RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
IDENTIDADE DE FACTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário


I - Verificando-se dupla conformidade entre as decisões das instâncias, e não tendo a recorrente lançado mão da revista excepcional, ao abrigo do art 672º do CPC, embora a revista seja admitida em termos gerais, não é permitida por efeito da conformidade de julgados, como decorre do art. 671° n° 3 do Código de Processo Civil, não sendo legalmente possível operar qualquer convolação em ordem à sua admissibilidade.
II - A mera invocação de Acórdão alegadamente contraditório com o Acórdão recorrido, podendo servir como mero argumento jurisprudencial, não serve o objectivo plasmado no art. 672º nº 1 al. c) do CPC (revista excepcional por contradição do acórdão recorrido com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…”, nem o vertido no art. 629º nº 2 al. d) do mesmo diploma, em que sempre o recurso nos termos gerais seria admitido (por o Acórdão recorrido “estar em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação…), porquanto, para além de a recorrente não enquadrar a revista em tal segmento normativo, o que sempre lhe competia fazer, não aduz a mesma argumentos nesse sentido, como a tanto a lei adjectiva impõe (art. 672º nº 2 al. c) do CPC), mormente os relacionados com a identidade do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, ou seja argumentos no sentido de que as soluções divergentes em confronto se encontram no domínio da mesma legislação, e que a confronto ou contradição se revela frontal, recaindo sobre uma questão essencial ou fundamental para a decisão do caso.

Texto Integral

Nos embargos de terceiro deduzidos por AA na dependência da execução em que é exequente HEFESTO STC, SA, foi proferida sentença, julgando os embargos intempestivos e absolvendo a embargada/exequente.

Inconformada com essa decisão, a embargante dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e o recebimento e envio para julgamento dos embargos de terceiro, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

1a A ora recorrente citada deduziu os competentes embargos de terceiro, alegando, em suma, que efetuou no locado obras necessárias destinadas a garantir condições mínimas de habitabilidade, designadamente canalizações, regularização de roços; pinturas, reparação de 3 quartos, rebocos, tacos, etc...

2a Mais, as obras necessárias conferem à Recorrente o direito a ser indemnizada, sendo essa uma das situações em que o pedido reconvencional é admissível.

3a No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que o pedido reconvencional emerge do fato jurídico que serve de fundamento à defesa.

4a A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo.

5a Aliás, como pode ser salvaguardado o direito a ser indemnizada pelas obras necessárias se os embargos de terceiro não forem admitidos, tanto mais que a cada direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo valer em juízo.

6a Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantaras benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

7. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

7a. As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

8a A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1a instância a fundamente.

9a Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para "N" ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.

10a Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.° do CC, primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

11a Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.

12a Há abuso de direito quando um determinado direito - em si mesmo válido - é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL de 16 de Maio 1996, processo n° 0012472, sumário em dgsi.pt).

13a Promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos.

Foi proferido Acórdão que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Inconformada, a recorrente veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as respectivas alegações, em tudo idênticas às da apelação, que culminam com as mesmas e seguintes conclusões:

1ª - A ora Recorrente citada deduziu os competentes embargos de terceiro, alegando, em suma, que efetuou no locado obras necessárias destinadas a garantir condições mínimas de habitabilidade, designadamente canalizações, regularização de roços; pinturas, reparação de 3 quartos, rebocos, tacos, etc…

2ª - Mais, as obras necessárias conferem à Recorrente o direito a ser indemnizada, sendo essa uma das situações em que o pedido reconvencional é admissível.

3ª – No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que o pedido reconvencional emerge do fato jurídico que serve de fundamento à defesa.

4ª - A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo.

5ª - Aliás, como pode ser salvaguardado o direito a ser indemnizada pelas obras necessárias se os embargos de terceiro não forem admitidos, tanto mais que a cada direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo valer em juízo.

6ª - Tanto o possuidor de boa-fé como o de têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

7ª - As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão.

8ª - A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da instância a fundamente.

9ª - Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, masquenão consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.

10º - Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

11ª - Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica.

12ª - abuso de direito quando um determinado direito em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo 0012472, sumário em dgsi.pt).

13ª - Promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazerprova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos.

14ª - Nos termos do AC TRL 20541/15.4T8SNT-A.L1-7, de 8/1/2019, citado o cônjuge do executado na ação executiva de que os embargos de terceiro são dependência, nos termos previstos no artº 740º 2 do mesmo diploma legal (possibilidade de requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação tenha sido requerida), não pode ser considerado “terceiro” para os efeitos dos artigos 343º e seguintes do Código de Processo Civil, tal como Ac que se junta como Doc. 1.

15ª - Ao sustentar-se no acórdão ora recorrido que, não sendo a ora Recorrente parte no processo executivo, nunca tendo sido citada alegando-se apenas que teve conhecimento parece evidente que julgou em sentido contrário ao AC TRL referido sobre a mesma questão de direito.

16ª - Nos termos do Ac TRP proferido no proc. 296/09.2TBVRL.P2, de 13/6/2013, erro sobre o objeto do negócio torna este anulável nos termos dos artigos 251º e 247º do CC. O prazo de um ano para a arguição da anulabilidade, no caso de erro ou dolo, começa a contar-se a partir do momento em que o declarante se apercebeu deles. Trata-se de um prazo de caducidade que tem de ser alegado e provado pelo réu, tal como Doc. 2.

17ª - Ao sustentar-se que a transmissão do imóvel teve lugar em 15 de dezembro de 2021 e que os embargos foram intentadosem 13de setembrode 2022, oacórdão recorridodecide em sentidocontrário, sobre a mesma questão de direito na medida em que o prazo de caducidade é de 1 ano e não de apenas 9 meses.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Pelo relator foi proferida a seguinte decisão sumária:

QUESTÃO PRÉVIA – SOBRE A ADMISSIBILIDADE DA REVISTA

Como é sabido, o legislador criou regras de acesso restritivo ao Supremo Tribunal de Justiça, última instância recursiva (pese embora a recorribilidade de algumas decisões para o Tribunal constitucional), por entender que a este Tribunal deverão aceder apenas questões que sejam merecedoras de tratamento jurídico mais aprofundado, visando tendencialmente a uniformização de jurisprudência.

Daí que, prevendo a Lei Fundamental expressamente os tribunais de recurso e a recorribilidade das decisões, tenha o legislador de regular o acesso a este Tribunal, fazendo-o com larga margem de liberdade.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de Março de 2019).

Em ordem à aferição da recorribilidade das decisões, prevê o Código de Processo civil as normas que regulam a respectiva admissibilidade, assim como as formalidades próprias de cada recurso, assinalando-se imediatamente, em ordem à admissibilidade, a verificação cumulativa de três requisitos fundamentais, desde logo a legitimidade do recorrente (art. 631º), a recorribilidade da decisão, e bem assim a tempestividade do recurso, ou seja a sua interposição dentro do prazo legal previsto no art. 638º, sendo que o primeiro e último dos ditos requisitos não estão em discussão.

Vejamos, então, se a decisão é recorrível:

No caso em apreço verificamos que a decisão recorrida confirmou a decisão da 1ª instância que julgou os embargos intempestivos, constituindo tal decisão uma rejeição liminar dos embargos deduzidos pela ora recorrente.

Realmente, o que foi decidido na 1ª instância e inteiramente confirmado na Relação, foi que fora incumprido o estatuído no art. 353º nº 2 ( atual 344º nº 2 NCPC) do Código de Processo Civil), segundo o qual “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o Embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”, uma vez que o imóvel sobre o qual a Embargada alega ter “posse”, foi arrematado em leilão eletrónico pela Embargada em 15 de dezembro de 2021 conforme título de transmissão e os embargos foram deduzidos em 13 de setembro de 2022”.

Tendo sido aquele prazo largamente ultrapassado, uma vez que a Embargante foi notificada na qualidade de representante legal dos menores BB e CC em 20 fevereiro de 2014, pelo que teve conhecimento da existência de um processo executivo e da penhora que incide sobre a referida fração”, mais considerando aquela decisão que a violação daquele prazo peremptório (nº 3 do art.º 145 do CPC - art.º 139º nº 3 do NCPC), “extingue o direito de praticar o ato”.

Culminando aquela decisão, assim, por julgar “os presentes embargos intempestivos nos termos do preceituado nos art. 353º nº 2 in fine (atual 344º nº 2 NCPC) e no art.º 354º (atual 345º NCPC) do Código de Processo Civil.”

Inconformada com esta decisão, veio a embargante interpor recurso de apelação, invocando nulidades à sentença proferida e mais invocando que o não recebimento dos embargos configura abuso de direito.

E, afastando, por não verificados, ambos os vícios apontados à sentença, a Relação confirmou aquela decisão que julgou intempestivos os embargos, decisão esta que, em termos processuais, mais não é do que uma rejeição liminar dos embargos com fundamento na sua intempestividade.

Regressando à admissibilidade da presente revista, impõe-se-nos como norma decisiva o art.º 671º do Código de Processo Civil, segundo o qual “1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. 2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. 4 - Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.”

O presente preceito adjectivo civil, corresponde aos nºs. 1 a 4 do art.º 721º do anterior Código de Processo Civil, sendo que, para o que aqui interessa, o consignado n.º 1 do art.º 671º do novo Código de Processo Civil, altera a redacção do anterior n.º 1 do art.º 721º do Código de Processo Civil, fazendo depender a admissibilidade da revista do conteúdo do acórdão da Relação, e não propriamente do conteúdo da decisão da 1.ª Instância recorrida, como sucedia no aludido n.º 1 do art.º 721º do anterior Código de Processo Civil.

A interposição do presente recurso de revista tem por objecto a decisão de indeferimento liminar proferido nos autos de embargos de terceiros, confirmada pela Relação.

É esta a decisão a ter em conta para efeitos da admissibilidade do presente recurso, e não as questões das nulidades e do abuso de direito, não obstante o cerne alegatório nestas se centre, questões estas que não deixariam de ser analisadas, no caso de a revista ser admissível, aspecto a que adiante voltaremos.

Vejamos:

A presente acção é constituída pelos embargos de terceiro instaurados pela recorrente, por apenso aos autos de execução para entrega de imóvel que a exequente HEFESTO STC, SA arrematara após o ter adquirido por arrematação em em leilão eletrónico em 15 de dezembro de 2021 cfr. título de transmissão junto aos autos de execução como Doc. 1, intervindo a embargante na qualidade de representante legal dos menores BB e CC, tendo sido liminarmente rejeitados, por intempestividade, por incumprimento do disposto no art. 353º nº 2 in fine do CPC vigente à data da instauração da execução (atual 344º nº 2 NCPC) do Código de Processo Civil, in fine do CPC.

Como é sabido, os embargos de terceiro têm uma particular natureza, a qual, na formulação inicial do Código de Processo Civil, se caracterizava por ser um processo especial limitado à defesa da posse ofendida por diligência ordenada judicialmente, designadamente, a penhora, o arrolamento, o arresto, a posse judicial avulsa e o despejo, sendo que com a reforma do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aquele processo especial passou a ser caracterizado como um incidente da instância, estrutura que, de resto, se mantém no actual ordenamento adjectivo civil (342º do Código de Processo Civil), que com a mera actualização da remissão feita no nº 2, reproduz o anterior art.º 351 do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003 de 25 de Setembro (em vigor à data da instauração da presente execução), continuando pertinente a afirmação de que os embargos de terceiro não são adjectivamente um meio possessório mas um incidente da instância, ou seja, como refere Amâncio Ferreira in, Curso de Processo de Execução, 5.ª edição, página 248) “uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (artigo 351.º e seguintes). E assim, como é do conceito de oposição (artigo 342.º, n.º 1) encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas”.

No mesmo sentido, Salvador da Costa (in, Os Incidentes da Instância, 4.ª edição, páginas 195/196, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2012, 15 de Janeiro de 2013, e de 6 de Dezembro de 2016, in www.dgsi.pt: “No fundo representam os embargos de terceiro uma forma particular de reclamação tendente à revisão, pelo mesmo órgão jurisdicional, da questão sobre que incidiu a decisão de que derivou a diligência posta em causa. Não visam, porém, a destruição da prova em que assentou a decisão que ordenou a diligência dita ofensiva. (…) A estrutura dos embargos é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre por apenso a uma acção executiva, com a especificidade de inserirem uma subfase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.”

Estabelece o art.º 345º do CPC actual, como o fazia o art. 354º do mesmo diploma anterior (vigente à data da instauração da execução), uma fase introdutória, enunciando que “Sendo apresentados em tempo e não havendo razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante” importando o recebimento dos embargos, a notificação das partes primitivas para contestar - art.º 348º do Código de Processo Civil - a par da suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto a bens que dizem respeito - art.º 347º do Código de Processo Civil – “donde se colhe, com meridiana clareza, que o incidente de oposição por embargos de terceiro encerra uma primeira fase, com a já consignada especificidade de inserir uma subfase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, na qual produzida a prova, se necessário, estes podem ser, ou não, recebidos, conforme haja, ou não, a probabilidade séria da existência do direito arrogado pelo embargante, e só, na respectiva admissibilidade, é que há lugar à dedução da contestação das partes primitivas, seguindo-se, só então, os termos do processo comum”. (neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2020 (processo 26411/11.8 T2SNT-D.L1.S), em que fora relator Oliveira abreu, e que seguimos de perto.

Nesta fase introdutória do incidente de oposição por embargos de terceiro, apura o Tribunal, desde logo, da tempestividade do incidente, assim como aprecia eventuais fundamentos de rejeição liminar da petição de embargos, “encerrando um verdadeiro crivo processual, com a realização, se necessário, das diligências probatórias com vista a apurar da probabilidade séria de existência do direito arrogado, enquanto pressuposto do recebimento dos embargos de terceiro, importando, por isso, uma decisão provisória que se esgota no recebimento dos próprios embargos de terceiro, não estando em causa, o mérito do incidente de oposição por embargos de terceiro” (Ac. STJ de 26/01/2020).

Recebidos liminarmente os embargos de terceiro, prossegue a lide com a notificação das partes primitivas para contestar, ao que se seguem os termos do processo comum, cumprindo-se o contraditório e discutindo-se o mérito da causa.

No caso vertente, ao que nos é dado a conhecer, terão os embargos sido liminarmente recebidos e as partes primitivas notificadas para exercer o contraditório.

Sucedendo que o tribunal nem conheceu do mérito da causa, porquanto indeferiu liminarmente os embargos, por intempestivos, com isso cortando o veio procedimental que desembocaria na decisão de mérito.

Como decorre do actual art. 345º do CPC, na fase liminar é admissível a rejeição oficiosa dos embargos por intempestividade, desde que resulte evidente do teor da petição e dos demais elementos (neste sentido o Acórdão do STJ de 28-01-2016 (processo 1129/09).

Não obstante, não tem o embargante o ónus de evidenciar a tempestividade dos embargos por si deduzidos, podendo a caducidade do direito de embargar ser suscitada, por intempestividade, como excepção peremptória pelo embargado, na contestação que venha a apresentar, neste sentido se tendo pronunciado, entre outros, os Acórdãos do STJ de 18/11/2010 (processo 332-D/1999), de 7/05/2007 (processo 5122/07, de 1/04/2008 (processo 5166/06).

Foi o que sucedeu no caso vertente, em que os embargos foram liminarmente recebidos (não constatando o juiz a sua intempestividade, que podia desde logo assinalar, julgando em conformidade), sendo os embargados notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 357.º, n.º1, do CPC, vindo imediatamente suscitar a intempestividade dos mesmos na contestação que apresentou.

E a 1º instância julgou procedente aquela excepção, regressando à fase liminar, não entrando na questão do mérito, assim julgando intempestivos os presentes embargos.

Vindo esta decisão a ser inteiramente confirmada pelo Acórdão ora recorrido.

Ora, sendo certo que esta decisão não conheceu do mérito da causa, menos certo não é que a mesma pôs termo ao processo, porquanto, ao decretar a intempestividade dos embargos, decretou a caducidade do direito que a mesma pretendia fazer valer no processo, assim lhe pondo termo, assim o finalizando.

Ora, sendo esta decisão recorrível nos termos do art. 671º nº 1 do CPC, acima transcrito, dúvidas não ocorrem de que se verifica no caso vertente dupla conformidade decisória, nos termos do art. 671º nº 3 do CPC, porquanto, pese embora a Relação se tenha debruçado sobre as nulidades invocadas pela recorrente, assim como em relação ao abuso de direito que esta veio arguir, julgando tais questões improcedentes, culmina com a plena confirmação da decisão da 1ª instância, implicitamente adoptando a mesma base fáctica e os mesmos fundamentos jurídicos que estruturaram a sentença recorrida.

Vejamos, em primeiro passo, em que consiste a chamada dupla conforme:

Lançando mão às palavras sabedoras de Lopes do Rego acerca do conceito de dupla conforme, diremos que a mesma implica uma coincidência absoluta entre as decisões das instâncias – (em A dupla conforme – Cadernos do STJ – Secções Cíveis, 2021, págs. 19-20): «No seu sentido natural ou normal, a dupla conformidade significará fundamentalmente que quatro juízes – o de 1ª instância, na sentença proferida, – e os três desembargadores que apreciaram a apelação, por unanimidade (isto é, sem voto de vencido) – dirimiram o litígio nos mesmos termos, segundo entendimento jurídico coincidente no que se refere ao segmento decisório que integra a sentença e o acórdão proferidos; era, aliás, esta unanimidade decisória que, no sistema instituído em 2007, legitimava a restrição substancial no livre acesso ao STJ, por tal coincidência decisória poder razoavelmente fazer presumir o acerto da decisão tomada, permitindo dispensar ou desconsiderar inclusivamente a identidade das respetivas fundamentações.

Numa primeira fase, a jurisprudência da Formação orientou-se no sentido de a dupla conforme pressupor a coincidência ou sobreposição total das decisões, implicando qualquer quebra ou dissidência da unanimidade dos juízes o afastamento da dita presunção de acerto e tendencial incontrovertibilidade do decidido, de modo a permitir, sem mais, a interposição da revista normal.

Cedo se tornou, porém, evidente a imprestabilidade deste critério como mecanismo efetivo de filtragem no acesso ao Supremo, já que qualquer mutação, alteração, reforço ou aditamento ao teor decisório da sentença, em comparação com a decisão contida no acórdão da Relação, afastava o obstáculo da dupla conforme.

Tem-se crescentemente sedimentado na jurisprudência do STJ o entendimento – que neste momento é predominante – segundo o qual não pode recorrer para o STJ em revista normal a parte que obteve na Relação – em ação caracterizada pela existência de um objeto processual uno ou incindível – uma decisão de conteúdo mais favorável que o alcançado na sentença apelada (...)».

A dupla conforme forma-se em função das decisões e não das questões apreciadas, apenas podendo a apreciação de questão nova pela Relação relevar para descaracterizar a dupla conforme se, nos termos do art. 671.º, n.º 3 do CPC, dessa apreciação resultar uma fundamentação essencialmente diferente entre as decisões. Neste sentido se pronunciou o acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Janeiro de 2021 (proc. n.º 100/14.0TBSRP.E2.S1), segundo o qual “Cumpre esclarecer que, diversamente do que parece ser o entendimento da Recorrente, a dupla conforme se afere em função da decisão final e não em função de partes da fundamentação da decisão ou de questões por ela apreciadas. Assim sendo, considera-se inteiramente incorrecta e inadequada a metodologia adoptada pela Recorrente de confrontar passagem por passagem a fundamentação do acórdão recorrido, invocando que, sempre que aquela não coincida exactamente com a fundamentação da sentença, não se verificará a formação de dupla conforme.

A dupla conforme, repete-se, afere-se pela decisão final e, nos termos do n.º 3 do art. 671.º do Código de Processo Civil, apenas pode ser descaracterizada se existir voto de vencido ou fundamentação essencialmente diferente.

Ora, no caso dos autos, o acórdão recorrido julgou o recurso de apelação improcedente, confirmando, sem voto de vencido, a decisão da 1.ª instância. Deste modo, os argumentos invocados pela Recorrente apenas poderão relevar se se tiver verificado fundamentação essencialmente diferente.

De acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, e nas palavras do acórdão de 19.02.2015 (proc. n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1), «Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.

- Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.».

De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o cerne fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância, ou seja, somente deixa de existir dupla conforme “quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada” (acórdão do STJ de 17-11-2021 - Reclamação n.º 22990/16.1T8PRT-B.P1-A.S1. Também neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 17-11-2021 (Revista n.º 712/19.5T8LSB.L1.S1), de 04-11-2021 (Revista n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1), de 22-06-2021 (Revista n.º 15319/16.0T8PRT.P1.S1), de 06-05-2021 (Revista n.º 1097/16.7T8FAR.E2.S1, Relator Oliveira Abreu), de 29-04-2021 (Revista n.º 115/16.3T8PRG.G1.S1, Relator João Cura Mariano), de 02-03-2021 (Revista n.º 2622/19.7T8VNF-B.G1.S1).

Neste sentido se pronunciou também ABRANTES GERALDES (Recursos em Processo Civil, 6.ª Ed., Almedina, 2020, pág. 413), defendendo que “a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representa, efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quanto a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância”.

Voltando ao caso que nos ocupa, diremos que a circunstância de a Relação ter ponderado e afastado, julgando improcedentes, as nulidades invocadas à sentença, assim como o abuso de direito subjacente ao procedimento executivo, não descaracteriza a decisão final, como plenamente confirmatória da sentença recorrida, apenas se tendo verificado uma acréscimo de fundamentação, aliás provocado pela apelante, no sentido da sua não verificação, culminando a no exacto sentido da decisão da 1ª instância, pese embora aquelas questões (nulidades e abuso de direito) tenham sido apreciadas ex novo (como não podia deixar de ser) pela Relação, não implicou o conhecimento dessas questões, que têm natureza secundária ou lateral em relação ao cerne decisório, em relação à questão decidenda, qualquer modificação da decisão final, ponto este (a decisão final e não as questões apreciadas) em que deve assentar aquele conceito de dupla conforme.

A entender-se que aquelas questões laterais têm potencial descaracterizador da dupla conformidade decisórias das instâncias, bastaria que a apelante aduzisse um argumento impertinente ou absurdo, por mínimo que fosse, para que o Acórdão da Relação, ao ter de o ponderar e decidir (pese embora o non sense do mesmo), criasse desconformidade decisória, resultado este que o legislador seguramente pretendeu ver afastado.

Assim, verificando-se dupla conformidade entre as decisões das instâncias, e não tendo a recorrente lançado mão da revista excepcional, ao abrigo do art 672º do CPC, embora a revista seja admitida em termos gerais, não é permitida por efeito da conformidade de julgados, como decorre do art. 671° n° 3 do Código de Processo Civil (neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2021 (Revista 1994/06.8TB YNG.PI.SI), de 24 de novembro de 2020 (processo n.° 2549/15.1 T8AVR.P2.51, e de 30 de abril de 2020, processo n° 7459116.2T8LSB-A.L I.S1).

Como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021 (revista 5637/17.6T8PRT.P1.S1), em situação que nos parece similar “não obstante o Recurso de Revista possa ter por objecto as nulidades aludidas nos artigos 615º e 666º do CPCivil, como predispõe o normativo inserto no artigo 674º, nº 1, alínea c) do mesmo diploma, não se pode esquecer que a arguição dos apontados vícios surge acessoriamente à impugnação, obrigatória, do fundo da causa, pois é desta de que cura o recurso e não daqueles, sendo que a Recorrente impugna expressamente a decisão que incidiu sobre as nulidades e pedido de reforma.”

E continua, afirmando que “estando-se numa situação de dupla conformidade decisória, o recurso pertinente seria o de Revista excepcional, cujos fundamentos específicos, os aludidos no artigo 672º, nº 1, alíneas a), b) e c) do CPCivil, se não antolham ter sido enunciados pela Recorrente, motivo pelo qual sempre seria impossível qualquer convolação.”

Pelo que cumpriria à recorrente interpor recurso excepcional, nos termos do art. 672º do Código do Processo Civil, sendo que sempre se teria de avaliar da sua admissibilidade, face aos fundamentos aduzidos pela recorrente (máxime no tocante às nulidades, em que o mesmo sempre seria liminarmente rejeitado, por inadmissível – neste sentido, por todos, o Acórdão do STJ de 15/12/2022 - processo 814/13.1TJVNF.G1.S1), que subscrevemos como adjunto), embora a nosso ver tivesse a Formação de se pronunciar sobre a admissibilidade da revista excepcional (não interposta, repete-se) no tocante à questão do abuso de direito.

Diga-se, por último, que a mera invocação de Acórdãos alegadamente contraditórios com o Acórdão recorrido, aduzida pela recorrente nas conclusões 14º a 17º das suas alegações, não servem o objectivo plasmado no art. 672º nº 1 al. c) do CPC (revista excepcional por contradição do acórdão recorrido com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…”, nem o vertido no art. 629º nº 2 al. d) do mesmo diploma, em que sempre o recurso nos termos gerais seria admitido (por o Acórdão recorrido “estar em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação…), porquanto, para além de a recorrente não enquadrar a revista em tais segmentos normativos, o que sempre lhe competia fazer, não aduz a mesma argumentos nesse sentido, como a tanto a lei adjectiva impõe (art. 672º nº 2 al. c) do CPC).

Teria a recorrente de cumprir o ónus de invocar, como afirma PINTO FURTADO (in, Recursos em Processo Civil, Quid Juris, página 142), “a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no domínio da mesma legislação, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”.

Exige-se, para que se verifique contradição de acórdãos relevante, à luz do art. 629º nº 2 al. d) do CPC, (de acordo com a esquematização feita por Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 74): - Que o acesso esteja vedado por razões não ligadas à alçada, como é o caso; - Que se verifique «uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e no outro aresto (acórdão da Relação ou do Supremo que sirva de contra­ponto), não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é que, a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória»; - Que haja “uma efetiva contradição de acór­dãos, oposição que deve ser frontal e não apenas implícita ou pressu­posta; não bastando para o efeito uma qualquer contradição relativa­mente a questões laterais ou secundárias, a questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos, sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou em torno de meros obiter dicta”; - Que a divergência se verifique “num quadro normativo substancialmente idêntico”.

E importa ainda que se junte cópia do acórdão-fundamento (da Relação ou do Supremo), anteriormente tran­sitado em julgado, e que não haja sobre a matéria acórdão de uniformização de jurisprudência que tenha sido acatado pelo acórdão recorrido.

Como lucidamente se afirma no Acórdão do STJ de 05/02/2020, revista 1225.05.8TBALQ.L2.S1, “entre os requisitos de uma contradição relevante para efeitos da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC está o de que a contradição entre os dois acórdãos seja frontal e o de que a questão, sobre que a contradição recai, seja uma questão essencial ou fundamental para a decisão do caso.”

Sendo claro que a recorrente se limitou a apontar tais arestos, transcrevendo os respectivos sumários, como último reforço argumentativo de ordem jurisprudencial, não cumprindo minimamente aqueles ónus, para que a revista pudesse eventualmente ser admitida à luz de um ou de outro normativo.

Termos em que se decide rejeitar a revista, por inadmissibilidade legal.

Custas pela recorrente”.

Notificada desta decisão, veio a executada embargante AA, ao abrigo do art. 652º nº 3 do CPC, requerer a Conferência, nos termos e com os fundamentos seguintes:

Considerando no essencial o seguinte:

A ora Recorrente e ora Reclamante citada deduziu os competentes embargos de terceiro, alegando, em suma, que efetuou no locado obras necessárias destinadas a garantir condições mínimas de habitabilidade, designadamente canalizações, regularização de roços; pinturas, reparação de 3 quartos, rebocos, tacos, etc…as obras necessárias conferem à Recorrente o direito a ser indemnizada, sendo essa uma das situações em que o pedido reconvencional é admissível.

Tanto o possuidor de boa-fé como o de têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo asregras do enriquecimento sem causa.

3ºNos termos do AC TRL 20541/15.4T8SNT-A.L1-7, de 8/1/2019, citado o cônjuge do executado na ação executiva de que os embargos de terceiro são dependência, nos termos previstos no artº 740º 2 do mesmo diploma legal ( possibilidade de requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação tenha sido requerida), não pode ser considerado “terceiro” paraos efeitos dos artigos 343º e seguintes do Código de Processo Civil, tal como Ac que se junta como Doc. 1.

Ao sustentar-se no acórdão ora recorrido que, não sendo a ora Recorrente parte no processo executivo, nunca tendo sido citada alegando-se apenas que teve conhecimento parece evidente que julgou em sentido contrário ao AC TRL referido sobre a mesma questão de direito.

Nos termos do Ac TRP proferido no proc. 296/09.2TBVRL.P2, de 13/6/2013, erro sobre o objeto do negócio torna este anulável nos termos dos artigos 251º e 247º do CC. O prazo de um ano para a arguição da anulabilidade, no caso de erro ou dolo, começa a contar-se a partir do momento em que o declarante se apercebeu deles. Trata-se de um prazo de caducidade que tem de ser alegado e provado pelo réu, tal como Doc. 2. Ao sustentar-se que a transmissão do imóvel teve lugar em 15 de dezembro de 2021 e que o embargos foram intentados em 13 de setembro de 2022, o acórdão recorrido decide em sentido contrários, sobre a mesma questão de direito na medida em que o prazo de caducidade é de 1 ano e não de apenas 9 meses.

Queiram os Ex. mos Conselheiros deliberar:

Em primeiro lugar, se a companheira do falecido que efetuou obras necessárias durante cerca de 19 anos tem ou não direito a ser indemnizada?

Em segundo lugar, se o “ter tomado conhecimento” tem ou não o mesmo valor jurídico que ser citada, chamada ao processo, designadamente para efeitos de preclusão do direito de ação?

Em terceiro lugar, se o prazo de arguição da anulabilidade contemplado nos artigos 247º e 251º do CPC de um ano pode ser “reduzido” para nove meses, com manifesto prejuízo para a Reclamante?

Em quarto lugar, pese embora tenha ocorrido a compra em processo judicial, transmissão do direito de propriedade, mantendo-se a posse da habitação a Embargante mantem ou não incólume o direito a ser indemnizada pelas obras necessárias?”

Apreciando, diremos, com todo o respeito, que os argumentos ora aduzidos pela recorrente se mantêm na exacta linha das alegações oferecidas na revista e suas conclusões, pretendendo a recorrente que este Tribunal emita uma decisão de méritos sobre as questões de ordem substantiva vertidas no recurso, quando o recurso de revista não pode ser admitido, pela ordem de razões de natureza adjectiva que acima ficaram detalhadamente explicadas, em síntese porque tendo-se verificado dupla conforme decisória entre as instâncias, não sendo por isso admitida a revista nos termos gerais (art. 671º nº 3 do CPC), se impunha que a recorrente, pretendendo um terceiro grau de jurisdição, interpusesse a revista por via excepcional, nos termos do art. 672º nº 1 al. a), b) ou c) do CPC, aduzindo argumentos sérios pertinentes com o enquadramento do recurso numa dessas situações, o que a mesma de todo não fez, não podendo este tribunal, em injustificado procedimento correctivo, como que ultrapassando o princípio da auto-responsabilidade das partes, e em prejuízo da recorrida, convolar a revista interposta nos termos gerais para revista interposta naqueles termos excepcionais, de onde resulta à evidência a inadmissibilidade da revista, como se explanou na decisão singular, que assim deverá manter-se integralmente.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em confirmar o despacho que rejeitou a revista, por legalmente inadmissível.

Custas pela recorrente.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1ª Juíza Adjunta – Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

2º Juiz Adjunto – Senhor Conselheiro Ferreira Lopes