a argumentação aduzida implica a violação do principio da igualdade, face ao facto de um trabalhador comum poder recorrer ao médico e justificar a sua ausência posteriormente, verbalmente e sem qualquer tipo de documento, a não ser que a entidade patronal o exija;
29. A ausência temporária foi comunicada e não foi solicitado qualquer documento.
30. Sem prejuízo do referido e caso, não se considere procedente a argumentação recursiva, sempre se dirá que
31. O Tribunal a quo deveria ter recorrido ao n.º 2 do art,º 66º do CJM, para atenuar especialmente a pena ou que não aconteceu, violando-se directamente o referido dispositivo legal.
32. Sem prejuízo do referido e caso assim não se entenda,
33. A imputação subjectiva do tipo de crime ao arguido, substanciado nas regras da experiência comum, nunca poderia ser a título de dolo, mas sim a título de negligência, em virtude do facto do arguido nunca sequer ter representado a violação de um dever;
34. É uma pessoa fragilizada e vulnerável, a passar à data por um processo depressivo;
35. Não tem qualquer antecedente criminal e foi desconsiderado os actos de assinalado valor, que também contribuiriam para a redução da pena nos termos do art.º 23º do CJM.
36. Normas jurídicas violadas: - Artigo 66º n.º 1 e n.º 2;
- Artigo 25º e art.º 64º da CRP, bem como o princípio da igualdade.»
Conclui pedindo que na procedência do recurso seja revogado o Acórdão recorrido e proferida decisão que absolva o recorrente.

O recurso foi admitido por despacho proferido nos autos em 22/01/2024.

O MP em primeira instância respondeu ao recurso considerando que não assiste razão ao recorrente.

Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto aderindo à resposta do MP em primeira instância, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e da confirmação da decisão recorrida.

Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.


2 – Fundamentação
A- Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir.
Pelo seu interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a transcrever a decisão recorrida quanto à matéria de facto dada como provada e respetiva motivação da convicção do tribunal:
«Fundamentação de facto.
Factos provados.
Com exclusão da matéria de direito e de natureza genérica e conclusiva estão provados os seguintes factos:
Da acusação
O arguido AA é cabo da GNR e, à data dos factos, exercia funções no Destacamento de Trânsito da GNR do Porto.
Na sequência das funções que exercia, no dia 26 de fevereiro de 2022, o arguido encontrava-se escalado de serviço, no horário das 07h00-15h00, na qualidade de Comandante de patrulha, tendo como Imediato o guarda-principal BB.
Nesse dia 26 de fevereiro de 2022, o arguido AA, sem ter autorização para o efeito e sem motivo que o justificasse, ausentou-se do seu serviço e dirigiu-se à Clínica ..., onde tinha agendada uma consulta de oftalmologia para as 09h00, ali dando entrada pelas 08h45, tendo tido alta pelas 10h07, altura em que regressou ao seu serviço.
Cerca das 08h30 do dia 26 de fevereiro de 2022, ocorreu um acidente na A28, na ..., em Matosinhos, área de atuação da patrulha que o arguido integrava.
Nessa sequência, o militar de atendimento, Cabo DD, transmitiu a ocorrência ao arguido, tendo-lhe este respondido que já se encontrava no hospital, pelo que não se poderia deslocar ao acidente.
Em face da comunicação do arguido, o Cabo DD contactou o militar de atendimento do Posto de Trânsito da GNR da Maia, patrulha disponível para se deslocar ao acidente na A28 e, tendo obtido resposta afirmativa, solicitou-lhe que se deslocassem ao local, o que estes fizeram.
O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que estava de serviço de patrulha e nessa medida estava impedido de abandonar o seu local de serviço, sem motivo legítimo que o justificasse, sabendo que colocava em causa a prontidão operacional do Destacamento de Trânsito do Porto.
O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Da contestação:
O arguido avisou o guarda principal que consigo assegurava a patrulha, que se surgisse alguma ocorrência, deveria avisar o Posto de Trânsito da Maia.
O arguido padece nomeadamente de distrofia endotelial da córnea bilateral e de distúrbio ocular que consiste na opacificação da cápsula posterior do cristalino, problema que evolui progressivamente e de forma degenerativa para a perda de visão.
Desde 2021, que o médico oftalmologista tinha aconselhado o arguido à submissão de cirurgia, com vista ao tratamento da opacidade do cristalino, que estava a evoluir lentamente, tendo o arguido protelado o tratamento, vindo a marcar uma consulta para o dia 26 de fevereiro de 2023, pelas 9h.
O arguido solicitou previamente ao escalador de serviço, para o colocar no turno da tarde.
O arguido durante a noite teve dores de cabeça que lhe irradiavam para a vista e quando se levantou constatou que a visão estava turva e que a vista lacrimejava.
O arguido tinha solicitado à companheira, para da parte da manhã diligenciar pela desmarcação da consulta, tendo de manhã pedido para não desmarcar.
O arguido também padece de problemas de saúde mental, ansioso depressivo, reativo. No Hospital, o arguido foi submetido a uma capsulotomia através da tecnologia Laser YAG.
O arguido avisou o militar de atendimento que iria à consulta e que se existisse alguma ocorrência o guarda imediato asseguraria o serviço, bem como se deveria contactar o Posto de Trânsito da Maia que também estava de prontidão na mesma área de intervenção.
Após o tratamento o arguido não ficou com baixa médica e retomou o seu posto de trabalho.
Das condições de vida e antecedentes criminais:
AA, de 55 anos, integrava à data dos factos, o agregado familiar nuclear, constituído pela companheira CC (50 anos de idade), pelas duas filhas do casal (9 e 5 anos de idade) e pelo pai da companheira (78 anos de idade), na morada da companheira sita na Rua ..., em ....
O agregado residia e reside numa moradia de tipologia 3, que refere ser propriedade da sua companheira CC.
Encontrava-se ativo profissionalmente, desenvolvendo a sua atividade profissional como cabo da Guarda Nacional Republicana no Posto ....
A nível escolar, AA completou o 12ª ano de escolaridade no ano de 2020, no âmbito do programa novas oportunidades, tendo abandonado o sistema de ensino pelos 15 anos de idade para dar início ao exercício de atividade laboral na área de canalização.
Ao longo do seu percurso profissional, o arguido executou distintas funções em diferentes áreas.
No ano de 1991 com 21 anos de idade ingressou no Corpo da Guarda Nacional Republicana.
Atualmente AA, continua ativo laboralmente como cabo da Guarda Nacional Republicana, mas devido ao presente processo esteve inabilitado para o trabalho pelo período de 2 anos.
No decorrer deste período efetuou acompanhamento nas especialidades de psiquiatria e psicologia sendo que no âmbito desta última já efetuava acompanhamento semanal no centro clinico da GNR, face ao diagnóstico de depressão.
AA mantém estrutura familiar junto da companheira com quem reside há 10 anos, das filhas e do sogro, o arguido tem ainda um filho com 24 anos de idade de uma anterior relação.
A dinâmica familiar é equilibrada, sendo a relação afetiva com CC estável prestando-lhe esta apoio emocional e económico.
A relação com os seus filhos é saudável e prazerosa.
A sua situação económica sempre foi estável, atualmente aufere um vencimento no valor de 1300 euros mensais.
Comparticipa mensalmente nas despesas das filhas com €800,00, sendo os encargos da gestão e manutenção da habitação da responsabilidade da sua companheira
O presente processo causa ansiedade ao arguido.
O arguido apresenta juízo de censura expressa preocupações quanto ao desfecho judicial do processo.
Não são conhecidas condenações anteriores ao arguido.

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:
Só no dia anterior, dia 25 de fevereiro, ao final da tarde o arguido constatou que o turno não tinha sido alterado.
No entanto, ainda tentou ver se conseguia trocar com algum colega.
A visão turva e a vista lacrimejante impunham ao arguido a necessidade de intervenção imediata, para a sustar.
A instabilidade mental, conjuntamente com estes sintomas adensaram, no arguido a convicção de que estava a caminhar para a cegueira.
A intervenção a que foi sujeito restabeleceu a visão do arguido.
Se fosse à urgência, o que efetivamente cogitou, sabia que não tendo o seu historial, não iriam proceder ao tratamento que no momento necessitava;
Pelo que só aproveitando a consulta que já tinha agendada, poderia resolver eficazmente os sintomas que naquele momento sentia;

Motivação
O tribunal formou a convicção com base na prova produzida em audiência de julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz das regras da experiência comum.
O arguido prestou declarações admitindo os factos descritos na acusação, tendo, porém, no que respeita à justificação, esclarecido que face aos sintomas que tinha tido durante a noite anterior entendeu ir a uma consulta que já tinha agendado anteriormente. Disse ainda que tinha pedido a alteração da escala, o que não se mostrou possível e que quando chegou ao posto avisou o graduado de serviço que não estava bem e que às 9h ia à consulta. Igualmente confirmou ter havido um contacto por causa de um acidente na A28, a que ainda se deslocou após a consulta. Quanto à consulta esclareceu ainda que tinha tido consultas anteriores e que o médico lhe havia dito que tinha um problema degenerativo, pelo que os sintomas que teve na noite anterior aos factos o fizeram ficar com medo de ficar cego, razão pela qual, continuando de manhã com os sintomas decidiu ir à consulta.
A testemunha BB, guarda principal, disse que entrou no horário das 7.15h e que logo no início da patrulha o arguido lhe disse que tinha uma consulta, tendo-o levado ao hospital, onde ficou até ter conhecimento pelo cabo DD do acidente, que lhe transmitiu que a patrulha da Maia se estava a deslocar para lá, mas exigia que o elemento disponível da patrulha do Porto se fizesse presente, pelo que se deslocou e o registou. Após o registo do acidente foi buscar o arguido e voltaram. Disse, finalmente, que o arguido o informou normalmente que tinha uma consulta.
A testemunha EE, cabo-chefe com funções de escalador no Destacamento de trânsito do Porto, disse que três semanas antes dos factos o arguido o abordou para ver se havia possibilidade de fazer patrulha no horário 15/23h, tendo-lhe transmitido que era impossível, ao que aquele lhe disse que ia tentar fazer troca, pelo que lhe deu o nome dos militares que estavam no outro horário. Disse ainda não se recordar de o arguido ter telefonado no dia da escala a pedir para trocar o horário.
A testemunha DD, cabo da GNR no destacamento de trânsito do Porto, disse que no dia dos factos estava de serviço ao atendimento, onde entrara às 7.00h. Disse que o arguido antes de sair para a patrulha lhe comunicou que tinha uma consulta, tendo assumido que o militar estava autorizado. Disse que às 8.30h foi participado um acidente na ..., tendo informado o arguido que lhe disse que estava no hospital. Esclareceu que falou com o atendimento da Maia, tendo depois recebido um telefonema da Maia a solicitar a presença do elemento disponível da patrulha.
Finalmente, a testemunha FF, Guarda Principal no Posto de trânsito da Maia, disse que estava de atendimento ao publico no posto da Maia quando lhe foi solicitada uma patrulha para um acidente, tendo-lhe sido dito que havia necessidade da colaboração da patrulha da Maia porque o arguido precisava de ir a uma consulta médica. Disse que a patrulha veio embora quando veio o outro militar do Porto e registou o acidente. Tem ideia que o arguido ligou a dizer que tinha tido uma consulta e tinha informado o escalador.
Da prova testemunhal antecedente, conjugada com os documentos de fls. 4 a 16, 47, 71 a 168, 310 a 313, pode com toda a segurança asseverar-se que o arguido no dia dos factos estava escalado nos termos e horário referidos e que se ausentou para uma consulta no hospital ... no horário da patrulha, tendo ocorrido um acidente na área de competência da patrulha do Porto que obrigou à intervenção da patrulha da Maia, para onde se deslocou também o guarda principal que integrava a patrulha. Pode também assegurar-se que o arguido não tinha autorização para se ausentar do serviço e que o arguido disso bem sabia, tendo atuado intencional e livremente.
Vejamos agora a razão pela qual, contrariamente ao que o arguido alega na contestação, se considerou como assente que o arguido se ausentou sem justificação.
Pretendeu o arguido, em síntese, argumentar que atuou a coberto de uma situação de urgência relacionada com a doença oftalmológica de que padece.
Todavia, tal situação de urgência não se confirmou. Senão vejamos.
Disse o arguido que na noite anterior aos factos teve sintomas que o fizeram ficar com medo de cegar em função da doença e do que lhe havia sido dito pelo seu médico. Mas, como o próprio assumiu não se deslocou a uma urgência onde poderia, se assim fosse, apurar e/ou confirmar a razão dos sintomas. Na verdade, o que nos ensinam as regras da experiência é que numa verdadeira situação de urgência o doente pretende uma qualquer observação médica urgente, seja ela qual for, que explique/confirme ou infirme/trate os sintomas (o que também não impede que o paciente se apresente posteriormente a consulta marcada). E não se diga que o médico do arguido é que saberia o que fazer, porque, na verdade, o arguido, podendo embora suspeitar que os sintomas que teve estivessem relacionados com o seu problema visual, não podia ter tal como certo e consequentemente também não podia assegurar que não lhe pudessem ser administrados tratamentos que melhorassem o seu mal estar.
Acresce ainda que nenhuma das testemunhas com quem o arguido esteve de manhã confirmou tê-lo visto numa situação de sofrimento/padecimento ou angústia, dizendo, como supra se referiu, as testemunhas BB e DD simplesmente que o arguido referiu que ia a uma consulta. De igual modo, a testemunha GG, médico oftalmologista que assistiu o arguido, disse não se recordar de como o mesmo em particular se encontrava na consulta e não ter memória de que o estivesse numa situação de urgência (o que recordaria, visto que, quando perguntado, referiu ter presente situações de urgência que já teve). Esta testemunha confirmou a doença de que padecia o arguido, as consequências da mesma e a emissão das declarações juntas com a contestação sob os documentos n.ºs 1 e 2. Disse também que o arguido foi intervencionado no dia, que a intervenção teve uma curta duração e que a necessidade desta intervenção surgiu por causa de uma cirurgia a que o arguido tinha sido sujeito e que já antes em consultas anteriores tinha sido advertido para a necessidade deste tratamento por causa das consequências, tendo ele ficado de decidir.
Finalmente, a testemunha CC, companheira do arguido, limitou-se a dizer que o arguido na noite anterior estava agitado e com perturbações no olho direito e que apesar de ao jantar ter dito para tentar desmarcar a consulta, de manhã lhe pediu para não desmarcar a consulta porque estava na dúvida se ia à urgência ou à consulta. Este depoimento vem apenas dar sustentação à conclusão de que o arguido sempre teve intenção de ir à consulta mesmo sabendo que iria estar de escala, posto que nunca a desmarcou – nem no dia que que pediu ao escalador para o trocar, nem no dia anterior.
Deste modo, face ao que se disse e à ausência de prova noutro sentido, ainda que se tenham como assentes os problemas oftalmológicos alegados pelo arguido, bem como os sintomas que teve durante a noite e resultem dos documentos juntos com a contestação sob os números 3, 4 e 5, ficaram por provar os factos que justificavam uma qualquer urgência para o afastamento do serviço, apurando-se apenas os factos da contestação que se consideraram provados.
O relatório social e o certificado de registo criminal constam dos autos.»

B – Fundamentação de direito
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP.
No caso sub judice o recurso está limitado à matéria de direito.
O arguido entende não se verificarem os elementos do tipo de crime que lhe é imputado por considerar estar demonstrado o motivo legítimo que constituiria causa de justificação.
Por outro lado, e para o caso de assim não se entender, considera que sempre a pena concreta a aplicar deveria ter sido especialmente atenuada.
Cumpre apreciar e decidir!


1ª questão
Da subsunção jurídica dos factos
Antes do mais passamos a reproduzir a decisão recorrida no que respeita ao enquadramento penal dos factos:
«Enquadramento jurídico-penal.
O arguido encontra-se acusado pela prática de um crime de abandono de posto, p.p. pelo art. 66, n.º 1, al. e), do CJM.
Incorre na prática deste crime “1 – [o] militar que, em local de serviço, no exercício de funções de segurança ou necessárias à prontidão operacional de força ou instalação militares, sem motivo legítimo, abandonar, temporária ou definitivamente, o posto, local ou área determinados para o correto e cabal exercício das suas funções”.
Trata-se de um crime específico e de mão própria, que apenas pode ser praticado por militar nomeado ou avisado para serviço de segurança ou serviço necessário à prontidão operacional de força ou instalação militares.
O ilícito será cometido pelo militar que:
- estando em local de serviço e no exercício de funções
- abandonar o posto, local ou área determinada para o correto e cabal exercício das funções, de forma temporária ou definitiva
- sem que para isso tenha um motivo legítimo (ou seja, uma causa que justifique a ausência do local onde é profissionalmente esperado).
Ao nível do elemento subjetivo, assume natureza dolosa (admitindo o dolo em qualquer uma das suas formas).
O crime insere-se no capítulo de crimes contra a segurança das Forças Armadas percecionando-se a proteção do bem jurídico referente à segurança das próprias forças e, bem assim, à segurança em geral.
Tendo em consideração as precedentes considerações, importa concluir que a atuação do arguido, descrita na factualidade apurada, se subsume ao crime que lhe está imputado
Com efeito, como dali resulta, no exercício das funções que exercia no Destacamento de Trânsito da GNR do Porto, no dia 26 de fevereiro de 2022, o arguido encontrava-se escalado de serviço, no horário das 07h00-15h00, na qualidade de Comandante de patrulha, tendo como Imediato o guarda-principal BB. Nesse dia 26 de fevereiro de 2022, o arguido, sem ter autorização para o efeito e sem motivo que o justificasse, ausentou-se do seu serviço e dirigiu-se à Clínica ..., onde tinha agendada uma consulta de oftalmologia para as 09h00, ali dando entrada pelas 08h45, tendo tido alta pelas 10h07, altura em que regressou ao seu serviço. Cerca das 08h30 do dia 26 de fevereiro de 2022, ocorreu um acidente na A28, na ..., em Matosinhos, área de atuação da patrulha que o arguido integrava. Nessa sequência, o militar de atendimento, Cabo DD, transmitiu a ocorrência ao arguido, tendo-lhe este respondido que já se encontrava no hospital, pelo que não se poderia deslocar ao acidente. Em face da comunicação do arguido, o Cabo DD contactou o militar de atendimento do Posto de Trânsito da GNR da Maia, patrulha disponível para se deslocar ao acidente na A28 e, tendo obtido resposta afirmativa, solicitou-lhe que se deslocassem ao local, o que estes fizeram. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que estava de serviço de patrulha e nessa medida estava impedido de abandonar o seu local de serviço, sem motivo legítimo que o justificasse, sabendo que colocava em causa a prontidão operacional do Destacamento de Trânsito do Porto. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Este comportamento consubstancia, sem dúvida, o abandono temporário de posto, na medida em que durante o período referido, designadamente durante o período em que se ausentou, o arguido deixou de estar disponível para as suas funções e de cumprir a sua missão (tanto que se mostrou necessário convocar uma outra patrulha para se deslocar a um acidente ocorrido em área da competência do destacamento do Porto).
Não tendo ficado provada a existência de um qualquer motivo legítimo, que permitisse excluir a culpa e/ou ilicitude da conduta do arguido (visto que se não considerou provado qualquer facto que permita concluir pela justificação da saída naquele momento), têm-se por preenchidos face àqueles factos os elementos objetivos e subjetivos do crime imputado.»
Ao recorrente foi imputado um crime de abandono de posto p.p. pelo art. 66 nº1 al e) do Código de Justiça Militar (CJM).
O Direito Penal militar é um corpo jurídico específico que assegura que as Forças Armadas cumpram com a sua missão de defesa militar da República, nos termos da Constituição e da Lei, dentro do âmbito da democracia, com respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos restantes cidadãos. - (artigos 275 e 2º da CRP).
Para tanto as regras do ordenamento jurídico militar visam garantir que os membros das forças armadas aos quais se aplicam, - art. 4º do CJM -, sejam subordinados e eficazes por forma a cumprirem de forma cabal a funções que lhes são confiadas.
Dúvidas não restam que aos membros da Guarda Nacional Republicana de que o recorrente fazia parte com o posto de cabo, como ficou demonstrado, é aplicável o CJM, desde logo, pelo citado art. 4º do CJM, mas também pela Lei de Bases da Condição Militar -Lei 11/87de 1 de junho, art.16, quer pelo seu próprio estatuto previsto no DL 30/2017 de 22 de março, art.10º.
A previsão do crime imputado ao recorrente é a seguinte:
«O militar que, em local de serviço, no exercício de funções de segurança ou necessárias à prontidão operacional de força ou instalação militares, sem motivo legítimo, abandonar, temporária ou definitivamente, o posto, local ou área determinados para o correcto e cabal exercício das suas funções é punido: (…) » - nº1 do art. 66 do CJM.
Pretende o recorrente que no caso concreto existiria motivo legítimo para a sua conduta.
Vejamos!
O arguido que se encontrava escalado para o serviço do Destacamento de Trânsito da GNR do Porto, no dia 26 de fevereiro de 2022, no horário das 7 às 15 horas, na qualidade de Comandante de Patrulha, sem ter autorização para o efeito, ausentou-se do serviço e dirigiu-se à Clínica ..., onde tinha agendada uma consulta de oftalmologia para as 09h00, ali dando entrada pelas 08h45, tendo tido alta pelas 10h07, altura em que retomou o serviço.
A consulta em causa estava previamente marcada e o arguido havia solicitado a sua colocação no turno da tarde conforme resulta da motivação da decisão recorrida, tendo-lhe sido negada tal pretensão pelo cabo-chefe com funções de escalador no Destacamento de Trânsito do Porto.
É certo que o recorrente sofre de perturbações de ordem oftalmológica que tinham gerado uma recomendação para cirurgia já em 2021, e ficou demonstrado que na noite anterior à consulta terá sofrido dores de cabeça que lhe irradiavam para a vista e quando se levantou constatou que a visão estava turva e que a vista lacrimejava.
Porém, em concreto não ficou demonstrado nos autos que a condição física do arguido, que se vinha arrastando desde 2021, fosse uma situação de emergência médica que justificasse o abandono do serviço.
Na verdade, o arguido tendo diligenciado junto do escalador do serviço para alterar o seu turno a fim de poder comparecer à referida consulta, na medida em que a solicitação lhe foi negada, deveria ter imediatamente remarcado a mesma e não persistir em comparecer, como efetivamente compareceu, em detrimento do serviço; tanto mais que pelas 08h30 desse mesmo dia, ocorreu um acidente na A28, na ..., em Matosinhos, área de atuação da patrulha que o arguido integrava.
Por via da ausência do arguido, teve de ser contactado o Posto de Trânsito da GNR da Maia que enviou uma patrulha ao local, tendo sido posta em causa, pela conduta do arguido, a prontidão operacional do Destacamento de Trânsito do Porto.
No crime em análise o bem jurídico tutelado é o cumprimento da missão das forças armadas enquanto corpo eficaz que assegura e auxilia o Estado democrático.
Para que tal missão possa ser cumprida exige-se que os seus membros respeitem a hierarquia e sejam subordinados que cumpram as ordens internas de serviço, como claramente se depreende do disposto no art.20 da Lei Orgânica da GNR, - Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro -, de onde resulta a importância da estrutura de comando daquela força de segurança de natureza militar.
E tanto é assim, que o art. 13 do CJM restringe as causas de justificação atendíveis estabelecendo que: «O perigo iminente de um mal igual ou maior não exclui a responsabilidade do militar que pratica o facto ilícito, quando este consista na violação de dever militar cuja natureza exija que suporte o perigo que lhe é inerente.».
Em face do que ficou exposto, nenhuma causa de justificação se verifica para a conduta do arguido.
Na verdade, estava o arguido plenamente consciente que não poderia ausentar-se do serviço quando se encontrava a comandar uma patrulha do Destacamento de Trânsito sem ser autorizado e de que lhe havia sido negada tal autorização, tendo mesmo assim, persistido no seu intuído de comparecer à consulta que havia planeado, apesar de saber que tal lhe estava vedado por lei. Pelo exposto, encontram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa.
Também não ocorre, qualquer violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP, como pretende o recorrente, porquanto, o arguido/recorrente voluntariamente acedeu a ingressar numa força militarizada como é a GNR, tendo prestado juramento de fidelidade, ou compromisso de honra, em cerimónia pública. - art. 5º do Estatuto dos Militares da GNR, previsto no DL 30/2017 de 22 de março.
Sucede que os membros desta força militarizada estão sujeitos a regras específicas tuteladas pela missão que são chamados a desempenhar como expressamente resulta do art.11 do já referido Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, que passamos a citar:
«1 - O militar da Guarda está subordinado ao interesse nacional e exclusivamente ao serviço do interesse público, pelo que deve adotar, em todas as situações, uma conduta ética e atuar de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a fortalecer a confiança e o respeito da população, contribuir para o prestígio e valorização da Guarda, garantir a segurança dos cidadãos e assegurar o pleno funcionamento das instituições democráticas.
2 - O militar da Guarda está sujeito, a todo o tempo, aos riscos inerentes ao cumprimento das respetivas missões, que enfrenta com coragem física e moral.
3 - O militar da Guarda tem o dever de obediência, estando subordinado à disciplina e à hierarquia, o qual se baseia no cumprimento completo e pronto de leis e regulamentos e no dever de cumprir com exatidão e oportunidade as determinações, ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, proferidas em matéria de serviço, desde que o respetivo cumprimento não conduza à prática de qualquer crime.
4 - O militar da Guarda está permanentemente disponível para o serviço, ainda que com o sacrifício dos interesses pessoais.
5 - O militar da Guarda rege-se pelos princípios da honra, lealdade e dedicação ao serviço, pelo que deve conhecer, cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares em vigor e desenvolver permanentemente, através da formação, esforço e iniciativa, as qualidades pessoais, aptidões física e psíquica, bem como as competências necessárias ao pleno exercício das funções e ao cumprimento das missões atribuídas.
6 - O militar da Guarda deve acudir com rapidez e prestar auxílio em situações de catástrofe ou calamidade pública, manifestando todo o empenho no socorro dos sinistrados e na atenuação dos danos e promovendo a informação adequada à entidade de que depende.
7 - Constituem deveres dos militares da Guarda os constantes do presente Estatuto, da respetiva lei orgânica, do regulamento de disciplina da Guarda e demais legislação em vigor.» - com especial destaque para o nº4 deste preceito - (salientámos a negrito os aspetos com maior relevância para a presente situação).
Ora, o princípio da igualdade não funciona de forma geral e abstrata, mas perante situações que devam reputar-se concretamente iguais.
Este princípio apenas proíbe distinções não razoáveis e que não tenham justificação pela finalidade que visam, daí que os militares pelas funções inerentes à respetiva missão são muitas vezes tratados de forma diversa dos cidadãos civis, sem que daí ocorra violação do alegado princípio da igualdade.
Nesse sentido e para melhor explicitação passamos a citar parte do Acórdão do Tribunal Constitucional nº54/2012 de que foi Relator o Sr. Conselheiro Vítor Gomes:
«Com efeito, a GNR, além das atribuições policiais que de ordinário lhe competem, pode ser chamada a desempenhar tarefas que consistem na aplicação extrema da força do Estado e no controlo da violência, o que justifica a sua organização militarizada e o estatuto militar dos seus agentes. Desde sempre legalmente definida como tendo natureza militar, cabia e cabe na sua missão geral colaborar na execução da política de defesa nacional nos termos da Constituição e da lei, podendo em caso de guerra ou em situação de crise as forças da Guarda ser chamadas a cumprir, em colaboração com as Forças Armadas, as missões militares que lhe forem cometidas (cf. artigos 2.º, alínea i) e 9.º, n.º 2, da LOGNR aprovada pelo Decreto Lei n.º 231/93 e artigo 1.º, n.º 2 e 3.º, n.º 2, alínea i) da actual LOGNR). Acresce que, embora dependentes do membro do Governo responsável pela área da administração interna, as forças da Guarda podem ser colocadas na dependência operacional do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, através do seu comandante-geral, nos casos e termos previstos nas Leis de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do regime do estado de sítio e do estado de emergência, dependendo, nesta medida, do membro do Governo responsável pela área da defesa nacional no que respeita à uniformização, normalização da doutrina militar, do armamento e do equipamento.
E é para assegurar a disponibilidade e prontidão nesses domínios que se adequa a organização militarizada desta força de segurança interna como “corpo de tropas” e a condição militar dos seus agentes e se pode, à face da Constituição, exigir deles a sujeição a um mais rígido estatuto disciplinar do que o aplicável à generalidade das forças de segurança, considerando-os incluídos no conceito constitucional de “militar” para efeitos da excepção prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição.»
Daqui se depreende que a decisão recorrida não viola qualquer princípio fundamental e que a maior exigência relativamente aos deveres por parte do arguido, ora recorrente, é inerente ao seu estatuto de membro da GNR, com todas as implicações que daí advêm.
Tudo ponderado, concluímos que a decisão recorrida não merece censura no que respeita à subsunção dos factos provados ao direito.


2ª questão
Da atenuação especial da pena
Aqui chegados passamos a reproduzir o Acórdão recorrido no que respeita à determinação da medida da pena:
« O crime de abandono de posto imputado é punido com pena de um mês a um ano de prisão.
Na determinação da medida da pena ter-se-á em consideração o art. 71 do Código Penal de acordo com o qual “[a] determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se a todas as circunstâncias, previstas no n.º 2 e no art. 22 do CJM que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente do crime.
O limite mínimo será encontrado de acordo com as exigências de prevenção geral positiva ou de integração, sob a forma de proteção de bens jurídicos e para realização da necessária pacificação social, reforçando contrafacticamente a confiança da sociedade nas normas violadas.
A pena a aplicar adequar-se-á às necessidades de prevenção especial, visando a ressocialização e a consequente reinserção social do arguido.
Desta forma se realizam as finalidades da punição, com pleno respeito pela dignidade da pessoa, tomando em consideração a culpa como limite máximo e fazendo atuar as exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se façam sentir.
No caso, importa considerar que o arguido agiu com dolo direto, sendo de ponderar quanto à ilicitude o tempo de ausência e a circunstância de ter sobrevindo uma ocorrência que obrigou à deslocação de uma outra patrulha ao local.
São de relevar as necessidades de prevenção geral, tendo em consideração os reflexos da conduta do arguido na comunidade e das expectativas desta relativamente a órgãos de polícia criminal.
As necessidades de prevenção especial são reduzidas, dado que o arguido não tem antecedentes criminais. Acresce que o arguido se encontra bem inserido pessoal, familiar e socialmente.
Feita a necessária ponderação de todas as referidas circunstancias e considerada a pena abstratamente aplicável, entende-se ser justa, necessária e adequada a condenação do arguido na pena de quatro meses de prisão.
Considerando, porém, que o arguido não havia ainda sofrido qualquer condenação anterior, entende-se ser de substituir esta pena de prisão pela pena de multa de substituição por igual número de dias (120 dias) (a qual será suficiente para prevenir o cometimento de futuros crimes (sendo certo que se não for cumprida a pena de multa, terá o arguido de cumprir a pena de prisão)) – cfr. art. 45, n.º 1, da do Código Penal e art. 17, n.º 2, do CJM.
A taxa diária fixar-se-á em € 8,00, considerando o custo médio de vida e a situação económica do arguido.»
Entende o recorrente que deveria ter sido a pena concretamente aplicada especialmente atenuada nos termos do disposto no art. 66 nº2 do CJM que dispõe:
«Nos casos previstos nas alíneas d) e e) do número anterior, se à conduta do agente se não seguir qualquer prejuízo para a segurança ou prontidão operacional, a pena pode ser especialmente atenuada.»
Ora, como ficou provado a ausência do arguido levou a que tivesse de deslocar-se uma patrulha do posto de GNR da Maia ao local de um acidente quando o mesmo pertencia à área do Destacamento do Porto, com o inerente prejuízo para a prontidão operacional, pelo que, podemos concluir com segurança que não ao caso não se aplica o citado preceito legal.
Alude também o recorrente ao art. 23 do CJM onde se prevê que atos de assinalado valor relevem como circunstância atenuante de natureza especial; porém no caso em análise não ficou demonstrado que o arguido tivesse praticado ao longo da sua carreira iniciada em 1991qualquer dos atos a que se refere o citado preceito legal, pelo que também por este motivo, não procede qualquer redução especial da pena aplicada.
Porém, verificando-se que o arguido desde os 21 anos de idade faz parte do Corpo da Guarda Nacional Republicana e tinha à data dos factos 53 anos de idade, sem que lhe seja conhecido qualquer ilícito criminal ou disciplinar, acrescido da circunstância de o arguido ter efetivamente problemas de saúde ocular que na noite anterior aos factos lhe provocaram mau estar físico e incómodo, - (dores de cabeça que irradiavam para a vista, visão turva e vista lacrimejante) -, bem como ter ficado demonstrado que padece de problemas do foro da saúde mental, revelando um estado ansioso depressivo e reativo, o que deve funcionar como circunstância atenuante de carácter geral, tanto mais que as necessidades de prevenção especial são manifestamente diminutas no caso em análise, afigura-se-nos que a pena concretamente aplicada dentro do limite abstrato de um mês a um ano de prisão, apesar do dolo direto com que o arguido agiu e da considerável ilicitude revelada no facto de ter tido de intervir em substituição uma outra patrulha pertencente ao Destacamento vizinho, é de algum modo severa, motivo pelo qual, consideramos ser mais consentânea com a culpa do agente revelada nos factos apurados, a aplicação de uma pena de dois meses de prisão, substituída por 60 dias de multa à taxa fixada em primeira instância, que não foi posta em crise no presente recurso.
Nestes termos procede parcialmente o presente recurso, e ao abrigo do disposto no art. 40 nº2 do CP aplicável ex vi do art.2º nº1 do CJM, reduz-se a pena concreta aplicada ao recorrente para dois meses de prisão, substituída por 60 dias de multa à taxa diária de € 8,00.


3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, com base nos argumentos de facto e de direito aduzidos, acordam os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, cabo da GNR. Em consequência, reduzem a pena que lhe foi aplicada em primeira instância pela prática como autor de um crime de abandono de posto, p.p. pelo art.66 nº1 al.e) do CJM, para dois meses de prisão substituída por 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €8,00, (oito euros), o que perfaz a quantia de € 480, (quatrocentos e oitenta euros).

Sem tributação.







Relatora: Paula Cristina Guerreiro
1º adjunto: Pedro Afonso Lucas.
2º adjunto: Major - General José Luís Gonçalves