AÇÃO EXECUTIVA
LIQUIDAÇÃO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
PEDIDO
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário


I - A obrigação é ilíquida quando não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou do apuramento de factos que permitam a sua quantificação
II - Para que o processo executivo prossiga a sua normal tramitação tem o exequente de formular pedido líquido na execução, devidamente quantificado ou fixado, ou se o mesmo se for ilíquido, que proceda à respetiva liquidação, pois a tanto impõe o art. 716.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido”.
III - A sentença dada à execução condenatória do réu executado em montante líquido, mas que também reconhece que este é titular de créditos sobre o autor exequente de montantes ilíquidos, determinando a compensação destes créditos sobre o crédito da exequente, tem genérica ou ilíquida, nos termos do art. 609.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
IV - Não dependendo a liquidação da obrigação exequenda de simples cálculo aritmético, tal significa que, nos termos do art. 704.º, n.º 6, do CPC, a mesma só pode constituir título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do art. 716.º.
V - Não tendo sido instaurado o prévio incidente de liquidação, nos termos do art. 358.º e ss. do CPC, da sentença não resultando qual o quantitativo pecuniário em que se cifram os créditos da ré, não existe qualquer condenação da embargante a pagar um montante líquido.
VI - A sentença nestes moldes só será exequível na sua inteireza, quando realizada liquidação do crédito da executada, pois só aí se poderá saber qual o crédito da exequente, ou mesmo se este existe, só aí, ao fim de contas, se pode afirmar o crédito exequendo como líquido
VII - A liquidação enxertada na fase inicial da acção executiva, cujos trâmites implicam produção de prova e decisão judicial (de liquidação), está gizada para execuções fundadas em título executivo, diversos de sentença, de que conste obrigação pecuniária não liquidada, nem liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 4) bem assim para execuções baseadas em decisões judiciais ou equiparadas não envolvidas pelo regime específico do art. 358.º, n.º 2 (como sucede com indemnizações ilíquidas arbitradas em processo penal ou em procedimento cautelar) e ainda para execuções fundadas em decisões arbitrais que condenem em quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 5).
VIII - Não tendo a executada deduzido aquele incidente de liquidação dos créditos que lhe são reconhecidos na sentença, nos termos do art. 358.º e ss do CPC, limitando-se a deduzir oposição na consideração da iliquidez do crédito exequendo, ao abrigo do art. 729.º, al. e), do CPC, na impede que seja a exequente, tendo interesse nisso, a suscitar aquele incidente, com vista à liquidação dos créditos que a sentença reconheceu à executada, tendo em vista a “fixação do valor da obrigação genérica (quantum)”, só assim logrando a liquidação do seu próprio crédito, e a exequibilidade da sentença no seu todo.
IX - Sendo que a exequente disporá, em princípio, de elementos concretos de facto com vista a lograr tal liquidação, uma vez que, no caso, foi ela beneficiária das obras e trabalhos determinantes dos créditos da executada, não lhe sendo impossível ou sequer difícil apresentar meios de prova para o efeito, designadamente prova testemunhal e pericial, de onde possa concluir quanto aos valores líquidos daqueles créditos, ou documental, se necessário for requerendo que a parte contrária lhe forneça elementos nesse sentido, ao abrigo do art. 429.º do CPC, culminando a sua pretensão com a fixação de valores líquidos, que a executada ali ré virá a contraditar, desta lide resultando seguramente a quantificação dos contracréditos da executada embargante.

Texto Integral

A executada/embargante “Eurico Coutinho, Lda” veio deduzir embargos de executado contra a execução de sentença que lhe fora movida por QUINTA DAS VAZES, SOCIEDADE AGRÍCOLA, UNIPESSOAL, LDA, alegando, em síntese, que a decisão dada à execução não é líquida pois que a condenação não refere um valor concreto, nem sequer se há lugar a qualquer pagamento de um ao outro, de quem a quem, ou seja, a sentença na parte decisória é do seguinte teor: condenando a Ré a pagar à Autora a parte do crédito desta não compensado, se a houver, e, condenando a Autora a pagar à Ré a parte do crédito desta não compensado em montante a liquidar ulteriormente. Nessa sequência, alega que a condenação é em montante ilíquido e, como tal, pode inclusive não existir crédito, razão pela qual invoca que a sentença dada à execução como título executivo não é, imediatamente, exequível.

Por outro lado, alega que o crédito da executada sobre a exequente ascende ao montante de €4.428,00 (€3.600,00 + IVA) acrescido de juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção à Autora e, como declarou extintos os créditos, o crédito da Autora passou a ser de € 26.751,94 sendo certo que, para além disso, a sentença, ainda reconheceu que a Ré tem 3 direitos de crédito sobre a Autora, ilíquidos, relativos ao preço da reconstrução dos muros, pela reparação dos patamares e relativo ao preço dos trabalhos descritos de 75 a 82 e decidiu declarar a compensação de crédito da Ré com o da Autora, declarando extinta a divida da Autora para com a Ré, na parte correspondente ao valor do contra crédito da Ré sobre a Autora, este em montante a liquidar ulteriormente pelo que, o crédito da Autora sobre a Ré, está dependente da liquidação dos montantes que a Autora deve à Ré, não havendo, por isso, qualquer condenação da Embargante a pagar um montante líquido.

Mais alega que a condenação não determinou a aplicação da taxa de juros comerciais, mas os juros à taxa legal de 4% pelo que os juros de mora, se forem devidos, são os civis e não os comerciais, pelo que a liquidação, se fosse admissível, sempre estaria errada.

Concluiu pela procedência dos presentes embargos e consequente extinção da presente execução.

Notificada a exequente embargada, veio esta contestar, sustentando, em síntese, a exequibilidade e liquidez da obrigação exequenda, a possibilidade de exigir juros comerciais por estarmos perante um contrato de empreitada celebrado entre duas empresas (art.102.º do Código Comercial), assim como impugnou a matéria invocada pela executada no requerimento de embargos de executado.

Realizou-se audiência prévia e foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à possibilidade de o Tribunal conhecer imediatamente do mérito dos presentes autos, tendo ambas as partes dado por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, o teor dos articulados que juntaram aos autos.

Foi proferido saneador – sentença, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo procedentes, por provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, declaro extinta a execução, por inexequibilidade do título executivo.

…”.

APELAÇÃO

Inconformada com aquela decisão judicial, veio a embargada/exequente dela interpor recurso de apelação, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões:

Nos presentes autos a executada veio deduzir embargos de executado contra a aqui exequente/recorrente alegando que a decisão dada à execução não é líquida, que a condenação é em montante ilíquido e, que a sentença dada à execução como título executivo não é imediatamente exequível.

Todavia, a exequente/embargada/aqui recorrente não se pode conformar com a sentença proferida, por ter ocorrido erro de julgamento, ter ocorrido errada interpretação e aplicação de facto e de direito.

Resultou provado da sentença e acórdão que foi dado à execução, que houve condenação no pagamento de parte líquida a favor da exequente no montante de 31.179,94 (trinta e um mil cento e setenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Resulta provado dos autos que a exequente veio proceder à execução dos montantes líquidos a favor desta.

Resulta da sentença e acórdão que foi dado à execução, que houve condenação genérica e quantia ilíquida a favor da executada.

Consta como facto provado na sentença recorrida que, “o articulado de embargos de executado apresentados em juízo em 13/07/2022, a executada não veio proceder à respetiva liquidação dos créditos ilíquidos que lhe foram reconhecidos sobre a ora exequente na sentença que serve de título executivos aos autos principais de execução”.

A exequente intentou os autos principais de execução para pagamento de quantia certa contra a executada indicando como capital o valor de 31.179,94, acrescida de juros que liquida na quantia de 9.292,48, tudo num total de 40.472,42.

A exequente esclareceu e fez constar devidamente nos factos alegados no requerimento executivo, que pretendeu executar a parte líquida da sentença, ou seja, o seguinte segmento decisório: A) Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: i) Reconhecer/declarar que, a A./aqui exequente tem um direito de crédito sobre a Ré, aqui executada, no montante de 31.179,94 (alteração introduzida em sede de recurso), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Dispõe o art.609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja líquida”.

10ª Por outro lado, dispõe o n.º 6 do art.704.º do mesmo diploma legal que “Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º7 do artigo 716.º”.

11ª Esclarecendo o n.º 1 do art.716.º do CPC que “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, a exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido”.

12ª Contrariamente ao decidido na sentença em crise, tendo no processo declarativo sido proferida a sentença ora dada à execução, e ter reconhecido um crédito líquido à exequente e reconhecido um crédito ilíquido à executada, não estava a exequente impedida de vir executar a sentença na parte do seu credito liquido.

13ª O tribunal a quo ao ter decidido que o título executivo oferecido nos autos principais de execução pela exequente ainda não é exequível, nos termos do disposto no art.729º, alínea a) do Código de Processo Civil, e ao declarar extinta a execução, por inexequibilidade do título executivo, incorreu em erro evidente de interpretação com violação das normas legais aplicáveis ao caso concreto, acabando por tomar a decisão mais gravosa de extinguir a execução.

14ª Na contestação foi pela exequente alegado e esclarecido que veio executar é o segmento decisório da condenação da executada na parte líquida da sentença, e, portanto, exigível e exequível.

15ª Portanto, a exequente dando cumprimento ao estipulado no 1 e n.º 8 do art.º 716º do CPC, especificou no requerimento executivo, o crédito líquido que veio executar, no montante de 31.179,94 (trinta e um mil cento e setenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

16ª Esclarece o n.º 8 do artº 716º do CPC que, “se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente”. Da mesma forma que esclarece o n.º 6 do artº 704º do CPC que“Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º”.

17ª Entende-se ser inexigível à exequente que aguarde ad eternum que a executada venha tornar líquidos os créditos ilíquidos para que se opere a compensação.

18ª A executada não veio usar da faculdade prevista no n.º 9 do art.º 716º do CPC, ou seja, não veio na respetiva oposição proceder à respetiva liquidação nem alegou os factos necessários à liquidação do seu contra crédito, a fim de o tornar o seu alegado crédito líquido e exigível.

19ª Conforme o esclarecer Ac. TRP de 25.06.2013, processo 151/12.9T2OVR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt: Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, a fim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou prosseguimento da mesma, conforme o crédito da executada venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao credito exequendo, ou em montante inferior.

20ª A exequente é detentora de um crédito líquido, e não tendo a exequente meios para forçar a executada a proceder à liquidação do seu contra crédito, tem de se lhe reconhecer o direito à sua cobrança coerciva, mediante a instauração da presente execução.

21ª Tendo havido condenação genérica, nos termos do nº2 do artigo. 661º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida. n.º 2 do artº 609º.

22ª No caso em apreço, a executada não pode nos presentes autos, fazer valer um seu contra crédito, que se encontra por liquidar, porque embora se encontre reconhecido por sentença, logo não assiste direito à compensação de um crédito ilíquido, incerto e como tal inexigível, tanto que, não foram pela executada alegados os factos necessários à liquidação do seu contra crédito.

23ª Da mesma forma que a exequente não pode na execução formular pedido ilíquido, insuscetível de execução imediata, também a executada não pode invocar um contra crédito ilíquido sem proceder à respetiva liquidação, deduzindo o incidente prévio de liquidação no processo declarativo onde a sentença foi proferida, que o quantitativo da obrigação não se encontra determinado.

24ª E como se esclarece no Ac. TRP de 11.10.2001 processo 0131160 disponível em www.dgsi.pt: “estando em causa um crédito ilíquido, a compensação não tem de suspender o credito liquido do compensado até à liquidação do crédito compensaste. Essa função, suspensão da exigibilidade da obrigação cabe à exceção do não cumprimento do contrato e não à compensação, a qual tem mera eficácia extintiva”. (negrito e sublinhado nosso).

25ª A invocação de tal facto extintivo com a necessária liquidação da sentença teria de tido lugar necessariamente na oposição a deduzir a tal execução, por se tratar do meio idóneo à invocação de factos que constituam matéria de exceção e o meio adequado a fazer valer a sua pretensão de obstar ao prosseguimento da execução nos termos em que a mesma se encontra proposta, sendo que a sua não dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo.

26ª Ora, se a liquidez é a qualidade da obrigação que está quantitativamente determinada, sendo na medida do crédito liquidado que será determinada a extensão do património da executada, e se a exequente não pode na execução formular pedido ilíquido, sem proceder previamente à respetiva liquidação.

27ª Da mesma forma, não pode a executada vim invocar um contra crédito ilíquido sem que a obrigação esteja quantitativamente determinada sem proceder previamente à respetiva liquidação.

28ª Donde resulta que, encontrando-se o crédito da executada ilíquido e não tendo a executada procedido à liquidação da sentença no requerimento de oposição à execução, deveria a oposição à execução ser julgada totalmente improcedente por não provada, determinando-se o prosseguimento da execução.

29ª Com o devido respeito, o Tribunal fez uma errada interpretação e violação dos art.s 358º, 609º n.º2, 704º 6 e 716º n.º 1, 7, 8 e 9, todos do CPC.

30ª O tribunal a quo desconsiderou e não aplicou devidamente os citados preceitos legais, e desconsiderou a jurisprudência alegada e aplicável ao caso concreto.

31ª Deve, pois, ser revogada decisão de extinção da execução por inexequibilidade do título executivo e, substituída por outra, que julgue improcedente a oposição à execução e determine a prossecução da execução.

32ª Deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando, em síntese, pela manutenção da sentença.

Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida, vindo, porém, a ocorrer uma declaração de voto de vencido, com o seguinte teor:

“Com o devido e merecido respeito pela posição que obteve vencimento, voto vencida pelos fundamentos que, sumariamente, enuncio de seguida:

- A sentença dada à execução reconheceu dois créditos: uma da autora, ora exequente, e outra da ré, aqui executada.

- O primeiro tem a sua exacta medida logo determinada na aludida decisão, enquanto o valor do segundo depende parcialmente de prévia liquidação.

- Ao mesmo tempo, consagrou-se ali a possibilidade de haver lugar a compensação na medida do apurado.

- O direito da exequente só a ela lhe pertence e só por ela pode ser exercido.

- O mesmo se diga do da executada, cujo exercício está no inteiro domínio da sua disponibilidade, atenta a natureza estritamente patrimonial.

- Não pode ser imposto à parte que detém um crédito líquido que fique na inteira disponibilidade da outra que tem de o liquidar.

- Por outro lado, impor-lhe que liquide o crédito da contraparte viola, por um lado o direito desta última de exercê-lo quando e nos termos em que o desejar, se o desejar.

- E, por outro lado, a tal ónus, acresce - a nosso ver sem arrimo legal – a circunstância de também lhe ser exigível que, para o fazer, conheça factos que não são pessoais, nem tem obrigação de conhecer, sendo disso exemplo paradigmático e relevante ter de alegar o custo da reconstrução dos muros e reparação de patamares, que a executada suportou e que só ela conhece.

- Tais custos não perderam a qualidade de factos constitutivos do direito da executada.

- Perante todos estes considerandos, aderimos totalmente ao decidido no aresto da Relação do Porto, no processo 151/12.9T2OVR-A.P1, citado em sede de alegações, nos termos do qual «Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, a fim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou o prosseguimento da mesma, conforme o crédito do executado venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao crédito exequendo, ou em montante inferior», razão pela qual a executada «se quiser exercitar a sua pretensão à compensação na ação executiva que contra si é movida – a fim de alcançar a extinção ou a redução do crédito exequendo –, o executado terá necessariamente de o fazer mediante a dedução de oposição à execução na qual invoque tal exceção».

Revogaria, por isso, a decisão recorrida.”

REVISTA

Inconformada com aquela decisão, veio a exequente QUINTA DAS VAZES, SOCIEDADE AGRÍCOLA, UNIPESSOAL, LDA interpor o presente recurso de revista, oferecendo as respectivas alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

1ª Vem a recorrente interpor recurso de revista, do acórdão recorrido datado de 07.06.2023 que decidiu julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão a quo, com voto vencido, que julgou procedentes os embargos de executado e, em consequência, declarou extinta a execução, por inexequibilidade do título executivo.

2a A recorrente não se conforma com tal decisão judicial, que fez, com todo o respeito, violação ou errada aplicação da lei de processo e cometeu violação de lei substantiva, por errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

3a O acórdão recorrido confirmou a decisão proferida em 1a instância, com voto de vencido - artigo 671°, n° 3, a contrario do C.P.C., sendo o presente recurso de revista legalmente admissível.

4a Nos presentes autos a executada, apresentou embargos de executado contra a aqui Exequente/Recorrente alegando que a decisão dada à execução não é líquida, que a condenação é em montante ilíquido e, que a sentença dada à execução como título executivo não é, imediatamente, exequível.

5a Sendo que, a questão essencial a decidir foi saber se, a sentença dada à execução, constitui título executivo contra a executada recorrida, questão que passa por decidir saber se havia fundamento para a procedência dos embargos por extinção da execução por inexequibilidade do título executivo, por motivo de iliquidez da obrigação exequenda que apenas poderia resultar da dedução prévia de incidente de liquidação de sentença.

6a Pelo Tribunal da Relação de Guimarães veio no dia 07.06.2023 a ser proferido o acórdão, de que ora se recorre, no qual decidiu que a execução não podia prosseguir, sem que a exequente promovesse o incidente da liquidação, nos termos do artigo 358.° e seguintes do CPC, apresentado no processo de declaração, entendendo que houve condenação genérica, mais entendeu que, a liquidação da obrigação de pagamento não depende de simples cálculo aritmético, e daí concluiu que, a sentença não constitui título executivo nessa parte (artigo 704.°, n.° 6, "a contrario", do CPC), e, assim, improcedeu todos os argumentos da apelante, confirmando-se assim a decisão a quo.

7a Acontece que, a recorrente entende que, a decisão recorrida, na apreciação e decisão da matéria de facto e de direito, violou o disposto nos art.s 609° n.° 2 , 674°, 704° n° 6 e 716° n.° 1, 7, 8 e 9, todos do CPC e incorreu em erro de interpretação e de aplicação da lei aplicável. (art.° 674.° n.° 1 ai. a) do CPC).

8a Ora, dispõe o n.° 1 do art.716.° do CPC que "Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido ".

9o Como efetivamente sucedeu, pois, resultou provado e consta da decisão recorrida que, a exequente esclareceu e fez constar devidamente nos factos alegados no requerimento executivo, que pretendeu executar a parte líquida da sentença, ou seja, o seguinte segmento decisório: A) Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: i) Reconhecer/declarar que, a A./aqui exequente tem um direito de crédito sobre a Ré, aqui executada, no montante de €31.179,94 (alteração introduzida em sede de recurso), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

10° Sendo que, no dispositivo da sentença dada à execução resulta que a R., aqui executada tem um direito de crédito sobre a A., aqui exequente, em montante ilíquido.

11° Mais resultou provado que, no articulado de embargos de executado apresentados em juízo em 13/07/2022. a executada não veio proceder à respetiva liquidação dos créditos ilíquidos que lhe foram reconhecidos sobre a ora exequente na sentença que serve de título executivos aos autos principais de execução, (sublinhado nosso).

12a Ora, a própria decisão recorrida chamou à colação o preceituado no artigo 704° n. 6 do C.P.C, que dispõe: «Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.°2 do artigo 609.° e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto non.°7do art. 716.°.» (sublinhado nosso).

13a Esclarece o art. 609.°, n.° 2, do Código de Processo Civil que "Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida ". (sublinhado nosso).

14a Todavia, eis que, veio decidir-se (diga-se erradamente) na decisão recorrida que, a exequente, face aos termos em que foi proferida a sentença condenatória, não pode afirmar que possui, relativamente à executada/embargante, um crédito líquido ou parcialmente líquido, isto é, que seja credora da executada.

15a Por seu lado, ao invés, a exequente entendeu, e nessa medida veio executar, uma parte dessa decisão que lhe fixou um valor certo e líquido, que pode ser, de imediato, executado e que não tem de esperar que a executada proceda, quando entender, à liquidação do seu crédito genérico.

16a No acórdão da Relação, decisão de que ora se recorre, entendeu-se que está em causa uma condenação genérica/ilíquida nos termos do art. 609°,n°2 do CPC, e desse modo insuscetível de execução imediata, já que o quantitativo da obrigação não se encontra ainda determinado, e que se impunha a dedução de incidente prévio de liquidação no processo onde a sentença foi proferida nos termos do disposto pelos artigos 358° e segs, do CPC.

17a Todavia, a sentença que serviu de base à execução, não obstante contem uma condenação ilíquida, contem uma condenação liquida, sendo de aplicar o n.0 6 do art.704.° do CPC quando dispõe que "Tendo havido condenação genérica, nos termos do n. °2 do artigo 609. ° e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n. "7 do artieo 716.m. (negrito e sublinhado nosso)

18° Defende-se na decisão recorrida que, a oposição à execução não se destina à "liquidação da quantia exequenda", mas sim à extinção da execução e que a imediata exequibilidade inviabilizaria a possibilidade de dedução de oposição pela executada, o que contraria disposições legais, nomeadamente, o n°6 do art,704.° uue permite a imediata exequibilidade da parte que seja líquida e o n.° 9 do art.0 716° do CPC que impõe à executada vir na oposição à execução proceder à respetiva liquidação.

19a Além de que, salvo melhor opinião, entende-se que a decisão recorrida entra em contradição na medida em que reconhece que a sentença dada à execução é inequívoca, aliás conforme ressuma da decisão recorrida, que foi reconhecido um crédito à exequente líquido e um crédito à executada ilíquido.

20a Parece-nos evidente que, não se pode exigir à recorrente que tenha de aguardar ad eternum que a executada venha a tornar líquidos os créditos ilíquidos para se que opere a compensação.

21a Atente-se ainda que na decisão recorrida defendeu-se que, "O ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo justifica-se quando a obrigação que consta do título não condenou no pagamento de uma quantia líquida nem é passível de simples cálculo aritmético ".

22a Todavia, salvo o devido respeito, não corresponde à realidade dos factos tendo a decisão recorrida incorrido em evidente erro de interpretação e aplicação dos factos ao direito, pois, como já vimos, a obrigação que consta do título condenou a executada no pagamento de uma quantia líquida e é passível de simples cálculo aritmético, tendo sido reconhecido à exequente um crédito líquido, condenado no pagamento de quantia certa e à executada um crédito ilíquido. Logo, ao contrário do que se fez constar na decisão recorrida, a obrigação que consta do título condena no pagamento de uma quantia líquida e é passível de simples cálculo aritmético.

23a Defendeu-se ainda na decisão recorrida que, não pode a defesa por oposição servir para liquidar o crédito ilíquido da executada, o que contraria desde logo, disposição legal prevista no n.° 9 do art.° 716° do CPC, além de a posição da decisão recorrida, onerar injustificadamente a exequente de vir liquidar um crédito ilíquido da outra parte, obstando a que seja executado o seu crédito liquido.

24a Impunha-se à executada que, na respetiva oposição viesse proceder à respetiva liquidação, o que não fez. Nem alegou os factos necessários à liquidação do seu contra crédito, a fim de o tornar o seu alegado crédito líquido e exigível.

25a Conforme esclarece o Ac. TRP de 25.06.2013, processo 151/12.9T20VR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt: Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, afim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou prosseguimento da mesma, conforme o crédito da executada venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao credito exequendo, ou em montante inferior.

26a Entendeu-se e pode ler-se no acórdão recorrido que, " a execução não podia prosseguir sem que a exequente (que não o fez) promovesse o incidente da liquidação, nos termos do artigo 358.° e seguintes do CPC, apresentado no processo de declaração, cuja instância se renova (artigos 358. °, 359." e 360. ° do CPC), porquanto houve condenação genérica e a liquidação da obrigação de pagamento não depende de simples cálculo aritmético, pelo que a sentença não constitui título executivo nessa parte (artigo 704.°, n.°6, "a contrario", do CPC.)".

27a Ora, não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, a mesma padece de nulidade por violação de disposições legais, nomeadamente, o n.° 6 do art.704.° do CPC quando dispõe que "Tendo havido condenação genérica, nos termos do n. °2 do artigo 609. °, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.°7 do artigo 716.°, e ainda violou o 704°, n°6 do CPC que dita que a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, e como se sabe. O exequente é detentor na sentença de um crédito líquido, certo e exequível, e ainda o n.° 9 do art.° 716° do CPC, que impunha à executada vir respetiva oposição proceder à respetiva liquidação, na medido em que veio em oposição alegar um contra- crédito ilíquido sobre a exequente.

28a Ressalta-se, pois, à evidencia de que, o tribunal a quo incorreu em erro evidente de interpretação e qualificação jurídica dos factos, com violação das normas legais aplicáveis ao caso concreto, acabando por tomar a decisão mais gravosa de extinguir a execução.

29a A exequente deu cumprimento ao n° 1 e n.° 8 do art.° 716° do CPC e especificou no requerimento executivo, o crédito líquido que veio executar, no montante de € 31.179,94 (trinta e um mil cento e setenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

30a Esclarece o n.° 8 do art° 716° do CPC que, "se uma parte da obrigação for ilíquida e outra liquida, pode esta cxecutar-se imediatamente".

31a Da mesma forma que esclarece o n.° 6 do art° 704° do CPC que, "Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.°2 do artigo 609.°, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte aue seia líquida e do disposto no n." 7do artieo 716."" ..(negrito e sublinhado nosso).

32a Pelo que, a quantia exequenda dos presentes autos é certa, líquida e exigível.

33a Não é exigível à exequente, sob pena de tornar-se um ónus demasiado injusto e desproporcional, que tenha de aguardar ad eternum que a executada venha tornar líquidos os créditos ilíquidos para que se opere a compensação.

34a A executada invoca um contra crédito, que, reconhece-o ilíquido, e como tal, incerto e inexigível para que possa lograr qualquer compensação nos presentes autos executivos, sem que o venha previamente tornar líquido.

35a Além de que, a executada, não veio usar da faculdade prevista no n.° 9 do art.° 716° do CPC, ou seja, não veio na respetiva oposição proceder à respetiva liquidação nem alegou os factos necessários à liquidação do seu contra crédito, a fim de o tornar o seu alegado crédito líquido e exigível.

36a A este propósito veja-se o Ac. TRP de 25.06.2013, processo 151/12.9T20VR-A.P1, disponível em www.dgsi.pt: Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, afim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou prosseguimento da mesma, conforme o crédito do executado venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao credito exequendo, ou em montante inferior.

37a A exequente é detentora de um crédito líquido, e não tendo a exequente meios para forçar a executada a proceder à liquidação do seu contra crédito, tem de se lhe reconhecer o direito à sua cobrança coerciva, mediante a instauração da presente execução.

38a Sucede que, a executada vem, na oposição à execução, indicar um contra crédito ilíquido e não procedeu à respetiva liquidação, como se lhe impunha por força do art° 716° n° 9 do CPC.

39a A decisão recorrida não atendeu ao facto de, tendo a executada vindo em sede de oposição, com pretensão de fazer valer um seu contra crédito ilíquido, incerto e como tal inexigível, não alegou factos necessários à liquidação do seu contra crédito.

40a E como se esclarece no Ac. TRP de 11.10.2001 processo 0131160 disponível em www.dgsi.pt: " estando em causa um crédito ilíquido, a compensação não tem de suspender o credito liquido do compensado até à liquidação do crédito compensaste. Essa função, suspensão da exigibilidade da obrigação — cabe à exceção do não cumprimento do contrato e não à compensação, a qual tem mera eficácia extintiva ".

41a Ora, a invocação de tal facto extintivo com a necessária liquidação da sentença teria de ter tido lugar necessariamente na oposição a deduzir a tal execução, por se tratar do meio idóneo à invocação de factos que constituam matéria de exceção e o meio adequado a fazer valer a sua pretensão de obstar ao prosseguimento da execução nos termos em que a mesma se encontra proposta, sendo que a sua não dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo.

42a Donde resulta que, encontrando-se o crédito da executada ilíquido e não tendo a executada procedido à liquidação da sentença no requerimento de oposição à execução, deverá a oposição à execução ser julgada totalmente improcedente por não provada, determinando-se o prosseguimento da execução.

43a Salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece de erro flagrante na interpretação dos factos e aplicação do direito e padece de nulidade por violação da lei de processo, na medida em que, por um lado, deu-se como provado que, a sentença dada à execução contém pedido líquido e a exequente/ aqui recorrente expressamente alegou no requerimento executivo que veio executar a parte decisória liquida e, dá como provado, que no articulado de embargos de executado apresentados em juízo em 13/07/2022, a executada não veio proceder à respetiva liquidação dos créditos ilíquidos que lhe foram reconhecidos sobre a ora exequente na sentença que serve de título executivo aos autos principais de execução, e depois vem surpreendentemente proferir decisão de que, o titulo não é liquido, onerando e responsabilizando a exequente e aqui recorrente da inércia da executada que decidiu vir deduzir oposição e sendo detentora de um crédito ilíquido, veio alegar a compensação que resulta da sentença mas não o veio, como lhe incumbia, deduzir o respetivo incidente de liquidação, quando é a lei que expressamente diz que a executada, tem de usar a faculdade prevista no n.° 9 do art.° 716° do CPC, ou seja, vir na respetiva oposição proceder à respetiva liquidação, nem alegou os factos necessários à liquidação do seu contra crédito, a fim de o tornar líquido e exigível.

44a Com o devido respeito, a decisão recorrida fez uma errada interpretação e violação dos art.s 609° n.° 2 . 674°. 704° n° 6 e 716° n.° 1. 7. 8 e 9. todos do CPC.

45a Na decisão recorrida deveria ter-se atendido ao facto de que, nos termos do disposto no n.° 7 do artigo 716.° do CPC, permite a imediata exequibilidade da sentença da parte que seja líquida; deveria ter atendido a que a exequente veio no requerimento executivo especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluiu o requerimento executivo com um pedido líquido, nos termos do n.° 1 do artigo 716.° do CPC, deveria ter atendido ao facto de que, a exequente deu cumprimento ao n° 1 e n.° 8 do art.° 716° do CPC e especificou no requerimento executivo, o crédito líquido que veio executar, no montante de € 31.179,94 (trinta e um mil cento e setenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, deveria ter atendido ao facto de que, a executada veio na contestação, invocar um contra crédito, que, reconheceu-o ilíquido, e como tal, incerto e inexigível para que pudesse lograr qualquer compensação nos presentes autos executivos, em que se impõe que a obrigação seja certa,

líquida e exigível, mas não veio usar da faculdade prevista no n.° 9 do art.° 716° do CPC, ou seja, não veio na respetiva oposição proceder à respetiva liquidação nem alegou os factos necessários à liquidação do seu contra crédito, a fim de o tornar líquido e exigível; a decisão recorrida deveria ter atendido ao estipulado no n.° 8 do art° 716° do CPC que, "se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente "; deveria ter atendido ao facto de que não é exigível a exequente que aguarde ad eternum que a executada venha tornar líquidos os créditos ilíquidos para que se opere a compensação;

46a A decisão recorrida desconsiderou e não aplicou devidamente os citados preceitos legais, e desconsiderou a jurisprudência alegada e aplicável ao caso concreto.

47a Deve, pois, ser revogada decisão recorrida que confirmou a sentença a quo. de extinção da execução por inexequibilidade do título executivo e. substituída por outra, que julgue improcedente a oposição à execução e determine a prossecução da execução.

48a Nesse sentido, se acompanha o voto vencido que mereceu acolhimento na decisão recorrida quando entendeu que não pode ser imposto à parte que detém um crédito líquido que fique na inteira disponibilidade da outra que tem de o liquidar. Pois, impor-lhe que liquide o crédito da contraparte viola, por um lado o direito desta última de exercê-lo quando e nos termos em qué o desejar, se o desejar, aderindo totalmente ao decidido no aresto da Relação do Porto, no processo 151/12.9T20VR-A.P1, citado em sede de alegações, nos termos do qual «Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, afim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou o prosseguimento da mesma, conforme o crédito do executado venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao crédito exequendo, ou em montante inferior», razão pela qual a executada «se quiser exercitar a sua pretensão à compensação na ação executiva que contra si é movida - afim de alcançar a extinção ou a redução do crédito exequendo -, o executado terá necessariamente de o fazer mediante a dedução de oposição à execução na qual invoque tal exceção». Revogaria, por isso, a decisão recorrida ".

49a Deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências.

A embargante executada contra-alegou, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

QUESTÃO A DECIDIR:

O que cumpre a este Supremo Tribunal ponderar é saber se a sentença dada à execução tem validade como título executivo, ou se o título que ela encerra é inexigível, porque a obrigação se apresenta ainda ilíquida.

Vejamos:

A sentença dada à execução, título que, como específico pressuposto processual da execução, determinante do fim e dos limites desta, teve o seguinte dispositivo:

A) Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: i)Reconhecer/declarar que, a A./aqui exequente tem um direito de crédito sobre a Ré, aqui executada, no montante de 31.179,94 (alteração introduzida em sede de recurso), ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. B) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: i) Reconhecer/declarar que, a ré, aqui executada tem um direito de crédito sobre a A., aqui exequente no montante de € 3.600,00 (três mil me seiscentos euros), acrescido de IVA e juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação da A., aqui exequente da reconvenção até integral pagamento; ii) b) Reconheço/declaro que, a R., aqui executada tem um direito de crédito sobre a A., aqui exequente, em montante ilíquido, correspondente ao preço da reconstrução dos muros realizada pela R. aqui executada, que haviam caído em consequência das intempéries e respetivo IVA; iii) c) Reconhecer/declarar que, a R., aqui executada tem um direito de crédito sobre a A. aqui exequente, em montante ilíquido, correspondente ao preço da reparação de patamares realizada pela R. aqui executada, que caíram em consequência das intempéries, e respetivo IVA; iv) d) Reconhecer/declarar que, a R., aqui executada tem um direito de crédito sobre a A. aqui exequente, em montante ilíquido, correspondente ao preço dos trabalhos descritos de 75 a 82 dos factos provados e respetivo IVA. C) Declarar a compensação do crédito da R., aqui executada com o da A. aqui exequente, declarando extinta a dívida da A. aqui exequente para com a R. aqui executada, na parte correspondente ao valor do contra crédito da R. aqui executada sobre a A., aqui exequente, este em montante a liquidar ulteriormente; condenando a R. aqui executada a pagar à A. aqui exequente, a parte do crédito desta não compensada, se a houver e; condenando a A. aqui exequente a pagar à R. aqui executada a parte do crédito desta não compensada, se a houver, em montante a liquidar ulteriormente. D) Custas pela A. aqui exequente e pela R., aqui executada na proporção dos respetivos decaimentos (na parte em que houve condenação em quantia ilíquida, as custas são devidas em partes iguais por A. e R.), - art. 527º, n º 1 a 3, do C.P.C”.

Considera a exequente embargada que esta sentença reúne condições de exequibilidade, não obstante a iliquidez dos créditos cuja titularidade é ali reconhecida à Ré, ora executada embargante.

De facto, salta desde logo à vista que parte dos créditos que na sentença são considerados da titularidade da Ré se apresentam como ilíquidos, porquanto os mesmos não se encontram devidamente quantificados, sendo os mesmos respeitantes ao preço da reconstrução dos muros realizada pela R. aqui executada, ao preço da reparação de patamares realizada pela R. aqui executada, e ao preço dos trabalhos descritos de 75 a 82.

Aliás é a própria sentença que considera tais créditos em “montantes ilíquidos”, determinando a compensação dos mesmos com o da Autora aqui exequente, e declarando extinta a dívida da A. aqui exequente para com a R. aqui executada, na parte correspondente ao valor do contra crédito da R. aqui executada sobre a A., aqui exequente, este em montante a liquidar ulteriormente.

Segundo LEBRE DE FREITAS (in “ A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 102), “é obrigação ilíquida aquela que tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado”.

Nas palavras de ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS SOUSA (in “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 41], “a obrigação é ilíquida quando não se encontra determinada em relação à sua quantidade, carecendo da efetivação de cálculos aritméticos ou da alegação de factos que, depois de submetidos ao contraditório, permitam a sua quantificação”.

Por sua vez, esclarece RUI PINTO (In “ A Ação Executiva”. AAFDL, Editora, 2018, pág. 240) considera que “a liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada. O acertamento da obrigação cujo objeto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado - cf. O princípio da proporcionalidade estabelecido no artigo 735º, nº 3”.

ANTUNES VARELA (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed., pág. 114, nota 1) considera ilíquida a obrigação "cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (juros não contados; encontro de créditos e débitos que ainda se não fez, como no caso da gestão, do mandato, etc; danos cujo valor ainda se não determinou, na obrigação de indemnização)".

Sendo obrigação do exequente, para que o processo executivo prossiga a sua normal tramitação que o exequente, na execução, formule pedido líquido, devidamente quantificado ou fixado, ou se o mesmo se for ilíquido, que proceda à respetiva liquidação, sendo o que estatui o art. 716º nº 1 do CPC, segundo o qual “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido”.

Ora, constituindo a sentença condenatória dada à execução a matriz essencial e literal dos limites da obrigação exequenda, é nesses exactos limites que a mesma pode produzir os seus efeitos executivos.

ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS SOUSA (in “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 15), referem que o título executivo contém em si, com o grau de certeza suficiente, o acerto do direito, de tal modo que, por princípio a coberto desse título e sem necessidade de outras indagações, haverá que ser desenvolvida a actividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto positivo o negativo (art. 10º nº 5). Ressalva-se a necessidade de diligências preliminares tendentes a assegurar os requisitos da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, nos termos dos art. 713º a 716º, ou daqueles que fundamentam o pedido, nos termos do art. 724º nº 1 al. e)”

E lembram estes autores as palavras de CASTRO MENDES, quando este ensinou que o título executivo constitui “a chave que abre a porta da acção executiva”, o que pode também traduzir-se na afirmação de que o título executivo ”o bilhete de ingresso” na acção executiva, de tal modo que, independentemente de quaisquer outras circunstâncias, não haverá acção executiva sem título executivo”.

Ora, no caso vertente este dito bilhete de ingresso encontra-se titulado na sentença exequenda, cujo dispositivo acima transcrevemos.

Considerou-se na sentença proferida pela 1ª instância que o título executivo é uma sentença condenatória da qual não resulta a liquidez da obrigação exequenda sendo certo que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, pelo que, neste circunstancialismo, deveria a exequente promover o incidente de liquidação nos termos dos artigos 358.º e seguintes, o que não fez, vindo a concluir que, face à iliquidez da obrigação exequenda, a sentença é inexequível.

No caso que nos ocupa, a exequente ora recorrente sustenta que, não obstante a iliquidez de parte dos créditos que a sentença reconhece à executada, é lícito à mesma dar à luz do processo executivo apenas a parte líquida daquela mesmo sentença, daí concluindo pela exequibilidade do título e pela sua exigibilidade.

Sucede que a sentença dada à execução é condenatória da Ré executada em montante líquido, mas reconhece também que a a Ré é titular de créditos sobre a autora exequente de montantes ilíquidos, determinando, porque assim foi pedido pela Ré, a compensação destes créditos sobre o crédito da exequente, quando disse “Condeno a a pagar à Autora a parte do crédito deste não compensado, se a houver. Condeno a Autora a pagar à a parte do crédito não compensado”.

De onde resulta que a sentença dada à execução se revela de natureza genérica ou ilíquida, nos termos do art. 609º nº 2 do CPC, segundo o qual “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, tendo sido nesses moldes que o tribunal fixou os créditos da Ré executada, numa parte liquidando o respectivo valor, e noutra condenando em montantes ilíquidos.

Ora, sendo certo que a liquidação da obrigação não depende de simples cálculo aritmético, daqui resulta que, nos termos do art. 704º nº 6 do CPC, a sentença só possa constituir título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no nº 7 do art. 716º”

Sucedendo que, não tendo sido instaurado o prévio incidente de liquidação, nos termos do art. 358º e segs. do CPC, da sentença não resulta qual o quantitativo pecuniário em que se cifram os créditos da Ré, pelo que, como bem diz o Acórdão recorrido “não se sabe quem deve a quem e quanto e, por conseguinte, não existe qualquer condenação da embargante a pagar um montante líquido”.

Ressalta claro daqui que a sentença em causa só será exequível na sua inteireza, quando realizada liquidação do crédito da executada, pois só aí se poderá saber qual o crédito da exequente, ou mesmo se este existe, só aí, ao fim de contas, se pode afirmar o crédito exequendo como líquido.

Como referem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS SOUSA (in “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 47, nota 1: “Relativamente a sentenças proferidas no âmbito das ações declarativas que, no todo, ou em parte, condenem o réu numa obrigação ilíquida, a sua liquidação é feita através de incidente posterior, nos termos do artigo 358.º, n.º 2. Tal liquidação constitui, aliás, condição de exequibilidade da sentença (artigo 704.º, n.º 6). se essa liquidação depender de simples cálculo aritmético, a liquidação será levada a cabo no requerimento executivo”.

Adiantando estes Autores (p. 49, nota 9, 10), que “Quanto à liquidação pelo tribunal na ação executiva, cabe salientar que, por princípio, este mecanismo não está previsto para a execução de sentença judicial proferida em sede de ação declarativa. Com efeito, quando for proferida sentença de condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, a liquidação total ou parcial do segmento condenatório é feita ainda em via declarativa através de incidente próprio (artigo 358.º, n.º 2, 360.º, n.º 3 e 704.º, n.º 6), de tal modo que a execução apenas será instaurada depois e por referência a um valor quantificado.

A liquidação enxertada na fase inicial da acção executiva, cujos trâmites implicam produção de prova e decisão judicial (de liquidação), está gizada para execuções fundadas em título executivo, diversos de sentença, de que conste obrigação pecuniária não liquidada, nem liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 4) bem assim para execuções baseadas em decisões judiciais ou equiparadas não envolvidas pelo regime específico do artigo 358.º, n.º 2 (como sucede com indemnizações ilíquidas arbitradas em processo penal ou em procedimento cautelar) e ainda para execuções fundadas em decisões arbitrais que condenem em quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 5).

Estamos no domínio do que se usa designar por “artigos de liquidação”, competindo ao exequente estruturar o requerimento executivo em termos similares aos de uma petição inicial. Desde logo de forma articulada (art. 147º nº 1), com alegação dos factos de que resultem os valores componentes referenciados no título (correspondendo à causa de pedir) culminando com a formulação de um pedido líquido de fixação de prestação, tudo dentro dos limites do título executivo. Apesar da letra do preceito se reportar a “valores”, é claro que não basta ao exequente apresentá-los secamente, desinseridos de qualquer contexto factual. A subsequente citação do executado e a evolução processual que culminará na sentença de liquidação implicam a necessária alegação de factos susceptíveis de sustentar cada um dos valores ou cada uma das parcelas da obrigação genericamente assumida pelo executado ou fixada por decisão (judicial ou arbitral)”.

Do exposto resulta como evidenciada, face à natureza genérica da sentença, e consequente iliquidez e inexigibilidade, na parte em que reconhece à Ré a titularidade de créditos ainda não liquidados, a necessidade de recurso ao incidente de liquidação, por forma a verem-se liquidados aqueles mesmos créditos.

Sucede que a executada assim não procedeu, não deduzindo aquele incidente de liquidação, nos termos do art. 358º e segs do CPC., limitando-se a deduzir oposição na consideração da iliquidez do crédito exequendo, ao abrigo do art. 729º al. e) do CPC..

Ora, chamados a ponderar se a mesma era obrigada a recorrer ao dito incidente de liquidação, quando lhe fora instaurado o processo executivo, entendemos pela resposta negativa, no sentido de que a Ré não é obrigada a colaborar com a Autora com vista à liquidação dos valores de que é titular, a fim de vir a concluir-se qual o montante certo e líquido exequível, este da Autora, ou até se este efectivamente existe.

Sendo a mesma titular de um direito, nada a obriga a exercê-lo no tempo da necessidade da Autora, podendo até existir motivos de ordem pessoal para que não o faça, sabido que a acção judicial tem custos, sabido que num processo com esta natureza, de avaliação dos custos e obras de reconstrução de muros e de reparação de patamares e custos de mão de obra inerentes, é natural que venha requerida prova pericial, que também poderá ser onerosa, enfim, e talvez até sabendo a Ré ora executada que o resultado desse processo de liquidação possa não se vislumbrar para si rentável, assim assistindo à titular do direito a autónoma ponderação sobre se e quando será o momento certo para agir com vista à liquidação dos créditos de que é titular, não se lhe podendo impor tal conduta processual, nem resultando de qualquer preceito a sua obrigatoriedade, nem pelo recurso ao princípio da cooperação processual, cujo funcionamento se inscreve na colaboração estritamente procedimental dentro das normas do processo civil e não propriamente ao nível da oportunidade de instauração de acções judiciais, que apenas ela pode e a ela cabe ajuizar, sendo certo que o calendário da executada pode não coincidir com o calendário da exequente, como é normal.

Mas nem por isso pode a exequente sustentar que, face à inércia da executada, não poderá ela alcançar a liquidação do seu crédito, vendo-se obrigada a esperar “ad eternum” que a executada instaure o procedimento com vista à liquidação dos seus créditos e ulterior compensação com o seu, como determinou a sentença exequenda.

De facto, nada impede que seja a exequente, tendo interesse nisso, a suscitar o incidente previsto no art. 358º e segs do CPC, com vista à liquidação dos créditos que a sentença reconheceu à executada, tendo em vista a “fixação do valor da obrigação genérica (quantum)” (Ac. STJ de 29/06/2017 – processo 4081/14.1TCLRS.L1.S1).

Como referido no Ac. deste STJ de 07/11/2019 (processo 94/14.1T8VRS.E1.S1), “A verdade é que a lei prevê um incidente próprio para resolver aquela indeterminação, ou seja, que serve, precisamente, para apurar ou tornar líquido o pedido genérico bem como o pedido específico que não seja possível confirmar enquanto tal – o incidente de liquidação (antes designado “liquidação ulterior de sentença”), regulado actualmente nos artigos 358.º a 361.º do CPC.”

Como é referido no Ac. STJ de 04/07/2019 (processo 5071/12.4TBVNG.1.P1.S1), “a liquidação é um incidente da instância com estreita ligação à ação que reconheceu a existência de um crédito, que não foi quantificado, quer por não ter sido possível, quer por o autor ter formulado um pedido ilíquido ou genérico. Na liquidação, não se trata de apurar novos elementos que ultrapassem a condenação genérica proferida, mas tão só de determinar os elementos ou valores já contidos naquela condenação que têm de ser especificados.”

E, como refere a este respeito Rui Pinto (in Ação Executiva, impressão 2019, p. 248), o incidente de liquidação tanto pode ser deduzido pelo autor nos termos do art. 359º, como “pelo réu que manifeste interesse em apurar a sua dívida”.

Tendo sido neste sentido que as instâncias de pronunciaram.

Ora, não tendo a executada adoptado uma postura de colaboração substantiva com a exequente, porquanto não suscitou o incidente de liquidação dos seus créditos, tendo-se limitado a impugnar a exequibilidade da sentença por via iliquidez do crédito exequendo, atendo-se a mesma ao fundamento de oposição à execução, previsto no art. 729º al. e) do CPC, a mais não sendo obrigada, nem por isso a exequente ficou impossibilitada de lograr a liquidez do seu crédito, mediante a instauração, por sua iniciativa, do respectivo incidente declarativo de liquidação do crédito alheio, em si conducente à liquidação do seu próprio crédito.

Não existe, indubitavelmente o afirmamos, qualquer obrigação (como parece inculcar o douto e respeitável voto de vencido) para a executada de diligenciar previamente no sentido da liquidação dos seus créditos ou contracréditos, de onde adviria a liquidação do crédito exequendo, o que permitiria a instauração “líquida” da execução compensação de créditos determinada na sentença.

Sendo certo que, concentrando a executada a sua oposição na inexigibilidade da obrigação exequenda, por iliquidez da mesma, nos termos ditos do art. 729º al. e), poderia a instância ter sido suspensa prevista no art. 733º al. c) do mesmo diploma, sendo que, contudo, como dizem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa (obra citada, Vol. II, pag. 93, em anotação ao art. 733º, nota 5), “nos termos do art. 704º nº 6 do CPC “na base desta previsão está a circunstância de, em condições normais, a execução se dever limitar à prática de actos tendentes à satisfação coerciva da pretensão exequenda, em conformidade com o plasmado no título executivo”.

Não tendo sido este o caminho seguido, como se viu e compreende ante os termos da oposição, que radica numa inexigibilidade da obrigação por iliquidez da mesma, em termos complexos que não lograriam ser resolvidos naquele hiato de suspensão da execução, que verdadeiramente visa outro desiderato, que não o motivado na oposição da executada.

Tudo conduz a que a exequente devesse instaurar, em momento prévio à presente execução, na acção declarativa, onde já fora proferida a condenação genérica, o incidente declarativo de liquidação daqueles contracréditos da executada (um incidente pós-sentença, nos termos do nº 2 do art. 358º do CPC), mediante a reabertura da instância declarativa, onde não se vai discutir se há obrigação ou não (pois essa parte já fora decidida com trânsito em julgado), mas apenas os factos tendentes à liquidação dos créditos já reconhecidos na sentença (neste sentido o Ac. STJ de 18/01/2022 (processo 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1 e ainda o Ac. do STJ de 10/05/2021 (processo 35505/12.1YIPRT.P1.S1), resultando deste último que “No incidente de liquidação previsto nos arts. 358.º a 361.º do CPC já não é possível voltar a discutir a existência do fundamento do mesmo crédito de que a requerente é reconhecidamente titular sobre a requerida, uma vez que tal matéria – factual e jurídica – foi decidida, em termos definitivos, na acção principal e sobre a mesma foi proferida decisão judicial, de cariz condenatório, que transitou em julgado. No seu âmbito foram apurados determinados factos (com base na causa de pedir apresentada) com fundamento nos quais, por aplicação do pertinente enquadramento jurídico, foi reconhecida a existência de uma obrigação de pagamento que, a partir daí, deixou de ser questionável, não podendo voltar a ser objecto de apreciação (e muito menos de contradição), sob pena de directa, frontal e grosseira violação do caso julgado material (cfr. art. 619.º, n.º 1, do CPC)”.

Ora, e como referem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS SOUSA (obra citada, Vol. I, pag. 415 em anotação ao art. 358º, nota 4), “nos termos do art. 704º nº 6 do CPC, a liquidação é condição necessária para a formação do título executivo judicial, pelo que o incidente é obrigatório quando se pretenda executar a sentença de condenação genérica”, como é o caso vertente.

Afastando aquele preceito que tal liquidação seja feita em processo executivo, como no caso vertente, em que tal liquidação se impõe com vista à perfeição do título executivo, mediante a sua liquidação, como bem o afirma o Acórdão recorrido, não pode defesa por oposição, cujos fundamentos estão expressamente previstos no artigo 729.º al. e) do CPC, e que visam a extinção da execução, servir para suprir essa falta de liquidação na sede própria, pela exequente.

Sendo certo que a exequente disporá de elementos fácticos com vista a tal liquidação, uma vez que foi ela beneficiária das obras e trabalhos determinantes dos créditos da executada, não lhe sendo difícil apresentar meios de prova para o efeito, designadamente prova testemunhal e pericial, de onde possa concluir quanto aos valores líquidos daqueles créditos, ou documental, se necessário for requerendo que a parte contrária lhe forneça elementos nesse sentido, ao abrigo do art. 429º do CPC, culminando a sua pretensão com a fixação de valores líquidos, que a executada ali Ré virá a contraditar, deste lide resultando seguramente a quantificação dos contracréditos da Ré ora executada e embargante.

Decaindo, pois, com todo o respeito o dizemos, o voto de vencido nos fundamentos que aduziu.

Assim, haverá que concluir que a execução não poderá prosseguir, por falta de título, já que a sentença só constitui título executivo após a liquidação (que não depende de simples cálculo aritmético) no processo declarativo, como preceitua o art. 704º nº 6 do CPC, que não foi realizada.

Pelo que improcede a revista, confirmando-se o Acórdão reclamado.

DECISÃO:

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Relator: Ataíde das Neves

1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

2º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Lino Ribeiro