DOCUMENTO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
LAPSO DE ESCRITA
Sumário

I - O lapso de escrita é um conceito jurídico definido no artigo 249º, do Código Civil , que tem como pressupostos a) que seja patente que o declarado não corresponde ao pretendido; b) que seja evidente aquilo que se quis afirmar; c) que essa desconformidade entre o declarado e o pretendido resulte da própria declaração ou das circunstâncias em que a mesma teve lugar.
II - Sendo uma questão de direito a alegação de que o documento contém um lapso de escrita não é suscetível de confissão ficta nos termos do disposto no artigo 567º/1 do Código de Processo Civil.
III - A interpretação da declaração negocial destinada a determinar a vontade hipotética das partes é questão de direito, pelo que também não é suscetível de confissão ficta nos termos do artigo 567º/1 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Proc. n.º 7013/23.2T8PRT.P1



Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil).
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.


AA e BB demandaram CC, arrogando-se proprietários/locadores à Ré/locatária do imóvel que identificaram.

Pediram que se declare cessado, por caducidade, a 28.02.2023, o contrato de arrendamento referente ao mesmo imóvel em virtude da comunicação - da oposição à sua renovação-datada de 04.12.2018, remetida pelos AA, mas subscrita por quem os representava como o consequente despejo imediato do locado e entrega aos Autores da referida habitação livre de pessoas e bens e no estado de conservação, higiene e limpeza tal como o recebeu


A condenação da Ré no pagamento da indemnização pela mora na restituição do locado correspondente ao valor da renda em dobro, desde a data da cessação do contrato de arrendamento até efetiva entrega do imóvel;

Alegaram, ter celebrado com início a 01/03/2013, um contrato de arrendamento pelo prazo de cinco anos, e que, tendo comunicado à ré, por intermédio do procurador que instituíram, a intenção de não renovar o contrato na data de 29/02/2020 por carta datada de 4/12/2018, tendo esta referida data constituído um erro de escrita que como tal foi entendido pela Ré a qual percebeu a oposição como sendo para 28/02/2023 e que era a realmente pretendida e não obstante tem-se mantido no imóvel mesmo após a caducidade do contrato, recusando a entrega.

Pessoal e regularmente citada, a ré constituiu mandatário e não contestou de forma válida e regular.

Perante a falta de contestação, foram julgados confessados os factos alegados pelos autores.

Não foram produzidas alegações.

Subsequentemente foi proferida sentença que após definir o objeto do processo declarou assentes os seguintes factos:

1) A fração autónoma designada pela letra “U” que corresponde a uma habitação no primeiro andar esquerdo traseiras centro e aparcamento na cave do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na rua ..., ..., no Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...16 e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º...22, encontra-se registada, por compra, a favor dos autores.

2) No dia 25 de Fevereiro de 2013, os autores celebraram com a ré um acordo, que reduziram a escrito, pelo qual estes lhe cederam o gozo da fração identificada em 1), pelo prazo de cinco anos, com início no dia 1 de março de 2013 e com termo em 28 de fevereiro de 2018, mediante a obrigação de pagamento da renda anual de 4.500,00€, a pagar em duodécimos mensais de 375,00€.

3) A renda foi atualizada, fixando-se à data da propositura da ação em 387,18€/mês.

4) Os autores constituíram a “A..., Lda.” como procuradora com poderes, entre outros, de “rescindir contratos de arrendamento (…), de efetuar comunicações, nomeadamente de oposições à renovação do contrato de arrendamento (…)”.

5) A “A..., Lda.” remeteu à ré a carta datada de 4 de Dezembro de 2018, que remeteu registada com aviso de receção e foi rececionada pela ré em 18 de Dezembro de 2018, pela qual comunicou o propósito de não renovação do contrato, e interpelando-a a proceder à entrega do imóvel locado no dia vinte e nove de Fevereiro de 2020.

6) A ré remeteu à “A..., Lda.” a carta datada de 17 de Janeiro de 2019 mediante a qual sustentou ter o contrato de arrendamento sido celebrado pelo prazo de cinco anos, pelo que deve ter-se por renovado automaticamente “por mais cinco anos a contar de 1 de março de 2018 pelo que apenas poderá ser denunciados para 28 de fevereiro de 2023. Perante a renovação automática de que foi alvo comunico assim o meu propósito de permanecer a cumprir tal contrato, pelo menos, até àquela data, pelo que manifesto a minha oposição à V. pretensão”.

Mais se declarou na sentença que tudo o mais alegado é constituído por meros factos conclusivos, irrelevantes, repetições dos factos relevantes e matéria de direito.

Seguidamente foi proferida decisão que declarou que a comunicação de 4 de dezembro de

2018 não teve a virtualidade de fazer operar a cessação do contrato em 28 de fevereiro de 2023, pelo que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.

APELOU A AUTORA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

4) À matéria de facto considerada provada deverá o tribunal ad quem adicionar novos factos, os constantes dos artigos 33º, 35º, 36º, 37º e 38º da Pi, por se entender que tais factos encontram-se provados por confessados, seja, porque resultam alegados e não impugnados, por falta de contestação, (n.º 2, in fine, do art. 567.º do CPC), seja porque resultam do teor do documento nº 7 e 8 anexos à pI, documentos não impugnados ;
5) Efetivamente a decisão de facto é omissa quanto aos factos vertidos nos artigos 33º, 35º,
36º, 37º, e 38º da PI , cujos factos os AA/ apelantes reclamam deverem ser aditados sob o nº 7) 8) 9) e 10) 11) 12) com a seguinte versão:

7) Não obstante, o lapso de escrita na indicação do ano de 2020 (quando se se pretendia referir 2023) o certo é que a ré entendeu que a vontade dos senhorios era a de não renovar o contrato no termo daquele prazo da 1ª renovação, ou seja a partir de 28.02.2023 o contrato não se renovaria, tendo referido na sua resposta que que o termo do contrato ocorreria em fevereiro de 2023; Cf artigo 33º da PI;

8) A ré ao rececionar a referida comunicação de não renovação do contrato de entendeu que o fim do contrato ocorreria em 2023 e não em 2020, e disso expressamente invocou na sua carta resposta; cf artigo 35º da Pi;

9) Por carta, datada de 2023 os AA e por intermédio da sua mandatária, ora subscritora, comunicaram à ré que o contrato de arrendamento referente ao locado cessaria os seus termos no final de fevereiro de 2023; cf art. 36º da Pi.

10) Na aludida carta foi transmitida à ré a informação de que o contrato de arrendamento terminou os seus efeitos em virtude da comunicação de não renovação, datada de 04 de Dezembro de 2018, remetida pelos representantes/ procuradores dos senhorios. cf artigo 37º da PI.

11) Na referida comunicação esclareceu-se que o “referido contrato cessará os seus efeitos a
partir de vinte e nove de fevereiro de 2020”, quando se pretendia dizer 2023.Tal deveu-se a um lapso de escrita, lapso esse que a ré corrigiu expressamente quando na comunicação, datada de 17/01/2019, refere que a cessação ocorrerá em Fevereiro de 2023.

12) A ré sabia que o contrato de arrendamento cessou a 28.02.2023, pelo decurso do prazo de renovação do contrato e em consequência da comunicação dos senhorios, datada de 04.12.2018, recebida pela a 18.12. Cf. artigo 38º.

6) Dos concretos meios de prova constantes nos autos que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto cujo aditamento se reclama destacam-se o teor dos documentos juntos aos autos como sendo o documento 7- carta resposta da arrendatária e do teor do doc. 8 – carta da mandatária dos AA. anexos à PI;

7) O prova de tais factos resulta ainda do efeito cominatório da falta de apresentação da contestação pela ré sendo que o teor dos documentos onde constam factos por referência às afirmações das partes expressas nos referidos documentos, os quais igualmente foram expressamente alegado pelos AA no seu articulado, devendo tais factos serem considerados provados por confessados.

8) No caso concreto temos certo que os AA, cumprindo o pré aviso e o decurso do prazo inicial de 5 anos, manifestaram, inequivocamente a sua vontade de não renovar o contrato de arrendamento que haviam celebrado com a ré;

9) No caso concreto, estamos perante um erro dos declarantes conhecido da declaratária, pois não obstante na carta de 04.12.2023 constar como sendo a data do termo do contrato, 28.02.2020, consta ainda a manifestação de vontade de não renovar o contrato, sendo que quanto à data indicada como termo do contrato para 2020 em vez de 2023, a ré diligentemente detetou o erro corrigindo-o ao indicar a data correta do termo do contrato. No entanto se dirá que nenhum outro obstáculo existiu sendo inequívoca o sentido da declaração dos senhorios em manifestarem a vontade em não renovarem o contrato, que de forma clara o souberam expressar afirmando na carta de 04.12.2018 o seguinte:

“venho por este meio comunicar a V.ª Ex.ª, a intenção de não renovação automática do contrato de arrendamento habitacional, assinado em 25 de Fevereiro de 2013, conforme consta da cláusula “Primeira”, pelo que o referido contrato cessará os seus efeitos a partir de vinte e nove de Fevereiro de 2020”.

10) O lapso de escrita ou de calculo quanto à indicação da data do fim do contrato, por um lado não somente foi conhecido e identificado pela ré, enquanto declaratário atenta e diligente, como foi corrigido e sustentado pela indicação correta do normativo aplicável, com a indicação do artigo 1096º do c.c, motivo pela qual nada mais haveria a corrigir da parte dos senhorios, já que a ré o fez de forma correta.

11)No entanto, por carta datada de 22.02.2023 ainda na vigência do contrato os AA. por intermédio da sua mandatária, ora signatária, reforçou a intenção dos senhorios e vontade já declarada a de não renovarem o contrato, retificando o lapso de escrita, com a indicação da data do termo do contrato indicando o termo como sendo fevereiro de 2023. Pelo que também por este motivo esteve mal o tribunal a quo quando refere que a existir lapso de escrita, deveria o mesmo ter sido retificado pelos AA, retificação que como vimos, não era exigível, em virtude da ré ter entendido o sentido da comunicação, mas aconteceu.

12) Ora, conhecendo a ré a vontade real do declarante, ou seja, a de que não pretendiam os senhorios a renovação do contrato, a sua oposição manifestada na carta resposta de 17.01.2029 não era suscetível de paralisar ou impedir os efeitos daquela declaração dos senhorios, ainda que aquela contivesse a data errada, deverá a comunicação de 04.12.2018 ter-se como válida e eficaz, em consequência da qual declarar cessado o contrato de arrendamento outorgado a 25 de fevereiro de2013.

13)Ao contrário do que defendeu o tribunal a quo a questão dos presentes autos relativa ao erro na indicação da data do termo do contrato resolve-se, não em sede de erro, mas através da aplicação dos critérios de interpretação do negócio jurídico. Nos termos do artigo 236º, nº 2, do C.Civ.;(…) quando o declaratário conheça a vontade real do declarante, o negócio vale de acordo com esta vontade. Por outras palavras, o erro conhecido é, como tal, irrelevante e o negócio válido, tal como o declarante efetivamente o queria. O regime do art. 236º, nº 1, conduz, neste caso, à validade do negócio segundo a vontade real do errante, por ser o sentido objetivo do negócio, segundo esta norma.

14) Ora, assim sendo, resultando do teor da comunicação resposta da arrendatária que soube identificar o erro e corrigi-lo, no caso concreto temos de concluir que a arrendatária entendeu o sentido da declaração quando na comunicação de 04.12.2018 se refere que é “ intenção de não renovação automática do contrato de arrendamento habitacional, assinado em 25 de Fevereirode2013, conforme consta da cláusula “Primeira”, pelo que o referido contrato cessará os seus efeitos “, pois qualquer pessoa normalmente atenta poderia deduzir, de tais elementos que a vontade real do declarante era a de que não pretendia renovar o contrato no final do prazo inicial ou da sua renovação.

Termo esse do prazo que a ré, diligentemente, soube corrigir e indicar, com fundamentação jurídica indicando o normativo aplicável e concluindo que o prazo do contrato, por efeito da ultima renovação ocorreria em fevereiro de 2023 e não em 2020.

15) Atenta a matéria de facto considerada provada, bem como os factos constantes dos artigos 33º, 35º, 36º, 37º e 38º da Pi, os quais também eles deverão ser considerados factos confessados, por falta de contestação, (n.º 2, in fine, do art. 567.º do CPC) após subsumidos aos normativos aplicáveis ao caso concreto, designadamente ao n.º 1 alínea b) o artigo 1097. do C.C, por referência ao normativo do artigo 236º do c.c e 249º do c.c são suficientes para determinar a procedência do pedido.

16) A decisão de que se recorre violou os normativos constantes dos artigos: 236º, nº 2, 249º, 1051 a) e 1097º, nº 1 alínea b) todos do código civil.

Deverá a sentença, ora recorrida, ser revogada e proferida decisão que Julgue a ação

totalmente procedente, por provada declarando-se o contrato de arrendamento melhor identificado nos autos cessado com efeitos reportados a fevereiro de 2023.

Nada obsta ao mérito.




OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matéria que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).

Atentas as conclusões dos recorrentes as questões a decidir são as seguintes:

1. Saber se deve ser aditada à fundamentação de facto da sentença a matéria requerida nas alegações/conclusões do recurso.

2. Interpretação e eficácia da declaração constante da comunicação efetuada à Ré a 4/12/2018
para efeitos de denuncia do arrendamento com efeitos a 28/02/2023.



O MÉRITO DO RECURSO:


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.




FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

1.O aditamento de novos factos à fundamentação da sentença.

1.1

Os Recorrentes sustentam, que por via da confissão ficta (artigo 567/2 do Código de Processo Civil) e documentos juntos e não impugnados está provado para além do que consta da sentença, devendo por isso ser aditado à mesma o seguinte:
Cls, 7) Não obstante, o lapso de escrita na indicação do ano de 2020 (quando se se pretendia referir 2023) o certo é que a ré entendeu que a vontade dos senhorios era a de não renovar o contrato no termo daquele prazo da 1ª renovação, ou seja a partir de 28.02.2023 o contrato não se renovaria, tendo referido na sua resposta que o termo do contrato ocorreria em fevereiro de 2023; Cf artigo 33º da PI;

Cls. 8) A ao rececionar a referida comunicação de não renovação do contrato de entendeu que o fim do contrato ocorreria em 2023 e não em 2020, e disso expressamente invocou na sua carta resposta; cf artigo 35º da Pi;

Cls.9) Por carta, datada de 2023 os AA e por intermédio da sua mandatária, ora subscritora, comunicaram à que o contrato de arrendamento referente ao locado cessaria os seus termos no final de fevereiro de 2023; cf art. 36º da Pi

Cls.10) Na aludida carta foi transmitida à a informação de que o contrato de arrendamento terminou os seus efeitos em virtude da comunicação de não renovação, datada de 04 de Dezembro de 2018, remetida pelos representantes/ procuradores dos senhorios. cf artigo 37º da PI.

Cls.11) Na referida comunicação esclareceu-se que o “referido contrato cessará os seus efeitos a partir de vinte e nove de fevereiro de 2020”, quando se pretendia dizer 2023.Tal deveu-se a um lapso de escrita, lapso esse que a corrigiu expressamente quando na comunicação, datada de 17/01/2019, refere que a cessação ocorrerá em Fevereiro de 2023.

Cls. 12) A ré sabia que o contrato de arrendamento cessou a 28.02.2023, pelo decurso do
prazo de renovação do contrato e em consequência da comunicação dos senhorios, datada de 04.12.2018, recebida pela a 18.12. Cf. artigo 38º

A sentença exclui esta materialidade da sua fundamentação por entender que se trata de matéria conclusiva, irrelevantes repetições dos factos e matéria de direito.

DECIDINDO:

I.1.1.


Como, questão prévia, anotamos que em matéria de revelia, o princípio geral é que a revelia tem em regra como consequência que os factos alegados pelo autor sejam considerados provados. Este regime tem-se mantido praticamente inalterado desde o código de 1939 (artigo 488º/artigo 484º do anterior Código de Processo Civil e atual artigo 567º).

Os efeitos cominatórios consagrados no artigo 567º/2 do Código de Processo Civil (diploma a que doravante pertencem todas as normas citadas sem outra menção) dirigem-se a todos os factos articulados pelo autor, que se consideram confessados. No entendimento de que se trata de uma confissão ficta ou admissão por acordo (ver Castro Mendes do Conceito De Prova pg 47, apud Código de Processo Civil anotado, VOL II Lebre de Freitas 2ª ed pg 292 e Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil pg 152).

Esta prova, fica definitivamente adquirida no processo, não podendo o réu vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve silencioso, tendo assim o tratamento duma presunção inilidível baseada na experiência e colhida na generalidade dos casos, (Manuel de Andrade, ibidem pp. 151 e 152).

A lei consagra exceções a estes efeitos cominatórios (artigo 568º) que para aqui não são relevantes uma vez que não é destas que trata o recurso.

1.1.2

A confissão ficta ou admissão por acordo fixada nesta norma é dirigida a factos concludentes, dado que o juiz pronuncia-se sobre factos concludentes, pertinentes, (artigo 607º, nº 3 e 4). A decisão sobre a matéria de facto não poderá comportar asserções conclusivas vagas, complexas, normativas ou que encerrem juízos valorativos, sob pena de violação daqueles comandos legais.

Veja-se, a este propósito, o Acórdão do STJ, de 29-04-2015 (FERNANDES DA SILVA) , Proc. 306/12.6TTCVL.C1.S1/dgsi.pt, “A seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, e o acórdão do mesmo Tribunal, de 15-09-2016, (ANA LUISA GERALDES) 329/08.0TTFAR.E1.S1/.dgsi.pt, onde se diz “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas «como não escritas», atualmente o Juiz não fica dispensado de efetuar «o cruzamento entre a matéria de facto e de direito», evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam diretamente ao objeto da ação”.

1.1.3

É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais ou concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, determinando o que aconteceu. (cfra Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pg. 206).

Dir-se-á, por conseguinte, que factos juridicamente relevantes são os que constando dos articulados (ou sendo instrumentais ou complementares) correspondam a acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as atuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno , isto é recortes da vida real acontecimentos naturalísticos, a que se responde com um simples, sim ou não. (cfr. art.ºs 5º 452.º, n.º 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º, 495.º, n.º 1 do CPC e 341º do C.C.) e só estes são ou podem ser objeto de confissão ficta nos termos do disposto no artigo 567º/2 .

1.2 O concreto aditamento de factos, requerido no recurso, à luz do entendimento exposto.

1.2.1

A matéria dos pontos 33º e 35 da petição (cl 7 e 8), ´´respeita à mesma questão essencial qual seja o entendimento da ré de que existiu um lapso de escrita na carta dos senhorios ao referirem o ano de 2020, já que queriam era referir o ano de 2023 e de que este entendimento da Ré resulta da sua carta/resposta datada de 17/01/2018.

1.2.1.1

Concordamos com a sentença, quando nega relevância jurídica a estas asserções por não poderem ser objeto de confissão nos termos expostos.
O lapso de escrita é um conceito jurídico definido no artigo 249º , do Código Civil, que tem como pressupostos a) que seja patente que o declarado não corresponde ao pretendido; b) que seja evidente aquilo que se quis afirmar; c) que essa desconformidade entre o declarado e o pretendido resulte da própria declaração ou das circunstâncias em que a mesma teve lugar.

Trata-se de erro corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer». «Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o ato devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador». «Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material»: (Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 8. - cit. Acórdão da Relação de Coimbra de 24/5/2005).

«De qualquer modo tal erro só pode ser retificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto»: (Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Cód. Civil, anotado, 1ª edição, I Volume, pág. 161, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, pág. 563, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 35, e Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Cód. Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pág. 566.» - cit. Acórdão da Relação de Coimbra de 24/5/2005).

1.2.1.2

Daqui resulta à evidência que a alegação de «que o texto remetido à Ré em 2018 contém um lapso de escrita» não é em si concludente e portanto suscetível de ser confessada, sendo indispensável para o seu reconhecimento a verificação dos respetivos pressupostos legais. Aliás saber se estamos na presença de erro de escrita na declaração ou não, é precisamente o objeto da causa.

Tanto bastaria para concluir pela sem razão dos apelantes, nesta sede.

Sucede ainda que a demais matéria alegada nestes pontos de facto é ainda normativa e conclusiva, na medida em que os AA ao referirem que a Ré «entendeu que a vontade dos senhorios era a de não renovar o contrato no termo daquele prazo da 1ª renovação, ou seja, a partir de 28.02.2023 o contrato não se renovaria, tendo referido na sua resposta que o termo do contrato ocorreria em fevereiro de 2023», apelam à interpretação da vontade hipotética constante da declaração da Ré, o que constitui matéria de direito e bem assim emitem um juízo jurídico-conclusivo a partir dessa interpretação.

Estamos, por conseguinte, no âmbito de factualidade insuscetível de ser adquirida por confissão ou qualquer meio de prova, pelo que, secundamos, sem reserva, o juízo que a este respeito consta na sentença, a qual, de resto, conheceu juridicamente do alegado erro de escrita negando a sua existência, em termos com que se concorda inteiramente e por isso se transcreve: “Analisando a comunicação remetida à ré em 4 de Dezembro de 2018, o apontado lapso não se desvela do conteúdo da declaração, até porque, ao contrário do sustentado, a ser como os autores defenderam, não teria ocorrido um lapso de escrita mas dois: um no ano – 2020 em vez de 2023; e outro no dia do ano – vinte de nove ao invés de vinte e oito.

Tendo o ano de 2020 sido bissexto (e não já o de 2023), julga-se evidente que na comunicação se pretendia efetivamente mencionar o dia 29 de Fevereiro de 2020.

Mais: tendo a comunicação sido rececionada pelo declaratário, a ré interpretou a declaração de oposição à renovação com referência à data nela indicada e declarou expressamente tal não aceitar na comunicação de 17 de Janeiro de 2019. De facto, a declaração da ré não tem o alcance defendido pelos autores: em momento algum a ré aceitou a cessação do contrato com efeito em diferente data, antes se limitou, em reforço da posição firmada, a dizer que o contrato apenas poderia vir a ser denunciado para 28 de Fevereiro de 2023. De forma alguma a comunicação da ré datada de 17 de Janeiro de 2019 comporta uma concordância ou sequer anuência relativamente ao declarado pelos autores (antes um dissídio).

Assim, mesmo a ser defensável ter havido um lapso (e não é) e perante a posição da ré, impunha-se que à data, tivesse sido retificado, e não foi. Ou seja, que o declarante, por meio da retificação, tivesse comunicado a verificação do lapso, manifestando então a sua vontade real.

Nesta medida, a comunicação de 4 de dezembro de 2018, não teve a virtualidade de fazer operar a cessação do contrato em 28 de Fevereiro de 2023”.

Não têm pois razão aqui os AA

1.2.2

Os factos cujo aditamento é requerido nas conclusões 9 a 11 da sentença, respeitam ao teor da declaração emitida e comunicada à Ré em 22/02/2023 com o seguinte teor:

Na qualidade de mandatária do Sr. BB e esposa, AA, venho informar V/Exa. que o contrato de arrendamento acima identificado terminou os seus efeitos em virtude da comunicação de não renovação do referido contrato, datada de 04 de Dezembro de 2018, remetida pelos representantes/ procuradores dos senhorios e recebida por V/Exa.

A referida missiva foi elaborada pela Agência Administradora que sempre agiu em representação dos senhorios, fosse para receber rendas, emitir recibos ou remeter comunicações. Aliás, dessa mesma representação foi V/Exa. notificada pela carta datada de 25/02/2013, cuja cópia se anexa.

Efetivamente, na referida comunicação/oposição à renovação declarou-se que o “referido contrato cessará os seus efeitos a partir de vinte e nove de fevereiro de 2020”, quando se pretendia dizer 2023, porquanto, tendo presente que no contrato de arrendamento não ficou convencionado prazo de renovação, aplicar-se-á o regime supletivo previsto no artigo 1096.º, nº1 do Código Civil que prevê a renovação do contrato por prazo igual ao prazo inicial, ou seja, por 5 (cinco) anos. Considerando o prazo de duração do contrato acordado de 5 (cinco) anos, a 1.º renovação, por mas 5 (cinco) anos, ocorreu em 01 de Março de 2018, sendo que a comunicação da cessação do contrato de arrendamento, alegando expressamente a não renovação só poderia ter efeitos a 28/02/2023 e não como referiu a 29/02/2020. Tal deveu-se a um lapso de escrita, lapso esse que V/Exa. corrigiu expressamente quando na V/comunicação, datada de 17/01/2019, refere que a cessação ocorrerá em Fevereiro de 2023. (…)

Em suma, resulta claro que os senhorios por intermédio da empresa A...., sua representante, remeteu a V/Exa. uma carta, a qual foi efetivamente por si recebida, onde expressamente comunicou a não renovação do contrato, a aludida comunicação é suficientemente clara para que V/Exa. entendesse o seu sentido de não renovação do contrato, cujos efeitos se produziriam no final do prazo da 1.ª renovação (prazo inicial – 01/03/2013; fim do prazo inicial do contrato – 28/02/2018; início do prazo da 1.ª renovação – 01/03/2018 e o fim do prazo da 1.ª renovação ocorrerá a 28/02/2023), entendimento esse que V/Exa. expressou comprovadamente na carta datada de 17/01/2019, conforme cópia da V/carta e cópia da procuração que se junta e carta datada de 25/02/2013.

Nesta conformidade, foca V/Exa. notificada para proceder à entrega das chaves do imóvel, até ao dia 28/02/2023,
nas instalações da A..., Lda., sendo que findo o referido prazo será instaurada a competente ação judicia destinada à efetivação do despejo.”

1.2.2.1 APRECIANDO

Esta declaração é totalmente inócua para efeitos de validação da denuncia ao arrendamento uma vez que respeitando a comunicação de 22/02/2023, portanto dias antes da requerida cessação do contrato não constitui enquanto tal, nenhuma declaração eficaz em face dos requisitos (prazos para a comunicação) exigidos nomeadamente no artigo 1097, nº 1, alínea b), do CC.

Fica assim, prejudicada, não sendo aproveitável a declaração que nesta se faz de retificação do alegado erro de escrita referente à data de cessação contratual.

Daí que, também aqui. confirmamos a sentença, dado que não pode a confissão ficta dos RR ser dirigida a ultrapassar a lei em matéria de prazos para o exercício de direitos que não estão na disponibilidade das partes.

1.2.3

Finalmente, o facto 12 referindo-se ao conhecimento da ré de que o contrato de arrendamento cessou a 28.02.2023, pelo decurso do prazo de renovação do contrato e em consequência da comunicação dos senhorios, datada de 04.12.2018, recebida pela a 18.12.

Obviamente que estamos perante matéria conclusiva e de interpretação da vontade hipotética da declaração que constitui questão de direito, ao que acresce, sem qualquer assento na comunicação escrita dos senhorios, datada de 04.12.2018, recebida pela Ré a 18.12, porquanto na mesma não se contém como ficou expresso supra qualquer referência à oposição à renovação a efetuar a 28.02.2023, tão pouco mereceu acolhimento a tese do erro de escrita na declaração.

Também aqui não é de acolher a pretensão dos Recorrentes.

2.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

2.1

Os Recorrentes vêm sustentar que a questão a decidir se situa em sede de interpretação da declaração negocial à luz dos artigos 236º nº2 do CC, devendo entender-se que a Ré interpretou a vontade dos AA como sendo a de oposição à renovação do contrato para a data de 28 de fevereiro de 2023 e não a que consta do texto da sua comunicação de 29/02/2020.

Não se discute que nos autos está em causa um contrato de arrendamento para habitação cuja noção consta do arts. 1022.º do CC, celebrado por prazo fixo de cinco anos e que a causa de pedir é a caducidade do mesmo por oposição do senhorio à renovação automática decorrente da previsão do art. 1054.º, n.º1, do CC.

O que cumpre apreciar á a validade da oposição à renovação automática do contrato oposta pelo senhorio e constante da comunicação, de 4 de dezembro de 2018, atento o disposto no art. 1096.º do CC nomeadamente quanto à forma da comunicação, aqui se no segmento da interpretação da declaração negocial concretamente emitida pelos AA.

2.1.1

A interpretação da declaração negocial é destinada a determinar a vontade hipotética das partes, constituindo questão de direito. Cfra STJ acórdãos de 16-06-2015 (MARIA CLARA SOTTOMAYOR) 1909/07.6TBVFR.P1.S; e de 25.03.2010 (SEBASTIÃO PÓVOAS) 682/05. 7TBOHP.C1.S1/dgsi.

Com efeito, escreveu-se em tal aresto, de 16-06-2015, que: “A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, (…) e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal (…) A regra estabelecida no n.º 1 do art. 236.º é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Consagra-se uma doutrina objetivista – a teoria da impressão do declaratário – com duas exceções de natureza subjetivista: os casos em que não pode ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (art. 236.º, n.º 1, 2.ª parte), ou os casos em que o declaratário conhece a vontade real do declarante (art. 236.º, n.º 2)”.

E prossegue o mesmo aresto: “A interpretação da declaração negocial deve ser, assim, assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas”, tendo em conta “o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado” Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2005, p. 755.

“Serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta. A título exemplificativo, a doutrina refere os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os usos da prática; os modos de conduta por que, posteriormente, se executou o negócio concluído”. (Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2005, pp. 446-447, apud o cit aresto).

2.1.2.

O teor da carta remetida pelos AA à Ré não tem qualquer correspondência com a data de 28/02/2023. Tão pouco a carta remetida pela Ré aos AA admite a interpretação de que esta assumiu que a oposição à renovação declarada naquela foi requerida para a referida data, dando-se aqui por reproduzido o que nesta parte, foi decidido na sentença quanto ao erro de escrita e transcrito supra.

Na verdade, da letra da carta da Ré apenas se retira que a mesma entende que o contrato «apenas poderá ser denunciado para 28 de fevereiro de 2023. Perante a renovação automática de que foi alvo comunico assim o meu propósito de permanecer a cumprir tal contrato, pelo menos, até àquela data, pelo que manifesto a minha oposição à V. pretensão».

Ora, esta declaração não inclui a conclusão de que a mesma Ré assume como válida para 28/02/2023, a denuncia efetuada para 29/02/2020, dispensando assim os AA de efetuarem a denuncia nos termos legais, para aquela referida data.

Antes, apenas, se, retira da mesma que a Ré não aceita a oposição à renovação do contrato para a data constante da comunicação que é a de 29/02/2020.

Carece por isso, de total fundamento a impugnação deduzida ao direito aplicado na sentença, que se confirma, pois.


SEGUE DELIBERAÇÃO:

NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A SENTENÇA.

Custas pelos Recorrentes.






Porto, 21 de março, de 2024.
Isoleta de Almeida Costa
Paulo Dias da Silva
Isabel Peixoto Pereira