PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
DIREITO À PROVA
Sumário

I - O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
II - O direito à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos do processo, mesmo que não tenham o respetivo ónus da prova.

Texto Integral

Processo nº 2886/22.9T8STS-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 2
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. João Maria Espinho Venade
2º Adjunto Juiz Desembargadora Dra. Isabel Rebelo Ferreira

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

Nos autos de processo de inventário facultativo por por óbito de AA, sendo interessado (cabeça de casal) BB para, foi proferido a 28-6-2023 despacho com o seguinte teor: «INCIDENTE DE RECLAMAÇÃO DE BENS
I. RELATÓRIO
Os interessados CC, DD e EE aduziram reclamação da relação de bens, consignando:
(i) Aos saldos bancários aí descritos é necessário subtrair a quantia de € 3.870,00, despendida com o funeral da Falecida AA;
(ii) Não aceitam a totalidade da verba 3, porquanto a falecida AA apenas era dona de €21.666,67, ou seja, 1/3 da verba 3;
(iii) Não aceitam a existência da verba 4, 5 e 6, 9 a 16;
(iv) Falta relacionar os direitos ao uso de uma campa e de uma capela;
(v) Falta relacionar uma dívida à sociedade A..., Lda, no montante de €3.674,01, relativa a trabalhos no jazigo e capela.
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O cabeça de casal BB respondeu, admitindo a existência dos direitos referentes à campa e jazigo e impugnando o demais vertido na reclamação..
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II.
SANEAMENTO

O tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade. O processo é idóneo e inexistem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes titulam personalidade e capacidade judiciárias, possuem legitimidade ad causam e afiguram-se legalmente representadas.
Não há outras nulidades, nem exceções dilatórias passíveis de conhecimento.
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III.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

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A) Factos provados
Enumeram-se como demonstrados os seguintes factos pertinentes para a boa decisão do incidente:
1. No dia 11 de agosto de 2021 faleceu AA, no estado de viúva, com residência na Travessa ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso.
2. À data indicada em 1), a conta de depósitos à ordem n.º ..., do Banco 1..., S.A. apresentava o saldo de três mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
3. À data enunciada em 1), a conta ... com o n.º ..., do Banco 1..., S.A., apresentava o saldo de vinte e cinco mil onze euros e setenta cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
4. À data indicada em 1), a ... n.º ..., no Banco 2..., S.A., apresentava o saldo de sessenta e seis mil euros, consignando-se como titulares da mesma a antedita AA, DD e EE.
* B) Factos não provados
5. À data mencionada em 1), a sobredita AA detinha os seguintes bens: a) 15.000,00€ (quinze mil euros) em numerário;
b) Um anel de homem em ouro, grosso, com pedras brilhantes, com o valor de trezentos euros; c) Um anel de homem em ouro, grosso, com pedras brilhantes, com o valor de trezentos euros; d) Um fio de volta fina com um coração, em ouro, com o valor de quinhentos euros;
e) Um fio grosso com uma medalha, em ouro, com o valor de quinhentos euros; f) Um cordão de três voltas com uma libra, em ouro, com o valor de mil euros; g) Um par de brincos em ouro, com o valor de cem euros;
h) Um alfinete de gola, em ouro, com o valor de cem euros;
i) Um anel de mulher em ouro, com uma pedra, com o valor de cem euros; j) Um anel de mulher em ouro, com uma pedra, com o valor de cem euros; k) Uma aliança de mulher em ouro, com o valor de cento e cinquenta euros.
6. Com referência ao jazigo e capela localizados no cemitério de ..., foi pago à sociedade A..., Lda o montante de €3.674,01 relativo a trabalhos executados no mesmo.
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C) Motivação

A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada das declarações do interessado FF, em concatenação com a valoração dos extratos, informações e declarações bancárias e do orçamento, sopesados à luz das regras probatórias legalmente tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objetivamente cognoscitivo e dialeticamente valorativo.
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No que se refere ao interessado FF, limitou-se a denegar genericamente a existência de numerário na habitação da falecida e a abordar a pretérita doação de diversas peças em ouro relacionadas, sendo que, relativamente às que foram objeto de reclamação, não foram produzidas provas passíveis de indicar que as mesmas existiam na esfera da inventariada.
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Os extratos, informações e declarações bancárias ínsitos nos autos prefiguram-se eivados de consistência e parametrização fundamentante, enunciando com plausibilidade que:
i) a conta de depósitos à ordem n.º ..., do Banco 1..., S.A. apresentava o saldo de três mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
ii) a conta ... com o n.º ..., do Banco 1..., S.A., apresentava o saldo de vinte e cinco mil onze euros e setenta cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
iii) a ... n.º ..., no Banco 2..., S.A., apresentava o saldo de sessenta e seis mil euros, consignando-se como titulares da mesma a antedita AA, DD e EE.
Enfatize-se que, com referência â predita ..., o Banco 2... sublinhou que o valor existente na mesma foi proveniente de liquidações de Depósitos a Prazo que constavam na antedita conta, titulada na proporção de 1/3, pela falecida anteriormente identificada, soçobrando contraprovas.
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O orçamento aduzido pelos reclamantes, emitido pela sociedade A..., Lda, afigura-se insuficiente quer para atestar a concretização do serviço, quer para enunciar o respetivo pagamento, sendo que não fora produzidas outra provas iluminantes.
Em decorrência do supra acervo probatório, no que concerne ao facto 1), valorou-se o assento de óbito.
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No que se atem aos factos 2) a 4), sopesaram-se os extratos, informações e declarações bancárias nos termos preditos, inexistindo contraprovas.
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No que concerne ao facto 5), decaiu a comprovação testemunhal e documental do mesmo. *
No que se refere ao facto 6), ante a claudicância do orçamento deduzido pelos reclamantes e à míngua de outras provas, naufragou ostensivamente a demonstração do mesmo.
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III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO e de DIREITO

O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de realizar-se partilha judicial, a relacionar os bens que constituem objeto da sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança.
Em decorrência, no que se refere especificamente à legitimidade para intervir em processo de inventário, a mesma estriba-se no conceito normativo de interessados na partilha, o qual abrange os herdeiros, os legatários, os donatários e os credores, nos termos previstos, sendo que, em decorrência igualmente do estatuído no art.º 2101.º/1, do Código Civil, só os herdeiros titulam o direito de ação inerente ao inventário, i.e., o interesse exclusivo e qualificado na partilha do acervo hereditário, incumbindo aos demais um direito de intervenção no processo para defender as suas posições jurídicas.
Acresce que, nos termos dispostos no art.º 2131.º, do Código Civil, se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos, elencados por classes no art.º 2133.º/1, do mesmo código, sendo que o cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens (art.º 2133.º/2 do CC).
Em consonância com o plasmado no art.º 2024.º, do Código Civil (CC), a sucessão é o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.
Não constituem objeto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei (art.º 2025.º CC).
A sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato (art.º 2026.º do CC).
A sucessão legal é legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor (art.º 2027.º do CC).
Os sucessores são herdeiros, os que sucedem na totalidade ou numa quota do património do falecido, e legatários, os que sucedem em bens ou valores determinados (art.º 2030.º do CC).
A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (art.º 2031.º do CC).
Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (art.º 2032.º/1 do CC).
Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei (art.º 2033.º/1 do CC).
O domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material (art.º 2050.º do CC).
O processo de inventário, visa, assim, a partilha de uma universalidade hereditária, não se prefigurando como um estrito processo de partes.
Concomitantemente, incumbe ao cabeça-de-casal aduzir a relação de bens da herança, sendo que os demais interessados podem deduzir reclamação, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha.
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In casu, no que se refere às verbas 1) e 2), atestaram-se os saldos relacionados, pelo que se impõe a sucumbência da reclamação.
Concomitantemente, no que tange à verba 3), presume-se que a inventariada AA, DD e EE comparticipam em partes iguais no crédito imanente ao saldo bancário, em convergência com o plasmado nos arts. 513.º e 516.º, do Código Civil, presunção que não foi elidida, pelo que se postula o relacionamento tão-só do montante correspondente a 1/3 do saldo, i.e., 22.000,00€.
Ademais, naufragou a comprovação da existência das verbas 4) a 6) e 9) a 16), demandando-se a sua exclusão, sendo que o passivo advogado pelos reclamantes sucumbiu outrossim, impondo-se o aditamento dos direitos atinentes ao uso da campa e da capela.
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IV.
DISPOSITIVO
Pelo supra exposto, decide-se:
A) Determinar a retificação do valor da verba 3), consignando-se 22.000,00€ (vinte e dois mil euros) de saldo titulado pela inventariada;
B) Determinar a exclusão das verbas 4) a 6) e 9) a 16);
C) Determinar o aditamento dos direitos atinentes ao uso da campa e da capela; D) Indeferir o demais peticionado.
Custas imputadas aos reclamantes e ao cabeça de casal nas quotas respetivas de 1/3 e 2/3, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.º 527.º/1 e 2, do Código de Processo Civil e art.º 7.º/4 e tabela II, do Regulamento das Custas Processuais).
Notifiquem-se os interessados para, no prazo de 20 dias, se pronunciarem com referência à forma da partilha, nos termos consignados no art.º 1110.º/1, al. b), do Código de Processo Civil…»(sic).
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Inconformado com tal decisão, veio o apelante interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado, e com efeito suspensivo
O apelante com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:
1ª Vem o presente recurso do douto despacho de saneamento proferido pelo Meritíssimo Juiz “a quo” em 28 de junho de 2023 (Refª CITIUS 449493901);
2ª Por ter dado como provado que o dinheiro existente na conta relacionada na verba 3) da relação de bens, pertence 1/3 à inventariada AA, 1/3 à interessada DD e 1/3 à interessada EE;
3ª O ora recorrente, Cabeça de Casal, relacionou tal conta pela totalidade, uma vez que o dinheiro nela existente pertencia exclusivamente à inventariada AA, sua mãe;
4ª Os interessados CC, DD e EE reclamaram da relação de bens, alegando que, relativamente à verba nº 3), a conta no Banco 2... está titulada pela inventariada e pelas interessadas DD e EE, pelo que apenas 1/3 pertencia à inventariada AA;
5ª O ora recorrente respondeu a essa reclamação e, no que importa à verba nº 3), manteve a posição de quo o dinheiro pertencia na totalidade à inventariada AA, pois as interessadas DD e EE nunca tinham aportado qualquer valor a essa conta;
6ª E, para prova da sua alegação, requereu a notificação do Banco 2..., SA para identificar a origem do dinheiro existente nessa conta;
7ª O Meritíssimo Juiz “a quo” deferiu esse requerimento probatório e ordenou a notificação do referido Banco para prestar as informações solicitadas, tendo, para o efeito, o Cabeça de casal dado permissão;
8ª Depois da realização da inquirição da testemunha indicada por si, em 12 de junho de 2023, foi o ora recorrente notificado da informação prestada pelo dito Banco;
9ª Que informou que o valor existente na conta relacionada na verba nº 3) foi proveniente da liquidação de Depósitos a Prazo que constavam na mesma (sublinhado nosso), titulada na proporção de 1/3 pela falecida anteriormente identificada;
10ª Mais referiu o Banco 2... que a proveniência foi por liquidação total do DP ..., em 23/5/2019, pelo valor de € 16.000,00 e por liquidação total do DP ..., em 26/6/2019, pelo valor de € 50.000,00, o que deu origem à constituição do Depósito a Prazo ... nº ..., em 26/6/2019, no valor de € 66.000,00;
11ª O ora recorrente pronunciou-se sobre o mesmo, atempadamente, conforme seu requerimento de 26/6/2013 (refª CITIUS 45953063), no qual alegou que essas operações foram meras alteração do tipo de produto bancário em que os valores foram aplicados, pelo que nada comprova sobre a origem inicial dos valores existentes nessa conta.
12ª E requereu, em nome da descoberta da verdade material, que fosse novamente notificado o Banco 2..., SA, para informar os autos da proveniência daqueles depósitos a prazo e para comprovar o rasto do dinheiro, desde a sua entrada em conta titulada pela inventariada, Srª AA;
13ª A informação prestada pelo Banco 2..., SA não corresponde ao que lhe foi solicitado, pois refere apenas movimentos dentro da mesma conta e não a origem inicial e forma da constituição da conta, designadamente a proveniência dos valores que estiveram na origem da sua constituição;
14ª Sobre este requerimento, secundado por requerimento do interessado FF, não recaiu qualquer despacho do Meritíssimo Juiz “a quo” que, pura e simplesmente, o ignorou, dele fazendo tábua rasa;
15ª Dois dias depois da entrada daquele seu requerimento para produção de prova adicional, em 28 de junho de 2023, o Meritíssimo Juiz “a quo” proferiu o despacho de saneamento de que ora se recorre, no qual, entre outros factos, deu como provado: “4. À data indicada em 1) (11 de agosto de 2021) a ... nº ..., do Banco 2..., SA, apresentava o saldo de sessenta e seis mil euros, consignando-se como titulares da mesma a antedita AA, DD e EE.”
16ª Na motivação desse despacho, o Meritíssimo Juiz “a quo” consignou; “Enfatize-se que, com referência à predita ..., o Banco 2... sublinhou que o valor existente na mesma foi proveniente da liquidação de Depósitos a Prazo que constavam da antedita conta (sublinhado nosso) titulado na proporção de 1/3 pela falecida anteriormente identificada, soçobrando contraprova.”
17ª E, na fundamentação de facto e de direito, o Meritíssimo Juiz “a quo” escreveu: “Concomitantemente, no que tange à verba 3, presume-se que a inventariada AA, DD e EE comparticipam em partes iguais no crédito imanente do saldo bancário em convergência com o plasmado nos artigos 513º e 516º do Código Civil, presunção que não foi ilidida, pelo que se postula o relacionamento tão só do montante correspondente a 1/3 do saldo, i.e., € 22.000,00.”
18ª Ao decidir que do dinheiro existente na conta relacionada na verba 3), apenas 1/3 pertencia à inventariada, considerando não ter sido ilidida a presunção da titularidade conjunta, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1110º do Código de Processo Civil, uma vez que ainda não se encontravam realizadas todas as diligências instrutórias necessárias que o habilitassem a resolver todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, estando em causa o valor de € 44.000,00;
19ª Pois o ora recorrente tinha atempada e fundadamente requerido produção de prova documental, não havendo motivo legal para que o Meritíssimo Juiz “a quo” tivesse ignorado e desconsiderado tal requerimento, sobre o qual ainda nem sequer se pronunciou;
20ª O que configura clara violação da lei, por preterição do direito do ora recorrente de ver o processo devidamente instruído com a produção de todas as provas requeridas;
21ª Impedindo o conhecimento imediato do mérito da causa, porquanto o despacho em recurso não atendeu aos meios de prova apresentados;
22ª Mantendo-se tal despacho, levaria a errada descrição dos bens a partilhar, em claro prejuízo dos interessados que não a DD e a EE;
23ª Que veriam o seu património aumentado à custa dos demais interessados;
24ª O ora recorrente tem o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva (que decorre do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o qual impõe que seja assegurado a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a equidade do processo), que tem por consequência que, a par do direito à invocação dos factos relevantes, se permita a prova dos mesmos, sob pena de se ter um processo ineficaz e injusto (sem se apurarem os factos que fundamentam o direito, não se mostra possível o seu julgamento, com a competente aplicação das normas jurídicas);
25ª Impõe-se assim a revogação do supracitado despacho de saneamento, devendo os autos baixar à 1ª Instância para que o Meritíssimo Juiz “a quo” se pronuncie sobre o requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente e determine a notificação do Banco 2..., SA para prestar as informações completas solicitadas, designadamente qual o origem inicial do dinheiro existente na conta, de forma a permitir provar a alegação do ora recorrente de que as interessadas DD e EE nunca efetuaram qualquer depósito ou transferência para a constituição inicial daquela conta e de que o dinheiro existente nessa conta pertencia à inventariada AA, na totalidade.
FAZENDO ASSIM V. EXªS INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante é a seguint6e a questão a analisar:
Apurar se se deve determinar a realização da diligência de prova requerida e anular a decisão recorrida quanto ao segmento atinente á conta bancária referida.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto nos seguintes termos: «…. 1. No dia 11 de agosto de 2021 faleceu AA, no estado de viúva, com residência na Travessa ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso.
2. À data indicada em 1), a conta de depósitos à ordem n.º ..., do Banco 1..., S.A. apresentava o saldo de três mil seiscentos e quarenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
3. À data enunciada em 1), a conta ... com o n.º ..., do Banco 1..., S.A., apresentava o saldo de vinte e cinco mil onze euros e setenta cêntimos, consignando-se a predita AA como titular da mesma.
4. À data indicada em 1), a ... n.º ..., no Banco 2..., S.A., apresentava o saldo de sessenta e seis mil euros, consignando-se como titulares da mesma a antedita AA, DD e EE.
* B) Factos não provados
5. À data mencionada em 1), a sobredita AA detinha os seguintes bens: a) 15.000,00€ (quinze mil euros) em numerário;
b) Um anel de homem em ouro, grosso, com pedras brilhantes, com o valor de trezentos euros; c) Um anel de homem em ouro, grosso, com pedras brilhantes, com o valor de trezentos euros; d) Um fio de volta fina com um coração, em ouro, com o valor de quinhentos euros;
e) Um fio grosso com uma medalha, em ouro, com o valor de quinhentos euros; f) Um cordão de três voltas com uma libra, em ouro, com o valor de mil euros; g) Um par de brincos em ouro, com o valor de cem euros;
h) Um alfinete de gola, em ouro, com o valor de cem euros;
i) Um anel de mulher em ouro, com uma pedra, com o valor de cem euros; j) Um anel de mulher em ouro, com uma pedra, com o valor de cem euros; k) Uma aliança de mulher em ouro, com o valor de cento e cinquenta euros.
6. Com referência ao jazigo e capela localizados no cemitério de ..., foi pago à sociedade A..., Lda o montante de €3.674,01 relativo a trabalhos executados no mesmo.»

Deverá ter-se ainda em conta a seguinte factualidade que resulta da consulta do teor dos autos:
- BB, veio requerer que se proceda a inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de sua mãe, AA, tendo alegado em resumo que a inventariada faleceu no estado de viúva a 11/8/2021, e que o requerente é filho da falecida e que os outros filhos da falecida são: a) GG, casado com HH no regime de comunhão de adquiridos) FF, casado com II, c) CC, casado com JJ no regime de comunhão de adquiridos) DD, casada com KK no regime de comunhão de adquiridos, e) EE, casada com LL no regime de comunhão de adquiridos.
- O Cabeça de Casal juntou relação de bens e nomeadamente, relacionou, na verba nº 3 da relação de bens apresentada, “Saldo da ... nº ..., no Banco 2..., SA - € 65.000,00”.
- A 23-1-2022 CC, DD e EE, Interessados nos autos de Inventário Facultativo, por óbito de AA, vieram apresentar reclamação á relação de bens nos seguintes termos: «…Nos termos e com os fundamentos seguintes:
A) Bens Relacionados em Excesso:
1.º
Os Impugnantes aceitam a existência parcial das verbas n.º 1 e 2;
2.º
Aos saldos bancários aí descritos é necessário subtrair a quantia de € 3.870,00, despendida com o funeral da Falecida Rosalina – Doc. 1;
3.º
Pelo que, os saldos bancários descritos nas verbas 1 e 2 só ascendem, na globalidade e no máximo, a € 24.788,99 [ (25.011,70+3647,29= 28.658,99) – 3.870,00] e não a € 28.658,99;
4.º
Não aceitam a totalidade da verba 3, porquanto a falecida AA apenas era dona de € 21.666,67, ou seja, 1/3 da verba 3;
5.º
A referida conta bancária tem três titulares (falecida AA, Interessada DD e EE), pertencendo o saldo às três, em partes iguais, ou seja, € 21.666,67 a cada uma das três (65.000:3) – Docs. 2, 3 e 4;
6.º
Não aceitam a existência da verba 4, sendo certo que, em qualquer caso, a Impugnante DD não tem qualquer dinheiro em seu poder (ao contrário do indicado na relação de bens, parte final);
7.º
Não aceitam a existência das verbas 5 e 6, porquanto tais bens, de cariz estritamente pessoal, pertenciam exclusivamente ao pré-falecido MM (marido da Falecida AA e pai de todos os Interessados), que em vida os doou ao seu neto mais velho e afilhado (NN);
8.º
Aceitam a existência das verbas 7 e 8;
9.º
Não aceitam a existência das verbas 9 a 16, porquanto tais bens, exclusivamente de natureza pessoal, foram dados, em vida, pela Falecida AA às suas únicas filhas mulheres – DD e EE;
10.º
Todas as doações foram manuais e com dispensa de colação;
11.º
Eram bens de natureza feminina, com valor sentimental para a Falecida AA, pelo que fez questão de os dar às únicas filhas (mulheres);
B) Bens que Falta Relacionar:
12.º
O cabeça-de-casal não relacionou os seguintes bens:
(i) Direito ao uso de um terreno (campa) no Cemitério ..., com o n.º ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso – Doc. 5;
(ii) Direito ao uso de um espaço (capela) no Cemitério ..., com o n.º..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso – Doc. 6;
C) Dívidas da Herança não Relacionadas:
13.º
Dívida à sociedade A..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Zona Industrial ..., Rua ..., ... Guimarães, no montante de € 3.674,01 (€ 2.987,00 + iva), relativa a trabalhos nos bens descritos no número anterior (jazigo e capela) – Doc. 7.
Termos em que, deve a presente reclamação ser julgada procedente, por provada…»
- O cabeça de casal junta resposta a 28-2-2023 nos seguintes termos: «…BB, Cabeça de Casal, notificado da reclamação à relação de bens apresentada pelos interessados CC, DD e EE, apresenta a seguinte RESPOSTA:
1. Mantém as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens, conforme foram relacionadas.
2. O funeral foi pago, em parte, pelo subsídio atribuído pela segurança social, recebido pela interessada DD,
3. E o restante foi pago pelo interessado CC com dinheiro que a inventariada tinha em casa.
4. Mantém a verba nº 3 da relação de bens, conforme foi relacionada.
5. Com efeito, todo o dinheiro existente nessa ... pertencia apenas à inventariada.
6. Uma vez que essa conta foi aberta com dinheiro da inventariada, aquando da morte do seu marido, proveniente doutra ..., que pertencia à inventariada e a seu marido.
7. Nunca tendo as interessadas DD e EE depositado nessa conta qualquer quantia sua.
8. Apenas fazendo parte da conta para mais fácil movimentação.
9. Mantém a verba nº 4 da relação de bens, conforme foi relacionada.
10. Mantém as verbas nºs 5 e 6 conforme foram relacionadas, desconhecendo a doação referida em nº 7 da reclamação, da qual só agora ouviu falar.
11. Sendo certo que o neto da inventariada, NN, faleceu antes do avô MM e este tinha consigo os anéis no funeral do neto.
12. Mantém as verbas nºs 9 a 16 conforme foram relacionadas.
13. Desconhece a doação referida em nºs 9, 10 e 11 da reclamação, da qual só agora ouviu falar.
14. Relativamente ao alegado em nº 12 da reclamação (falta de relacionação de bens), o Cabeça de Casal não relacionou os direitos ao uso de espaços no cemitério por entender que tais direitos, por serem objeto de concessão pública, estão fora do comércio jurídico privado.
15. No entanto, caso V. Exª pugne por entendimento contrário, o Cabeça de Casal vai relaciona-los em anexo.
16. Não aceita a pretensa dívida da herança à sociedade A..., Lda, referida em nº 13 da reclamação.
17. Na verdade, aquando da morte da inventariada, no momento de abertura da sua herança, não existia qualquer dívida.
18. O que se comprova pelo facto do orçamento junto como documento nº 7 ter a data de 2022, quando a abertura da herança ocorreu em 2021!
19. E o Cabeça de Casal, como administrador da herança, não contratou qualquer serviço no jazigo do qual tenha que prestar contas.
20. Aliás, o Cabeça de Casal desconhece a realização de quaisquer obras, das quais não são apresentadas quaisquer faturas.
21. Mesmo que tivessem sido efetuadas, nunca seriam da responsabilidade da herança, porque posteriores à sua abertura, mas sim de quem as tivesse
realizado. Termos em que conclui pela improcedência da reclamação.
PROVA:
A) DOCUMENTAL:
a. Requer a V. Exªs a notificação do Banco 2..., S.A., agência de Santo Tirso, na Avenida ..., ..., ... Santo Tirso, para informar os autos de qual a proveniência dos € 65.000,00 existentes na ... nº ..., designadamente, quando e de que outra conta foi transferido esse montante e quem eram os titulares da conta de origem.
b. Requer a V. Exª a notificação da interessada DD para vir aos autos informar quando e quanto recebeu da Segurança Social a título de subsídio de funeral da inventariada….».

- Foi proferido a 6/3/2023 nos autos o seguinte despacho: «…I.
Determina-se que o cabeça de casal, no prazo impreterível de 10 dias, carreie para os autos declaração subscrita que contemple a autorização para que o Banco 2..., S.A., sucursal de Santo Tirso, preste as informações requeridas com referência à proveniência dos €65.000,00 existentes na conta ... nº ... (quando e de que outra conta foi transferido esse montante e quem eram os titulares da conta de origem).
**
II.
Após a antedita junção, determina-se que o Banco 2..., S.A., no prazo de 10 dias, preste as sobreditas informações (remeta-se cópia da predita declaração).
**
III.
Determina-se que a interessada DD, no prazo de 10 dias, enuncie o montante que recebeu do Instituto da Segurança Social, I.P. a título de subsídio de funeral da inventariada.
Notifique…».

- O cabeça de casal juntou aos autos a 16/3/2023 requerimento no qual refere: «…BB, Cabeça de Casal, notificado para o efeito, requer a junção aos autos da declaração de autorização para prestação de informações bancárias pelo Banco 2..., SA..»

- Foi enviado oficio do seguinte teor: «…Assunto: Fica notificado, na qualidade de Interveniente Acidental, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho de que se junta cópia para informar os autos de qual a
proveniência dos € 65.000,00 existentes na ... nº ..., designadamente, quando e de que outra conta foi transferido esse montante e quem eram os titulares da conta de origem…»

- O Banco junta oficio a 28-3-2023 com o seguinte teor (o qual foi notificado ás partes): «…V/ Ofício: ...
Banco 2..., S.A., … na sequência do v/ ofício em referência, vem, pelo presente, informar o seguinte:
Com a autorização expressa, do cabeça de casal da herança da Sra. AA relativamente às informações solicitadas, no âmbito do processo nº 2886/22.9T8STS, informar que, o valor existente na ... nº ..., é proveniente de liquidações de Depósitos a Prazo que constavam na mesma conta, titulada na proporção de 1/3, pela falecida anteriormente identificada…»

- Seguidamente foi proferido a 25-5-2023 despacho com o seguinte teor: «..Designa-se o dia 12 de junho de 2023, às 14 horas, para a prestação dos depoimentos do cabeça de casal e do interessado FF no âmbito do incidente de reclamação da relação de bens…»

- A 30-5 o Banco junta oficio com o seguinte teor: «..Banco 2..., S.A., …na sequência do v/
ofício em referência, vem, pelo presente, informar o seguinte:
Reiterar, o referido na resposta desta Instituição bancaria, datada de 28/03/2023 com a refª “N/ Ref: DAJC/AB-2023-0459” e com a autorização expressa, do cabeça de casal da herança da Sra. AA, informar que, o valor existente na ... nº ..., foi proveniente de liquidações de Depósitos a Prazo que constavam na mesma conta, titulada na proporção de 1/3, pela falecida anteriormente identificada.
Ou seja,
Liquidação Total do DP ..., em 23/05/2019, no valor de € 16.000,00 (dezasseis mil euros).
Liquidação Total do DP ..., em 26/06/2019, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
Constituição Depósito a Prazo ... nº ..., em 27/06/2019, no valor de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros). ».

- A 12-6-2023 foi feita a inquirição e nessa mesma data foi enviada notificação ás partes do teor do predito oficio enviado pelo banco.

- O cabeça de casal juntou requerimento a 26-6-2023 com o seguinte teor: «…BB, Cabeça de Casal, notificado da informação prestada pelo Banco 2..., SA., vem expor e requerer a V. Exª o seguinte:
1. Informa o Banco 2... que o valor existente na ... nº ..., relacionada nos presentes autos (verba nº 3) foi proveniente da liquidação de depósitos a prazo que constavam na mesma conta, titulada na proporção de 1/3 pela inventariada.
2. E especifica que o valor dessa ... teve origem na liquidação integral do DP ..., em 23/05/2019, no valor de € 16.000,00 e na liquidação integral do DP ..., em 26/06/2019, no valor de € 50.000,00.
3. Ora, estas operações foram meras alterações no tipo de produto bancário em que os valores foram aplicados, pelo que nada comprovam sobre a origem inicial dos valores existentes nessa conta.
4. É assim necessário, em nome da descoberta da verdade material, notificar novamente o Banco 2..., S.A., para informar os autos da proveniência daqueles depósitos a prazo e para comprovar o rasto do dinheiro, desde a sua primeira entrada em conta titulada pela inventariada, Srª AA…».

- O interessado FF na mesma data de 26-6-2023, junta requerimento a subscrever o predito requerimento do cabeça de casal
- A 28-6-2023 é proferida a decisão recorrida.
- Não foi proferido qualquer despacho relativamente ao requerimento do cabeça de casal de 26-6-2023 e do interessado GG.

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

O apelante Cabeça de Casal refere que relacionou, na verba nº 3 da relação de bens apresentada, “Saldo da ... nº ..., no Banco 2..., SA - € 65.000,00”. E que os interessados CC, DD e EE apresentaram reclamação à relação de bens que, quanto à verba nº 3, foi do seguinte teor: “Não aceitam a totalidade da verba nº 3, porquanto a falecida AA era dona de € 21.666,67, ou seja, 1/3 da verba 3; a referida conta bancária tem 3 titulares (falecida AA, interessada DD e EE) pertencendo o saldo às 3, em partes iguais, ou seja, € 21.666,67 a cada uma delas (€ 65,000:3).
Alega que na resposta á reclamação pugna pela consideração de que todo o dinheiro dessa conta pertencia á sua mãe inventariada nos termos acima referidos e requereu a produção de prova documental nos seguintes termos: “Requer a V. Exª a notificação do Banco 2..., S.A., agência de Santo Tirso, na Avenida ..., ..., ... Santo Tirso, para informar os autos de qual a proveniência dos € 65.000,00 existentes na ... nº ..., designadamente, quando e de que outra conta foi transferido esse montante e quem eram os titulares da conta de origem.”
O tribunal deferiu essa diligência e foi realizada a 12 de junho de 2023, a inquirição da testemunha indicada pelo Cabeça de Casal, sendo que, e resulta que foi enviada notificação nessa data do teor do segundo oficio do banco.
Nessa informação, o Banco 2... veio dizer que o valor da conta da verba 3 foi proveniente da liquidação de Depósitos a Prazo que constavam na mesma, titulada na proporção de 1/3 pela falecida anteriormente identificada.
Mais referiu o Banco 2... que a proveniência foi por liquidação total do DP ..., em 23/5/2019, pelo valor de € 16.000,00 e por liquidação total do DP ..., em 26/6/2019, pelo valor de € 50.000,00, o que deu origem à constituição do Depósito a Prazo ... nº ..., em 26/6/2019, no valor de € 66.000,00.
Refere que perante o predito oficio juntou a 26/6/2013 requerimento (refª CITIUS 45953063) no qual alegou que essas operações foram meras alteração do tipo de produto bancário em que os valores foram aplicados, pelo que nada comprova sobre a origem inicial dos valores existentes nessa conta. E requereu, em nome da descoberta da verdade material, que fosse novamente notificado o Banco 2..., SA, para informar os autos da proveniência daqueles depósitos a prazo e para comprovar o rasto do dinheiro, desde a sua entrada em conta titulada pela inventariada, Srª AA.
Alega que sobre este requerimento, secundado por requerimento do interessado FF, não recaiu qualquer despacho do Meritíssimo Juiz “a quo” que, pura e simplesmente, o ignorou, dele fazendo tábua rasa e foi proferida a decisão recorrida no dia 28/6/2023 (dois dias após o seu requerimento a pedir diligências de prova adicionais).
Alega que face à informação do Banco 2..., SA, da qual constavam operações realizadas dentro da mesma conta e não a origem inicial dessa conta, o ora recorrente requereu que esse Banco prestasse novas e mais completas informações sobre a origem do dinheiro, designadamente de que outras contra proveio de início e não de meras operações tituladas dentro da mesma conta.
Conclui que o tribunal recorrido violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1110º do Código de Processo Civil, uma vez que, relativamente à verba nº 3, ainda não se encontravam realizadas todas as diligências instrutórias necessárias que habilitassem o julgador a resolver todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, estando em causa o valor de € 44.000,00. E que a não consideração do requerimento probatório atempadamente apresentado pelo ora recorrente constitui clara preterição do seu direito a ver o processo devidamente instruído com a produção de todas as provas requeridas, o que constitui violação da lei.
Peticiona, assim a revogação do supracitado despacho de saneamento, no segmento referente à verba 3), devendo os autos baixar à 1ª Instância para que o Meritíssimo Juiz “a quo” se pronuncie sobre o requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente e determine a notificação do Banco 2..., SA para prestar as informações completas solicitadas, designadamente qual o origem inicial do dinheiro existente na conta, de forma a permitir provar a alegação do ora recorrente de que as interessadas DD e EE nunca efetuaram qualquer depósito ou transferência para a constituição inicial daquela conta e de que o dinheiro existente nessa conta pertencia à inventariada AA, na totalidade.
*
As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.
Nos termos do artigo 20 da Constituição da República a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegido, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
Esta acepção ampla do direito á jurisdição levou á consagração do direito a um processo equitativo que implica, por um lado a igualdade das partes (principio do contraditório e principio da igualdade de armas) e por outro lado á licitude das provas e fundamentação da decisão.
Pugnamos como Lebre de Freitas (in Introdução ao Processo Civil, 3 ed. pág. 124 a 125) de que á concepção restrita do princípio do contraditório (direito de pronuncia sobre o pedido e prova) substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade que garante uma participação efectiva das partes ao influírem em todos os elementos de facto ou provas ou questões de direito. Conforme refere Lebre de Freitas: «O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência á actuação alheia, para passar a ser influência no sentido positivo do direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.».(sic)
No plano da prova o princípio do contraditório exige que às partes seja facultada a proposição de todos os meios de prova relevantes e que a admissão das provas tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que se possam pronunciar sobre a apreciação das provas produzidas por si e pela parte contrária.
Conforme refere o citado autor (obra citada, pág. 175 a 177) a prova dos factos nos termos do artigo 411 do CPCivi deixou de ser monopólio das parte, tendo o juiz o dever de realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade (principio do inquisitório).
O princípio da aquisição processual (artigo 413 do CPcivil) e o princípio do inquisitório em matéria de prova (artigo 411 do CPC), faz com que a doutrina prefira denomina-lo ónus de iniciativa da prova, distinguindo-o do ónus da prova. A parte suportará as consequências desvantajosas decorrentes de não provar quer por sua iniciativa, quer por iniciativa da parte contrária ou oficiosa um facto que lhe é favorável.
Tal implica que ter o ónus da prova não significa que tenha o exclusivo da prova.
Estamos perante factualidade que exige prova documental a juntar eventualmente pelo Banco (dentro daquilo que tenha conhecimento) para ser demonstrada e que o tribunal não se pronunciou sobre o requerimento do cabeça de casal no qual o mesmo expressamente solicitou a realização de diligências de prova.
Pelo exposto, verificamos que o julgador devia-se ter pronunciado sobre o requerimento do cabeça de casal e determinado a realização da diligência de prova requerida.
A omissão do despacho ou notificação para juntar esse documento ou informação por parte do Banco, constitui nulidade processual porquanto trata-se de um acto que a lei prescreve como essencial ao bom julgamento da causa e caso não ocorra tem influência no exame ou na decisão da causa. Essa nulidade nos termos do artigo 662º nº 2 c) do C.P.C. é do conhecimento oficioso pela Relação.
Estamos perante a uma omissão que se revela essencial para a resolução do litígio, dado que se trata de factualidade controvertida e que poderá ser relevante face á necessidade de se considerar as várias posições jurídicas.
Assim, deve-se admitir a realização de prova tal como pedido pelo cabeça de casal.
***
V- DECISÃO

Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e, consequentemente; revoga-se a decisão recorrida na parte objecto do recurso, e determina-se a remessa dos autos á 1º instância a fim de prosseguirem os ulteriores trâmites, com a prolação de despacho se pronuncie sobre o requerimento do cabeça de casal quanto ao envio de novo oficio ao banco e se determine a sua notificação para dar resposta ao solicitado.
As custas serão a cargo da parte vencida a final (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Porto, 21/3/2024
Ana Vieira
João Venade
Isabel Ferreira