NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
ERRO DE JULGAMENTO
FACTOS NOTÓRIOS
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. A nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal não trata de questões de que deveria conhecer, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II. Tem cabimento enfatizar que no caso de omissão de pronúncia, o vício a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, traduz-se no incumprimento do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras …”.
III. Ou seja, o Tribunal não se encontra vinculado a analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelos litigantes em abono das suas posições, tão somente resolver as questões que lhe tenham sido colocadas, tomando em atenção a configuração que as partes deram ao litígio trazido a Juízo, considerando, assim, os factos jurídicos donde emerge a pretensão deduzida, a par desta mesma pretensão deduzida, outrossim, das exceções porventura invocadas pelo demandado, o que equivale por dizer que questões serão apenas tão só aquelas que integram matéria decisória, nunca perdendo de vista a pretensão que se visa obter.
IV. A nulidade por omissão de pronuncia é um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

Texto Integral


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

I. AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum contra Swiss Life (Luxembourg), S.A., invocando a violação por parte desta de deveres pré-contratuais de informação e, ou contratuais de gestão no âmbito contrato de seguro unit-linked, que identifica, provocando-lhe danos patrimoniais correspondentes à desvalorização das obrigações da ESI que integraram o fundo dedicado associado aquele contrato e, ainda, danos morais relacionados com as preocupações decorrentes de tal desvalorização, pedindo, com esse fundamento, a condenação da Ré na sua reparação, formulando os seguintes pedidos:

“Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, condenando-se, a Ré a pagar à Autora:

(i) A quantia global de € 1.351.516,24 (um milhão, trezentos e cento e cinquenta e um mil quinhentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos), correspondente à soma do prejuízo patrimonial de € 1.027.536,25, dos juros moratórios contabilizados até 06.04.2017 e do valor do dano moral (€ 200.000,00), a que acrescerá juros de mora vincendos;

Caso assim não se entenda, subsidiariamente:

(ii) A quantia global de € 1.199.209,88 (um milhão cento e noventa e nove mil duzentos e nove euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente à soma do prejuízo patrimonial de € 891.628,22, dos juros moratórios contabilizados até 06.04.2017 e do valor do dano moral (€ 200.000,00)”.

2. Regulamente citada, contestou a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. pugnando pela improcedência da ação.

3. Calendarizada e realizada audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condena a R. a indemnizar a A. - pelo prejuízo patrimonial no valor de €1.027.536,25, acrescido de juros de mora desde a citação, perfazendo os vencidos à presente data a quantia de €224.425,18; - por danos não patrimoniais no montante de €20.000,00, quantia esta que vencerá juros a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão (por se tratar de indemnização actualizada a este momento). O Tribunal absolve a R. do demais peticionado.”

4. Inconformada, apelou a Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo se enunciou: “Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que julga a acção integralmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos.”

5. É contra este acórdão, proferido na Relação de Lisboa que a Autora/AA e a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. se insurgem, esta em ampliação do âmbito do recurso.

6. Conhecido o interposto recurso, este Tribunal ad quem concluiu no segmento decisório do respetivo acórdão: “Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/AA, negando-se a revista, mantendo-se a decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação das questões enunciadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.”

7. Notificados os litigantes do acórdão, a Recorrente/Autora/AA reclamou para a Conferência, arguindo a nulidade do acórdão proferido, sem apresentar conclusões, daí que se enuncie toda a argumentação:

“I- INTRODUÇÃO

I. Salvo o devido respeito, o presente Acórdão incumpre, de forma bem nítida, regras nucleares para a boa decisão da causa, que o Direito sanciona incontornavelmente com a nulidade,

Senão vejamos,

2. Sem prejuízo de uma análise mais fina, a efectivar adiante, estão em causa as situações que passamos a descrever:

(i) A Desconsideração total, sem qualquer menção ou justificação, da existência de um Facto Público e Notório, apesar de haver sido amplamente alegado pela Reclamante, v.g. nos artigos 36.º a 45.º, 136.º e 143.º (iv), das alegações de recurso para este colendo Tribunal, especificamente referenciado na Conclusão NNN., após a alusão constante da Conclusão G., com relevo determinante para o sentido da Decisão, sobretudo, considerando os fundamentos invocados, em contravenção ao artigo 412.º, n.º 1, do CPC;

(ii) Concomitantemente, a tese sufragada no Acórdão, no que respeita aos pressupostos da Responsabilidade Civil, v.g. o nexo de causalidade entre os factos ilícitos reconhecidamente praticados pela Ré e os danos sofridos pela Autora, resulta irremediavelmente prejudicada pela irregularidade acima apontada.

3. A Reclamação é apresentada nos termos dos artigos 613.º a 615.º, aplicável por remissão dos artigos 666.º e 685.º, do CPC.

4. Como resulta do artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC, ao desconsiderar, ignorar, omitir qualquer referência a uma matéria tão relevante para a decisão do mérito da causa, que a Reclamante nunca deixou de invocar, nas diversas instâncias, o Acórdão ora colocado em causa padece de um vício que a lei sanciona nos termos vistos.

5. Ignorar a pretensão ora manifestada, constituiria uma violação flagrante do princípio constitucional constante do artigo 20.º, da Lei Fundamental, que visa garantir o acesso de todos os cidadãos aos tribunais e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva.

6. Ademais, a matéria factual ignorada reveste materialidade significativa, como veremos, por integrar o “pano de fundo” a considerar na decisão a adoptar;

7. Ou seja, a primeira das razões apontadas – a desconsideração do Facto Público e Notório com relevo para a causa – complementa e influiu, simultânea e concomitantemente, na segunda – a avaliação do Nexo de Causalidade entre a conduta ilícita e o dano subsequente.

8. Referimo-nos à situação em que se encontrava o Grupo Espírito Santo (“GES”), em geral, e a Espírito Santo International (“ESI”), em especial, v.g. em Março de 2014 - facto que, naturalmente, o tempo vai esbatendo, mas que a Autora/Recorrente/Reclamante se encarregou de invocar nas várias instâncias calcorreadas, embora, incompreensivelmente, não tenha merecido atenção, sinalização, resposta, recusa ou aceitação.

9. Tal facto mereceu divulgação persistente e reiterada em revistas, nos jornais, na rádio, na televisão, v.g., em horários nobre, via reportagens, entrevistas, documentários, pelo que, sendo público e notório, nem careceria de alegação; ainda assim foi alegado, integrando o conhecimento oficial, caso não bastasse o conhecimento oficioso, ou que deriva do desenvolvimento da função jurisdicional.

II - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

10. Segundo o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.

11. Ora, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alª d), aqui aplicável por força da remissão dos artigos 666.º e 685.º, daquela compilação, a omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar acarreta a nulidade da Sentença / do Acórdão.

12. Esta nulidade ocorre quando não haja pronúncia sobre “pontos fácticos jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes”1, como é o caso, quando a Autora/Recorrente, ora Reclamante, já desde o início da lide, invocou a existência de um Facto Público e Notório (a que já se aludiu), que devia ter sido considerado na Decisão a adoptar, o que não aconteceu.

13. Repare-se que estão aqui em causa factos objectivos e não meras questões ou argumentos, principais ou complementares;

14. Mais, um facto Público e Notório, ele próprio invocado e evidenciado por variadíssimos documentos (notícias de jornais e outros mass media), referências a jurisprudência que para ele remetem, alusões resultantes da Comissão de Inquérito da Assembleia da República ao GES), que serão adiante elencados com maior detalhe.

15. Como refere Rui Pinto3, “a falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na primeira parte da referida al. d) e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º)”.

16. Questão essa que, não só é um facto púbico e notório, devidamente suscitada no Recurso de Revista oportunamente apresentado, assinalada nos pontos G. e NNN. das Conclusões, cuja desconsideração ou não pronúncia acarreta, assim, incontornavelmente, a nulidade do Acórdão.

17. Entende a Reclamante que caso tal facto, oportuna e reiteradamente apresentado, tivesse sido levado em conta, a decisão final teria necessariamente sido diversa da que foi tomada.

III -RAZÃO DE ORDEM

18. A sufragar a tese aqui invocada, resulta evidente que o Acordão sub judice padece de um vício sancionado com a nulidade, nos termos vistos.

19. Isto é, o Acórdão em apreço não atendeu, como devia, muito provavelmente induzido pelo acervo transmitido da instância precedente, à existência de um Facto Público e Notório relacionado com a situação de (grave) crise financeira, que se vivia no Grupo Espírito Santo, em especial, na Espírito Santo International, S.A., emitente dos títulos integrados na apólice em causa.

20. Recorda-se que o próprio Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido no âmbito do Processo 04S3165, de 23.02.2005, confirma nos pontos 2. e 3. do sumário, que:

“2. O Supremo pode conhecer do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos provados com fundamento na violação do disposto no art. 514.º do CPC.” (actual artigo 412.º).

“3. Factos notórios são apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação.”

21. O mesmo se retira, mutatis mutandis, do Acórdão do TRC 1803/08.3TBVIS.C1, de 22.06.2010: “I – Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.º, n.º 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente – até – de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal.

II - Não carecendo o facto notório nem de alegação, nem de prova, não deve figurar no questionário.”

22. Mais recentemente, o STJ, em acórdão proferido no Processo 2889/15.0T80VR-A.P1.S1, de 11.03.2021, afirma, no ponto II. que “O STJ goza de plena liberdade na forma linguística e formal como expressa o elenco factual definido pelas instâncias como, estando vinculado aos factos materiais adquiridos nos autos (artigos 607, n.º 4, 663, n.º 2 e 679 do CPC), deve também considerar os factos que resultem de meios de prova com força probatória plena, os factos notórios e, ainda, os factos tidos em conta, mas não enunciados no elenco factual que se mostrem relevantes para a apreciação jurídica da causa.”

23. Em suma, independentemente da forma a adoptar, o STJ deve, salvo o devido respeito, diligenciar no sentido de alterar o Acordão, de modo a acomodar o Facto Público e Notório em apreço, a saber:

No momento em que a Autora/Recorrente/AA e a Ré/Recorrida/Swiss Life (Luxembourg), S.A. celebraram o contrato de seguro Unit-Linked – 21 de Fevereiro de 2014 - era já do conhecimento público que existia uma situação de elevada instabilidade financeira no GES, face às inúmeras notícias divulgadas pelos principais meios de comunicação social, em Portugal, e em alguns jornais estrangeiros, que apontaram inclusive, em finais de Março desse ano, após a divulgação dos resultados de uma auditoria solicitada pelo Banco de Portugal, para a ocorrência de falsificação de contas na Espírito Santo International, S.A., o que deverá ser considerado um Facto Notório nos termos e para os efeitos do artigo 412.º, n.º 1, do CPC.

IV -DO FACTO PÚBLICO E NOTÓRIO

A SITUAÇÃO DA ESPÍRITO SANTO INTERNATIONAL, S.A., EM FINAIS DE MARÇO DE 2014

24. Como referido, à época da ocorrência dos factos que o pleito visa dirimir, a ESI – emitente das obrigações que foram integradas na apólice do contrato de seguro Unit-Linked, celebrado entre as partes – encontrava-se numa situação de pré-falência, de stress financeiro extremo, como foi amplamente divulgado pela comunicação social, embora a referência nuclear fosse o GES.

25. O facto em questão, embora não careça de alegação, foi devidamente invocado pela então Recorrente, entre outros, na Conclusão NNN., do Recurso apresentado, onde se refere: “E que o acórdão a quo procedeu a uma incompreensível desconsideração (quem nem ensaiou rebater) de factos notórios (v.g. a situação da ESI, à época, que nem um player financeiro desleixado ou incompetente podia desconhecer…”,

26. Após lhe ter aludido, genericamente, é certo, na Conclusão G., nos seguintes termos: “Entende a aqui Recorrente que tal decisão não fez uma correcta subsunção dos factos ao direito e omitiu ou ignorou, de forma grave, porque notória, a existência de um enquadramento factual adicional, oportunamente invocado na PI e densificado nas Contra-alegações ao recurso apresentado junto do TRL (cfr. artigo 514, n.º 1, do CPC);

27. Ou seja, uma vez que “… o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/ Autora/AA e da Recorrente/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso…”, como refere o Acórdão objecto de reclamação, a págs. 36 de 51,

28. Resulta evidente que o facto sub judice – isto é, a situação em que se encontrava o emitente dos títulos e o seu conhecimento público – integra o objecto do recurso, sem prejuízo de constituir matéria do conhecimento oficioso do Tribunal.

29. O tema ali cristalizado foi, naturalmente, desenvolvido nos artigos 36.º a 44.º, do Recurso respectivo,

30. Onde a então Recorrente, sob o artigo 37.º, remete para os pontos 452 a 502, Parte III, (iii), das contra-alegações apresentadas, enquanto Recorrida, junto do TRL, para evitar redundâncias, como afirma,

31. Não sem antes referir no ponto 38.º, que: “Resulta claro que, à época, considerando as circunstâncias de tempo e lugar, algo se passava no “grupo” empresarial sub judice, v.g. na ESI, na sequência de inúmeras notícias divulgadas junto dos Mass Media, nacionais e estrangeiros, com abertura de telejornais, como se depreende dos exemplos ali apresentados, aliás, a título meramente exemplificativo.”

32. Continuando, no ponto 39.º: “E, naturalmente, alguém com responsabilidades a nível da gestão da coisa financeira não podia, não devia, não é crível que em Fevereiro de 2014 não houvesse constatado que face aquilo que tinha sido divulgado por muitos urbi et orbi – prejuízos avultados e falsificação de contas na ESI, entre muitos indícios preocupantes – existiam riscos avultados e acrescidos que envolviam a ESI, enquanto emitente-mor do reino,”

33. E, quanto aos pontos 452 a 502, das contra-alegações apresentadas, eis um resumo daquilo que ali consta:

(i) Em Outubro de 2013, foram tornados públicos, pela voz do cidadão BB, sérias irregularidades na ESI - veja-se o Relatório da Comissão Parlamentar de inquérito, melhor identificado infra, a págs. 23 a 30 – Arts. 171.º a 174.º da PI,

(ii) Onde a pág. 25, menciona que: “Após a descoberta da ocultação de passivo, em Novembro de 2013, e após a sua quantificação mais detalhada, em Abril/Maio de 2014, ao Banco de Portugal é remetida informação apresentada por CC, além do depoimento prestado pelo Comissaire aux Comptes da ESI, DD, a um escritório de advogados do Luxemburgo.”

(iii) Veja-se, neste sentido, o Acordão TRL 25924/15.7T8LSB-A.L1-1, de 12.07.20226, que cita o “Wall Street Journal”7, de 12.12.2013, que alerta para os problemas financeiros que envolviam esse conglomerado de empresas,

(iv) Referindo, ainda, que: “LI. No dia 25 de Março de 2014 foi publicado um artigo revelando que o Banco de Portugal, na sequência de uma auditoria da KPMG feita à ESI, havia obrigado a ESFG à criação de uma provisão de 700 milhões de euros para garantir pagamento de papel comercial vendido aos balcões do BES. LII. Em artigos publicados na imprensa datados de .../.../2014, .../.../2014, .../.../2014, .../.../2014, .../.../2014, .../.../2014, .../.../2014 e .../.../2015, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, são referidas questões relacionadas com dívida emitida pelo Grupo Espírito Santo, designadamente, pela ESI.”

Continuando,

(v) No dia 16.08.2013, o jornal “Público” alertava em parangonas para “Holding do grupo Espírito Santo com prejuízo 63,8 milhões no primeiro semestre”. https://www.publico.pt/2013/08/16/economia/noticia/holding-do-grupo-espirito-santo-com-prejuizo-638-milhoes-no-primeiro-semestre-1603212

(vi) E, na sua edição de 18.09.2013, sob o título “Fundos do BES investem milhões em empresas ligadas à família Espírito Santo”, noticiava que: “A auditora KPMG emitiu em Junho deste ano observações relevantes (“ênfases”) às contas dos dois fundos a alertar para o padrão das aplicações, concentradas em entidades ligadas à família Espírito Santo, com destaque para as duas holdings cabeças do grupo (1,2 mil milhões), a Espírito Santo International e a Espírito Santo Irmãos”. (negrito nosso).

https://www.publico.pt/2013/09/18/economia/noticia/fundos-do-bes-investem-milhoes-em-empresas-ligadas-a-familia-espirito-santo-1606185

(vii) Outras notícias foram sendo reportadas por esse diário, como, por exemplo, as edições de ........2014 e de ........2014, umas mais específicas, outras mais genéricas, sobre a ESI e o GES:

https://www.publico.pt/2014/03/26/economia/noticia/bdp-agiu-no-caso-espirito-santo-apos-alertas-de-clientes-e-entidadesde-rivais-1629685

(viii) Também o jornal “Expresso” 8 abordou exaustivamente o tema, a saber: ... de ... de 2013, noticiou que BB (BB) levantou dúvidas sobre o funcionamento e as contas da holding da família Espírito Santo. Essa notícia refletiu a preocupação de BB em relação à gestão e à transparência financeira da empresa controlada pela família Espírito Santo. (Cfr. pág. 14 da referida edição, assinada por EE, FF e GG); ... de ... de 2013, destacou que o BES colocou papel comercial do grupo junto de clientes de retalho para realocar a dívida da ESI. Começando por colocar €1000 milhões em investidores institucionais. (Cfr. pág.6 da referida edição, assinada por HH e EE.); ... de ... de 2013, noticiou que uma das formas utilizada pelo BES, para conseguir cumprir o limite de 20% de ativos em fundos sob gestão, foi colocar dívida de algumas das empresas do universo GES em clientes de alto rendimento do banco. E a forma encontrada foi a venda de papel comercial de algumas dessas empresas, tais como a Espírito Santo International. (Cfr. pág.12 da referida edição, assinada por HH). ... de ... de 2013, reportou que o AA (ESFG) havia registado um prejuízo de € 107,5 milhões nos primeiros nove meses de 2013, em contraste com um lucro de € 254 milhões no mesmo período do ano anterior. (Cfr. pág.17 da referida edição, assinada por II e HH). ... de ... de 2014, destacou a situação desafiadora enfrentada pelo BES devido a uma crise de financiamento, decorrente do elevado endividamento das empresas

pertencentes ao grupo. (Cfr. págs.16 e 17 da referida edição, assinada por II e HH). ... de ... de 2014 – Banco de Portugal pediu uma auditoria externa à ESI para apurar se esta empresa teria a capacidade para cumprir os compromissos assumidos perante os investidores que compraram o seu papel comercial aos balcões do BES. (Cfr. págs. 1 e 14 da referida edição, assinada por II, HH e EE). ... de ... de 2014, ao ter acesso aos relatórios da auditoria destacou que foram identificadas insuficiências financeiras de cerca de € 2,5 mil milhões na ESI. (Cfr. págs. 1, 8 e 9 da referida edição, assinada por HH, EE e JJ).

(ix) Por sua vez, o “Jornal de Negócios” de ........2014 e de ........2014 noticiava, de igual modo, as suspeitas sobre as contas da ESI e a auditoria que o Banco de Portugal ordenou à ES International,

https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/banca---

financas/detalhe/banco_de_portugal_pede_auditoria_externa_a_holding_do_ges https://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/detalhe/psi_20_sobe_346_na_semana

(x) Esses alertas já vinham, como foi referido, do exercício de 2013, como na edição de 15.10.2013, https://www.jornaldenegocios.pt/mercados/fundos-de-investimento/detalhe/cmvm_acompanha_com_especial_atencao_papel_comercial_do_g es

(xi) O Relatório Parlamentar da Comissão de Inquérito à Gestão do BES e do GES alude, bem assim, à descoberta da ocultação do passivo da ES International, em Novembro de 2013 (pág. 25, daquele relatório),

(xii) A pág. 132 explica, de forma impressiva, “Foi assim, em resultado deste exercício de supervisão, do ETRICC 2 — feito de acordo com o modelo de supervisão adotado pelo Banco de Portugal — que, no final de Novembro, foi detectado que as contas até então divulgadas publicamente pela Espírito Santo International não reflectiam a sua verdadeira realidade financeira.”

(xiii) Ou seja, se quanto ao BES, poucos se atreveriam a adivinhar o desfecho que culminou com a Medida de Resolução, em Agosto de 2014,

(xiv) Até porque o Banco de Portugal tinha adoptado, em finais de 2013 e início de 2014, as chamadas medidas de ring-fencing, estabelecendo como que uma “cerca sanitária” em seu redor, ou uma blindagem, de modo a evitar que os problemas com outras empresas do “grupo” pudessem contaminar o banco,

(xv) Certo é que só um gestor financeiro descuidado, negligente, sonolento, podia aceitar, de ânimo leve, que um portfolio / uma carteira / uma apólice de seguro pudesse integrar, e integrar apenas, títulos emitidos pela ES International….

(xvi) Aliás, consta da matéria de facto assente, sob o n.º 3911 que: “Entre o período que mediou a emissão da apólice e o colapso do GES as obrigações referidas nas alíneas (iii) e (iv) do facto 35, venceram, tendo ficado o respectivo valor, de cerca de € 388.000,00, depositados no BPES”

(xvii) E, consultado o facto 35, nas suas alíneas (iii) e (iv), poder-se-á constatar que o vencimento ocorreu, respectivamente, nos dias 25.04.2014 e 23.05.2014.

Em resumo,

(xviii)

(xix)

(xx) O problema não é tanto a perda, que é um risco subjacente a qualquer produto financeiro, mas sim a forma leviana, dolosa, ilícita, descuidada, como a Swiss Life (Luxembourg) S.A. (não) actuou, mesmo após a divulgação de notícias recorrentes sobre a ESI, a apontar para prejuízos e falsificação de contas,

Estando em causa, quanto ao GES e, em particular, a ESI, um facto público e notório, porque percepcionado pelos cidadãos em geral, nos termos do disposto no art.º 412, do CPC – que o Tribunal deve atender e considerar, sempre salvo melhor opinião, na decisão a adoptar.

Paradigmática, até por representar um Marco Temporal decisivo, a notícia acima relatada, publicada no jornal Expresso, ... de ... de 2014, ao ter acesso aos Relatórios da Auditoria destacou que foram identificadas insuficiências financeiras de cerca de € 2,5 mil milhões na ESI. (Cfr. págs. 1, 8 e 9 da referida edição, assinada por HH, EE e JJ),

(xxi) Ali se alude, de facto, ao resultado de uma Auditoria, diligência analítica, estudo financeiro aprofundado, inspeção aturada, que não podia deixar de ser considerada pela Swiss Life (Luxembourg), S.A.;

(xxii) Em linha, naturalmente, com a informação constante da página 133, do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito acima melhor identificado, onde se refere que “(…) A informação transmitida ao Banco de Portugal, no âmbito do ETRICC2, não foi de imediato remetida à CMVM ou comunicada ao mercado, nem junto dos investidores detentores de papel comercial da ESI. Ao que foi possível apurar pela CPI, apenas no final de Março de 2014 o Banco de Portugal aborda este tema junto da CMVM, em reunião tida entre estas duas entidades no dia 25 de Março de 2014.”.

V - A REVISÃO DO ACORDÃO À LUZ DO FACTO NOTÓRIO SUB JUDICE

34. Refere o Acordão, no ponto 8, página 40, que: “(…) as instâncias convergem no reconhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual e/ou contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido da prestação de informação errónea e/ou insuficiente, na quadro da relação negocial; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil; e o dano, correspondente aos ativos subjacentes ao contrato de seguro de vida unit-linked que deixaram de ter valor, por terem deixado de ser transacionáveis, bem como, danos não patrimoniais, enquanto sofrimentos da Autora decorrentes do conhecimento das condições do contrato de seguro e se ter apercebido de que perdera aquele valor; encontrando-se a dissensão das Instâncias (sendo objeto desta revista, como já adiantamos) na verificação do pressuposto da obrigação de indemnizar, concretizado no exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida.” .

35. Continuando no ponto 9., páginas 41 e 42, “Respigamos, com utilidade, do aresto recorrido, confirmatório da sentença, no que tange aos pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, a culpa, e o dano, que este Tribunal ad quem sufraga: (…)”, que a Reclamante aceita e reconhece.

36. E, no ponto 10.: “isto posto, importa agora tecer algumas considerações sobre aqueloutro pressuposto da obrigação de indemnizar, concretizado no já enunciado nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, com apreciação divergente das Instâncias, sustente a Recorrente/Recorrida/Autora/AA a bondade da solução encontrada em 1ª Instância, traduzida na sua verificação, pugnando, ao invés, a Recorrente/Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. a manutenção da orientação sufragada pelo Tribunal a quo que julgou inverificado este pressuposto da obrigação de indemnização.”

37. Para, em seguida, no ponto 11., referir: “Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

38. Assim definidas as “balizas”, que a Reclamante não ousa, nem tem legitimidade para colocar em causa, será que o Facto Notório e Público aqui trazido à colação afecta, condiciona ou tem influência no pressuposto “nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano sofrido”?

VI - Análise do Nexo De Causalidade à luz da matéria cuja apreciação foi omitida

39. Antes de mais, cumpre referir que impressiona o rol dos actos ilícitos praticados pela Swiss Life (Luxembourg) S.A.;

40. Impressiona, ainda, a visão estanque dos pressupostos da responsabilidade civil, como se estivéssemos perante compartimentos autónomos, sem relação entre si,

41. Impressiona, bem assim, a visão “minimalista” com que o Instituto é abordado, sobretudo, em casos deste tipo, perguntando-se aos MM. Juízes Conselheiros se conseguem teorizar um caso em que num juízo a posteriori seja possível fazer prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano,

42. Dando razão aqueles que falam em “prova diabólica” ou impossível, contrariando a doutrina que defende uma interpretação flexível, de modo a evitar soluções injustas e iníquas.

43. KK alude á ideia de “(…) sistema móvel ou flexível de responsabilidade civil…”, ao qual “… não importa o preenchimento de critérios legais e todos em igual quantidade, mas sim um sistema onde se podem aplicar juízos de reprovabilidade se um dos requisitos é preenchido em um nível muito mais elevado do que o razoável, em desfavor de outro critério que não é averiguado em toda a plenitude exigida pela lei, com o fim de corrigir injustiças que podem resultar de elementos como, por exemplo, o tudo ou nada promovido em sede de nexo causal.”

44. Na obra identificada na nota 12, o autor explica que “Tal sistema tem algum desenvolvimento e aceitação da doutrina em Portugal, principalmente em comparação com o seu desconhecimento no Brasil, sendo corrente a doutrina portuguesa emprega-lo para compreender novas demandas da vida diante do direito positivo, ou ao menos para considerar opções legislativas para o direito vigente. A dificuldade de demonstração do nexo causal poderia ser ultrapassada pela aplicação da ideia de sistema móvel, visando o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por meio de uma ponderação, como um todo, dos vários elementos que compõem o caso concreto, de onde uma incerteza sobre o nexo causal poderia ser compensada pelo alto grau de reprovabilidade da conduta, atribuindo um maior peso à culpabilidade para compensar a prova escassa do liame causal.” (negrito nosso).

45. Seja como for, a Reclamante entende que a existência do Facto Público e Notório, que constitui o core da pretensão aqui formulada, aporta um elemento novo e absolutamente decisivo para a inversão do sentido da causa,

46. De facto, como foi invocado, em Março de 2014, aliás, já antes, como se demonstra por uma leitura das peças noticiosas a que se fez alusão, entre muitas outras, eram bem conhecidos os problemas financeiros, que envolviam o GES, em geral, e a ESI, em especial, referenciando uma eventual falsificação de contas, que impunha um comportamento diferenciado por parte da Swiss Life (Luxembourg), S.A..

47. Assim sendo, resulta incontornavelmente prejudicado o entendimento constante do Acordão do STJ (págs. 45 e 46), que considera imprevisível o colapso do GES, sobretudo, no que respeita à desvalorização total das obrigações da ESI,

48. Ali vem referido: “Daí que, considerando como imprevisível o colapso do GES, que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, onde nem a Autora/AA, nem qualquer outra entidade, colocada na mesma posição, podia antecipar ou prevenir, não faz sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, cogitar, tão pouco, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg, S.A. qualquer responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, pois, não é concebível exigir-se que, nestas circunstâncias, em face de um acontecimento imprevisível, inesperado, invulgar, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo.” (negrito nosso).

49. De facto, nos termos vistos, as circunstâncias que enquadravam a situação de vida, no tempo e lugar assinalados, isto é, no momento da formalização do contrato de seguro em causa e o abismo subsequente, em que era público e notório, repete-se, a existência de problemas sérios e graves no GES / ESI, tornavam “tudo menos imprevisível”, bem pelo contrário, o colapso da ESI,

50. Mais, se para a generalidade dos observadores, com reduzida literacia financeira, estariam em causa o Grupo Espírito Santo ou a Família Espírito Santo, já de um player financeiro, que gere milhões, que acompanha os mercados, sujeito a padrões comportamento e actuação exigentes (o fidelissimus pater famílias), exigia-se uma acção assertiva tendente a prevenir um desfecho, já previsível e expectável, ou pelo menos, nunca “imprevisível”, “inesperado” ou “invulgar”,

51. Nunca “imprevisível”, “inesperado” ou “invulgar” – à época – em que o país recuperava da crise financeira de 2007/8 e, sobretudo, da crise das dívidas soberanas que conduziu a uma intervenção externa (da chamada “Troika”) para assegurar o financiamento regular do Estado,

52. Nunca “imprevisível”, “inesperado” ou “invulgar”, após a divulgação de desavenças accionistas no seio do GES, a existência de elevados prejuízos e a divulgação de falsificação de contas numa entidade holding, com sede no Luxemburgo, não cotada, nem auditada….

53. Daqui se retirando, concomitantemente, a conclusão inversa, ao não se verificar a premissa em que se baseia a conclusão supra sinalizada: Daí que, considerando como previsível o colapso do GES, que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, onde quer a Autora/AA, quer, sobretudo, uma entidade financeira, colocada na mesma posição, podia antecipar, faz sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg, S.A. a responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, pois, é concebível exigir-se que, nestas circunstâncias, em face de um acontecimento previsível, possível, e até expectável, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo. (reformulação nossa).

54. Este entendimento encontra, por outro lado, apoio na restante matéria de Facto, a saber:

(i) As obrigações ESI a integrar na apólice passaram a ser propriedade da Seguradora, conforme assegurado por LL;

“7- LL referiu tratar-se de uma solução de aforro, em que o tomador do seguro transferia para a Seguradora, a título de prémio, dinheiro e/ou valores mobiliários que passavam a ser propriedade da Seguradora.”

“64- De acordo com a cláusula 30 das Condições Gerais os activos subjacentes ao contrato são propriedade exclusiva da R., a qual é titular de todos os direitos e obrigações eventualmente associados.”

(ii) Face à apresentação de LL, a A. ficou convencida que a Seguradora passaria a gerir as obrigações ESI;

“8- Dessa apresentação a A. ficou convencida que a seguradora passaria a gerir o capital ou valores mobiliários para si transferidos.”

73- Na reunião em que os impressos foram preenchidos e assinados não foi explicado à Autora que seria ela a gerir os activos, nem que a Ré ficava desonerada de aconselhamento e da gestão do portfolio, pretendida pela Autora.

(iii) Na reunião efectuada, ficou cabalmente demonstrado que a A. era uma pessoa sem qualquer experiência na gestão de produtos financeiros,

“21- LL questionou a Autora sobre a sua profissão e a sua experiência profissional, perguntando-lhe, nomeadamente, se tinha experiência no sector financeiro.

22- A Autora respondeu que não tinha qualquer experiência no sector financeiro, sendo ... de ... na Universidade de ....

23- Efectivamente a A. não tinha e não tem experiência no sector financeiro, em operações financeiras, nem em títulos mobiliários.

73- Na reunião em que os impressos foram preenchidos e assinados não foi explicado à Autora que seria ela a gerir os activos, nem que a Ré ficava desonerada de aconselhamento e da gestão do portfolio, pretendida pela Autora.

(iv) Acresce que, como resulta do exposto nos Factos Provados 35 [(vidé alíneas (iii) e (iv)] e 39, pelo menos, até ao dia ... de ... de 2014 era possível o resgate ou a alienação das obrigações ESI.

“39– Entre o período que mediou a emissão da apólice e o colapso do GES as obrigações referidas nas alíneas 8iii) e (iv) do facto 35 venceram, tendo ficado o respectivo valor, de cerca de € 388.000,00, depositado no BPES.”

Em suma,

55. A consideração do Facto Público e Notório, agora e sempre invocado, junto do Tribunal de 1ª Instância, junto do Tribunal da Relação e junto do Supremo Tribunal de Justiça, mas nunca tomado em consideração, como devia, sem qualquer razão que o justificasse, altera, de forma substancial, o sentido da decisão jurisdicional a adoptar,

56. Não pode, de facto, pretender-se que a situação da ESI e, consequentemente, dos títulos por si emitidos, seria semelhante à situação em que se encontra um qualquer emitente, em situação de normalidade, pois era já (ou já era) do conhecimento geral que existiam problemas graves no GES e, sobretudo, na própria ESI,

57. Situação tanto mais grave por estar em causa um título não cotado em mercado regulamentado (onde existe mais liquidez e a formação do preço é mais transparente) - emitido por uma holding não sujeita a supervisão do Banco de Portugal, da CMVM, ou de qualquer congénere do Luxemburgo, não auditada - integrado numa apólice (ou carteira) em exclusividade…

58. Apólice essa que era propriedade da Swiss Life (Luxembourg), S.A., com todos os direitos e obrigações inerentes, maxime, o acompanhamento da evolução do emitente e a adopção de medidas adequadas à prevenção de danos.

59. Ficando, assim, cabalmente esclarecido que além do Facto, da Ilicitude, do Dano e da Culpa, verifica-se o Nexo de Causalidade entre o facto e o dano, por omissão grave dos deveres a que a Ré/Recorrente/Swiss Life (Luxembourg) S.A. estava adstrita.

60. Uma circunstância tão relevante como aquela que aqui sinalizámos – problemas / dificuldades / prejuízos / desavenças no GES e na ESI, nesta última acrescida de suspeitas de falsificação de contas – implicaria uma acção decidida, destinada a evitar ou, pelo menos, minorar o evento danoso.

61. É o que resulta do disposto nos artigos 486.º e 563.º, do Código Civil, que prevê, naturalmente, a relevância da omissão, susceptível de desencadear a obrigação de indemnização, desde que se trate de um dano que provavelmente (ou certamente) não se teria verificado, se não fosse a omissão.

62. Recordamos, a este respeito, que exige-se uma conduta do intermediário financeiro, conduta essa que pode consistir numa acção mas “consubstanciar-se-á mais frequentemente numa omissão da prestação devida ou numa violação negativa dos respectivos deveres, dada a natureza pró-activa da grande maioria destes deveres (v.g. omissão da prestação da informação devida ao cliente, do juízo de adequação sobre as operações de investimento deste, da prevalência dos interesses do cliente, do envio dos extractos periódicos, etc.)”

63. No caso de que curam os autos, atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, a Ré/Recorrente/Swiss Life (Luxembourg, S.A.) é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar e conhecer a cliente, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a sua actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave, a que acresce a obrigação de actuar – isolada ou concertadamente com a Autora AA – de modo a evitar que um prejuízo iminente se concretizasse.

64. Ademais, como já mencionado e como consta da matéria de facto provada, em gravíssima violação dos seus deveres, a R. não deu cumprimento ao dever de categorização da cliente, tendo o seu representante desvirtuado a informação que então lhe foi dada pela A. quanto ao valor o seu património mobiliário, não a tendo igualmente informado acerca das implicações daí decorrentes.

65. Ora, uma gestão profissional, diligente e activa – como era para a A. expectável que a R. fizesse, ou a que a A. procuraria junto de terceiros se não tivesse sido convencida pela R. que tal gestão profissional estaria assegurada – poderia ter levado ao resgate daqueles títulos e aquisição de outros activos, ou a qualquer outra operação financeira, antes de ter ocorrido o colapso do GES no verão de 2014 (Facto provado 37),

66. Mais, reitera-se, a existência de um Facto Público e Notório, nos termos aqui expendidos, implicaria que a Swiss Life (Luxembourg) S.A., de per si, ou após um contacto com a DrªAA, actuasse no sentido de proceder à venda dos títulos ESI, assim evitando o elevado prejuízo material e não patrimonial verificado.

67. Tanto mais que, pelo menos, em Maio de 2014, era ainda possível transaccionar os títulos ESI 21 em causa (cfr. conjugação dos factos provados n.º 35 (iii) e (iv), 37 e 39).

68. No entanto, tal não sucedeu e as obrigações que a A. transferiu para R. foram deixadas à deriva, sem qualquer tipo de gestão, produzindo-se na esfera jurídico-patrimonial da A. o dano correspondente ao valor daqueles títulos, deduzido do montante de € 331.544,07 (cfr. factos 82 e 83) – fruto dos títulos que lograram atingir a maturidade (cfr. facto 39) e das comissões devidas à R. no domínio da execução contratual – o que perfaz um total de €1.027.536,25.

69. Por outro lado, para além dos danos de natureza patrimonial, a A. sofreu, de igual modo, danos de natureza não patrimonial, como resultou provado pelos factos n.º 49, 50 e 84,

70. Razão pela qual terá necessariamente de se concluir que a Swiss Life (Luxembourg), S.A. agiu ilicitamente e com culpa, provocando à Autora/Recorrente/aqui Reclamante, danos de natureza patrimonial e não patrimonial, verificando-se o nexo de causalidade entre a actuação da primeira com os danos sofridos pela segunda.

71. Fora a Swiss Life (Luxembourg), S.A. diligente, assim que tomasse conhecimento do Facto Público e Notório decorrente da situação do GES, e depois a constatação da existência de um “tumor” na ESI, que os resultados da Auditoria evidenciaram (no dia ... de ... de 2014, cfr. notícia do Expresso, e subsequentemente), promoveria de imediato a venda das obrigações emitidas pela entidade visada.

Termos em que, face a todo o exposto, deve a presente reclamação ser admitida e, em consequência, ser o Acórdão proferido a 15/03/2024 declarado nulo e substituído por outra decisão sem o vício invocado.”

8. Foi apresentada resposta à reclamação para a Conferência, tendo a Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. pugnado pela manutenção do acórdão reclamado.

9. Foram cumpridos os vistos.

10. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Nulidade do acórdão reclamado

Conforme estatui o direito adjetivo civil, uma vez proferido o aresto, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa, sendo lícito ao Tribunal, porém, suprir nulidades - art.º 613º nºs. 1 e 2 ex vi artºs. 666º n.º 1 e 679º, todos do Código de Processo Civil).

Percebemos da leitura da douta reclamação apresentada, decorrer da mesma a invocação da nulidade do acórdão proferido por este Tribunal ad quem, por omissão de pronuncia.

O direito adjetivo civil enuncia no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal não trata de questões de que deveria conhecer, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Tem cabimento enfatizar que no caso de omissão de pronúncia, o vício a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, traduz-se no incumprimento do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras …”.

A consignada disposição adjetiva civil (alínea d) do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil), correspondendo ao preceito plasmado no direito adjetivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o art.º 688º alínea d), do Código de Processo Civil, suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exato da expressão “questões” ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na página 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Na esteira desta perspetiva, doutrina e jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos”, concluindo que só a falta de apreciação das primeiras - das “questões” - integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Ou seja, o Tribunal não se encontra vinculado a analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelos litigantes em abono das suas posições, tão somente resolver as questões que lhe tenham sido colocadas, tomando em atenção a configuração que as partes deram ao litígio trazido a Juízo, considerando, assim, os factos jurídicos donde emerge a pretensão deduzida, a par desta mesma pretensão deduzida, outrossim, das exceções porventura invocadas pelo demandado, o que equivale por dizer que questões serão apenas tão só aquelas que integram matéria decisória, nunca perdendo de vista a pretensão que se visa obter.

É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada, importando saber, por isso, se o aresto proferido padece da alegada nulidade.

Sublinhamos que a Recorrente/Autora/AA reclama que este Tribunal ad quem desconsiderou, sem qualquer menção ou justificação, a existência de um facto público e notório, apesar de amplamente alegado nas alegações de recurso, condizente “à situação em que se encontrava o Grupo Espírito Santo (“GES”), em geral, e a Espírito Santo International (“ESI”), em especial, nomeadamente, em março de 2014”, desconsideração esta com relevo determinante para o desfecho da demanda, considerando os fundamentos invocados.

Como já adiantamos, a Autora/AA intentou a presente ação invocando a violação, por parte da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. de deveres pré-contratuais de informação e, ou contratuais de gestão no âmbito contrato de seguro unit-linked, identificado nos autos, provocando-lhe, alegadamente, danos patrimoniais correspondentes à desvalorização das obrigações da ESI que integraram o fundo dedicado subjacente ao ajuizado contrato e, ainda, danos morais relacionados com as preocupações decorrentes de tal desvalorização, pedindo, com esse fundamento, a condenação da Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. na sua reparação.

A questão a decidir nos presentes autos, gira, assim, como consignamos no acórdão, ora reclamado, com a pretensão da demandante a ser indemnizada pela demandada, pela perda de valor das obrigações emitidas pela ESI, de que era titular, pelo menos, desde data anterior a agosto de 2007, e que transmitiu para a demandada, em abril de 2014, a título de prémio do contrato de seguro de vida unit-linked, intitulado pelas partes de “contrato de seguro de vida ligado a um ou vários fundos de investimento / Instrumento de Captação de Aforro Estruturado - Produto Financeiro Complexo”, celebrado entre ambas, em fevereiro do mesmo ano, mas que deixaram de ser transacionáveis, perdendo todo o seu valor, na sequência do colapso do Grupo Espírito Santo (“GES”).

Ao encontrar a solução para o presente litígio, este Tribunal ad quem deixou expressamente referido que a dissensão das Instâncias na verificação do pressuposto da obrigação de indemnizar, encontra-se na apreciação do exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, sendo este o objeto desta revista.

A este propósito, respigamos do acórdão reclamado:

“10. Isto posto, importa agora tecer algumas considerações sobre aqueloutro pressuposto da obrigação de indemnizar, concretizado no já enunciado nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, com apreciação divergente das Instâncias, sustentando a Recorrente/Recorrida/Autora/AA a bondade da solução encontrada em 1ª Instância, traduzida na sua verificação, pugnando, ao invés, a Recorrente/Recorrida/Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. a manutenção da orientação sufragada pelo Tribunal a quo que julgou inverificado este pressuposto da obrigação de indemnização.

(…)

12. No que a este pressuposto da obrigação de indemnizar respeita, impõe-se desde já sublinhar que os deveres de informação, reconhecidamente violados pela Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. não se reportam à subscrição dos ativos subjacentes, mas antes à contratação do seguro em si, até porque as obrigações da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro de vida unit linked já eram da Autora/AA (ou dos seus familiares) muitos anos antes da contratação do ajuizado seguro, sendo que a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. nenhuma intervenção teve na decisão da Autora (ou dos seus familiares) de adquirir, renovar e manter, no seu património, as aludidas obrigações da ESI, tão pouco a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. estava adstrita a qualquer dever de informação, aconselhamento e intermediação financeira, no que se refere aos títulos da ESI, que constituíram o fundo associado.

O risco de desvalorização dos ativos subjacentes, no caso, obrigações da ESI que constituíram o fundo associado ao contrato de seguro de vida unit linked, corre inteiramente por conta do tomador do seguro, como resulta do clausulado contratual, onde, nas condições gerais do seguro contratado se textua:

(…)

Daqui decorre que nem antes da celebração do contrato de seguro de vida unit linked ou durante a sua execução, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. assumiu obrigação de reembolsar a Autora/AA por eventuais perdas que viessem a verificar-se em resultado da volatilidade e oscilações dos títulos da ESI entregues.

O reclamado dano sofrido pela Autora/AA advém, assim, não da violação de deveres de informação aquando do outorga do contrato de seguro de vida unit linked, conduzindo a uma maior exposição ao risco por errada classificação da apólice como fundo C, ou da ausência de gestão dos títulos que integravam o fundo, mas de um facto absolutamente estranho às circunstâncias e outras cambiantes da celebração do articulado contrato de seguro de vida unit linked, aos termos do próprio contrato, à relação entre as partes, e/ou mesmo à própria gestão dos ativos subjacentes.

Ao demonstrar-se adquirido processualmente apenas que: “A A. não tinha conhecimentos nem aptidões para gerir os activos e não teria aderido ao seguro/produto em causa se soubesse que tal atribuição lhe ficaria afecta e que a R. não faria a gestão dos activos.”, impõe-se afirmar que esta facticidade não encerra virtualidade bastante para sustentar o exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, aquando do celebração do contrato de seguro de vida unit linked, e os danos reclamados, donde, está arredada a obrigação de indemnizar, pois, o reconhecido facto ilícito foi irrelevante para a produção dos danos reclamados.

Caso diverso seria se da facticidade demonstrada se pudesse concluir que se a apólice tivesse sido qualificada corretamente (tipo B), a Autora teria aceitado celebrar o contrato e, para isso, teria aceitado alienar 90% das obrigações ESI que detinha; que se a Autora soubesse que teria de fazer a gestão dos ativos, a teria feito no sentido de alienar parte ou a totalidade das obrigações da ESI que integravam o fundo dedicado; que caso tivesse sido designada uma entidade qualificada para a gestão dos ativos transferidos pela Autora, tal entidade teria alienado as obrigações atempadamente (ou que a Autora lhe teria dado instruções nesse sentido), o que não decorre dos autos.

Ademais, esta demonstração nos autos de que se a Autora/AA tivesse sido devidamente informada não teria celebrado o contrato dos autos, importaria, em todo o caso, reconhecer apenas que, neste caso (ausência do contrato de seguro de vida unit linked), as obrigações emitidas pela ESI, enquanto ativo subjacente, teriam permanecido na esfera jurídica da Autora/AA que veria o seu património reduzido, e sempre teria sofrido as preocupações decorrentes da perda de património, uma vez que tal decorreria do subsequente colapso do GES, circunstância excecional para a qual nada contribuiu a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A., daí que, considerando como imprevisível o colapso do GES, que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, onde nem a Autora/AA, nem qualquer outra entidade, colocada na mesma posição, podia antecipar ou prevenir, não faz sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, cogitar, tão pouco, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. qualquer responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, pois, não é concebível exigir-se que, nestas circunstância, em face de um acontecimento imprevisível, inesperado, invulgar, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo.

13. Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a adquirida matéria de facto, divisamos que o consignado no aresto sob escrutínio vai no sentido do que acabamos de discretear, daí acompanharmos a solução encontrada pelo Tribunal recorrido, enfatizando o que, a propósito, se sustentou no aresto proferido:

(…)

Cabe, pois, antes de mais, averiguar da existência (ou não) de um nexo causal entre a violação dos deveres de informação / lealdade por parte da R. e os danos invocados pela A., devendo o nexo causal ser analisado através de uma demonstração que decorra da matéria de facto provada. E a resposta tem de ser negativa - os danos que a A. alega ter sofrido não resultam sequer naturalisticamente da violação dos deveres de boa fé pré-contratuais por parte da R..

É certo que a A. não ficou na posse de todas as informações necessárias a ponderar as características do PFC que subscreveu, além de que o boletim de adesão, e respectivos anexos, foram preenchidos de forma divergente das informações prestadas pela A., designadamente, quanto ao valor do seu património mobiliário, quanto aos seus conhecimentos e experiência em investimentos em instrumentos financeiros, e quanto à entidade a quem deveria ser atribuída a gestão dos activos subjacentes.

É ainda certo que aquela divergência entre o valor do património constante do boletim de adesão e o valor real do património da A. (e por esta declarado) levou a que a apólice fosse classificada como podendo integrar fundos do tipo C (sem limitações nos investimentos), ao invés (como cumpria) de fundos do tipo B, caso em que apenas poderiam ter sido entregues, como activos subjacentes, 10% de obrigações ESI.

Porém, não se provou que, se a apólice da A. tivesse sido qualificada correctamente (tipo B), a A. teria aceitado celebrar o contrato e, para isso, teria aceitado alienar 90% das obrigações ESI que detinha.

E também não se provou que, se a A. soubesse que teria de fazer a gestão dos activos, a teria feito no sentido de alienar parte ou a totalidade das obrigações da ESI que integravam o fundo dedicado.

Muito menos se provou que, caso tivesse sido designada uma entidade qualificada para a gestão dos activos transferidos pela A., tal entidade teria alienado as obrigações atempadamente (ou que a A. lhe teria dado instruções nesse sentido), já que não se provou sequer que a instabilidade financeira das empresas do GES, mormente da ESI, fosse sobejamente conhecida dos profissionais do sector financeiro desde Fevereiro de 2014.

Pelo contrário, o que se provou foi, apenas, que, se soubesse que a R. não faria a gestão dos activos, a A. não teria aderido ao seguro em causa (cfr. facto provado nº 74).

Ora, a circunstância de não aderir ao seguro em nada protegeria a A. contra a perda de valor das suas obrigações.

É que, datando a adesão ao contrato de seguro de Fevereiro de 2014, as obrigações entregues como pagamento do prémio não foram adquiridas com a finalidade de constituir o fundo dedicado.

Ao invés, tais obrigações já existiam no seu património desde data anterior a Agosto de 2007 e, portanto, o risco de perda do seu valor sempre existiu desde a data da sua aquisição e sempre existiria mesmo que o contrato de seguro não tivesse sido celebrado – não foi a celebração desse contrato, nos termos em que o foi, que gerou ou fez aumentar o risco de desvalorização das obrigações, já que a variação do seu valor sempre dependeu (e sempre continuaria a depender, mesmo que o contrato de seguro não tivesse sido celebrado), exclusivamente, da evolução do mercado de capitais .

Em suma, mesmo que a R. tivesse cumprido todos os seus deveres pré-contratuais e que, na posse de todas as informações pertinentes, a A. tivesse decidido não contratar o seguro em causa nos autos, sempre o seu património ficaria reduzido da quantia de € 1.027.536,25 e sempre teria sofrido as preocupações decorrentes da perda de tal montante, uma vez que aquela perda não resultou da celebração do contrato de seguro, mas do investimento em obrigações ESI [não tendo a decisão de investir resultado, por qualquer forma, da conduta da R., já que, como se disse, tal investimento foi realizado vários anos antes] e do subsequente colapso do GES (circunstância excepcional, para a qual em nada contribuiu a conduta da R.).

Assim, por falta de verificação de nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pela R. e os danos sofridos pela A. [ou seja, porque aquele facto ilícito se mostrou indiferente para a produção dos danos], não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, em consequência, da obrigação de indemnização, razão pela qual a decisão recorrida não pode manter-se, devendo a acção improceder.”

Daqui decorre que mesmo concebendo, que não concedendo, como facto público e notório, a facticidade relativa à situação das empresas do Grupo Espírito Santo (GES), em especial, a Espírito Santo International (“ESI”), à data da celebração do ajuizado contrato de seguro unit-linked, entendemos ser meridiano adiantar que este argumento adiantado pela Autora (que não questão objeto da revista, sublinha-se) tão pouco foi acolhido na solução encontrada para o litigio trazido a Juízo, aliás, a menção que se faz aquela circunstância é, não só, de que o colapso do GES (circunstância excecional para a qual nada contribuiu a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A.) que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, não encerra facto público e notório, porquanto não era do conhecimento geral e do conhecimento do julgador, como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, uma vez que tal facto atinente à reclamada preocupação quanto à estabilidade financeira da entidade emitente, Grupo Espírito Santo (GES), foi considerado como imprevisível, onde nem a Autora/AA, nem qualquer outra entidade, colocada na mesma posição, podia antecipar ou prevenir, não fazendo sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, consignou-se no aresto reclamado, “cogitar, tão pouco, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. qualquer responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, pois, não é concebível exigir-se que, nestas circunstância, em face de um acontecimento imprevisível, inesperado, invulgar, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo” (anota-se que a única razão que levou a demandante a contratar o articulado seguro, respeita a razões de rentabilização das poupanças, benefícios fiscais e planeamento sucessório, com a possibilidade de resgate em qualquer momento)

Assim, conquanto este Tribunal ad quem tenha reconhecido expressamente que a facticidade relativa à situação das empresas do Grupo Espírito Santo (GES), à data da celebração do ajuizado contrato de seguro unit-linked, que levou à desvalorização total das obrigações da ESI, era considerado como imprevisível (não fazendo sentido cogitar, tão pouco, assacar à Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. qualquer responsabilidade assente na suposta ausência de gestão dos títulos que constituíram o fundo associado, não sendo concebível exigir-se que, nestas circunstância, em face de um acontecimento imprevisível, inesperado, invulgar, a Ré/Swiss Life (Luxembourg), S.A. tivesse resgatado ou tivesse aconselhado a Autora/AA a resgatar, em momento anterior à celebração do contrato ou já na pendência deste, os títulos da ESI que integravam o fundo), abordando, pois, no enquadramento jurídico consignado, este argumento atinente ao facto público e notório, agora renovado pela Reclamante/Recorrente/Autora/AA, importa reconhecer que a apreciação da questão, objeto da revista, qual seja, a apreciação do exigido nexo de causalidade entre o facto ilícito, traduzido na violação dos deveres da Ré, e os danos reclamados na pretensão jurídica deduzida, não deixou de ser conhecida, como se impunha, pelo Tribunal ad quem, não merecendo censura, salvo o devido respeito por opinião contrária, a respetiva atividade judicativa.

Reconhecida a inteligibilidade do aresto proferido, entendemos não se justificar a invocada nulidade, antes parecendo reconduzir, ao cabo e ao resto, a um entendimento jurídico diverso daqueloutro assumido pelo Tribunal ad quem, o que, não deixando de ser legitimo discordar do enquadramento jurídico perfilhado, cremos que jamais poderá ancorar qualquer sustentação da arrogada nulidade do acórdão.

III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo em Conferência, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão reclamado, mantendo-o na íntegra.

Custas pela Recorrente/Autora/AA.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2 de maio de 2024

Oliveira Abreu (relator)

António Barateiro Martins

Ferreira Lopes