NULIDADES DE SENTENÇA
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CONSUMIDOR
Sumário

I - A divergência quanto ao julgamento de facto efectuado pelo Tribunal de 1ª instância e quanto ao mérito da própria fundamentação jurídica constante da sentença recorrida, nada tem que ver com qualquer vício lógico-dedutivo do julgador na elaboração da sentença e com qualquer contradição para efeitos do citado artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, mas apenas com um eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito, que só pode ser sindicado nesse preciso contexto e não em sede de nulidade do acto decisório e enquanto vício lógico-formal do acto judicial em apreço.
II - A razão de ser das prescrições presuntivas radica na circunstância de as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, por via de regra, quitação, ou pelo menos não se conservar por muito tempo essa quitação.
III - Assim, diversamente da prescrição extintiva - que tem na sua base razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor -, a prescrição presuntiva tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento.
IV - Bem se compreende, pela referida tipologia de razões, a diferenciação legal, na alínea b) do artigo 317.º do Código Civil, ao estabelecer presunção a favor das dívidas resultantes da aquisição de bens a comerciantes e industriais, mas excluindo-a quando tais bens se destinem ao exercício do comércio ou da actividade industrial do devedor.
V - A referida alínea b) não é aplicável se a prestação realizada se destinar ao exercício industrial do devedor, isto é, se o serviço ou bem for destinado à indústria do devedor, à actividade que exerce como modo de vida habitual (por hipótese, se a máquina ou equipamento adquirido for necessário para o desenvolvimento da actividade económica do devedor ou se se destinar à revenda ou à transformação, no âmbito dessa actividade).
VI - De igual forma, ficam excluídos da previsão normativa os créditos emergentes da realização de trabalhos que estejam conexos com a actividade económica desenvolvida pelo devedor e que dela sejam pressuposto, sendo que o termo indústria deve ser interpretado em sentido amplo.
VI - No caso vertente, e quanto às obras aqui em crise, é ostensivo que a ré/Apelante não é uma mera consumidora, uma vez que é proprietária e arrendou cerca de 40 bens imóveis, o que se encontra largamente fora do padrão comum nacional, sendo essa a sua actividade profissional porquanto a referida actividade económica corresponde à sua principal fonte de rendimentos.
VII - Assim, é razoável exigir à ré/Apelante que mantenha um registo suficientemente organizado de despesas e receitas quanto à sua actividade profissional de senhoria, quer para certeza do tráfego jurídico na sua relação com outros comerciantes e industriais, quer para quantificação dos seus rendimentos relevantes a título de impostos a pagar ao Estado.
VIII - Destarte, não sendo de aplicar o prazo prescricional do artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, é de aplicar, sem qualquer dúvida, o prazo regra fixado no artigo 309.º do Código Civil, ou seja, 20 anos, pelo que relativamente à factura n.º ..., no valor de € 22.940,73, a pronto pagamento (facto provado 18), subsiste na ré a obrigação legal pelo seu pagamento.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:2147/20.8T8MTS.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A..., Ld.ª, com sede na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra AA, residente na Rua ..., ..., Matosinhos, onde concluiu pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 25.767,24, acrescida de juros de mora.
Alegou, em síntese, que a autora realizou trabalhos da área da canalização e de distribuição de gás em vários imóveis da propriedade da ré e que esta, após ser interpelada para o efeito, não pagou.

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Citada, a ré contestou, afirmando ter pago todos os trabalhos que a autora realizou, e pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé.
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Foi proferido despacho saneador, no qual também se fixou o valor à causa.
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A audiência final decorreu com observância do formalismo legal.
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Proferida sentença, foi objecto de recurso pela ré, e por este Tribunal da Relação foi anulada a decisão proferida e ordenada a repetição do julgamento quanto ao facto provado 23), sem prejuízo da parte em que a ré já foi absolvida que transitou definitivamente em julgado.
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Reaberta a audiência final, voltou a decorrer com observância do formalismo legal.
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Foi proferida nova sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
a. Condenar a ré AA a pagar à autora A..., Ld.ª. a quantia de € 19.625,73, acrescida de juros de mora, à taxa comercial em cada momento em vigor, desde o dia 16 de Janeiro de 2020, até efectivo e integral pagamento;
b. Absolver a autora A..., Ld.ª. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a ré AA interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:
I.Salvo o sempre devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com a douta sentença aqui sob censura.

II. Desde logo, a douta sentença encontra-se eivada de diversos vícios que provocam a sua nulidade.

III. Com efeito, na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo, deu como provado que a Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa sua fonte de rendimentos.

IV. Porém, este facto encontra-se em patente contradição com a fundamentação da decisão tomada sobre a matéria de facto.

V. Pois, analisando os documentos juntos pela Ré, o Tribunal considerou por contagem das matrizes prediais que esta tem no mercado imobiliário, não 40, mas sim 77 imóveis.

VI. Mas, ainda que não se entenda que a sentença não padece de tal vício, sempre constituirá um caso de evidente erro de julgamento.

VII. Ademais, o Tribunal para dar como provado que a Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa sua fonte de rendimentos, valorou o depoimento da Ré, do legal representante da Autora, o depoimento das testemunhas BB, CC e DD.

VIII. No entanto, na douta sentença não se concretizou a razão para tais depoimentos terem merecido credibilidade para a prova do facto em referência.

IX. Desconhecendo-se, a este respeito, a razão de ciência de cada uma das testemunhas, designadamente das testemunhas BB e CC.

X. Na verdade, impunha-se que o depoimento de cada uma das testemunhas tivesse sido objecto de uma valoração própria, mormente se o seu depoimento mereceu total credibilidade, ou essa credibilidade versou apenas sobre a matéria de facto em causa.

XI. Sendo inequivocamente contraditório, ambíguo e até obscuro que se diga que o depoimento da Ré e da testemunha DD, sua filha - que de acordo com o afirmado na sentença é quem, actualmente, gere os imóveis em nome da mãe - tenham merecido credibilidade no que tange ao número de imóveis de que esta é proprietária, e concomitantemente se diga que não foi possível apurar qual o número de imóveis de que esta é proprietária.

XII. Efectivamente, se o arrendamento de imóveis fosse uma actividade profissional exercida pela Ré, não era possível, pelo menos à luz daquilo que são as regras da experiência, que nem esta, nem a sua filha, não soubessem qual o número exacto de imóveis afectos ao exercício dessa actividade imobiliária.

XIII. Por outro lado, o Tribunal na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto declarou que estando os imóveis da Ré inseridos no mercado do arrendamento, resultou de forma notória, a constante necessidade de encontrar novos inquilinos, cobrar rendas, receber reclamações, contratar serviços básicos, realizar obras nos prédios, pagar impostos, vigiar, e tudo o mais necessário à satisfação de tal número de clientes (arrendatários) e manutenção diária e extraordinária de número tão significativo de imóveis.

XIV. Sucede que, não extraiu, como aliás se impunha se tal matéria tivesse resultado realmente provada, nenhuma ilação ou consequência da referida facticidade que o Tribunal assinalou ser notória.

XV. Pois, nenhum dos factos acima assinalados foi dado como provado, com excepção de que a Ré realizou as reparações constantes das diversas alíneas que integram o ponto 4 da matéria de facto provada.

XVI. Nesta conformidade, temos de dizer que a douta sentença padece do vício de nulidade por violação da alínea c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC.

XVII. Acresce que, mesmo que se considerasse que a douta sentença não padece de qualquer nulidade, ainda assim, não se poderia dar como provado que a Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua fonte de rendimentos.

XVIII. Até porque essa facticidade tinha de se encontrar alicerçada num conjunto de outros factos que permitissem, depois, o Tribunal extrair essa conclusão.

XIX. Para além disso, face à prova produzida no decurso da instrução dos autos, o Tribunal teria de ter dado como provado a Ré pagou integralmente o valor dos trabalhos efectuados pela Autora.

XX. Ao invés de não provado.

XXI. No que tange a esta matéria, a testemunha DD, depôs com sinceridade e conhecimento directo dos factos.

XXII. Assim, aos minutos [00:05:18] a testemunha afirmou que a sua mãe nunca lhe referiu ter contas antigas por acertar com a Autora.

XXIII. Posteriormente, aos minutos (00:15:12), a referida testemunha afirmou que havia apenas 3 facturas recentes pendentes de liquidação, tendo esta efectuado o seu pagamento.

XXIV. A testemunha, que passou a tratar dos assuntos da Ré sua mãe, disse também que o gerente da Autora nunca lhe pediu o pagamento de qualquer valor em atraso. (00:22:23). (Acta da Audiência Final, 26-10-2021, com início às 14h16m, depoimento registado através do sistema integrado de gravação digital, com início às 16:30:05 e termo às 17:05:34).

XXV. Esclareceu ainda que o valor respeitante aos trabalhos realizados na casa de Viana, onde a testemunha à data residia, foram pagos por si, em notas (00:15.08). (Acta da audiência final de 05-011-2021, pelas 14horas, declarações registadas em suporte sonoro de 14:16:39 a 14:18:23).

XXVI. O depoimento da testemunha DD encontra-se em total consonância com a matéria de facto dada como provado nos pontos 24 e 25, onde se considera provado que a Ré não tem problemas de tesouraria e é conhecida como pessoa correcta e boa pagadora.

XXVII. Por seu turno, o gerente da Autora, nas declarações de parte, minutos (00:05:08) a (00:20:07), disse que o atraso na cobrança durante mais de 10 anos, se deveu à doença do filho e ao cansaço e falta de tempo.

XXVIII. E só se preocupou em pagar quando veio a crise e o trabalho diminuiu (00:10:01).

XXIX. Mas, mesmo sem que lhe tivessem sido pagos os serviços executados, ainda assim continuou a trabalhar para a Ré, havendo até trabalhos que nunca facturou, não registou, nem cobrou (00:35:02) a (00:40:01). (Acta da audiência final de 05-011-2021, pelas 9h15m, declarações de parte registadas em sistema integrado de gravação digital de 09:49:41 a 10:48:45).

XXX. Acontece que, o Tribunal não deu como provado que o atraso na cobrança dos valores reclamados tivesse como causa a fatídica doença do filho do gerente da Autora.

XXXI. Pois, na verdade, não há nenhuma explicação ou justificação credível, compreensível e aceitável, para um atraso de 10/15 anos na cobrança de serviços prestados, pois, não é possível em termos económicos e financeiros, uma empresa realizar trabalhos, pagar os materiais utilizados, suportar as despesas com deslocações e mão-de-obra e, mesmo assim, esperar tantos anos pelos pagamentos desses serviços.

XXXII. Com efeito, a conduta narrada pela Autora, colide frontalmente com as máximas da experiência medidas pelo padrão do homem médio.

XXXIII. No mesmo sentido da inverosimilhança das declarações prestadas vai o depoimento da testemunha EE, mulher do legal representante da Autora.

XXXIV. De facto, ao minuto (00:22:08), a referida testemunha disse que, além da Ré havia outros clientes que estavam também muitos anos sem nada pagar. Alguns até brincavam dizendo que iam demorar tanto tempo a pagar, como aquele em que a Autora se tinha atrasado a apresentar as contas!

XXXV. No decurso do seu testemunho, (00:35:01) a (00.38:25), EE, não se coibiu de afirmar, que era habitual haver outras facturas em débito relativas a serviços prestados em 2002, 2003 e 2004.

XXXVI. Entendendo, contudo, a testemunha que esta situação era absolutamente normal!

XXXVII. Tentando justificar esse desfasamento temporal com a existência de liquidez gerada por outros trabalhos realizados.

XXXVIII. No entanto, todas estas explicações esbarram no mais elementar senso comum e nas regras da experiência comummente aceites.

XXXIX. Constituindo um facto notório, que não é possível manter em actividade uma empresa e continuar a suportar todos os custos inerentes, estando sem receber de clientes o valor de trabalhos efectuados, durante mais de 10 anos.

XL. Acerca da delonga na cobrança das quantias peticionadas, com relevância para o enquadramento da situação em apreço, registe-se que jamais foi alegado, que essa situação se deveu a pedido ou em benefício da Ré.

XLI. Por outro lado, o critério da probabilidade prevalecente expendido na douta sentença determinava que o Tribunal tivesse de dar como provado o pagamento pela Ré das verbas em causa, porquanto esta é a hipótese mais provável de ser verdadeira do que falsa.

XLII. Por outro lado ainda, a Ré não pode ser considerada como sendo industrial, comerciante, empresária ou exercendo uma actividade profissional para os efeitos previstos na alínea b), do artigo 317º, do CC.

XLIII. Salvo o devido respeito, a mera administração pela Ré do seu património pessoal, não pode ser entendida como uma actividade profissional para os efeitos previstos na alínea b), do artigo 317º, do CC.

XLIV. Daqui infere-se, irrefutavelmente, que não se podia ter dado como provado que a Ré tivesse como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária.

XLV. Diga-se ainda que, por requerimento de 15-12-2022 com a refª 44169805, a Ré juntou aos autos documentos (auto de declarações de cabeça de casal, relação de bens e acta de conferência de interessados) que comprovam cabalmente que esta adquiriu os imóveis de que é proprietária por via sucessória.

XLVI. Apesar de não ser um facto essencial para a descoberta da verdade material, a aquisição dos prédios por sucessão é um facto instrumental importante para se poder qualificar ou não o arrendamento dos imóveis da Ré como sendo o exercício de uma actividade profissional.

XLVII. Porque se esta os tivesse adquirido por intermédio de contratos de compra e venda, com a intenção de os afectar ao mercado do arrendamento, era indubitável a natureza profissional dessa actividade.

XLVIII. No entanto, in casu, a Ré limitou-se a aceitar a herança, recebendo os imóveis no estado em que se encontravam, possivelmente já arrendados.

XLIX. Ora, na qualidade de proprietária e senhoria, a Ré tinha o dever legal de zelar pela conservação do seu património imobiliário (artigo 1074º, do CC), sem que isso pudesse ser entendido com o exercício de qualquer actividade de índole profissional.

L. Por conseguinte, devia ter-se dado como provado que os imóveis de que a Ré é proprietária foram adquiridos por sucessão hereditária.

LI. Temos também de referir que, na fundamentação da decisão acerca da matéria de facto, o Tribunal considerou que, de acordo com a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2017, a Ré obteve 542.193,21 €, a título de prestações de serviços e outros rendimentos.

LII. Sendo que, como consta do anexo F, a título de rendimentos prediais, a Ré, nesse mesmo ano de 2017, recebeu a quantia de 148.934,28 €.

LIII. Ou seja, no ano de 2017, a Ré auferiu 542.193,21 € a título de prestação de serviços e outros rendimentos, contra 148.934,28 €, recebidos como rendimentos prediais.

LIV. Ora, este facto, contradiz frontalmente que o arrendamento de imóveis fosse a fonte de rendimentos da Ré.

LV. Sendo que, efectivamente o rendimento de 542.193,21 €, ao contrário do que sucede com os rendimentos prediais declarados no anexo F, é um rendimento proveniente do exercício de uma actividade profissional, constante de categoria B, respeitante a rendimentos empresariais e profissionais.

LVI. Manda o rigor dos factos também assinalar que, além dos mencionados rendimentos, no ano de 2017, a Ré auferiu rendimentos na qualidade de pensionista.

LVII. Assim sendo, na douta sentença deveria ter-se dado como provado que, no ano de 2017, a Ré obteve os seguintes rendimentos:
542.193,21 €, a título de prestações de serviços e outros rendimentos, 148.934,28 €, a título de rendimentos prediais e 3.705,97 €, a título de pensões.

LVIII. Pelas mesmas razões, deveria ter sido dado como provado que, no ano de 2018, a Ré auferiu a quantia de 151.318,27 €, a título de rendimentos prediais e 4.444,52 €, como rendimentos provenientes de pensões.

LIX. Significa isto que, apenas relativamente ao ano de 2018, é legítimo concluir que a Ré tem como fonte de rendimentos aqueles que provêm das rendas recebidas como contrapartida do arrendamento dos imóveis de que é proprietária.

LX. Desta sorte, atendendo aos documentos juntos, não resultou provado que a fonte de rendimento da Ré fossem as rendas recebidas.

LXI. Ora, os referidos documentos - declaração de rendimentos - foram a única prova produzida acerca dos rendimentos anuais auferidos pela Ré.

LXII. Pelo exposto, não se podia ter dado como provado que a Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua fonte de rendimentos.

LXIII. O artigo 412º, do CPC, estatui que, não carecem de prova ou alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais, os factos que são do conhecimento geral.

LXIV. Assim sendo, é do conhecimento geral constituindo, portanto, um facto notório que não carece de alegação ou prova que, no concelho de Matosinhos - onde se situam os imóveis de que a Ré é proprietária (vide nº 2, do elenco do factos provado) - no mercado livre de arrendamento, a renda média de um imóvel para uma habitação tipologia T1, T2 ou T3, ronda o valor respectivamente de 800,00/1.000,00€; 1.200,00/1.500,00 € ou 1.800,00/2.000,00 €.

LXV. Pelo que as rendas com valores inferiores a 500,00 €, apenas se praticam no âmbito do arrendamento de quartos, ou no caso das habitações sociais.

LXVI. Por isso, se considerarmos que a Ré é proprietária de 40 imóveis, ainda que a renda média fosse de apenas 500,00 € - isto é metade do valor médio resultante do mercado do arrendamento – esta deveria auferir anualmente 240.000,00 €, ao invés de 148.934,28 €, como consta da declaração de rendimentos apresentada.

LXVII. Porém, se a Ré fosse proprietária de 77 imóveis, com se afirma na fundamentação da douta sentença, a discrepância de valores seria muito maior: 462.000 €, que a Ré deveria receber, ao invés de 148.934,28 €.

LXVIII. Mas, se tivéssemos em consideração um valor médio de renda de 1.000,00 €, a Ré, caso fosse proprietária de 40 imóveis deveria auferir rendas no montante de 480.000,00 €; sendo proprietária de 77 imóveis, esse valor já ascenderia à soma de 924.000,00 €.

LXIX. Em suma, a conclusão a extrair é uma só: os imóveis da Ré não se encontram no mercado livre de arrendamento, uma vez que se destinam a habitação social situada em bairros e ilhas, como, aliás, consta da matéria dada como provada e das folhas de obras.

LXX. Pelo que, não se poderia dar como provado, como se fez no caso sub judice, que a Ré tem os seus imóveis no mercado do arrendamento.

LXXI. O montante das rendas cobradas desmente categoricamente tal facto.

LXXII. No que concerne à qualificação jurídica dos contratos celebrados entre as partes, não podemos aderir à tese sustentada na douta sentença de que, no caso vertente, estamos perante diversos contratos de empreitada, mas antes, face a variados contratos de prestação de serviços.

LXXIII. Se atentarmos nos factos provados: 4 i) folha de obra 6; 4 p) folha de obra 13; 4 q, folha de obra 15; 4 r, folha de obra 16; 4 s) folha de obra 17; 4 t) folha de obra 18; 4 u) folha de obra 19; 4 v) folha de obra 20; 4 w folha de obra 21; 4 z folha de obra 24; 4 aa) folha de obra 25; 4 bb) folha de obra 26; 4 dd) folha de obra 28; 4 ee) folha de obra 29; 4 ff) folha de obra 30 A; 4 hh) folha de obra 31 A; 4 jj) folha de obra 32; 4 kk, folha de obra 33; 4 ll) folha de obra 34 e 4 mm) folha de obra 35, facilmente se constata que se referem a serviços prestados nos longínquos anos de 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2009.

LXXIV. Ora, ainda que a Ré fosse considerada uma empresa ou pessoa que exerce uma actividade empresarial, só estava obrigada a arquivar a correspondência emitida e recebida, assim como a escrituração mercantil e a conservar os documentos a ela relativos, durante o período temporal de 10 anos, conforme resulta inequivocamente do artigo 40º do Código Comercial, do artigo 98º, nº5 do CIRC (vigente à data dos factos) e 19º nº1, do DL nº28/2019.

LXXV. Destarte, esta não estava obrigada a conservar ou ter na sua posse algum documento, recibo ou mesmo um singelo recibo de quitação emitido pelo punho do legal represente da Autora, mais de dez anos após os serviços terem sido prestados.

LXXVI. Além de que, não exigência de pagamento durante um período de tempo tão longo, investiu a Ré numa situação de confiança daí derivada, que jamais esses pagamentos lhe seriam exigidos, bem como os respectivos recibos de quitação.

LXXVII. Deste modo, ao menos relativamente aos serviços prestados até ao final do ano de 2009, não restam dúvidas que a Autora actuou com manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium ou suppressio.

LXXVIII. Sendo também a conduta processual da Autora subsumível a um caso manifesto de abuso do direito de acção ou culpa “in agendo”, dado que esta não ignorava que atendendo ao período de tempo, entretanto, decorrido (mais de 10 anos), não era exigível à Ré manter na sua posse os documentos comprovativos dos pagamentos que lhe fez e, assim, provar essa factualidade.

LXXIX. Desta feita, no caso sub judice somos obrigados a recorrer à aplicação das normas de inversão do ónus da prova, de acordo com o regime instituído pelo nº2, do artigo 344º, CC; porque, se assim não fosse, colocava-se em causa as regras da justa distribuição do ónus da prova.

LXXX. Cabendo, assim, à Autora, a prova de que esse pagamento não ocorreu.

LXXXI. Não tendo esta conseguido fazer tal prova.

LXXXII. E, ainda que se considerasse provado que a Ré tinha a qualidade de comerciante ou outra actividade profissional, esta poderia sempre invocar e beneficiar da aplicação do instituto da prescrição presuntiva, se os serviços prestados extravasassem a respectiva actividade profissional.

LXXXIII. In casu, não se provou que os trabalhos realizados pela Autora tivessem sido efectuados em imóveis arrendados.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à realização de serviços de canalizações, caleiras, instalações de rede de gás e aquecimento central.
2. A ré é proprietária de vários imóveis, sitos no concelho de Matosinhos, arrendados para habitação a diversos arrendatários.
3. No exercício dessas actividades, a autora e a ré efectuaram diversos contratos de serviços de reparação nas habitações existentes nos imóveis da ré, ao longo de mais de 20 anos.
4. Em data não concretamente apurada, mas antes de 20-11-2018, a autora elaborou e entregou à ré um conjunto de folhas de obra nas quais descrevia os trabalhos que realizou e que contabilizam o valor global de € 24.171,75.
Essas folhas de obra são:
a. Denominada “1R”, com a descrição “Obra: Sua Residência – Colocação água da companhia”, trabalhos prestados em 07-08-2003, no valor de €97,15;
b. Denominada “2R”, com a descrição “Obra: S/Residência – Encanação, esgotos colocação de louças”, trabalhos prestados em 19-02-2010, 22-02-2010, 23-02-2010, 25-02-2010, 26-02-2010, 03-03-2010, e 10-04-2010, no valor de €591,95;
c. Denominada “3R”, com as descrições “Obra: Sua Residência – Reparação fuga de água quintal”, “Obra: S/Residência – Desentupir banca cozinha exterior”, “Obra: S/Residência – Trabalho com motor e fuga campo”, “S/Residência – Colocação sanita e desentupimento” e “Obra: S/residência – Reparação fuga de água Mudar passadores agua companhia e bomba Substituir bichas bidé”, trabalhos prestados em 09-08-2008, 22-12-2009, 05-09-2011, 03-01-2012, e 11-07-2013, no valor de €167,70;
d. Denominada “4R”, com as descrições “Obra: S/Residência – Alteração encanação motor Reparação de fuga de água”, “Obra: S/Residência – Trabalho com desentupimento de caixas de saneamento e lavatório”, e “Obra: S/Residência – Mudar balão bomba”, trabalhos prestados em 24-09-2010, 16-06-2010, e 06-01-2010, no valor de €198,50;
e. Denominada “5R”, com a descrição “Obra: Trabalhos diversos efectuados na sua Residência”, serviços prestados em 08-11-2001, 15-11-2001, 16-11-2001, 21-11-2001, 11-12-2001, 15-12-2001, 18-12-2001, 28-12-2001, 31-12-2001, 16-02-2002, 23-02-2002, 25-02-2002, 05-03-2002, 06-03-2002, 24-04-3002, 03-12-2002, 11-12-2002, 11-12-2002, 12-12-2002, 13-12-2002, 17-01-2003, 06-05-2003, 23-05-2003, 03-06-2003, 27-08-2003, 28-08-2003, 24-09-2003, 05-03-2004, 13-10-2004, 13-01-2005, 28-01-2005, 12-02-2005, 07-04-2005, 11-05-2005, 01-06-2005, 30-06-2005, 04-11-2005, 22-03-2006, e 27-10-2005, no valor de €3.437,80;
f. Denominada “1”, com a descrição “Obra: Casa ... e Casa ... – ... – Reparação fuga de água”, trabalhos prestados em 09-04-2013 e 10-04-2013, no valor de €154,70;
g. Denominada “2”, com as descrições “Obra: ... (Brasileira)- Colocação cilindro” e “Obra: ... (Brasileira)- Tirar e colocar cilindro”, trabalhos prestados em 02-10-2003, 15-07-2014, 18-07-2014, 28-05-2015, e 30-05-2015, no valor de €205,30;
h. Denominada “5”, com a descrição “Obra: Garagem (B...) ...”, trabalhos prestados em 21-07-2004, no valor de €58,90;
i. Denominada “6”, com a descrição “Obra: Colocação Caleiras e Condutores – Casa Viana”, trabalhos prestados em 26-11-2002, 19-12-2002, 20-12-2002 e 16-01-2003, no valor de €719,70;
j. Denominada “7”, com a descrição “Obra: Casa ......(...) Coloc. Cilindro, banca e esgotos”, trabalhos prestados em 18-02-2011 e 02-06-2012, no valor de €117,90;
k. Denominada “8”, com a descrição “Obra: ...”, trabalhos prestados em 23-09-2011, 24-09-2011 e 29-09-2011, no valor de €558,25;
l. Denominada “9”, com a descrição “Obra: Casa ... – ... – Esgotos e encanações”, trabalhos prestados em 28-03-2012, 03-04-2012, 28-05-2012 e 29-05-2012, no valor de €776,00;
m. Denominada “10”, com a descrição “Obra: 1º Andar nº ... – ... Colocação banca, desentupir, encanações, aplicação louças”, trabalhos prestados em 12-04-2014, 21-04-2014 e 28-06-2014, no valor de €544,30;
n. Denominada “11”, com a descrição “Obra: Nº 137 – Farrapas (pegado ao Pato) Colocação esgotos, encanações e louças”, trabalhos prestados em 02-06-2012, 04-11-2014, 26-11-2014, 13-12-2015, 22-12-2015, 23-12-2015 e 29-12-2015, no valor de €572,60;
o. Denominada “12”, com a descrição “Obra: Casa – Cadeira de rodas Alteração encanações, colocação louças e encanação sótão”, trabalhos prestados em 27-06-2008, 03-10-2012 e 06-11-2012, no valor de €423,60;
p. Denominada “13”, com as descrições “Obra: Casa ... – Afinações torneiras e autoclismo” e “Obra: Casa ... – Trabalho c/ desentupimento e esgotos”, trabalhos prestados em 29-04-2006 e 26-01-2006, no valor de €56,00;
q. Denominada “15”, com a descrição “Obra: Casa ... – ... Reparação, encanação e colocação de misturadoras”, trabalhos prestados em 16-10-2003, no valor de €304,30;
r. Denominada “16”, com a descrição “Obra: Casa de trás – Mulher da Limpeza Reparação e colocação encanação e aplicação Misturadoras”, trabalhos prestados em 08-04-2003, 15-04-2003, 16-04-2003, 06-05-2003, no valor de €358,35;
s. Denominada “17”, com a descrição “Obra: 1ª Casa ... Esqº (casa que foi a baixo) Encanação e esgotos, desentupimento e substituição válvulas banca, colocação de base, torneiras e móvel”, trabalhos prestados em 30-04-2001, 01-02-2003, 27-05-2003, 03-10-2003, 21-10-2003, 29-04-2006 e 21-04-2007, no valor de €764,80;
t. Denominada “18”, com a descrição “Obra: ... (casa pequena emigrante) Colocação de sanita, banca e misturadora, base de chuveiro”, trabalhos prestados em 25-10-2003, 13-03-2004, 31-03-2004 e 18-04-2004, no valor de €195,25;
u. Denominada “19”, com a descrição “Obra: Casa nº ... R/Chão (pegado á cadeira de rodas) Encanação e esgotos, colocação de guielros e telhas fibrocimento Colocação de louças e válvulas contador”, trabalhos prestados em 26-04-2003, 04-06-2003, 14-06-2003, 16-06-2003, 17-06-2003 e 08-07-2003, no valor de €985,80;
v. Denominada “20”, com a descrição “Obra: Casa ... – ... – Encanação exterior”, trabalhos prestados em 20-12-2009, 21-12-2009, 22-12-2009 e 06-01-2010, no valor de €558,75;
w. Denominada “21”, com a descrição “Obra: 1º Andar nº ... – ... Encanação e Esgotos, colocação louças, resguardo e cilindro”, trabalhos prestados em 22-09-2004, 13-10-2004, 02-11-2004 e 03-11-2004, no valor de €729,50;
x. Denominada “22”, com a descrição “Obra: 1º Andar nº ... – Cima ... Esgotos , encanação exterior, fornecimento misturadoras”, trabalhos prestados em 24-05-2003, 03-07-2014, 07-07-2014 e 08-07-2014, no valor de €743,40;
y. Denominada “23”, com as descrições “Obra: Casa ... – 1º andar – ... Colocação sanita e reparação autoclismo” e “Colocação de boia depósito”, trabalhos prestados em 17-04-2014 e 10-03-2014, no valor de €55,70;
z. Denominada “24”, com a descrição “Obra: 2ª Casa ... Direito (casa que foi a baixo) Encanação e esgotos, colocação de gás e passadores colocação de água da companhia e louças sanitárias”, trabalhos prestados em 22-01-2003, 25-01-2003, 21-04-2003, 18-06-2003, 15-07-2003, 21-07-2003, 31-07-2003, 06-08-2003 e 07-08-2003, no valor de €1.024,60;
aa. Denominada “25”, com a descrição “Obra: Casa ... – ... (Frente aos escritórios) Encanação e esgotos, colocação louças e válvulas contador”, trabalhos prestados em 05-02-2004, 06-02-2004, 10-02-2004, 28-02-2004 e 27-06-2008, no valor de €558,20;
bb. Denominada “26”, com a descrição “Obra: ... (inq. que morreu) Encanação e esgotos, colocação louças, cilindro e caleira”, trabalhos prestados em 20-06-2009, 25-06-2009, 14-07-2009, 21-09-2009, 22-09-2009 e 2509-2009, no valor de €743,50;
cc. Denominada “27”, com a descrição “Obra: Casa R/Chão ... ( ... ) Extra WC Alteração encanação, reparação de fuga de água e coluna Colocação de louças, caleiras e alteração de contadores”, trabalhos prestados em 12-01-2011, 17-01-2011, 19-01-2011, 21-01-2011, 27-01-2011, 31-01-2011, 25-02-2011, 26-02-2011, 31-08-2011, 24-10-2011, 25-01-2012, 19-06-2012, 29-06-2012, 10-10-2012, 07-12-2012, 13-07-202013 e 28-10-2013, no valor de €1.527,70;
dd. Denominada “28”, com as descrições “Obra: Casa ... – Reparação fuga água”, “Obra: Casa ... – Substituição tubo de água companhia”, “Obra: Casa ... – 1º andar – ... Colocação de torneira máquina de lavar”, “Obra: Nova R/Chão” e “Obra: Casa ... Cima – ... - Tirar e colocar cilindro”, trabalhos prestados em 24-03-2006, 20-08-2015, 01-03-2011, 29-05-2015 e 18-02-2015, no valor de €254,85;
ee. Denominada “29”, com a descrição “Obra: R/Chão e 1º andar esqº ... Encanação e esgotos, colocação de guleiros e chaminé Colocação de louças, caleiras e tubos saída exaustores”, trabalhos prestados em 27-09-2001, 09-10-2001, 20-10-2001, 26-10-2001, 27-10-2001, 07-11-2001, 08-11-2001, 15-11-2001, 17-11-2001, 19-11-2001, 21-11-2001, 09-02-2002, 22-01-2022, 16-02-2022, 04-03-2002 e 26-10-2002, no valor de €1.627,35;
ff. Denominada “30A”, com a descrição “Obra: ... 1º Andar Encanação e esgotos, colocação louças e esquentador”, trabalhos prestados em 13-11-2002, 14-11-2002, 15-11-2002, 25-01-2003, 28-01-2003, 29-01-2003, 30-01-2003 e 14-02-2003, no valor de €789,45;
gg. Denominada “30B”, com a descrição “Obra: ... 1º Andar Desentupimentos, reparar fuga esgotos, colocação louças colocação esquentador e afinações gás”, trabalhos prestados em 17-01-2007, 13-06-2011, 18-06-2011, 20-07-2011, 21-07-2001, 21-04-2014 e 22-02-2016, no valor de €310,30;
hh. Denominada “31A”, com a descrição “Obra: ... R/Chão (Dentro da ...) Encanação e esgotos, colocação louças e cilindro”, trabalhos prestados em 06-04-2005, 10-05-2005, 11-05-2005, 10-06-2005, 19-07-2005, 23-07-2005 e 27-07-2005, no valor de €846,15;
ii. Denominada “31B”, com a descrição “Obra: ... R/Chão (Dentro da ...) Encanação e esgotos, colocação louças e radiadores”, trabalhos prestados em 28-12-2013, 10-01-2014, 04-02-2014, 05-02-2014, 17-02-2014 e 18-02-2014, no valor de €440,40;
jj. Denominada “32”, com a descrição “Obra: Colocação de rufos e guleiros chaminés no telhado Prédio ...”, trabalhos prestados em 18-11-2001 e 17-02-2002, no valor de €451,90;
kk. Denominada “33”, com a descrição “Obra: Colocação de rufos e guleiros chaminés no telhado ...”, trabalhos prestados em 25-02-2002, no valor de €299,90;
ll. Denominada “34”, com a descrição “Obra: Colocação de rufos e guleiros chaminés n telhado ... e caleiras exteriores e condutores”, trabalhos prestados em 20-08-2002, 19-10-2009, 29-10-2009, 30-10-2010, 04-11-2010 e 05-11-2010, no valor de €574,80; e,
mm. Denominada “35”, com a descrição “Obra: ... – Reparação e substituição de coluna água Reparação de fugas de água”, trabalhos prestados em 23-10-2009, 20-02-2010 e 25-06-2013, no valor de €318,90.
5. Os trabalhos supra descritos sob facto provado 4. foram realizados por conta da ré, que os aceitou sem qualquer reclamação.
6. Os trabalhos supra descritos sob factos provados 4.ff., 4.gg., 4.hh., 4.ii., e 4.kk. foram realizados em imóvel propriedade do companheiro da ré.
7. Os trabalhos supra descritos sob factos provados 4.a., 4.b., 4.c., 4.d., e 4.e. foram realizados na morada de habitação da ré.
8. Após a apresentação das folhas de obra supra referidas em 4., autora e ré acordaram que o pagamento seria realizado parcelarmente, e justificado contabilisticamente com emissão de facturas.
9. Em 20-11-2018, a ré entregou à autora a quantia de €1.000,00, em numerário, e por conta dos trabalhos supra descritos em 4.
10. Em 29-11-2018, a autora emitiu factura n.º ..., no valor de €936,03, a pronto pagamento, constando como devedora a ré, sendo que o parcial de €615,00 desta factura é por conta dos trabalhos supra descritos em 4.
11. Em 06-12-2018, a ré entregou à autora o montante de €1.700,00, em numerário, e por conta dos trabalhos supra descritos em 4.
12. Em 07-12-2018, a ré entregou à autora o montante de €615,00, por transferência bancária, e por conta dos trabalhos supra descritos em 4. e que constam também da factura descrita em 10.
13. A autora, no dia 07-12-2018, emitiu a factura n.º ..., no montante de €642,90, que a ré pagou por transferência bancária.
14. Desde pelo menos o mês de Janeiro de 2019 a solicitação de novos serviços nos imóveis da ré passaram a ser efectuados à autora pela filha da ré.
15. Em 20-12-2019 a autora, através do seu mandatário, remeteu à ré missiva escrita na qual transmitia o seguinte, naquilo que aqui releva:
«[…] tenho presente as contas que esta, em 19/11/2018, lhe apresentou em por serviços de pichelaria, prestados em vários imóveis de V. Exª., que importaram em € 23.648,85, acrescido de IVA.
Como sabe, desse valor foram efectuadas, por Vª Exª, três entregas por conta, uma em 20-11-2018 (€ 1.000,00), outra em 06-12-2018 (€ 1.700,00) e a última em 07-12-2018 no montante de € 500,00.
Está, assim, em dívida a importância de € 20.448,85, a que acresce o respectivo IVA, que é um valor relevante para a sociedade que represento.
[…]
Assim, solicito a V. Exª. que me informe, no prazo de 10 dias, quais as condições em que pretende efectuar esse pagamento, definindo o montante e a periodicidade de cada prestação a que se propõe.
A falta de resposta a esta carta será entendida como recusa de pagamento.»
16. À comunicação anteriormente descrita sob facto provado 15., em 28-11-2019, a ré remeteu ao mandatário da autora missiva escrita na qual transmitia o seguinte, naquilo que aqui releva:
«Acuso a recepção da sua comunicação, datada de 20 de Novembro, cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção.
Deduzo, que a mesma tenha sido enviada por alguma falta de formação da sua constituinte.
Todos os serviços prestados pela s/cliente à minha pessoa encontram-se totalmente liquidados.
Não sou assim devedora à sua cliente e um cêntimo sequer.
Aliás, sempre liquidei todos os serviços prestados, no momento em que as facturas me foram apresentadas, logo após a conclusão dos serviços.»
17. Em 30-12-2019, a autora emitiu a factura n.º ..., no valor de €5.526,51, a pronto pagamento, constando como devedora a ré, e integrando as folhas de obra supra mais bem descritas sob factos provados 4.a a 4.e.
18. Em 30-12-2019, a autora emitiu a factura n.º ..., no valor de €22.940,73, a pronto pagamento, constando como devedora a ré, e integrando as folhas de obra supra mais bem descritas sob factos provados 4.f a 4.mm.
19. Em 06-01-2020, a autora remeteu à ré missiva escrita, acompanhada das facturas descritas sob factos provados 17. e 18., na qual transmitia o seguinte, naquilo que aqui releva:
«Junto enviamos as n/faturas nº ... e ... referentes aos serviços prestados na v/ residência e nos prédios arrendados, respectivamente, assim como cópias das fichas de obras, já entregues oportunamente a V. Exas.
Anexamos também a declaração referente ao valor recebido em numerário, pago por V. Exas, após a entrega das folhas de obra.
Mais informamos que não foram incluídas na n/ fatura nº 280368 as folhas de obra nº 2, 3 e 14, no valor total de 504.75€, pois já tinham sido facturados 500.00€. conforme V/ instruções, incluídos na n/ fatura nº ..., já entregue.
Conforme combinado, esperávamos o pagamento e dados para facturar, o que afinal não se veio a verificar, deste modo agradecemos o favor de liquidar o valor em débito das facturas conforme abaixo discriminado.
Fatura nº... – 5.526.51 € Fatura nº 280368 – 22.940,73€
S/entrega -2.700.00 €
Valor em falta 2.826.51 €»
20. Em 16-01-2020, a ré devolveu à autora as facturas descritas sob factos provados 17. e 18., por missiva escrita, e na qual transmitia o seguinte, naquilo que aqui releva:
«Acuso a recepção da vossa comunicação, datada de 06 de Janeiro, cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção.
Deduzo, que a mesma me tinha sido enviado por lapso, uma vez que conforme já referi ao nosso advogado nada vos devo.
Todos os serviços prestados pela vossa empresa encontram-se totalmente liquidados.»
21. O filho do gerente da autora sofreu de cancro, com prognóstico médico de viver cerca de 1 ano após o diagnóstico em 2013, vindo a falecer em 2020.
22. A ré teve conhecimento da doença do filho da gerente da autora referido supra em facto provado 21.
23. A ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua fonte de rendimentos.
24. A ré não tem problemas de tesouraria.
25. A ré é conhecida como pessoa correcta e boa pagadora.
*
2.2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) A ré pagou as obras supra referidas no facto provado 4., de forma integral e imediatamente a sua entrega.
b) A autora elaborou e entregou à ré o conjunto de folhas de obra referidas no facto provado 4. em 19-11-2018.
c) As reparações supra referidas no facto provado 4. eram pedidas pelos arrendatários da ré com carácter de urgência.
d) O atraso na elaboração das facturas supra referidas nos factos provados 17. e 18. teve como causa única e exclusiva a doença do filho do gerente da autora referida no facto provado 22.
e) A ré várias vezes solicitou à autora que apresentasse as contas das obras realizadas e que ainda estavam por liquidar.
f) Após o pagamento supra referido no facto provado 11. a ré transmitiu à autora que não tinha capacidade financeira para liquidar de forma integral o valor em dívida.
*
2.3. Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados e não provados, teve por base a análise crítica do conjunto dos elementos de prova concatenada entre si e com as regras da experiência comum, sob o princípio da livre apreciação da prova, como determina o art. 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Concretizando.
Em primeiro lugar é de atender que as partes concordaram com os factos provados 1., 2., 3., 13., 14., 15., 16. e 20. supra, como se retira do alegado sob 1º a 3º, 19º, 21º, 25º, 26º e 32º da petição inicial, os quais foram expressamente aceites sob 4º da contestação.
Atendendo ao acordo das partes quanto àqueles factos, os mesmos são de julgar plenamente provados e excluídos do princípio da livre apreciação da prova, como se extrai dos arts. 46.º e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil e 356.º n.º 1, e 358.º, n.º 1, do Código Civil.
A matéria alegada e confessada pelas partes foi, contudo, expurgada do seu conteúdo conclusivo ou de direito, resumindo-os ao estrito conteúdo fáctico subjacente, sendo isso especialmente evidente nos factos provados 15., 16. e 20., o que se fez com base nos documentos a que se refere naqueles factos confessados e que constam dos autos.
Os factos provados 4., 10., 12., 17., 18., 19. e 20. resultam, pelo menos parcialmente, dos seguintes documentos juntos aos autos: o facto 4. dos documentos de fls. 9-37 v. (as referidas folhas de obra); o facto 10. do documento de fls. 38-38 v. (a factura e as folhas de obra em causa); o facto 12. do documento de fls. 39 (o comprovativo de transferência bancária); o facto 17. do documento de fls. 46-49 v. (a factura e as folhas de obras em causa); o facto 18. do documento de fls. 52-77 (a factura e as folhas de obras em causa); o facto 19. do documento de fls. 78-79 v. (a carta); e o facto 20. do documento de fls. 80 (a carta).
Ora, os documentos ante referidos, bem como todos os demais juntos com os articulados nestes autos, não foram impugnados pela contraparte, pelo que constituem prova plena quanto à materialidade ou realidade das declarações neles apostas pelos respectivos autores, mas a exactidão ou o conteúdo compreendidos na declaração só são prova plena na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, isto é, na medida em que correspondam a confissão.
Neste sentido, na doutrina, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 02B717, datado de 18-04-2002, relator FERREIRA DE ALMEIDA, Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1004/14.1T8FAR.E1, datado de 21-04-2016, relator PAULO AMARAL, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, e na jurisprudência, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código Civil Anotado, coordenação ANA PRATA, volume I, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2019, pp.499-500, que escreveu: «1. Uma vez estabelecida a veracidade da subscrição do documento particular pela pessoa a quem é atribuído, dela resulta a veracidade do respectivo conteúdo: o documento particular faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor (n.º 1). De âmbito mais restrito do que a força probatória do documento autêntico, a do documento particular nunca abrange os factos que nele sejam narrados como praticados pelo subscritor do documento ou como objecto da sua percepção directa: apenas as declarações, de ciência ou de vontade, nele constantes ficam documentalmente provadas. Por isso não há falsidade ideológica do documento particular. […]
2. O n.º 2 não contém uma norma de prova documental. Quando o documento contém uma declaração de ciência, esta fica provada documentalmente, mas a veracidade do seu conteúdo só fica provada se os factos forem contrários ao interesse do declarante, isto é, se a declaração feita constituir uma confissão. Quando o documento contêm uma declaração de vontade, também só esta fica documentalmente provada, seguindo-se os efeitos que lhe são próprios, nomeadamente os do negócio jurídico por ele constituído. O n.º 2 nada acrescenta aos regimes da prova por confissão e da declaração de vontade, negocial ou não negocial.»
Isto dito, não o Tribunal dúvidas que os documentos existiram nos termos expostos, mais não fosse por ser evidente a dialéctica de envio de uma parte e de resposta da outra.
Em relação aos factos provados 4. e 5., para além da prova documental já referida, o Tribunal atentou na circunstância da ré ter admitido expressamente a realização das obras identificadas pela autora.
Por relevante, escreve-se na contestação:
«7.º
Na verdade, efectivamente a Autora prestou diversos serviços à Ré.
8.º
Serviços esses que consubstanciam em pequenas reparações que a Autora fez, em imóveis propriedade da ré.
9.º
A Ré, no final de cada intervenção realizada pela Autora, sempre realizou o pagamento imediato dos serviços prestados, uma vez que a Autora assim o exigia.»
Os citados artigos da contestação constituem uma confissão judicial, nos termos e para os efeitos dos arts. 352.º e 356.º, n.º 1, do Código Civil, o que tem força probatória plena contra a própria ré, como dispõe o art. 357.º, n.º 1, do Código Civil.
Em consequência, teve o Tribunal de julgar esses factos como provados.
De qualquer modo, assim não tivesse sido, não se deixe de referir que a prova relevante produzida em audiência final, em especial as declarações de parte da ré e da sua filha DD, não colocou em causa que aquelas obras foram realizadas, nas datas e pelos valores apostos nos documentos, nem levantou dúvidas que as obras foram plenamente recebidas pela ré.
Os factos provados 6. e 7. resultam dos próprios documentos que lhe estão na base, isto é, as folhas de obra juntas ao suporte físico do processo de fls. 9 v.-12 v., 33-35 v. e 36 v., e assim foi confirmado de forma pacífica pelas partes inquiridas em audiência final (o representante legal da autora e a ré) bem como por DD (filha da ré).
Atendendo ao especial conhecimento que estas pessoas têm daqueles factos, e de nos seus depoimentos, os três, aceitarem como pacífica aquela realidade, o Tribunal não tem qualquer dúvida que os dois factos provados aqui em crise correspondem à verdade.
O facto provado 8. é inferido dos demais factos provados. Temos por assente que as obras foram realizadas e não foram pagas, e que transcorreu um largo curso de tempo entre a realização das obras e sua interpelação para pagamento.
Tudo leva a crer que o razoável efectivamente é que as partes tenham acordado em pagamentos parcelares, e que tenham também acordado na elaboração de facturas parcelares para o efeito, porquanto, sendo a autora uma sociedade comercial com contabilidade organizada tem forçosamente de justificar fiscalmente a origem dos pagamentos (bem como a tempestividade da elaboração das facturas e do pagamento do IVA), e também tem a ré vantagens em pagar parcelarmente a dívida e em justificar fiscalmente as despesas, para abater aos seus rendimentos, caso esteja em regime fiscal relevante.
E, na verdade, a tese do acordo foi exposto pelo gerente da autora, que, pela sua verosimilhança, o Tribunal se convenceu que assim foi.
Já os factos provados 9., 11. e 12. correspondem a factos alegados pela autora sob 14º, 16º e 17º da petição inicial, e que lhe são negativos, porquanto – e como infra melhor se expõe – correspondem ao ónus probatório da ré (o pagamento), nos termos dos arts. 342.º, n.º 2, e 799.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, os referidos artigos da petição inicial acomodam uma confissão judicial, nos termos e para os efeitos dos arts. 352.º e 356.º, n.º 1, do Código Civil, o que tem força probatória plena contra a própria autora, como dispõe o art. 357.º, n.º 1, do Código Civil.
De referir ainda que a ré não colocou em causa aquelas confissões, muito pelo contrário, sempre se defendeu afirmando o pagamento da dívida sub judice.
Por seu lado, os factos provados 21. e 22. foram, em primeira linha, avançados por FF (sócio-gerente da autora em declarações de parte) e pela sua esposa EE (sócia da autora em prova testemunhal).
Contudo, a existência do problema de saúde dos sócios da autora foi confirmado pela ré (que reconheceu esse conhecimento) e pelas testemunhas CC, GG, HH, e DD (esta filha da ré, o que reforça a verosimilhança do conhecimento), não ocorrendo, em consequência, qualquer razão para o Tribunal duvidar do facto em crise.
Já quanto ao facto provado 23., mais pormenorizadas explicitações se impõem, até porque foi quanto a este facto que o Venerando Tribunal da Relação do Porto determinou a reabertura do julgamento e que fosse concedido às partes a faculdade de produzirem prova.
Desde logo refira-se que, na nossa opinião, trata-se de um facto complementar, que resultou da discussão da causa e as partes tiveram a oportunidade expressa de se pronunciar quanto ao mesmo, logo é admissível ser conhecido pelo Tribunal na sua decisão, ao abrigo do art. 5.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil,
Na distinção entre factos essenciais e complementares, ensina RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2015, p. 26-27: «II. Dentro dos factos integradores de normas de procedência, há no plano do tratamento processual, que distinguir entre o núcleo essencial e os factos acessórios ou complementares.
O núcleo essencial é constituído pelos factos essenciais, ou seja, os “elementos típicos do direito que pretende fazer valer” […] É aquilo que LEBRE DE FREITAS, […], designa como “núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”, Por ex., a celebração do contrato de compra e venda na acção de cumprimento da obrigação de pagamento do preço; o facto, o nexo causal, o dano, a ilicitude e a culpa, na ação de indemnização.
Esta essencialidade substantiva corresponde a uma essencialidade processual: são os factos principais que identificam a causa de tal modo que permitem aferir de eventuais exceções de litispendência ou caso julgado. Além dos mais, a sua ausência no objeto processual determina a ineptidão, nos termos do artigo 186.º n.º 2 al. a) in fine. Por ex. há litispendência se for colocada uma outra ação pedindo o cumprimento mesma obrigação, derivada do mesmo contrato.
III. Por seu turno, os factos acessórios ou complementares concretizam ou qualificam os primeiros, conforme previsto nas normas de procedência (complementaridade intrínseca).
No plano processual, são todos os demais factos que integram a causa de pedir mas que, apesar disso, não individualizam a causa, nem a sua omissão dita a ineptidão. […]
Por ex: na ação de indemnização por dano extracontratual podem ser alegados na petição inicial tanto os factos principais ou típicos (facto, dano, nexo…) como já os que lhes sejam complementares como a medida do dano; a ação de condenação no cumprimento podem ser alegados tanto os factos principais ou típicos (celebração do contrato) como os factos que lhes sejam complementares, como a data e lugar do vencimento da obrigação.».
Quanto ao conhecimento de factos complementares, escrevem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, p. 28: «A consideração de factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem agora natureza oficiosa. Se isso não afasta a iniciativa da parte interessada, não é exigida a sua concordância para o efeito. Para Teixeira de Sousa, a solução de prescindir da concordância da parte “é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua actividade decisória um facto de que o tribunal tem conhecimento” […].»
Em consequência, e por ser um facto relevante na solução jurídica da causa, complementar na sua natureza, visto não individualizar a causa de pedir – como ante visto –, o Tribunal leva-o em consideração.
Avançando na sua análise, e genericamente, este facto resulta da prova testemunhal e por declarações de partes produzida na audiência final.
Concretizando, o gerente da ré, FF, a própria ré, BB, CC, e DD (filha da ré), afirmaram para além de qualquer dúvida que a ré é proprietária de uma larga quantidade de imóveis, apesar de não ter sido possível identificar um número em concreto.
E quanto à circunstância de ser o arrendamento de imóveis a actividade profissional da ré, e a sua exclusiva fonte de rendimentos, o Tribunal atentou no depoimento DD (filha da ré), que actualmente gere esses imóveis em nome da mãe e que confirmou que assim é.
A certeza do Tribunal quanto ao decidido sai especialmente reforçada pela prova documental junta pela própria ré sob Citius 34171384 de 15-12-2022. Na declaração de rendimentos de 2017, a ré declara os seus rendimentos como sendo € 3.705,97 a título de rendimentos do trabalho dependente e/ou pensões e € 542.193,21 a título de prestações de serviços e outros rendimentos (concretamente: rendimentos prediais, apresentados sob anexo F do modelo 3 da declaração anual de IRS). Na declaração de rendimentos de 2018, a factologia é semelhante: € 4.444,52 a título de rendimentos do trabalho dependente e/ou pensões e € 151.318,27 a título de rendimentos prediais.
Que ser senhoria é a profissão da ré também entendemos como ostensivamente evidente.
O que significa a palavra profissão?
Naquilo que releva, profissão vem definido como sendo:
- Ofício, emprego, ocupação, míster (PRIBERAM in https://dicionario.priberam.org/profiss%C3%A3o);
- Exercício habitual de uma actividade económica como meio de vida, ofício míster, emprego, ocupação (PORTO EDITORA in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/profiss%C3%A3o); e,
- Actividade remunerada que uma pessoa desempenha habitualmente num serviço ou numa empresa e que exige um certo grau de formação ou especialização (ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA in https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=profiss%C3%A3o).
Ou seja, e de forma mais operante para aquilo que cumpre decidir, profissão é a actividade desempenhada por uma pessoa e de onde provém o seu sustento (económico).
Isto dito, olhando para o ano de 2018 (e serve só como exemplo, pois tomando como boas as próprias afirmações da ré, os prédios advieram-lhe por herança aberta, a primeira, em 26-12-1985 e, a segunda, em 06-04-1993), vemos que a autora tem no mercado imobiliário de arrendamento 77 imóveis, com o valor patrimonial global de € 2.229.050,37, através dos quais facturou € 151.318,27.
Este património imobiliário gerido activamente no mercado de arrendamento é uma actividade comercial evidente.
Não devemos ignorar o que Portugal é. Em 2020, em Portugal, o volume de negócios médio de empresas (regularmente constituídas sob uma das formas admitidas pelo direito comercial) não financeiras foi de, somente, € 357.736,00 (veja-se: Instituto Nacional de Estatística, Empresas em Portugal 2020, disponível in https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=15413305&PUBLICACOESmodo=2, p. 21, e que corresponde aos dados mais recentes encontrados no site do INE). A ré, sozinha, tem um volume de negócios equivalente a metade da empresa portuguesa média; e não, o covid-19 não prejudica de forma tão significativa os dados, porque esse volume de negócios médio no ano de 2018 foi de € 380.796,00 (veja-se: Instituto Nacional de Estatística, Empresas em Portugal 2018, disponível no mesmo site).
Mais, os 77 imóveis urbanos detidos pela ré ultrapassam em muito um uso normal e individual para a realidade portuguesa (pelo menos, inscritos na matriz predial a favor da ré, e salvo algum erro de contagem do Tribunal são 77, mas se forem 80, 90, ou somente 70, 60 ou 50, tudo o que aqui se escreve mantem plena validade).
Ainda mais, os tais 77 imóveis não estão adjudicados a um uso pessoal, individual, ou particular da ré; mas, pelo contrário, estão no mercado de arrendamento, e pelo seu uso a ré cobra rendas.
E, também, desta quantidade de imóveis resulta, de forma notória, a constante necessidade encontrar novos inquilinos, cobrar rendas, receber reclamações, contratar serviços básicos, realizar obras nos prédios, pagar impostos, vigiar, e tudo o mais necessário à satisfação de tal número de clientes (arrendatários) e manutenção diária e extraordinária de número tão significativo de imóveis.
Com todos estes dados, é absolutamente cristalino que o rentismo predial é o modo de vida da autora (sem qualquer sentido pejorativo, pois quem vive de rendas ou rendimentos é rentista), visto corresponder à esmagadora maioria dos seus rendimentos (para deixar absolutamente evidente, no ano de 2017, 94% dos rendimentos da autora foram rendas prediais).
Em consequência, e mais uma vez, não subsistem dúvidas sobre esta realidade.
A circunstância da propriedade dos prédios lhe advirem por via sucessória e não por contrato de compra e venda ou usucapião é, de todo, irrelevante, pois em nada altera a natureza daqueles prédios, a actividade que a ré exerce com esses prédios, e os proveitos económicos que daí lhe advêm.
Não se ignora, mas, bem pelo contrário, acompanham-se as doutas alegações do ilustre mandatário da ré no sentido de existirem dificuldades de classificação como profissão de muitas outras actividades humanas: as actividades criminosas, as actividades não reconhecidas legalmente, a lide doméstica, os rendimentos de capitais, etc. Porém, a verdade é que a presente sentença não visa dar uma resposta universal a esta problemática, mas simplesmente analisar a realidade que se lhe apresenta, e quanto à actividade profissional rentista predial da ré não tem este Tribunal qualquer dúvida.
Por último, os factos provados 24. e 25. resultaram do depoimento de diversas testemunhas, em especial de II, JJ, DD e KK, que nesta parte realizaram um depoimento aparentemente sincero, verosímil, e que o Tribunal se convenceu que era verdade.
Das demais provas, em especial a testemunhal, atendendo ao seu depoimento indirecto e com desconhecimento da factologia que cumpria decidir, o Tribunal teve em pequena conta, reservando-a para um papel secundário de verosimilhança dos factos julgados como provados.
*
Os factos não provados a), b), c), d), e) e f) assim foram julgados porque relativamente aos mesmos não foi produzida prova suficiente para convencer o Tribunal da sua veracidade.
É verdade que foi produzida alguma prova em audiência final relativamente a estes factos, mas que se resumiu a prova demasiado interessada no desfecho da acção. Por um lado, o representante legal da ré, o seu sócio-gerente FF, e por outro lado, a filha da ré, DD, que para além da relação familiar evidente, é, segundo as próprias ré e testemunha declarante, a pessoa que actualmente assume a gestão dos arrendamentos dos imóveis da ré.
Nesta matéria, ambos depuseram de forma comprometida com os seus interesses, e, consequentemente, inverosímil.
Isto posto, para decidir os factos, tem o Tribunal de aplicar a regra da probabilidade prevalecente.
Como se escreve no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 585/13.1TCFUN-A.L1-7, datado de 17-10-2017, relator LL, disponível in www.dgsi.pt: «Em processo civil, o standard da prova é o da probabilidade prevalecente, segundo o qual deve escolher-se a hipótese fáctica que receba apoio (grau de confirmação lógica) relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.»
E mais se escreve de relevante neste aresto: «Pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i)- Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii)- Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.
Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica.»
Em desfavor do esforço probatório da autora é de sinalizar ainda que, como lhe pertence o ónus de prova da demonstração dos factos que preenchem o instituto da responsabilidade civil contratual (factos não provados b), c), d), e) e f)) e à ré cabe o ónus de demonstra o pagamento ou que esse pagamento não decorre de culpa sua (facto não provado a)), cf. arts. 323.º, n.º 1 e 2, e 799.º, n.º 1, do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil.
Não cumprindo o seu ónus probatório, deve o Tribunal decidir contra a parte interessada no facto. Na jurisprudência, e neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, datado de 17-12-2009, relator HÉLDER ROQUE, disponível in www.dgsi.pt: «I - As regras do ónus da prova reconduzem-se a regras de decisão, porquanto tem o ónus da prova aquela parte contra a qual, na dúvida, o juiz sentenciará, desfavoravelmente».
Por conseguinte, julgou o Tribunal estes factos como não provados.”
*
3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da nulidade da sentença por violação da alínea c), do nº 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
- Da impugnação da matéria de facto - alteração da decisão de apuramento de matéria de facto;
- Do mérito da decisão que considera que a ré tem de pagar à autora a importância de € 19.625,73, acrescida de juros de mora.
*
4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da nulidade da sentença
Arguiu, desde logo, a Apelante a nulidade da sentença recorrida prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Invocou, em síntese, a existência de contradições no apuramento de matéria de facto, bem como a omissão de fundamentação na valoração da prova testemunhal, considerando, ainda, que os fundamentos estão em oposição com a decisão.

Vejamos, então, se a sentença sob recurso é nula.
Ora, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
As causas de nulidade da sentença (ou despacho) estão taxativamente expressas nos artigos 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, designadamente em conjugação com os artigos 666º, n.º 1 e 679º.
Correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade e ou seu sentido decisório, e devem ser arguidas de harmonia com aquele primeiro preceito legal, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Constituem vícios intrínsecos da decisão, que, por serem considerados graves, comprometem a sentença ou o despacho, considerando-os peças imprestáveis, insusceptíveis de cumprirem minimamente o fim a que se destinam.
Dispõe a al. c) do n.º 1 do artigo 615º que a sentença (ou o despacho – artigo 613º, n.º 3) é nula quando os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A decisão é ambígua quando é equívoca, imprecisa, dúbia, podendo ter mais do que um sentido, deixando o intérprete sem saber o caminho que foi racionalmente seguido na fundamentação ou qual a deliberação efectivamente tomada; é obscura quando não é clara, é confusa, é difícil de entender, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal ou da racionalidade do seu discernimento jurídico.
De acordo com o referido normativo, a ambiguidade e a obscuridade só funcionam como causa de nulidade, se forem de tal modo graves que tornem a própria decisão proferida ininteligível, ou seja, incompreensível a um declaratário normalmente diligente e sagaz. Se assim não for, a decisão pode estar viciada, a merecer correcção, mas o vício pela sua menor gravidade, não justifica o decretamento da nulidade.
Dito isto, no caso dos autos, em nosso ver, não ocorre, ao contrário do que advoga a apelante, fundamento para sustentar-se que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância é obscura, ambígua, de tal ordem que a decisão nela proferida seja ininteligível.
Com efeito, a fundamentação de facto e de direito é clara e escorreita, sendo perfeitamente perceptível e inteligível para um declaratário normal, assim como é absolutamente perceptível e inteligível o sentido decisório acolhido a final na sentença proferida, qual seja a procedência parcial da presente acção e a consequente condenação da Ré/apelante no pagamento de parte do valor/preço em falta e por conta dos trabalhos/serviços executados pela Autora e no âmbito dos vários contratos de empreitada celebrados entre a mesma e a ora Ré/apelante ao longo dos anos em causa.
Naturalmente, a Ré/apelante pode dissentir do decidido, sustentando que, na sua perspectiva, outra deveria ter sido a decisão, de facto e/ou de direito, mas isso não torna a sentença obscura ou ambígua e a decisão ininteligível, pois que, repete-se, a sentença é perfeitamente clara quanto à sua fundamentação de facto e de direito, quanto ao raciocínio expendido pelo juiz do processo e quanto ao acolhimento parcial da pretensão da Autora quanto aos valores em dívida pela Ré, revelando-se esta decisão consequente e lógica com a fundamentação expendida pelo julgador.
Por outro lado, cumpre ainda, nesta matéria, salientar-se que a existência de eventuais erros de julgamento quanto à matéria de facto (alegada incompatibilidade entre factos provados e/ou factos não provados) ou, ainda, eventuais erros em termos de fundamentação jurídica da decisão – como invoca a Ré/apelante nas conclusões 3, 4, 7, 8, 13 e 14 do seu recurso - nada têm que ver com a nulidade a que alude o artigo 615º, n.º 1, alínea c), antes podendo gerar, cumpridos os ónus de impugnação da decisão de facto previstos no artigo 640º, do CPC, a alteração/modificação da decisão de facto e/ou a alteração da fundamentação jurídica, com a consequente revogação da sentença proferida.
De facto, salvo o devido respeito, a sentença não é ininteligível por o juiz decidir erradamente a matéria de facto ou a matéria de direito, ter analisado as provas incorrectamente ou, ainda, ter cometido algum eventual erro ou lapso na descrição dos factos provados e/ou na conjugação dos factos provados e/ou não provados.
A sentença é unívoca, o intérprete normal e razoável compreende-a bem, só que discorda da sua decisão, seja ao nível do facto, seja ao nível da subsunção jurídica nela perfilhada. É esta, verdadeiramente, a discordância da Ré/apelante, o que, repete-se, em nada contende com a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, enquanto vício (formal) por obscuridade ou ambiguidade que conduza a uma decisão ininteligível, ou seja, que um declaratário normal não perceba, não alcance ou não compreenda.
Apesar do que fica exposto, certo é, no entanto, que mesmo os pretensos vícios invocados pela Ré/apelante nas conclusões do recurso (e que delimitam o seu objecto) não existem ou não tem a consequência que a mesma deles pretende extrair para efeitos de nulidade do acto decisório.
Para além da ambiguidade ou obscuridade da fundamentação que torne ininteligível a decisão, prevê, ainda, a mesma alínea c) do n.º 1 do artigo 615º, como causa da nulidade da sentença a oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão.
Esta nulidade resultará dos próprios termos da sentença e está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, de fundamentar as decisões e, por outro lado, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Trata-se de um vício que compromete a decisão desde logo na sua construção.
A decisão perde a sua justificação ao apoiar-se ostensivamente numa base que, na realidade, não a sustenta. Os fundamentos constantes dela conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso e querido pelo juiz subscritor, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, bastante diferente, de tal modo que a decisão não é um acto considerado racionalmente sustentado; antes revela uma distorção do raciocínio que se impõe entre as premissas de facto e de direito e a conclusão.
Neste caso, a fundamentação jurídica há-de apontar num sentido enquanto o segmento decisório segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção claramente diferente.
Com efeito, como é pacífico, o vício (formal) da sentença previsto no normativo vindo de citar, é um vício de construção e exposição lógica do raciocínio do julgador, ou seja, em termos práticos, apenas ocorre quanto a fundamentação jurídica da decisão aponta em termos inequívocos num determinado sentido decisório (v.g., procedência da acção) e o decisório final é, surpreendentemente, o oposto (v.g., improcedência) ou, pelo menos, diferente daquele que, em termos lógicos, era o expectável e suposto no enquadramento jurídico invocado na fundamentação da sentença (ou despacho).
Neste sentido, como refere A. Varela, “ Manual de Processo Civil “, 2ª edição, pág. 670-671, a sentença reconduz-se, no seu traçado lógico essencial, a um verdadeiro silogismo, o denominado silogismo judiciário, silogismo este pode ser retratado em termos de nela a premissa maior ser a norma (s) aplicável ao caso, como premissa menor, a situação de facto respigada dos autos e, como conclusão, a decisão final proferida pelo juiz à luz das premissas aceites.
Daí que, como também referia o mesmo Ilustre Professor, op. cit., pág. 690, no domínio do anterior artigo 668º, n.º 1, alínea c) (correspondente ao actual artigo 615º, n.º 1, alínea c), nestes casos existe “ (…) um vício real do julgador (e não um simples lapsos calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. “ - cf., ainda, no mesmo sentido, por todos, F. Ferreira de Almeida, “ Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 370 ou, ainda, A. Abrantes Geraldes, P. Pimenta, L. Pires de Sousa, “ CPC Anotado ”, I volume, 2ª edição, pág. 763, nota 11.
Ora, neste enquadramento, compulsada a fundamentação jurídica da sentença recorrida, em especial quanto à aplicação da prescrição presuntiva prevista no artigo 317º, alínea b), do Cód. Civil quanto a uma parte do preço das obras cujo preço é reclamado nos autos e, ainda, quanto à aplicação do prazo de prescrição ordinária prevista no artigo 309º, do Cód. Civil quanto a outra parte do preço de outras obras em discussão nos autos, a mesma só podia conduzir (concorde-se ou não com tal fundamentação jurídica, pois que tal questão enquadra-se já na apreciação do mérito da própria sentença e não da sua correcção ou adequação formal), em termos lógico-dedutivos e racionais, à decisão de parcial procedência da presente acção, conforme nela veio a ser decretada a final.
Portanto, só se pode concluir que a decisão proferida é consequente e lógica com as premissas tidas por assentes na sentença, seja ao nível dos factos, seja da sua consequente subsunção jurídica, não ocorrendo, pois, qualquer vício na construção lógica da sentença e em termos de contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
É certo, insiste-se, que a Ré/apelante pode discordar da decisão extraída pelo juiz em 1ª instância, invocando que, na sequência da impugnação da decisão de facto por si deduzida e/ou no contexto da sua distinta interpretação do regime jurídico aplicável ao caso e, em especial, face à prescrição presuntiva que decorre do artigo 317º, alínea b), do Cód. Civil – e que considera aplicável no caso dos autos a todas as obras em referência -, outra deveria ter sido a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Todavia, como se alcança com meridiana clareza do antes exposto, esta divergência quanto ao julgamento de facto efectuado pelo Tribunal de 1ª instância e quanto ao mérito da própria fundamentação jurídica constante da sentença recorrida, nada tem que ver com qualquer vício lógico-dedutivo do julgador na elaboração da sentença e com qualquer contradição para efeitos do citado artigo 615º, n.º 1, alínea c), mas apenas com um eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito, que só pode ser sindicado nesse preciso contexto e não em sede de nulidade do acto decisório e enquanto vício lógico-formal do acto judicial em apreço.
Por conseguinte, à luz do antes exposto, improcede, sem mais considerações, a infundada arguição de nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância e para efeitos da previsão da alínea c) do n.º 1, do artigo 615º, do CPC.
Assim, impõe-se julgar improcedente a nulidade arguida.
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4.2. Da impugnação da Matéria de facto
A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto constante do ponto a) da matéria de facto não provada, bem como a matéria de facto constante do ponto 23), pretendendo que:
- seja dado como provado a matéria de facto constante do ponto a) da matéria de facto não provada, ou seja, “A ré pagou as obras suprarreferidas no facto provado 4., de forma integral e imediatamente a sua entrega.”;
- seja dado como não provado a matéria de facto constante do ponto 23), ou seja “A Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua fonte de rendimentos.”
Pretende, ainda, que sejam aditados os seguintes factos instrumentais à matéria de facto assente:
- “Os imóveis de que a Ré é proprietária foram adquiridos por sucessão hereditária.”;
- “No ano de 2017, a Ré obteve os seguintes rendimentos: 542.193,21 €, a título de prestações de serviços e outros rendimentos, 148.934,28 €, a título de rendimentos prediais e 3.705,97 €, a título de pensões.”;
- “No ano de 2018, a Ré auferiu a quantia de 151.318,27 €, a título de rendimentos prediais e 4.444,52 €, como rendimentos provenientes de pensões.”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma. É certo, todavia, que a impugnação apresentada apresenta várias deficiências uma vez que a Apelante não faz uma especificação devida e organizada dos meios probatórios convocados e não explicita de forma sistematizada os pontos de facto que pretende impugnar, o que, no entanto, não constitui suficiente óbice à sua apreciação.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Tendo presentes os elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
Conforme atrás referimos, a apelante pretende, desde logo, que a matéria de facto constante do ponto a) da matéria de facto não provada, seja considerada provada nos seguintes termos: “A ré pagou as obras suprarreferidas no facto provado 4., de forma integral e imediatamente a sua entrega.”
Quanto a este ponto o Sr. Juiz a quo apresentou a seguinte motivação:
“Os factos não provados a), b), c), d), e) e f) assim foram julgados porque relativamente aos mesmos não foi produzida prova suficiente para convencer o Tribunal da sua veracidade.
É verdade que foi produzida alguma prova em audiência final relativamente a estes factos, mas que se resumiu a prova demasiado interessada no desfecho da acção. Por um lado, o representante legal da ré, o seu sócio-gerente FF, e por outro lado, a filha da ré, DD, que para além da relação familiar evidente, é, segundo as próprias ré e testemunha declarante, a pessoa que actualmente assume a gestão dos arrendamentos dos imóveis da ré.
Nesta matéria, ambos depuseram de forma comprometida com os seus interesses, e, consequentemente, inverosímil.
Isto posto, para decidir os factos, tem o Tribunal de aplicar a regra da probabilidade prevalecente.”

“Em desfavor do esforço probatório da autora é de sinalizar ainda que, como lhe pertence o ónus de prova da demonstração dos factos que preenchem o instituto da responsabilidade civil contratual (factos não provados b), c), d), e) e f)) e à ré cabe o ónus de demonstrar o pagamento ou que esse pagamento não decorre de culpa sua (facto não provado a)), cf. arts. 323.º, n.º 1 e 2, e 799.º, n.º 1, do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil.
Não cumprindo o seu ónus probatório, deve o Tribunal decidir contra a parte interessada no facto.
Na jurisprudência, e neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 159/07.6TVPRTD.P1.S1, datado de 17-12-2009, relator HÉLDER ROQUE, disponível in www.dgsi.pt:
“I - As regras do ónus da prova reconduzem-se a regras de decisão, porquanto tem o ónus da prova aquela parte contra a qual, na dúvida, o juiz sentenciará, desfavoravelmente.
Por conseguinte, julgou o Tribunal estes factos como não provados”.
De resto, para fundamentar o seu desacordo, quanto ao apuramento dessa matéria de facto, a recorrente limitou-se a reproduzir parte do depoimento de uma das testemunhas, por si arrolada, DD, e de parte das declarações de parte do gerente da autora e de uma das testemunhas por esta arrolada, EE.
O Sr. Juiz a quo, como refere na sua fundamentação, no apuramento da matéria de facto na alínea a) dos factos não provados, considerou que, neste ponto, os depoimentos prestados quanto a estes factos, quer pelo sócio-gerente da autora, FF, quer pela filha da ré, DD foram depoimentos de “forma comprometida com os seus interesses, e, consequentemente, inverosímil”, raciocínio que acompanhamos atentos os laços que intercedem com as partes.
Por isso, o Sr. Juiz a quo considerou e bem ter de aplicar a regra da probabilidade prevalecente.
Parece-nos, pois, que o Senhor Juiz “a quo”, respondeu à matéria de facto em causa, ponderando devidamente os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte prestadas, esclarecendo quais as provas que o levaram a formar a sua convicção e explicou os motivos que o levaram a optar pelas respostas dadas.
A recorrente defende, ainda que a actividade desenvolvida por si não seja considerada como actividade profissional, pugnando que seja dado como não provado, que “A Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua fonte de rendimentos.”.
Porém, o Sr. Juiz “a quo” de forma minuciosa referiu que o facto 23 resulta da prova testemunhal e por declarações de parte e, ainda, na prova documental junta pela própria ré. Além disso, analisou criteriosamente o significado da palavra profissão concluindo que “é a atividade desempenhada por uma pessoa e de onde provém o seu sustento (económico)”. E citou artigos científicos e estatísticos que sustentam o entendimento sufragado.
Tem sido entendimento dos tribunais superiores, por ex. o acórdão proferido em 06/06/2013, do Tribunal de Relação de Évora, publicado no site http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/dbaa7f352dc521a680257ba500552d03?OpenDocument, que explica que “o erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório ou evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial, mas excluindo este”.
“Avançando na sua análise, e genericamente, este facto resulta da prova testemunhal e por declarações de partes produzida na audiência final.
Concretizando, o gerente da ré, FF, a própria ré, BB, CC, e DD (filha da ré), afirmaram para além de qualquer dúvida que a ré é proprietária de uma larga quantidade de imóveis, apesar de não ter sido possível identificar um número em concreto.
E quanto à circunstância de ser o arrendamento de imóveis a actividade profissional da ré, e a sua exclusiva fonte de rendimentos, o Tribunal a quo atentou no depoimento DD (filha da ré), que actualmente gere esses imóveis em nome da mãe e que confirmou que assim é.
A convicção do Tribunal quanto ao decidido sai, ainda, reforçada pela prova documental junta pela própria ré sob o requerimento com a ref. citius 34171384 de 15-12-2022.
Com efeito, na declaração de rendimentos de 2017, a ré declara os seus rendimentos como sendo € 3.705,97 a título de rendimentos do trabalho dependente e/ou pensões e € 542.193,21 a título de prestações de serviços e outros rendimentos (concretamente: rendimentos prediais, apresentados sob anexo F do modelo 3 da declaração anual de IRS). Na declaração de rendimentos de 2018, a factologia é semelhante: € 4.444,52 a título de rendimentos do trabalho dependente e/ou pensões e € 151.318,27 a título de rendimentos prediais.
Que ser senhoria é a principal profissão da ré também entendemos como ostensivamente evidente.
O que significa a palavra profissão?
Naquilo que releva, profissão vem definido como sendo:
- Ofício, emprego, ocupação, míster (PRIBERAM in https://dicionario.priberam.org/profiss%C3%A3o);
- Exercício habitual de uma actividade económica como meio de vida, ofício míster, emprego, ocupação (PORTO EDITORA in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/profiss%C3%A3o); e,
- Actividade remunerada que uma pessoa desempenha habitualmente num serviço ou numa empresa e que exige um certo grau de formação ou especialização (ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA in https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=profiss%C3%A3o).
Ou seja, e de forma mais operante para aquilo que cumpre decidir, profissão é a actividade desempenhada por uma pessoa e de onde provém o seu sustento (económico).
Isto dito, olhando para o ano de 2018 (e serve só como exemplo, pois tomando como boas as próprias afirmações da ré, os prédios advieram-lhe por herança aberta, a primeira, em 26-12-1985 e, a segunda, em 06-04-1993), vemos que a autora tem no mercado imobiliário de arrendamento 77 imóveis, com o valor patrimonial global de € 2.229.050,37, através dos quais facturou € 151.318,27.
Este património imobiliário gerido activamente no mercado de arrendamento é uma actividade comercial evidente.
Não devemos ignorar o que Portugal é. Em 2020, em Portugal, o volume de negócios médio de empresas (regularmente constituídas sob uma das formas admitidas pelo direito comercial) não financeiras foi de, somente, € 357.736,00 (veja-se: Instituto Nacional de Estatística, Empresas em Portugal 2020, disponível in https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=15413305&PUBLICACOESmodo=2, p. 21, e que corresponde aos dados mais recentes encontrados no site do INE). A ré, sozinha, tem um volume de negócios equivalente a metade da empresa portuguesa média; e não, o covid-19 não prejudica de forma tão significativa os dados, porque esse volume de negócios médio no ano de 2018 foi de € 380.796,00 (veja-se: Instituto Nacional de Estatística, Empresas em Portugal 2018, disponível no mesmo site).
Mais, os 77 imóveis urbanos detidos pela ré ultrapassam em muito um uso normal e individual para a realidade portuguesa (pelo menos, inscritos na matriz predial a favor da ré, e salvo algum erro de contagem do Tribunal são 77, mas se forem 80, 90, ou somente 70, 60 ou 50, tudo o que aqui se escreve mantem plena validade).
Ainda mais, os tais 77 imóveis não estão adjudicados a um uso pessoal, individual, ou particular da ré; mas, pelo contrário, estão no mercado de arrendamento, e pelo seu uso a ré cobra rendas.
E, também, desta quantidade de imóveis resulta, de forma notória, a constante necessidade encontrar novos inquilinos, cobrar rendas, receber reclamações, contratar serviços básicos, realizar obras nos prédios, pagar impostos, vigiar, e tudo o mais necessário à satisfação de tal número de clientes (arrendatários) e manutenção diária e extraordinária de número tão significativo de imóveis.
Com todos estes dados, conforme bem se argumenta na decisão recorrida, afigura-se cristalino que o rentismo predial é o modo de vida da autora, uma vez que corresponde à esmagadora maioria dos seus rendimentos (para deixar absolutamente evidente, no ano de 2017, 94% dos rendimentos da autora foram rendas prediais).
De resto, a circunstância da propriedade dos prédios lhe advirem por via sucessória e não por contrato de compra e venda ou usucapião é, de todo, irrelevante, pois em nada altera a natureza daqueles prédios, a actividade que a ré exerce com esses prédios, e os proveitos económicos que daí lhe advêm.
Não se ignora existirem dificuldades de classificação como profissão de muitas outras actividades humanas: as actividades criminosas, as actividades não reconhecidas legalmente, a lide doméstica, os rendimentos de capitais, etc. Porém, a verdade é que a presente sentença não visa dar uma resposta universal a esta problemática, mas simplesmente analisar a realidade que se lhe apresenta, e quanto à actividade profissional rentista predial da ré também não temos dúvida.
Afigura-se-nos, assim, à luz do atrás referido, dever, pois, ser mantida a resposta dada ao referido ponto 23 da matéria de facto provada com uma pequena rectificação, nos seguintes termos:
“A Ré tem como actividade profissional o arrendamento de cerca de 40 imóveis dos quais é proprietária, sendo essa a sua principal fonte de rendimentos.”
Parece-nos, ainda, não se justificar o aditamento dos pretensos factos à matéria de facto por constituir matéria factual instrumental irrelevante para a boa decisão da causa.
Entendemos, assim, que o Senhor Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo.
Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.
Não esqueçamos, por fim, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.
Na realidade as observações feitas aos depoimentos prestados e à prova documental oferecida são pertinentes e acutilantes.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com excepção da rectificação atrás mencionada quanto ao ponto 23 dos factos provados.
*
4.3. Do mérito da decisão que considera que a ré tem de pagar à autora a importância de € 19.625,73, acrescida de juros de mora.
A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
Sustenta, desde logo, tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, excepto relativamente à rectificação operada do ponto 23 da matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Assim, no caso vertente, ao contrário do sustentado pela Apelante, também se nos afigura que à luz da factualidade provada conclui-se estarmos, nos autos, perante a sucessão de várias dezenas de contratos de empreitada acordados entre autora e ré.
Dispõe, quanto ao contrato de empreitada, o artigo 1207.º do Código Civil o seguinte: «Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.»
O contrato de empreitada, enquanto modalidade autónoma de prestação de serviço, pressupõe a vinculação do empreiteiro a realizar certa obra, a obter um resultado, mediante o pagamento de um preço.
São, assim, elementos essenciais do contrato de empreitada os seguintes (veja-se, a título de exemplo, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra processo n.º 4/04.4TBVNO.C2, datado de 11-03-2008, relator VIRGÍLIO MATEUS, disponível in www.dgsi.pt):
a. O acordo sobre a realização de certa obra;
b. Mediante um preço, ainda que apenas determinável; e,
c. Com autonomia do executante da obra em relação ao dono desta.
Está este contrato típico, por regra, abrangido pelo princípio da liberdade de forma fixado no artigo 219.º do Código Civil, sendo assim consensual e não formal.
Sem qualquer dúvida, é um contrato oneroso e sinalagmático, pois pressupõe o pagamento de um preço (pelos trabalhos realizados, pelos materiais da obra, ou por ambos) e existem obrigações recíprocas de ambas as partes do contrato, do dono da obra e do empreiteiro.
Quanto ao conceito de obra certa, a maioria da doutrina e jurisprudência nacionais sufragam uma visão restrita do conceito, abrangendo apenas a obra com um resultado corpóreo, excluindo, portanto, a obra intelectual. Existindo, porém, algumas divergências quanto a este entendimento restrito.
O preço não necessita de estar previamente determinado, mas ser determinável, como se retira da remissão expressa do artigo 1211.º para o artigo 883.º ambos do Código Civil.
O elemento da autonomia do executante da obra é o critério que permite distinguir este contrato de outros afins, em especial, do contrato de trabalho.
No caso vertente, ficou plenamente demonstrado que as obras descritas no facto provado 4. (todas as alíneas) foram realizadas por conta da ré e por esta recebidas.
Mas ficou por demonstrar o pagamento do correspondente preço pela ré.
Isto posto, cumpriu a autora com o seu ónus probatório ao demonstrar o facto constitutivo do seu direito, isto é, a entrega das obras (arts. 342.º, n.º 1, 406.º, 762.º, n.º 1, 1207.º, e 1208.º todos do Código Civil), mas soçobrou a ré em demonstrar o cumprimento das suas obrigações, isto é, o pagamento do preço ou que o incumprimento contratual não decorre de culpa sua, porquanto é esse o seu ónus, como dispõem os arts. 342.º, n.º 2, 406.º, 762.º, n.º 1, 799.º, n.º 1, 1207.º, e 1211.º, n.º 2 todos do Código Civil.
Em todo o caso sempre se dirá que, segundo o nosso entendimento, também bem decidiu o Tribunal a quo, ao entender que não ocorreria prescrição presuntiva relativamente aos serviços prestados mencionados na factura n.º ..., no valor de € 22.940,73, a pronto pagamento (facto provado 18).
Como dispõe o artigo 317.º, al.ª b), do Código Civil, prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
Pretende a Apelante que este preceito legal é aplicável na íntegra ao caso dos autos (desencadeando a prescrição presuntiva), dissentindo nesta parte da sentença, na qual foi considerado ter de improceder, em parte, a excepção deduzida da prescrição.
Como é sabido a razão de ser das prescrições presuntivas radica na circunstância de “as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, por via de regra, quitação, ou pelo menos não se conservar por muito tempo essa quitação” (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 795).
Assim, diversamente da prescrição extintiva - que tem na sua base razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor -, “a prescrição presuntiva tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/01/2009, proferido no processo 08B3032, in www.dgsi.pt.).
Destarte, a razão de ser das prescrições presuntivas “(…) encontra-se na circunstância de as obrigações a que se referem costumarem ser pagas em prazo curto e não ser usual exigir documento de quitação ou guardá-lo por muito tempo. Decorrido o prazo legal, presume a lei que o pagamento foi efectuado, dispensando o devedor da sua difícil prova, dada a ausência de recibo.
Pretende a lei, ao fim e ao cabo, nos casos que inclui no regime, proteger o devedor contra o risco de se ver obrigado a pagar duas vezes dívidas de que não é costume pedir ou guardar recibo ou que, elas próprias, habitualmente não constam de documento (…). Não extinguindo, em tais prescrições, o decurso do prazo, só por si, a obrigação do devedor, compreende-se que a sua eficácia se quede pela liberação deste do ónus da prova do cumprimento, destinando-se o prazo prescricional estabelecido na lei a fixar o momento a partir do qual passa a recair sobre o credor o ónus da prova em contrário da presunção de cumprimento” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2006, proferido no processo 06A3693, in www.dgsi.pt.).
Por isso, “considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as preveem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento (quando, pelas mais variadas razões, o devedor ao cumprir tem o cuidado de se munir, conservando-o, o recibo de quitação).
(…)
“Justifica-se assim se considere não ser aplicável o regime da prescrição presuntiva quando esteja subjacente ao crédito judicialmente exigido uma obrigação relativamente à qual é usual, contra o pagamento, emitir-se documento de quitação e bem assim quando é expectável (quer porque é usual e regra, quer porque é dever legal) que o devedor proceda à guarda e conservação de tal recibo de quitação – designadamente em casos em que o devedor tem a preocupação de exigir o recibo comprovativo do pagamento, conservando-o no seu arquivo contabilístico, mais ou menos organizado.
A inaplicabilidade do regime da prescrição presuntiva em tais casos assenta na consideração de que nenhuma tutela especial demanda o devedor, pois não corre o risco de ter de cumprir duas vezes (por estar impedido de comprovar, com o documento de quitação, a satisfação da obrigação) – nestes casos o devedor não tem qualquer dificuldade de prova do pagamento (o documento de quitação é exigido, é emitido e é conservado em arquivo contabilístico)” (cf. acórdão da Relação do Porto, de 23/02/2012, Proc. 154791/10.9YIPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.).
Bem se compreende, pela referida tipologia de razões, a diferenciação legal, na alínea b) do mesmo artigo 317.º do Código Civil, ao estabelecer presunção a favor das dívidas resultantes da aquisição de bens a comerciantes e industriais, mas excluindo-a quando tais bens se destinem ao exercício do comércio ou da actividade industrial do devedor (cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 485.). Neste âmbito, designadamente entre comerciantes ou sociedades comerciais, se a prova logo decorre da escrituração regular de cada um, a prescrição prevista naquele preceito legal (o da al.ª b) referida) não é aplicável a negócios celebrados entre tais comerciantes, no âmbito das respectivas actividades (cf. Acórdão da Relação de Évora, de 21/06/2007, processo 882/07-3, in www.dgsi.pt.).
À luz da razão de ser e finalidade que subjazem à figura da prescrição presuntiva, também perfilhamos o entendimento de que os atrás aludidos créditos reclamados no caso vertente relativos aos serviços prestados mencionados na factura n.º ..., no valor de € 22.940,73, não caberão na previsão da alínea b), do artigo 317.º, do Código Civil.
Com efeito, como resulta claramente da letra do artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, esta excepção à regra geral da prescrição aplica-se somente a créditos dos comerciantes sobre quem não seja comerciante, a quem não os destine ao seu comércio, ou ao seu exercício industrial.
No caso vertente, dúvidas não existem que a autora é comerciante, não fosse uma sociedade comercial sob a forma de sociedade por quotas, o que decorre dos artigos 13.º, ponto 2.º, do Código Comercial, e 1.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.
Conforme bem salienta o Tribunal a quo, resposta mais complexa é necessária do lado da ré/Apelante.
A ré/Apelante é uma pessoa singular (logo, a contrario, não é sociedade em nome colectivo, sociedade por quotas, sociedade anónima, sociedade em comandita simples ou sociedade em comandita por acções), e, também é pacífico, não consta dos factos provados que actue na qualidade de empresária em nome individual (art.º. 39.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio) ou de estabelecimento individual de responsabilidade limitada (criado pelo Decreto-Lei n.º 248/86, de 25 de Agosto).
Não sendo a ré comerciante, pelo menos num sentido estrito do termo, poder-se-á encontrar, de qualquer forma, abrangida pela protecção conferida pelo artigo 317.º, alínea b), do Código Civil?
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1987, pág. 285, citados na decisão recorrida, ensinavam que: «2. Os créditos dos comerciantes, por grosso ou a retalho, estão compreendidos na alínea b), desde que as coisas vendidas se não destinem ao comércio do devedor (ou porque ele não se dedique a tal comércio ou porque, dedicando-se destine a coisa para uso próprio, por ex.). É paralela a solução adoptada em relação aos industriais. Deixa de se aplicar a prescrição deste artigo, se a coisa prestada se destinava ao exercício industrial do devedor.
A palavra indústria está empregada num sentido amplo, pois se considera como tal o exercício de trabalhos ou a gestão de negócios alheios.»
E diz-nos Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, pág. 186, também citados na decisão recorrida, que «3. A alínea b) consagra duas hipóteses distintas. A primeira, relativa aos créditos de comerciantes pelos objectos vendidos a quem não tenha a qualidade de comerciante ou os não destine ao seu comércio, isto é, que extravasem da respectiva actividade profissional, como sucederá: v. g., se os objectos forem destinados a uso pessoal. A segunda, relativa aos créditos daqueles que exerçam profissionalmente, isto é, como modo de vida habitual, uma indústria ou actividade económica, pelas prestações de (de dare, de facere) que envolvam o fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas realizadas. O artigo já não é, no entanto, aplicável se a prestação realizada se destinar ao exercício industrial do devedor, isto é, v. g., se o serviço ou bem for destinado à indústria do devedor, à actividade que exerce como modo de vida habitual (por hipótese, se a máquina ou equipamento adquirido for necessário para o desenvolvimento da actividade económica do devedor ou se se destinar à revenda ou à transformação, no âmbito dessa actividade). De igual forma, ficam excluídos da previsão normativa os créditos emergentes da realização de trabalhos que estejam conexos com a actividade económica desenvolvida pelo devedor e que dela sejam pressuposto. O termo indústria deve ser interpretado em sentido amplo […].»
E, para coadjuvar na decisão, diz-nos o artigo 2.º, n.º 1, da 24/96, de 31 de Julho, que estatuiu a Lei de Defesa do Consumir que: «Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.»
No mesmo sentido aponta o Regulamento (UE) 2017/2394 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2017, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de protecção dos consumidores e que revoga o Regulamento (CE) n.º 2006/2004, e que no seu artigo 3.º apresenta as seguintes definições:
11) «Profissional», qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;
12) «Consumidor», qualquer pessoa singular que atue com fins que não se incluem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;»
Do que se vem expondo, conforme bem salienta o Tribunal a quo, entende-se que resulta à saciedade que a Lei fixa no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil um prazo curto de prescrição presuntiva, a favor do - que, actualmente, em linguagem coloquial e mesmo jurídica, se designa como - consumidor, em relações contratuais de pequena monta, e em que é prática corrente não existir prova documental das declarações negociais e, mesmo existindo, não é hábito a preservação de recibos de quitação (nem isso é inexigível).
E, a norma em causa assim tem sido interpretada.
De resto, o mesmo se defendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 3410/04, datado de 15-02-2005, relator COELHO DE MATOS, disponível in www.dgsi.pt, e com o qual se concorda: «Como é sabido, a razão de ser da prescrição presuntiva reside no facto de se tratar de créditos normalmente exigidos a curto prazo e prontamente satisfeitos pelo devedor, que muitas vezes nem sequer exige recibo, ou não o guarda. É normal o consumidor comum, não comerciante, não ter um arquivo para este tipo de documentos quando relacionados com a aquisição de objectos do consumo quotidiano. Já não é normal que o comerciante não faça contas a tudo o que se relacione com a sua actividade comercial e nessa medida não tenha as suas pastas onde arquiva tudo o que tem de entrar nas suas contas, para apurar o lucro, que é, ao fim e ao cabo, tudo o que daí retira. Já se compreenderá que o não faça em relação aos consumos pessoais.
E é aqui que está diferença. A prescrição presuntiva de curto prazo protege o consumidor comum. A sua inaplicabilidade entre comerciantes protege o seu comércio. Sendo esta a ideia base, então há-de ter-se em conta tudo o que se prende com a actividade comercial do comerciante; ou seja, não só a aquisição de produtos para revenda, ou transformação e venda, no âmbito da sua actividade, mas para tudo o que com ela esteja intimamente conexo.»
Reportando-nos ao caso vertente, e quanto às obras aqui em crise, é ostensivo, conforme bem se defende e argumenta na decisão recorrida, que a ré/Apelante não é uma mera consumidora, não fosse proprietária e tivesse arrendados cerca de 40 imóveis (vide factos provados 2. e 23.), largamente fora do padrão comum nacional, e é essa a sua actividade profissional porquanto tal actividade económica corresponde à sua principal fonte de rendimentos (vide facto provado 23.).
Assim, é razoável exigir à ré/Apelante que mantenha um registo suficientemente organizado de despesas e receitas quanto à sua actividade profissional de senhoria, quer para certeza do tráfego jurídico na sua relação com outros comerciantes e industriais, quer para quantificação dos seus rendimentos relevantes a título de impostos a pagar ao Estado.
Pelo contrário, conforme bem se refere na decisão recorrida, não seria equilibrado conceder uma protecção jurídica à ré, mesmo com o volume negócio decorrente de possuir todos aqueles imóveis em giro comercial, mas a uma imobiliária com 10 ou 20 imóveis em comércio já não, tudo, pelo simples facto, de a imobiliária ser uma sociedade comercial.
Assim, não sendo de aplicar o prazo prescricional do artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, é de aplicar, sem qualquer dúvida, o prazo regra fixado no artigo 309.º do Código Civil, ou seja, 20 anos.
Destarte, por ser datada de 27.09.2001 a obra mais longínqua no tempo (facto provado 4.ee.) e tendo a ré sido citada para a 18.05.2020, acto que interrompe o curso do prazo como dispõe o artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, não transcorreu o prazo de prescrição (e, ainda, sem prejuízo, das suspensões decorrentes da pandemia de covid-19, que aqui não se operam por desnecessidade).
Assim, relativamente à factura n.º ..., no valor de € 22.940,73, a pronto pagamento (facto provado 18), atento o atrás exposto, subsiste na ré a obrigação legal pelo seu pagamento.
Ainda, sobre aquela transacção comercial incide imposto sobre o valor acrescentado, a liquidar e a entregar à Fazenda Pública pela autora, como resulta dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
De resto, conforme bem se refere na decisão recorrida, é de atender que foram realizadas os seguintes pagamentos parciais: i) € 1.000,00 em 20.11.2018 (vide facto provado 9.); ii) € 1.700,00 em 06.12.2018 (vide facto provado 11.); e, iii) € 615,00 em 07.12.2018 (vide facto provado 12.), o quer perfaz o montante total de € 3.315,00.
Ademais, os referidos pagamentos não podem ser imputados às obras descritas sob factos provados 4.a., 4.b., 4.c., 4.d., e 4.e., porquanto, como anteriormente se expôs, quando ocorreram os pagamentos essas obrigações há muito tinham prescrito, e não resulta de qualquer prova produzida que a ré as tenha querido pagar em respeito à sua obrigação natural.
Assim, é a ré/Apelante devedora à autora/Apelada da quantia global de € 19.625,73, nos termos dos artigos 342.º, n.º 2, 406.º, 762.º, n.º 1, 799.º, n.º 1, 1207.º, 1208.º, e 1211.º, n.º 2 todos do Código Civil, sobre a qual incidem juros de mora à taxa comercial em cada momento em vigor, por se tratar de uma obrigação comercial como ante se expôs, a contabilizar desde o dia 16-01-2020 (e não 08-01-2020, como peticionado sob o artigo 39º da petição inicial, por ter ficado por demonstrar que tenha ocorrido a alegada reunião entre autora e ré, e pelo que é do conhecimento do Tribunal só existe prova de a ré ter sido interpelada para pagamento em 16-01-2020, como se extrai do facto provado 20.), tudo cf. artigos 804.º, n.º 1, e 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, e 102.º do Código Comercial.
De resto, não vislumbramos qualquer fundamento para que a actuação da autora configure uma situação de abuso de direito.
Como é sabido, o abuso de direito vem estatuído no artigo 334.º, do Código Civil, nos seguintes termos: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
Porém, da mera leitura dos factos provada, resulta por demonstrar qualquer comportamento da autora/Apelada que viole a boa-fé, os bons costumes, ou o fim social ou económico dos direitos em causa.
Conclui-se, assim, ser de manter a sentença em crise, confirmando a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.

Porto, 21 de Março de 2024
Paulo Dias da Silva
Isabel Ferreira
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)