RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
NULIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I. Para que ocorra a dupla conforme basta que a fundamentação, em ambas as decisões, não seja «essencialmente diferente» não sendo exigível que uma decisão seja cópia da outra.
II. Não se verifica qualquer nulidade ao não admitir como recurso autónomo a impugnação do despacho de não admissão de documento junto pela apelante na segunda instância.
III. A errada subsunção jurídica dos factos ao direito não é fundamento de admissibilidade nos termos do n.º 3 do artigo 674 do CPC.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

l. ADC – MÓVEIS E ESTOFOS, S.A., veio intentar acção de condenação, sob a forma de processo comum, contra AMBITUS S.A. alegando:

É dona de uma fracção que se encontrava arrendada à ré onde deflagrou um incêndio, que se propagou a uma outra fração contigua, também sua pertença, provocando danos na construção de ambas as fracções, bem como em materiais e equipamentos diversos, tudo identificando.

Esse incêndio foi causado por uma máquina pertencente à ré e por ela operada, pelo que a tem por responsável pela indemnização dos danos provocados, sem prejuízo de se levar em conta o valor que lhe vier a ser satisfeito pela seguradora, conforme ação judicial em curso.

Conclui pedindo:

a) seja a Ré condenada a pagar à A. a quantia € 322.279,64 (trezentos e vinte e dois mil duzentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida dos legais juros de mora contados à taxa legal desde a dedução da pretensão e até efetivo e integral pagamento.

Cumulativamente,

b) Caso a Zurich Insurance PLC fosse parcialmente absolvida no processo que sob o n.º 2934/19.0..., corria termos nesse Tribunal, designadamente no que respeita aos danos referidos no artigo 60º da petição inicial, seja a Ré condenada a pagar à A. o montante de € 275.465,27,

c) a que acresce o montante de € 4.000,00 mensais, relativa aos lucros cessantes, desde setembro de 2019 e até ao transito em julgado da decisão a proferir nestes autos, e, bem assim, acrescendo sobre os montantes totais, os legais juros de mora contados à taxa legal desde a citação para a presente até efetivo e integral pagamento.

2. Contestou a Ré, excepcionando o caso julgado e ineptidão da p.i., em termos julgados improcedentes no saneador.

Excepcionou a prescrição do direito exercido e, argumentou, em termos também julgados improcedentes, a responsabilidade da própria autora, na produção do dano, por ter incumprido a obrigação de transmitir a propriedade daquela fracção para a própria Ré.

Mais rejeitou que o incêndio se tivesse ficado a dever a qualquer acção ou omissão sua, reconduzindo-a a um acidente, caso fortuito, sem qualquer actuação culposa da sua parte. Por fim, impugnou a ocorrência e quantificação dos reclamados danos.

3. Foi dispensada a audiência prévia, saneado o processo e definidos o objeto do litígio e os temas da prova.

A Autora veio ampliar e reduzir o pedido, nos termos que dos autos resultam, determinando a ampliação da matéria de facto a provar.

Realizou-se julgamento, após o que foi proferida sentença que concluiu pela procedência parcial da acção, condenando a Ré a satisfazer à Autora o valor total de 882.454,39€, acrescido de juros desde a citação, à taxa legal das obrigações civis e até integral pagamento.

Foi a ré absolvida do mais peticionado, mormente de qualquer valor a liquidar ulteriormente para realização de outras obras e trabalhos de reconstrução das fracções e de outro valor, vencido ou vincendo mensalmente, a título de lucros cessantes pela impossibilidade de fruição das fracções.

4. Inconformado com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 5 de Dezembro de 2023, decidido:

«em negar provimento ao recurso principal interposto pela ré e, bem assim, ao recurso subordinado interposto pela autora, na confirmação integral da douta decisão recorrida».

5. Inconformada veio a Ré AMBITUS, S.A. interpor recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco contratual em caso de incumprimento de deveres legais e contratuais imputados à Autora

A) O Acórdão recorrido é nulo por não se pronunciar sobre a questão fundamental da distribuição de risco contratual em caso de incumprimento de contrato imputado à Autora, que a Ré invoca expressamente (ver, designadamente, arts. 104.º a 121.º) e nas alegações de recurso (designadamente nos pontos 150., 153. a 160., 162. a 168).

B) Tal questão tem por base, nomeadamente, a matéria constante nas als. A) a G) dos factos que a 1ª Instância deu como provados (cfr. págs. 3 e 4 da Sentença) e que a relação confirmou, e os arts. 796.º, 799.º, n. 1 e art. 801.º, n. 1 do CC.

C) Uma leitura conjugada do disposto nos arts. 796.º, 799.º, n. 1 e art. 801.º, n. 1 do CC permite concluir, salvo melhor opinião, que o risco corre por conta da Autora!

D) O Acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questão

E) Sendo assim, o Acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado a questão que deveria ter apreciado e não o fez, o que importa a baixa do processo para respetivo suprimento.

b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro)

F) Com as alegações de recurso, a Recorrente requereu a junção de documento – um email datado de 26.04.2023, com uma fatura em anexo – ao abrigo do disposto no art. 425.º do CPC, devido à sua superveniência, justificando a sua junção com a necessidade de comprovar factos que complementam e concretizam os factos articulados pelas partes e objeto de discussão em julgamento, no que respeita o equipamento que sofreu uma anomalia elétrica.

G) Nas suas contra-alegações a Recorrida não impugnou o documento em causa.

H) O Acórdão recorrido rejeito a admissão do documento em causa porque considera que o referido email não é um documento ou não constitui prova documental.

I) Toda a doutrina e jurisprudência considera que o email é um documento e constitui prova documental.

J) Considerando que o email em causa não contém assinatura eletrónica, deverá ser apreciado nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental (art. 362º e ss. do CC), tendo em conta que não foi impugnado pela Recorrida.

K) Assim, conclui-se que o Acórdão recorrido violou o disposto nos art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro.

c) Violação de lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC).

L) O Acórdão recorrido viola a lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação), relativamente às seguintes questões suscitadas no recurso:

- Incumprimento do dever acessório/secundário de prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização;

- Nulidade da sentença por não pronúncia sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa;

- Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;

- Exceção de abuso de direito.

M) A argumentação patente no Acórdão recorrido, relativamente às referidas questões, assenta na ideia de que a Ré (aqui recorrente) não cumpriu atempadamente (na contestação e em sede de impugnação do despacho saneador) o ónus de alegação ou de impugnação.

N) Em consequência, a alegação de tais questões em sede de recurso seria extemporânea (ou inapropriada)! Por esse motivo, o TRP abstém-se de conhecer tais questões que servem de fundamento à anulação/nulidade da Sentença.

O) Resumidamente, poderemos dizer que a argumentação do Tribunal da Relação do Porto parte de três vícios capitais que estão interligados:

a. Primeiro: um vício de análise crítica dos factos e dos elementos de prova – o Tribunal da Relação do Porto faz uma referência genérica a partes da Sentença, sem nunca se referir, em concreto e de forma crítica, a qualquer elemento de prova;

b. Segundo: um vício de não identificação/separação dos factos (essenciais nucleares/principais) que carecem de alegação, dos factos (essenciais complementares e concretizadores e instrumentais) que não carecem de alegação, e sem considerar factos instrumentais e factos essenciais que teve conhecimento em virtude do exercício das funções no Proc. 2564/17.0T8PNF (ver Doc. 3 da PI32)

c. Terceiro: um vicio de não identificação dos factos e das questões de direito que são de conhecimento oficioso, relativamente aos quais não há preclusão e que o Tribunal da Relação teria de ter apreciado e não o fez.

P) É manifesto que no despacho saneador, a 1ª instância não se pronuncia sobre os danos resultantes do incumprimento dos deveres acessórios/secundários de prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização e a efectiva obtenção desta, mas somente sobre o incumprimento pela Autora da obrigação de transmitir a propriedade para a Ré.

Trata-se de um documento autêntico, no sentido do Art. 363º n.º 1 do C.C., que provam plenamente que em determinada ação, com base em determinados factos considerados provados e no direito aplicável, foi proferida aquela decisão a dirimir o pleito em certo sentido. Neste sentido, por exemplo, Ac. do STJ de 03.11.2009, Proc. 3931/03.2TVPRT.S1.

Q) As consequências da violação destes deveres acessórios/secundários são distintas da consequência da violação do dever primário de transmissão da propriedade:

a. se a Autora tivesse cumprido o dever primário de transmissão da propriedade, o dano ocorrido na fração D ter-se-ia repercutido na esfera jurídica da Ré e não da Autora – e, portanto, ficaria desde logo excluído o dever de indemnizar a Autora quanto aos danos ocorridos na “fração D”.

b. A violação daqueles deveres acessórios/secundários, em particular do dever de implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização, tem outras consequências: ao incumprir este dever, a Autora concorreu para o agravamento dos danos, por não cumprir os requisitos que a lei impõe no domínio de segurança contra incêndios em edifício.

R) As demais questões (nulidade da sentença por não pronúncia sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa; anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz; e exceção de abuso de direito) têm por base factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais que são de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação), como resumidamente se indica:

a. Factos essenciais principais/basilares, alegados pela Autora e aceites pela Ré, descritos nos Pontos A) a F) da matéria que a 1ª Instância deu como provada e que a Relação confirmou;

b. Factos essenciais principais/basilares alegados e aceites pelas partes, mas que o Tribunal de 1ª Instância não incluiu nos factos provados (ver art. 3.º da PI; arts. 104.º 108.º, 114.º a 130.º da Contestação;

c. Factos essenciais concretizadores/complementares de factos alegados pelas partes, que resultam da instrução da causa, sobre aos quais as partes se pronunciaram, e que resultam dos depoimentos de AA, Eng. Civil BB, CC e DD.

d. Factos essenciais/instrumentais que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções no âmbito do Proc. 2564/17.0T8PNF (ver Doc. 4 da PI), ali considerados provados por decisão transitada em julgado em 13.07.2020, e que são também Factos essenciais concretizadores/ complementares de factos alegados pelas partes, que resultam da instrução da causa, sobre aos quais as partes se pronunciaram.

S) Analisando o regime vertido nos arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine), concluímos que inexistem preclusões quanto aos factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) anteriormente referidos.

T) Em face do exposto, verifica-se que o Acórdão recorrido violou lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC), relativamente às seguintes questões suscitadas no recurso:

i) Incumprimento do dever acessório/secundário de prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização;

ii) Nulidade da sentença por não pronúncia sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa;

iii) Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;

iv) Exceção de abuso de direito.

U) Consequentemente, o Acórdão recorrido deve ser anulado nesta parte, o que importa a baixa do processo para o respetivo suprimento.

d) Violação de lei processual relativamente ao poder de cognição e ao dever de análise crítica da prova por parte do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que exerceu o seu poder de reapreciação matéria de facto vertida nos pontos N), PP), UU), e XX) da factualidade dada por provada pela 1.ª Instância, e do Ponto 4. da matéria que a 1.ª Instância deu como não provada. (Arts. 5.º, n. 2, 607.º, n. 4, 663.º, n. 2 do CPC);

V) Compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º

W) No recurso interposto para o TRP, a Recorrente impugnou a matéria de facto vertida nos pontos N), PP), UU), E XX) da factualidade dada por provada pela 1.ª instância, e do ponto 4. da matéria que a 1.ª instância deu como não provada.

X) O TRP desvalorizou por completo os elementos de prova indicados e outros que resultam da instrução do processo, não fazendo uma análise crítica.

Y) Impunha-se que, em face da impugnação da decisão de facto feita pela Ré/Recorrente, a Relação empreendesse a análise dos concretos meios de prova convocados, ajuizando se e em que medidataisresultadosprobatóriosafetariamasilaçõesextraídaspela1.ª instância em sede de motivação dos pontos de facto impugnados.

Z) Por conseguinte, impõe-se concluir que a Relação, na reapreciação sobre a impugnação, deduzida pela Ré/Recorrente, não observou o método de análise critica da prova prescrito no n.º 4 do art. 607.º do CPC, aplicável por via do art. 663.º, n.º 2, do mesmo Código, o que importa a anulação do acórdão recorrido, nesta parte, e a baixa do processo para o respetivo suprimento.

e) Violação de lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art. 493.º, n. 2 do CC)

AA) A Recorrente discorda da argumentação inovadora que o TRP utiliza para qualificar a atividade da Ré como perigosa, de modo a poder aplicar o regime disposto no 493.º, n. 2 do CC.

BB) O TRP adota um critério lato que prescinde do elemento dinâmico – a utilização ou manuseamento.

CC) Para o TRP basta a mera presença de certos elementos, prescindindo do elemento dinâmico – a utilização ou manuseamento !

DD) Tal entendimento descaracteriza, na verdade, o regime do art. 493.º, n. 2 do CC que se refere à responsabilidade por danos causados por atividades,

EE) o que, salvo melhor opinião, pressupõe a verificação de um elemento dinâmico: a utilização ou manuseamento de certa coisa/objeto.

FF) Isto é relevante pois, como se sabe, o incêndio deu-se ao início da manhã, quando a Ré nem sequer tinha iniciado a sua laboração

GG) Para qualificar a atividade da Ré como perigosa, o TRP tem por base três elementos:

1.º - a mera presença de material combustível (suscetível de arder);

2.º - a mera presença de equipamento elétrico suscetível de entrar em combustão; 3.º - a mera proximidade entre o material combustível e o equipamento elétrico.

HH) Como facilmente se percebe, a Relação adota um critério lato/inovador de qualificação de situações estáticas e não propriamente de atividades.

II) Não sendo necessária qualquer atividade, isto é, qualquer ato de manuseamento/ato/movimento, basta a mera presença conjugada de elementos que, em teoria, e num cenário de anormalidade (em que o imprevisível acontece), são aptados a provocar um dano, ainda que a probabilidade de ocorrência seja diminuta.

JJ) Salvo o devido respeito, mas o entendimento sufragado pelo TRP levar-nos-ia a uma solução absurda: o art. 493.º, n. 2 do CC aplicar-se-ia não a atividades ou situações dinâmicas (que envolvam manuseamento, utilização, movimento, atividade), mas a situações estáticas, em que todas ou praticamente todas as situações relacionadas com atividades económicas e outras (nomeadamente, Livraria/Papelaria, Drogaria, Advocacia/Magistratura, Compra e venda de vestuário/calçado, Stand de venda de automóveis, Cabeleireiro, Loja de trotinetes e bicicletas elétricas) são perigosas já que, muito facilmente, se conseguem verificar/combinar os três elementos.

KK) Além de prescindir do elemento dinâmico, o TRP admite que se considerem perigosas situações imprevisíveis de baixa probabilidade de ocorrência, nomeadamente no que se refere a fontes de ignição.

LL) À luz deste entendimento, os agentes responsáveis pela presença dos elementos de ignição e combustão teriam de ser obsessivo-compulsivos no que se refere ao controlo de fontes de perigosidade, tanto ao nível da ignição como ao nível da combustão!

MM) Talvez pudessem escapar um conjunto residual de situações, onde não haja a presença de qualquer fonte de ignição e de combustão. Mas numa sociedade dominada pela eletrónica e pela presença abundante de material de combustão, será difícil imaginar!

NN) Olhando para o labor jurisprudencial e doutrinal, podemos dizer que o preenchimento de tal conceito indeterminado (atividade perigosa) pressupõe três coisas:

Primeira: que esteja em causa uma atividade, definida por situação dinâmica e caracterizada pelo movimento, manuseamento ou utilização de certa(s) coisa(s) ou objeto(s),

Segunda: que o exercício normal da atividade (quando tudo corre bem) encerra, só por si (pela sua natureza ou pelos meios empregues), um perigo que vá para além do que é normal, comparativamente com outras atividades, onde não é expectável que dela (ou do modo de exercício da mesma) possam resultar danos.

Terceira: que o dano que, efetivamente, se verificou se inclua no círculo de danos que, objetivamente e em abstrato, se pode razoavelmente esperar (atendendo à experiência comum e ao critério do homem médio) face ao exercício normal da atividade dita perigosa.

OO) Aplicando estes critérios ao caso em apreço, verifica-se que não temos uma atividade perigosa.

PP) O que temos é mera presença (estática) de elementos (aparafusadora, móveis, tintas e vernizes) que, numa situação de normalidade, em que tudo corre bem (como é expectável que corra), não constituem uma fonte de especial/anormal perigo, pois sucede com um conjunto alargado de situações da vida

QQ) Quando muito, a fabricação de mobiliário poderá implicar um perigo anormal para os utilizadores que manuseiam certas máquinas de corte (como plainas e serras-fitas), mas não é isso que estão em causa, nem tal fonte de perigo se caracteriza como risco de incêndio.

RR) Sendo assim, não existem elementos que permitam qualificar a situação em apreço como “atividade perigosa” – não sendo possível aplicar o art. 493.º, n. 2 do CC.

SS) Como tal, restaria ao tribunal aplicar a regra geral contida no art. 483.º do CC ou a norma especial do art. 1044.º do CC. Em qualquer dos casos, a Ré não poderia ser responsabilizada já que o dano provém de facto fortuito; logo, não se verificam os pressupostos da ilicitude e da culpa; sendo assim, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil.

Conclui pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

1. Deve o Acórdão recorrido ser declarado nulo por não se ter pronunciado sobre questão que deveria conhecer;

2. Deve Acórdão recorrido ser anulado, por violação de:

a. lei substantiva e de lei de processo sobre a junção documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro);

b. lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC).

c. lei processual relativamente ao poder de cognição e ao dever de análise crítica da prova por parte do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que exerceu o seu poder de reapreciação matéria de facto vertida nos pontos N), PP), UU), e XX) da factualidade dada por provada pela 1.ª Instância, e do Ponto4. da matéria que a 1.ª Instância deu como não provada. (Arts. 5.º, n. 2, 607.º, n. 4, 663.º, n. 2 do CPC);

d. lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art. 493.º, n. 2 do CC)

3. Em qualquer caso, deve a Ré/Recorrente, a final, ser totalmente absolvida por não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil.

6. A Recorrida ADC – MÓVEIS E ESTOFOS, S.A., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

I - Como refere este Supremo Tribunal de Justiça “Caso haja dupla conforme, e caso o único obstáculo ao conhecimento das questões que o recorrente pretende que sejam apreciadas e decididas seja a dupla conforme, deverá invocar alguma das hipóteses do art. 672.º do Código de Processo Civil.” (Ac. de 06.07.2023, processo: 929/21.2T8VCD.P1.S1, in www.dgsi.pt), verificando.-se, desde logo, que in casu a Recorrente não invoca nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do Cód. Proc. Civil, pelo que sempre será inadmissível a Revista se se concluir pela verificação de dupla conforme.

II - Como é pacifico, “Consequentemente, perante a restrição acolhida, não haverá “dupla conforme” quando o Tribunal da Relação, apesar da coincidência do segmento decisório do acórdão, tenha utilizado “fundamentação essencialmente diferente” (Juiz Conselheiro António A.M. Alves Velho, in Estudo feito “Sobre a revista excecional. Aspetos práticos.”, no âmbito do Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil, realizado pelo STJ no dia 25.07.2015 e disponível em www.stj.pt), sendo que a verificação de uma “fundamentação essencialmente diferente”, para efeito de afastamento da “dupla conformidade” de decisões, pressuporá, portanto, que a solução jurídica perfilhada pela Relação, e em termos determinantes para a mesma, decorra da convocação, interpretação e aplicação de normas ou institutos jurídicos em termos “perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida na 1ª instância” – cfr., v.g., Acs. deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015 (proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1), de 30.4.2015 (proc. 1583/08.2TCSNT.L1.S1).” (cfr., no mesmo sentido, o Cons. Abrantes Geraldes, in "Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pag. 285 e sgs.).

III - In casu, é manifesto que, confrontando a douta Sentença e o douto Acórdão proferidos, não se constata que a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório: (i) em normas perfeitamente diversas e autónomas das que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada; (ii) em interpretações normativas perfeitamente diversas e autónomas dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada, ou (iii) em institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada e, pelo, contrário, o enquadramento jurídico feita na sentença e no douto Acórdão da Relação foi o mesmo, aliás, ponto a ponto, pelo que a Relação aderiu, pois, absoluta e inteiramente à subsunção jurídica efetivada pela primeira instância, julgando-se aqui e ali nos mesmos exatos termos, com a mesma fundamentação de facto e igual enquadramento nos - mesmos - preceitos jurídicos pertinentes, interpretados de modo concordante.

IV - Assim, forçoso é concluir que não se verificando a hipótese excecional prevista no nº 3 do art.º 671º do Cód. Proc. Civil, não é a Revista admissível, tanto mais que a Recorrente não invoca nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do Cód. Proc. Civil.

Sem prescindir,

V - Acresce, a respeito da dita “a. Admissibilidade do(s) documento(s) apresentados em sede de alegação;” (sic. a alegação de Revista) que, atento disposto no art.º 652º, nºs 1, al. e), 3, 4 e 5, al. b), e 671º, nºs 1, 2, al.s a) e b) e nº 3, ambos do C.P. Civil, que “No caso presente, é inadmissível recurso de revista nos termos do art. 671, nº 1 do CPC, porque a tal se opõe o disposto no art. 671, nº 3 do mesmo diploma, “… não é admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão na 1ª Instância, salvo os casos previstos no art. seguinte”. Não sendo admissível recurso de revista normal, não admitem recurso para o STJ os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, como é o caso” (sic. o douto Acórdão deste STJ de 09.03.2021, processo: 2616/17.7T8PDL.L1.S1, in www.dgsi.pt).

VI -Assim, considerando, por um lado, que a Recorrente sustenta a admissibilidade da Revista na … admissibilidade do recurso da decisão que não admitiu a junção dos documentos – cfr., como bem se vê, o ponto “II. Fundamentação: (…) b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção de documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro);” (sic. a Revista) -, o que, como vimos, não tem sustentação legal, e por aí se fica, sem prejuízo da questão da nulidade e anulação infra considerada e, por outro lado, mais considerando que ocorre dupla conforme (cfr. art.º 671º, nº 3, do C.P. Civil) e que não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do C. P. Civil, a Revista é, in casu, inadmissível.

Sem prescindir,

VII - Acresce, a respeito da dita “b. Nulidade da sentença por não pronunciar sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa” (sic.) que, uma vez mais, é manifestamente inadmissível a Revista -interposta como “normal” -para este Supremo Tribunal de Justiça com fundamentos nas invocadas nulidades, como é entendimento jurisprudencial pacifico, podendo citar-se, a titulo exemplificativo o douto Acórdão deste STJ de 6.07.2023 (processo: 929/21.2T8VCD.P1.S1, in www.dgsi.pt), no qual se refere que “o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista [33]”.

3 “[3 Cf. designadamente os acórdãos do STJ de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 —, de

VIII - Isto é, “A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, e portanto como fundamento acessório desse recurso. (…) Não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só são arguíveis por via recursória, se a revista for interposta a título especial ou de revista excecional nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, e 672.º, n.º 1, do CPC, respetivamente.” (sic. douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 24.11.2016, processo n.º 740/15, in www.dgsi.pt e, no mesmo sentido, de 18.1.2022 - processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1 -: “As nulidades só são arguíveis por via do recurso de revista quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, conforme nº 4 do art. 615º do CPC”).

IX - De novo se impõe referir, como supra, que, a Recorrente sustenta a admissibilidade da Revista na … admissibilidade do recurso na pretensa nulidade por alegada não pronúncia -

cfr., como bem se vê, o ponto “II. Fundamentação: a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco contratual em caso de incumprimento de deveres legais e contratuais imputados à Autora; (sic. a Revista) -, o que não tem sustentação legal, e por ai se fica, sem prejuízo das questões supra e infra referidas e, por outro lado, mais considerando que ocorre dupla conforme (cfr. art.º 671º, nº 3, do C.P. Civil) e que não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do C. P. Civil, a Revista é, in casu, inadmissível.

Sem prescindir,

X - Por último, sustenta a Recorrente a pretensa admissibilidade da Revista na “c. Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;” e “13. (…) o Acórdão do TRP faz uma 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1 —, de 12 de Janeiro de 2022 — processo n.º 4268/20.8T8PRT.P1.S1 —, de 18 de Janeiro de 2022 — processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1 — , e 10 de Março de 2022 — processo n.º 3782/15.1T8VFR.P1.S1 —, de 21 de Abril de 2022 — processo n.º 87/12.3TBNRD-E.L1.S1 —, de 24 de Maio de 2022 — processo n.º 2332/20.2T8PNF.P1.S2 — ou de 8 de Novembro de 2022 — processo n.º 6698/20.6T8LSB-A.L1.S1.” (sic)].” (sic.)

errada aplicação do disposto nos arts. arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC, não fazendo a distinção fundamental entre factos essenciais (principais/nucleares, complementares e concretizadores) e factos instrumentais, e não retirando daí as devidas consequências legais.” (sic.).

XI - Sob as referidas epígrafes o que a Recorrente verdadeiramente questiona é o julgamento da matéria de facto, que pretende ver alterado, questões sobre as quais este Tribunal se não pode pronunciar atento o disposto no artigo 674º do Cód. Proc. Civil – maxime nº 3 -, sendo que em face do disposto nos artigos 662º, nº 4, 674º e 682º do Cód. Proc. Civil, competindo às instâncias (primeira instância e Relação) fixar a matéria de facto, o Supremo de Justiça apenas conhece de direito, sendo muito restritos os seus poderes de intervenção em termos de censura das decisões da Relação relativas à impugnação da matéria de facto, apenas o podendo fazer nas situações referidas no nº 3 do referido artigo 674º, inaplicável in casu atento o alegado pela Recorrente.

XII - O que a Recorrente invoca na Revista e respetivas conclusões da sua alegação seriam erros na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa - pretendendo uma verdadeira reapreciação das provas produzidas -, o que não pode ser objeto de recurso de revista, uma vez que, como se disse, não se verifica nenhuma das exceções previstos na lei -art.º 674º, nº 3, do C.P.Civil -, o mesmo é dizer que este Supremo Tribunal de Justiça terá de respeitar qualquer ilação tirada em matéria de facto pelo Tribunal coletivo e confirmada pela Relação que não alterando os factos que a prova fixou, mas antes se apoiando neles, operou logicamente o seu desenvolvimento (cfr., entre inúmeros outros, os Ac.s deste S.T.J de 12.12.73, in BMJ, 238, pág. 262 e de 10.04.84, in BMJ, 336, pág. 372).

XIII - Assim, de novo, para além de que, como supra se referiu, não se verificam in casu os requisitos gerais de admissibilidade da Revista - o que, aliás, a Recorrente nem sequer alega -– é manifesto que não é (também) admissível a Revista para apreciação das referidas pretensões da “Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;” e “o Acórdão do TRP (…) não fazendo a distinção fundamental entre factos essenciais (principais/nucleares, complementares e concretizadores) e factos instrumentais, e não retirando daí as devidas consequências legais.”

(sic.) – pelo que, considerando que a Recorrente suscita questões sobre as quais este Tribunal se não pode pronunciar atento o disposto no artigo 674º do Cód. Proc. Civil, não é a Revista admissível.

Sem prescindir,

XIV - A respeito da pretensa “Nulidade: Não Pronúncia Sobre A Questão Da Distribuição De Risco Contratual Em Caso De Incumprimento De Contrato Imputado À Autora ”impõe-se referir que, como é pacifico, “A omissão de pronúncia como causa de nulidade do Acórdão só tem lugar quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre a questão ou questões que devesse conhecer, não sendo exigível que se pronuncie sobre toda a argumentação de natureza factual ou jurídica expandida pelas partes” (Ac. do STJ de 15.05.96, in Sumários de Acs. do STJ, copiografados).

XV - É entendimento uniforme que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões (cfr. Ac. STJ de 16.02.2005, proc. nº 05S2137, in www.dgsi.pt), isto é, “A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, significando ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções.” (Ac. TCAS de 10.01.2013, in www.dgsi.pt).

XVI - É por demais evidente que não se verifica a apontada nulidade, tanto mais que em

absolutamente nenhum dos casos apontados pela Recorrente está, sequer, em causa qualquer pedido, causa de pedir, exceção ou, sequer, questão que haja sido alegada nos articulados ou em qualquer outro momento processual.

XVII- Em primeiro lugar, importa referir tais alegações/entendimentos/pretensões em causa apenas foram suscitados em sede de Apelação deduzida pela Recorrente, constituindo, portanto, questões novas – que não são de conhecimento oficioso - e que o Tribunal da Relação não podia apreciar, tendo-lhe sido colocadas no âmbito de uma pretensa nulidade - lá está … - por omissão de pronúncia que a Recorrente, na Apelação, imputou à douta Sentença proferida em primeira instância, sendo que jamais a Recorrente havia trazido aos autos, designadamente nos seus articulados, os referidos entendimentos/pretensões.

XVIII - Ora, considerando que “Os recursos destinam-se a impugnar as decisões judiciais e não a obter decisão acerca de questão nova que não tenha sido colocada à decisão do tribunal competente para dela conhecer em primeira instância (artigo 676, n. 1, do CPC).” (cfr. Ac. do Sup. Trib. de Justiça de 25.06.1998, in www.dgsi.pt, proc. nº 98B439) conclui-se, desde logo, que o Tribunal da Relação não podia conhecer das referidas questões, que eram questões novas, pelo que bem isso mesmo julgou.

XIX - Por outro lado, nos referidos pontos vertidos na conclusão HH) da Apelação a Recorrente invocou, também, factos que não foram alegados pela mesma (nem, evidentemente, pela Recorrida), sendo que tal como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.03.2017 (proc. 7095/10.7TBMTS.P1.S1 in. www.dgsi.pt), com respeito à decisão de facto, “… a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC. (…) Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”, pelo que, também por este razão, não ocorreu a pretendida nulidade.

XX - Por último, a verdade, que é por demais evidente que não se verifica a apontada nulidade pois que a Relação do Porto se pronunciou explicitamente sobre tais alegações/entendimentos/pretensões que lhe foram colocadas no âmbito de uma pretensa nulidade por omissão de pronúncia que a Recorrente, na Apelação, imputou à douta Sentença proferida em primeira instância (4) tendo concluído que “Inexiste, pois, a apontada omissão de pronúncia e a alegada nulidade a que a apelante subsumiu, nesse ponto, o seu recurso. Improcede, também nesta parte, a apelação.” (sic. o douto Acórdão recorrido).

XXI - Conclui-se, pelo exposto, que não padece o douto Acórdão recorrido da nulidade que a Recorrente lhe imputa, por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar e, consequentemente, o alegado nas conclusões A) a E) da Apelação, devendo esta ser julgada improcedente.

Sem prescindir,

XXII – No douto Acórdão recorrido foi confirmada a douta Decisão Singular do Sr. Desembargador Relator que havia indeferido a junção aos autos com a Apelação de documentos - uma mensagem de correio eletrónico ulterior à data da sentença, contendo em anexo uma fatura respeitante à compra de uma máquina aparafusadora datada de momento anterior ao início da lide - pretendidos juntar nos termos do disposto nos artºs 423º e 425º do C. P. Civil , a Ré veio requerer a junção de um documento

XXIII - Tal declaração não constitui um meio de prova documental para os efeitos do art.º 362º do Cód. Civil, mas uma mera opinião reduzida a escrito sobre as características da máquina aparafusadora e teria de ter sido trazida aos autos em momento processualmente oportuno, por via de prova testemunhal ou, mais adequadamente, pericial, por forma a poder ter sido exercido o devido contraditório, sendo que o facto de se encontrar em suporte escrito no âmbito de um correio eletrónico não o transforma num meio de prova documental relativamente aos factos compreendidos na declaração que, aliás, atento o disposto no art.º 376.º do Cód. Civil, jamais iria além do que que dele consta o que consta.

XXIV - Por sua vez, a fatura é um documento contabilístico dirigido à própria Ré, emitido em 10.11.2017, muito tempo antes do encerramento da discussão em primeira instância que,

4 “De seguida, a apelante argui outra nulidade da sentença, por omissão de pronúncia: o tribunal teria deixado de apreciar questões essenciais à decisão da causa, que caracteriza nos seguintes termos: …” (sic).

por isso, teria de ter sido junto até então, sendo inaplicável o disposto nos art.ºs 425º e 651º do C.P. Civil.

XXV – Pelo exposto, e com fundamento nas normas legais acima invocadas, deve ser confirmado o Acórdão em recurso, no que a esta matéria respeita, julgando-se improcedentes as conclusões F a K da Recorrente.

Sem prescindir,

XXVI – Sob a epígrafe “c) Violação De Lei Processual Sobre (In)Existência De Preclusões Quanto A Matéria De Exceção Não Apreciada No Despacho Saneador E Quanto A Factos Essenciais (Concretizadores Ou Complementares) Ou Instrumentais De Conhecimento Oficioso (Que Não Carecem De Alegação) (Arts. 5.º, N. 2 e 3, 552.º, n. 1, al d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC)” (sic.) e não obstante a dificuldade em perceber a confusa alegação da Recorrente ali formulada, o que, de facto, a Recorrente invoca são pretensas nulidades por omissão de pronúncia do Tribunal da Relação que ostensivamente não ocorrem.

XXVII - Quanto à invocada “i) Inexistência de preclusão quanto a determinada matéria de exceção não apreciada no despacho saneador: incumprimento do dever acessório/secundário de prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização)” (sic) foi tal “questão” conhecida no douto Acórdão recorrido, no qual se julgou, sem mácula, que “é já irrecuperável, para a decisão da presente causa, a questão respeitante ao incumprimento contratual imputado à autora, relativamente ao contrato celebrado com a ré, nos termos do qual aquela se comprometera a transmitir para esta a propriedade das instalações em que esta desenvolvia a sua actividade, o que implicaria a prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização e a efectiva obtenção desta. (…)”, sendo que “está a apelante a tentar introduzir, nesta sede de recurso, uma questão totalmente nova, que não foi suscitada, discutida e, por isso, resolvida na 1ª instância.” (sic. o douto Acórdão recorrido).

XXVIII - A questão foi efetivamente apreciada pelo Tribunal da Relação que concluiu e bem que a questão não era suscetível de ser apreciada porquanto constituía uma questão nova – que não é de conhecimento oficioso - e que o Tribunal da Relação não podia apreciar porquanto jamais a Recorrente a havia trazido aos autos, designadamente nos seus articulados, sendo que “Os recursos destinam-se a impugnar as decisões judiciais e não a obter decisão acerca de questão nova que não tenha sido colocada à decisão do tribunal competente para dela conhecer em primeira instância (artigo 676, n. 1, do CPC).” (cfr. Ac. deste Sup. Trib. de Justiça de 25.06/1998, in http://www.dgsi.pt/, proc. nº 98B439).

XXIX - Relativamente à invocada “ii) Inexistência de preclusões quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais que são de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação)” (sic) foi tal “questão” conhecida no douto Acórdão recorrido, sendo julgado sem mácula que “Assim, ao desenvolver agora estudada argumentação no sentido de apontar à autora o incumprimento de regras urbanísticas e de segurança, tudo culminando numa conclusão sobre a impreparação das instalações para ali ser desenvolvida a actividade exercida pela ré, industrial de mobiliário, em circunstâncias pelas quais se deveria ter a autora por responsável, está a apelante a tentar introduzir, nesta sede de recurso, uma questão totalmente nova, que não foi suscitada, discutida e, por isso, resolvida na 1ª instância.” (sic.)

XXX – Assim, e uma vez mais, se conclui nos mesmos termos, que a questão foi efetivamente apreciada pelo Tribunal da Relação que concluiu e bem que a questão não era suscetível de ser apreciada porquanto constituía uma questão nova – que não é de conhecimento oficioso -e que o Tribunal da Relação não podia apreciar porquanto jamais a Recorrente a havia trazido aos autos, designadamente nos seus articulados, sendo que “Os recursos destinam-se a impugnar as decisões judiciais e não a obter decisão acerca de questão nova que não tenha sido colocada à decisão do tribunal competente para dela conhecer em primeira instância (artigo 676, n. 1, do CPC).” (cfr. Ac. deste Sup. Trib. de Justiça de 25.06/1998, in http://www.dgsi.pt/, proc. nº 98B439).

XXXI - Quanto à pretensa “3ª - Exceção de abuso de direito.” (sic.) o Tribunal da Relação do Porto apreciou-a referindo, ainda e sempre sem mácula, que “A alegação da culpa do lesado, enquanto excepção peremptória, como antes já se referiu, não poderia deixar de ter sido invocada em sede de contestação, o que não aconteceu, como acima também já se referiu. O recurso a um diferente instituto jurídico, como o do abuso de direito, não pode funcionar como remédio para o não cumprimento atempado dos ónus processuais de discussão da causa, designadamente numa situação como a destes autos em que, por causa do incumprimento de tais ónus por parte da ré, os mesmos se mostram desprovidos do substrato factual que seria necessário para a aplicação do instituto. (…) Compreende-se, por isso, a repetida pretensão da apelante de que o processo volte à primeira instância, para ser dotado de matéria que poderia ser apta à densificação fáctica necessária à discussão e decisão sobre os temas que enuncia: a alegada ausência de condições necessárias à utilização das instalações ocupadas pela ré e a respectiva relevância para a produção e dimensão dos danos; a omissão de diligência da autora na protecção e reparação do imóvel, alegadamente determinante da ampliação do danos provocados pelo incêndio; o incumprimento do contrato tendente à venda das instalações. Porém, como se disse, é extemporânea a importação, para a causa, dessa matéria, constatando-se, por consequência, que inexiste qualquer substrato factual com base no qual, nos termos alegados pela apelante, se possa concluir pela verificação de abuso de direito, pela autora, no caso dos autos.” (sic.)

XXXII - Conclui-se, pelo exposto, que o Tribunal se pronunciou sobre as questões causa, aliás doutamente, e bem se decidiu, devendo, por isso, na improcedência da Revista, ser o douto Acórdão recorrido confirmado, julgando-se improcedentes as conclusões L a U da Revista Recorrente.

Sem prescindir,

XXXIII - Invoca, depois, a Recorrente a pretensa “d) Violação De Lei Processual Relativamente Ao Poder De Cognição E Ao Dever De Análise Crítica Da Prova Por Parte Do Tribunal Da Relação Do Porto, Na Parte Em Que Exerceu O Seu Poder De Reapreciação Matéria De Facto Vertida Nos Pontos N), PP), UU), E XX) Da Factualidade Dada Por Provada Pela 1.ª Instância, E Do Ponto 4. Da Matéria Que A 1.ª Instância Deu Como Não Provada (Arts. 5.º, n. 2, 607.º, n. 4, 663.º, n. 2 do CPC)”

XXXIV–É incompreensível a pretensão da Recorrente considerando que no douto Acórdão recorrido foram detalhadamente fundamentadas as razões pelas quais os pretensos factos que a Recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto assente (seja por ampliação da mesma, seja por aditamento às alíneas N), PP), UU) e XX) dos factos provados) não devem sequer ser considerados.

XXXV - Em primeiro lugar o Tribunal da Relação questionou a relevância de tais pretensos factos para a decisão da causa, nos termos e com a delimitação em que a mesma se encontrava no momento da prolação da sentença final, e no momento da decisão da apelação, fundamentando, depois, as razões que levam a concluir que aqueles não têm qualquer relevo para a decisão da causa e para a decisão das questões jurídicas que se mantêm em aberto no momento processual em que decidiu.

XXXVI - Por um lado o Tribunal da Relação explicou que o apuramento da matéria fáctica em causa - alíneas referidas i) a vii) - só teria relevo para a decisão da exceção perentória pretendida pela Ré que foi conhecida no douto despacho saneador em que foi julgada improcedente e que transitou em julgado pro não ter sido objeto de recurso (cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 644º do C.P. Civil).

XXXVII - Quanto aos demais pretensos factos ínsitos nas alíneas viii) a x) do referido elenco o Tribunal da Relação do Porto explicitou que os mesmos apenas relevariam para integrar uma exceção perentória que a Recorrente invoca pela primeira vez em sede de apelação e que deveria – rectius, tinha de - ter invocado na sua contestação, como lhe era imposto pelo princípio da concentração da defesa, ínsito no art.º 573º do C.P. Civil, tratando-se, pois, uma vez mais, de questão extemporaneamente suscitada – questão nova -, que não pode ser objeto de discussão pela primeira vez numa instância de recurso, conforme jurisprudência supra citada.

XXXVIII – Por outro lado, quanto à discordância da Recorrente relativa à decisão da matéria de facto sob os pontos N), PP), UU) e XX), constata-se que a mesma pretende que nos factos N), PP) e XX) sejam acrescentados outros que são coincidentes com os referidos factos elencados nas alíneas vi), viii), ix e x), sobre o que o Tribunal da Relação se pronunciou nos antes referidos termos.

XXXIX – Por fim, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto ao restante facto referindo que “No tocante à crítica dirigida ao ponto 4 dos factos não provados, designadamente na sua relação com o teor da alínea VV dos factos provados já acima nos pronunciamos sobre a pertinência do decidido, nada cumprindo acrescentar.” e, “acima” tinha o Tribunal exposto porque não há contradição entre o conteúdo de VV) e do facto não provado número 4, acompanhando a fundamentação da decisão da primeira instância relativamente à decisão que tomou, de dar por provado o ínsito em VV) e por não provado o ínsito em 4., fundamentação que se encontra citada no acórdão em recurso, e que integra a interpretação do relatório da PJ.

XL - Improcede, assim, o vertido nas conclusões V a Z da alegação da Recorrente.

Sem prescindir,

XLI – A respeito da invocada “e) Violação De Lei Substantiva Sobre Responsabilidade Civil Por Danos Causados Por Atividades (Art. 493.º, n. 2 do CC)” impõe-se, em primeiro lugar, referir que o vertido nas conclusões AA a SS da Revista é insuscetível de apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça nos termos supra referidos sob a inadmissibilidade do recurso de revista excecional” (conclusões I a IV) que por economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos.

XLII - Sem prescindir, sempre se acrescente que é absolutamente peregrino o entendimento que a Recorrente pretende de que a perigosidade implica “a utilização ou manuseamento de certa coisa/objeto.” (sic) não havendo jurisprudência, doutrina, nem bom senso que sustente tal coisa, sendo que não é o Tribunal da Relação do Porto que tem qualquer “abordagem inovadora” - coisa que, desde logo, nunca poderia acontecer por ser conforme com a da primeira instância - mas a Recorrente que inventa uma interpretação peregrina, bizarra e insustentável do regime jurídico em causa.

XLIII – Efetivamente e em resumo, como bem se refere no douto Acórdão recorrido e na douta Sentença proferida em primeira instância, “as indústrias de mobiliário têm particulares perigos que não podem ser negligenciados, muito significativamente, uma probabilidade agravada de incêndio (de resto traduzida no valor dos prémios do seguro de riscos respectivo). Assim, a elevada concentração de material combustível, convivendo com equipamento susceptível de riscos eléctricos. É o que mais justifica a imposição regulamentar de guarda separada de material altamente inflamável, como vernizes, tintas e colas e a limpeza dos resíduos da actividade produtiva. Logo, não nos parece temerário ter também por afirmada, na situação decidenda, esta presunção. (…)”,

XLIV - “Assim é que, temos para nós que a matéria de facto sob UU) e XX) caracteriza, a mais da não elisão da presunção de culpa emergente da detenção e uso do imóvel no qual deflagrou o incêndio e do exercício nele da actividade de fabrico de mobiliário, a demonstração da existência do facto (voluntário) ilícito cometido pela ré, ao nível da omissão das condições de segurança destinadas à evitação da propagação de incêndio na sua unidade produtiva, perante o risco de anomalia eléctrica, nomeadamente mediante a não concentração num espaço próximo de carga combustível e o não afastamento em período de encerramento do estabelecimento portanto sem vigilância pronta de uma anomalia eléctrica, do equipamento eléctrico do material combustível.” (sic).

XLV – Foi, pois, efetuada na douta Sentença proferida em primeira instância e, bem assim, no douto Acórdão recorrido exemplar subsunção da factualidade julgada provada ao regime jurídico contido no art.º 493º do Cód. Civil – maxime nº 2 –, improcedendo, consequentemente, o vertido nas conclusões AA) a SS) da alegação da Recorrente, devendo, em consequência, manter-se o douto Acórdão recorrido.

XLVI - Atento o exposto, conclui-se que nenhuma censura merece o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nenhuma norma tendo sido inobservada no mesmo, e que inexiste fundamento para a Revista, que não deve ser admitida, ou, se assim não se entender, deverá, em qualquer caso, ser julgada integralmente improcedente.

Conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente mantendo-se o Acórdão recorrido.

7. O Tribunal da Relação no despacho que admitiu a revista pronunciou-se sobre a arguição de nulidades nos seguintes termos:

«Rejeita-se, a verificação da nulidade invocada, por a questão apontada e sobre a qual a recorrente invoca uma omissão de pronúncia ter sido considerada no acórdão recorrido».

8. Recebidos os autos neste STJ foi proferido despacho, nos termos do artigo 655 n.º 1 do CPC.

9. Notificada desse despacho veio a Ré AMBITUS, S.A., reclamar do mesmo, com os seguintes fundamentos:

Considerando que:

(i) a Apelante e a Apelada já se pronunciaram nas respetivas alegações de recurso sobre a existência ou não de dupla conforme e sobre a admissibilidade (ou não) do recurso de revista, expondo aí as suas posições;

(ii) a Apelante considera-se prejudicada pela posição defendida pelo Venerando Juiz Conselheiro - Relator, que considera que existe dupla conforme e que, por conseguinte, não é possível conhecer-se do objeto do presente recurso.

(iii) Discordando do entendimento defendido pelo Venerando Juiz Conselheiro – Relator e insistindo que o recurso de revista é admissível, verte-se aqui o pensamento de LUÍS FILIPE BRITES LAMEIRAS:

“quid juris quando, sendo inequívoca uma dupla conforme, visa a parte suscitar vícios ou irregularidades do próprio acórdão da Relação – por exemplo, pretende arguir junto do Supremo um não adequado exercício pelo tribunal da Relação dos seus poderes em sede de impugnação da matéria de facto ou, doutra sorte, quer invocar nulidades que inquinem o mesmo acórdão?

Aqui se tratam, evidentemente, de questões novas, apenas reveladas no âmbito do julgamento e da intervenção do tribunal de recurso em 2.ª instância e perfeitamente alheias ao tribunal da sentença – quanto a elas não faz sentido pensar em conformidade ou desconformidade decisórias…

E exactamente a sua arguição é instrumental e visa destruir a dupla conforme que, via de regra, se assume existir.

Enquanto objecto de recurso para o Supremo estão, portanto, à margem da revista excepcional; e não podem deixar de ser objecto de recurso de revista normal.” (sublinhado-negrito nosso)

iv) No mesmo sentido, expomos também os ensinamentos de ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 809)

(v) No caso em apreço, há um conjunto de questões, suscitadas em sede de recurso de apelação, que não foram (nem poderiam ter sido) apreciadas e julgadas na Sentença proferida pela 1ª Instância, mas somente pelo TRP, a saber:

a. Admissibilidade do(s) documento(s) apresentados em sede de alegação;

b. Nulidade da sentença por não pronúncia sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa:

c. Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;

(vi) Depois, a Recorrente considera que o Acórdão do TRP faz uma errada aplicação do disposto nos arts. arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC, não fazendo a distinção fundamental entre factos essenciais (principais/nucleares, complementares e concretizadores) e factos instrumentais, e não retirando daí as devidas consequências legais.

(vii) Salvo melhor opinião, a interpretação sufragada pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator sobre o conceito e o alcance da dupla conforme não deve não deve prevalecer!

(viii) Deverá ser proferido Acórdão que admita o recurso de revista interposto!

Conclui pedindo que sobre a matéria recaia um acórdão.

10. Respondeu a Autora/recorrida ADC – MÓVEIS E ESTOFOS, S.A., alegando que a

Recorrente foi notificada para se pronunciar “apenas” sobre o entendimento de que não poderia conhecer-se do objeto do recurso e não para reclamar.

Não obstante, requerida que está que “Deverá ser proferido Acórdão que admita o recurso de revista interposto” (sic. ponto viii) da Reclamação da Recorrente, deve ser efetivamente proferido Acórdão (cfr. art.º 6º, nº 1, do Cód. Proc. Civil), mas que julgue que não podendo O Supremo Tribunal de Justiça conhecer do objeto do recurso, a Revista não é admissível.

Conclui pedindo que seja a Reclamação indeferida, sendo proferido Acórdão que julgue, que a Revista não é admissível, não podendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecer do objeto do recurso.

11. De seguida foi proferida decisão que decidiu não conhecer do recurso de revista.

12. Notificada dessa decisão, veio a recorrente requerer que a questão seja submetida à conferência, para que sobre a mesma recaia acórdão, nos termos do artigo 652º nº 3 ex vi artº 679º, ambos do CPC.

Formulou as seguintes conclusões:

A) No Recurso de Revista a Recorrente aponta vícios decisórios ao Acórdão do Tribunal

da Relação do Porto, a saber:

a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco

contratual em caso de incumprimento de deveres legais e contratuais imputados à Autora;

b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção de documentos com

o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-

Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro);

c) Violação de lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de

exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC), relativamente às seguintes questões suscitadas no recurso:

v. Incumprimento do dever acessório/secundário de prévia implementação das condições necessárias à obtenção da licença de utilização;

vi. Nulidade da sentença por não pronúncia sobre questões que devesse apreciar para a boa decisão da causa;

vii. Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição de prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz;

viii. a exceção de abuso de direito.

d) Violação de lei processual relativamente ao poder de cognição e ao dever de análise

crítica da prova por parte do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que exerceu o seu poder de reapreciação matéria de facto vertida nos pontos N), PP), UU), e XX) da factualidade dada por provada pela 1.ª Instância, e do Ponto 4. da matéria que a 1.ª Instância deu como não provada. (Arts. 5.º, n. 2, 607.º, n. 4, 663.º, n. 2 do CPC);

e) Violação de lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art. 493.º, n. 2 do CC)

B) Tais vícios nada têm que ver com o fundamento invocado na Sentença proferida pela 1ª instância.

C) Como refere LUÍS FILIPE BRITES LAMEIRAS

2 “aqui se tratam, evidentemente, de questões novas, apenas reveladas no âmbito do julgamento e da intervenção do tribunal de recurso em 2.ª instância e perfeitamente alheias ao tribunal da sentença – quanto a elas não faz sentido pensar em conformidade ou desconformidade decisórias… E exactamente a sua arguição é instrumental e visa destruir a dupla conforme que, via de regra, se assume existir. Enquanto objecto de recurso para o Supremo estão, portanto, à margem da revista excepcional; e não podem deixar de ser objecto de recurso de revista normal.”

D) Igual entendimento é sufragado, nomeadamente, por ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA E ALVES VELHO, conforme se extrai dos textos supra citados.

E) Também a Jurisprudência acompanha esse entendimento: no Ac. do STJ de 28.01.2016 (Proc. 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1), por exemplo, diz-se que “a dupla conformidade exige, assim, que a questão crucial para o resultado declarado tenha sido objecto de duas decisões “conformes”. Tal não ocorre nos casos em que é imputado ao Acórdão da Relação a violação de normas de direito adjectivo no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, nomeadamente as previstas nos arts. 640º e 662º, ambos do NCPC. Efectivamente, em tais circunstâncias, ainda que simultaneamente a Relação tenha confirmado a decisão recorrida no que respeita à matéria de direito, não se verifica uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto.”

F) Veja-se ainda, Acórdãos do STJ, datados de 2/7/2015 e de 8/10/2015, e de 13 de julho

de 2017 (Processo n.º 1942/12.6TVLSB.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 2017 (Processo n.º 1676/13.4TBVLG.P1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019 (2128/16.6T8VIS.C1.S1), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2021 (Processo n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1).

G) A situação seria totalmente distinta se o recurso de revista tivesse por objeto a impugnação da matéria de facto e de direito (decidida pela Primeira Instância e confirmada pela

Relação). Como é óbvio, nesse caso, haveria dupla conforme e nada mais justificaria a interposição de recurso de revista!

H) Não sendo esse o caso, e porque foram apontados relevantes vícios decisórios ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente de erro de aplicação da lei processual a respeito da decisão da matéria de facto – incluindo a violação do dever de análise crítica da prova por parte do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que exerceu o seu poder de reapreciação matéria de facto vertida nos pontos N), PP), UU), e XX) da factualidade dada por provada pela 1.ª Instância, e do Ponto 4. da matéria que a 1.ª Instância deu como não provada – deve o Recurso de revista ser admitido.

Conclui pedindo que seja admitido o Recurso de Revista para apreciação dos vícios apontados ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o que, no entendimento da Recorrente, conduzirá, necessariamente, a uma decisão distinta da que foi proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.

13. A Recorrida respondeu tendo formulado as seguintes conclusões:

A - A douta Decisão do Tribunal da Relação do Porto que julgou “…admito o recurso

interposto pela ré…”, não só não vincula este Supremo Tribunal (cfr. art.º 641, nº 5, do Cód. Proc. Civil) como, aliás, expressamente referiu que cabe a este Tribunal “o controlo sobre a verificação dos respetivos pressupostos” da admissibilidade, ou não, da Revista.

Posto isto,

B - A Recorrente alega (cfr. conclusões A a D) pretensos entendimento no sentido da admissibilidade da Revista normal (como a que interpôs) acrescenta, depois, também doutos entendimentos jurisprudenciais (cfr. conclusões E e F) que, manifestamente, nada têm que ver com as situação sub judice pois que o que ai se refere são situações em que está em causa “v.g., quando “a Relação não tiver controlado a valoração da prova realizada na 1ª instância com o argumento de que a falta de imediação impede essa reapreciação”, ou quando rejeita a apelação por entender que o Recorrente não tinha cumprido os ónus exigidos para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto – art. 640º do Novo CPC.” (sic. o Acórdão citado), ali constando, de resto, expressamente em absoluta consonância com a douta Decisão Singular objeto da presente de que “A decisão de facto é da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, nomeadamente, quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto.” (sic.), o que não ocorreu in casu.

C - No mesmo exato sentido é referido na douta Decisão Singular que “De igual modo também não é admissível a revista (normal) pretendida pela Recorrente uma vez que não se mostra violada qualquer norma imperativa na apreciação da matéria de facto. A errada subsunção jurídica dos factos ao direito nada tem a ver com o vicio que a recorrente imputa ao acórdão como fundamento da revista. Tem a ver já com o mérito da revista e não com a sua admissibilidade.” (sic).

D - Nenhuma das questões colocadas na Revista respeita à violação de qualquer preceito imperativo respeitante à apreciação da matéria de facto (cfr. art.º 674º, nº 3, do Cód. Proc. Civil).

E - Quanto à a dita “b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro)”, atento disposto no art.º 652º, nºs 1, al. e), 3, 4 e 5, al. b), e 671º, nºs 1, 2, al.s a) e b) e nº 3, ambos do C.P. Civil, “…é inadmissível recurso de revista nos termos do art. 671, nº 1 do CPC, porque a tal se opõe o disposto no art. 671, nº 3 do mesmo diploma, “… não é admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão na 1ª Instância, salvo os casos previstos no art. seguinte”. Não sendo admissível recurso de revista normal, não admitem recurso para o STJ os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação, como é o caso” (sic. o douto Acórdão deste STJ de 09.03.2021, processo: 2616/17.7T8PDL.L1.S1, in www.dgsi.pt).

F - A admissibilidade da Revista não pode estribar-se na … admissibilidade do recurso da decisão que não admitiu a junção dos documentos, o que não tem sustentação legal, sendo que a Recorrente por ai se fica, sem prejuízo do demais infra considerado e, por outro lado, mais considerando que ocorre dupla conforme (cfr. art.º 671º, nº 3, do C.P. Civil) e que não se verifica nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do C. P. Civil, a Revista é, in casu, claramente inadmissível.

G - Em segundo lugar, a respeito da dita “c) Violação de lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação)” (sic) ou, como refere a Recorrente na Reclamação objeto da presente, “Anulação da sentença para ampliação da matéria de facto e repetição da prova quanto à matéria objeto de ampliação por ser inviável obter a apreciação e prolação de sentença pelo mesmo juiz” (sic.) o que a Recorrente verdadeiramente questiona é o julgamento da matéria de facto, que pretende ver alterado, questões sobre as quais este Tribunal se não pode pronunciar atento o disposto no artigo 674º do Cód. Proc. Civil – maxime nº 3 -, sendo que em face do disposto nos artigos 662º, nº 4, 674º e 682º do Cód. Proc. Civil, competindo às instâncias (primeira instância e Relação) fixar a matéria de facto, o Supremo de Justiça apenas conhece de direito, sendo muito restritos os seus poderes de intervenção em termos de censura das decisões da Relação relativas à impugnação da matéria de facto, apenas o podendo fazer nas situações referidas no nº 3 do referido artigo 674º, inaplicável in casu atento o alegado pela Recorrente, conforme anteriormente se referiu.

H - Em suma, a Recorrente não invoca que tenha sido violada qualquer norma imperativa na apreciação da matéria de facto mas pretensos erros na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, pretendendo uma verdadeira reapreciação das provas produzidas, o que não pode ser objeto de recurso de Revista, uma vez que, como se disse, não se verifica nenhuma das exceções previstos na lei - art.º 674º, nº 3, do C. P. Civil (cfr., entre inúmeros outros, os Ac.s deste S.T.J de 12.12.73, in BMJ, 238, pág. 262 e de 10.04.84, in BMJ, 336, pág. 372).

I - Para além de não se verificarem in casu os requisitos gerais de admissibilidade da Revista - o que, aliás, a Recorrente nem sequer alega - é manifesto que não é (também) admissível a Revista para apreciação das referidas pretensões pelo que, considerando que a Recorrente suscita questões sobre as quais este Tribunal se não pode pronunciar atento o disposto no artigo 674º do Cód. Proc. Civil, não é a Revista admissível.

J - Relativamente à “a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco contratual no caso de deveres legais e contratuais imputados à Autora” (sic.) é, também, manifestamente inadmissível a Revista - interposta como “normal” - para este Supremo Tribunal de Justiça com fundamentos nas invocadas nulidades, como é entendimento jurisprudencial pacifico, podendo citar-se, a titulo exemplificativo o douto Acórdão deste STJ de 06.07.2023 (processo: 929/21.2T8VCD.P1.S1, in www.dgsi.pt), no qual se refere que “o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista”, isto é, “A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, e portanto como fundamento acessório desse recurso. (…)” (sic. douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 24.11.2016, processo n.º 740/15, in www.dgsi.pt, entre muitos outros).

K - Por último, quanto à pretensa “Violação de lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art.º 493.ºm, nº 2 do CC)” (sic.) impõe-se referir ser manifesta verificação de dupla conforme que determina a inadmissibilidade da Revista.

L - Como refere este Supremo Tribunal de Justiça “Caso haja dupla conforme, e caso o único obstáculo ao conhecimento das questões que o recorrente pretende que sejam apreciadas e decididas seja a dupla conforme, deverá invocar alguma das hipóteses do art. 672.º do Código de Processo Civil.” (Ac. de 06.07.2023, processo: 929/21.2T8VCD.P1.S1, in www.dgsi.pt), verificando-se, desde logo, que in casu a Recorrente não invoca nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do Cód. Proc. Civil, pelo que sempre será inadmissível a Revista se se concluir pela verificação de dupla conforme.

M - Como é pacifico, “não haverá “dupla conforme” quando o Tribunal da Relação, apesar da coincidência do segmento decisório do acórdão, tenha utilizado “fundamentação essencialmente diferente” (Juiz Conselheiro António A.M. Alves Velho, in Estudo feito “Sobre a revista excecional. Aspetos práticos.”, no âmbito do Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil, realizado pelo STJ no dia 25.07.2015 e disponível em www.stj.pt), sendo que a verificação de uma “fundamentação essencialmente diferente”, para efeito de afastamento da “dupla conformidade” de decisões, pressupõe que a solução jurídica perfilhada pela Relação, e em termos determinantes para a mesma, decorra da convocação, interpretação e aplicação de normas ou institutos jurídicos em termos “perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida na 1ª instância” – cfr., v.g., Acs. deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015 (proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1), de 30.4.2015 (proc. 1583/08.2TCSNT.L1.S1).” (cfr., no mesmo sentido, o Cons. Abrantes Geraldes, in "Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pag. 285 e sgs.).

N - In casu, é manifesto que, confrontando a douta Sentença e o douto Acórdão proferidos, não se constata que a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório: (i) em normas perfeitamente diversas e autónomas das que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada; (ii) em interpretações normativas perfeitamente diversas e autónomas dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada, ou (iii) em institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada e, pelo, contrário, o enquadramento jurídico feita na Sentença e no douto Acórdão da Relação foi o mesmo, aliás, ponto a ponto, pelo que a Relação aderiu, pois, absoluta e inteiramente à subsunção jurídica efetivada pela primeira instância, julgando-se aqui e ali nos mesmos exatos termos, com a mesma fundamentação de facto e igual enquadramento nos - mesmos - preceitos jurídicos pertinentes, interpretados de modo concordante.

O - Assim, forçoso é concluir que não se verificando a hipótese excecional prevista no n º 3 do art.º 671º do Cód. Proc. Civil, não é a Revista admissível, tanto mais que a Recorrente não invoca nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do Cód. Proc. Civil, concluindo-se, pois, também pelo ora exposto, pela inadmissibilidade da Revista.

P - Atento exposto e em conformidade com o entendimento vertido Exm.º Sr. Conselheiro Relator na douta Decisão Singular objeto de reclamação, a Revista não é admissível, não podendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecer do objeto do recurso, o que se requer seja confirmado por douto Acórdão a proferir.

Conclui pedindo que seja a Reclamação indeferida, sendo proferido Acórdão que julgue, que a Revista não é admissível, não podendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecer do objeto do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Foram dados como provados os seguintes factos:

A) A A. é dona e legítima proprietária do imóvel constituído por um prédio “Urbano, destinado a indústria, com a área total de 36.572 M2, sendo a área coberta de 17.365 M2 e a descoberta de 19.207 M2, sito na Rua da ..., freguesia da ..., concelho de ..., descrito na competente 5/90 Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1238/20080627 e inscrito na competente matriz predial no artigo 1.142.º.”, o qual se encontra constituído em propriedade horizontal, compondo-se das frações A, B, C, D, E e F, conforme resulta das certidões do registo predial – com os códigos de acesso GP- 2217-61276-131022-001238, GP-2217-61241-131022-001238, GP-2217-61268- 131022-001238, GP-2217-61292-131022-001238, GP-2217-61284-131022-001238, GP-2217-61233-131022-001238, GP-2217-61250-131022-001238, - e matriciais juntas sob os documentos nºs 1 e 2 com a petição e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

B) Entre a A. ADC e a Ré Ambitus foi celebrado um contrato denominado de arrendamento com opção de compra, datado de 30 de abril de 2013.

C) De acordo com as cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato, as partes estipularam o seguinte:

“Cláusula 2ª

Pelo presente contrato, a 1º Outorgante dá de arrendamento, com opção de compra à Segunda Outorgante, e esta compromete-se a arrendar, uma fracção com 4.143 m2, a destacar do prédio melhor identificado na cláusula anterior, que se irá designar pela letra “D” no processo de constituição de propriedade horizontal, apresentado pela 1.ª Outorgante junto da Câmara Municipal de ... ainda em fase de aprovação e conforme planta anexa. Nesta data, o referido processo de constituição de PH, já tem arquitectura aprovada, e está em fase de aprovação de projectos de especialidades.

Cláusula 3ª

a) O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de três anos, com início no dia um de julho de 2013, terminando no dia 30 de junho de 2016.

b) O referido processo de constituição de PH encontra-se em apreciação camarária, pelo que quando for pela 1.ª outorgante obtida a licença de utilização da dita futura fracção “D” esta ficará a ser parte integrante do presente contrato”, tudo nos termos do documento junto de fls. 26 a 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) Na data da celebração do contrato, o prédio referido em A) ainda não se encontrava em regime de propriedade horizontal, tendo a promitente vendedora (ora Autora ADC) consignado no mesmo que havia já apresentado junto da Câmara Municipal o respectivo processo de constituição e que o mesmo “já tem arquitectura aprovada, e está em fase de aprovação de projectos de especialidades”.

E) O contrato previa um período de arrendamento inicial de três anos [cf. cláusula 3.ª, alínea a), do contrato] e o direito de a Ré Ambitus exercer nesse prazo o direito de opção de compra.

F) Em 7 de Maio de 2018, ocorreu um incêndio industrial, na fracção autónoma com a letra D do prédio descrito em A), sito na Rua da ..., ..., ... e ocupada à data pela Ré e onde se encontrava instalada a sua fábrica de mobiliário.

G) Que se propagou também para a fração E, contígua à D, igualmente integrante do prédio da A., que consistia num armazém com cerca de 600m2, constituindo ambas as frações um único bloco, que utilizavam o mesmo logradouro e os mesmos acessos à via pública, ainda que com entradas independentes.

H) Por efeito do fogo do evento caracterizado em F) e das altas temperaturas atingidas no local, a cobertura da parte noroeste da parcela D, suas paredes e pilares, numa área de cerca de 1.600m2, colapsou e ruiu.

I) Ocorreram danos estruturais nas suas paredes, com deformação, e com evolução patológica de ruína, pois ameaçam colapso e ruína iminente. As paredes do contorno da fracção "D" incorporam pilares de betão armado que desempenham função estrutural de suporte da cobertura metálica. Por efeito do fogo e dos esforços horizontais resultantes da dilatação térmica e do subsequente colapso da estrutura metálica da cobertura, as paredes encontram-se deformadas e fissuradas, tendo deixado de garantir a sua função com as margens de segurança legalmente exigíveis, pelo que deverão ser demolidas e reconstruídas, nomeadamente a empena voltada a poente e a fachada norte.

J) Ficando esta área com cerca de 1600m2 em estado de ruína, a qual não reúne as condições para actividade industrial ou outra.

L) Sendo que a restante área necessita também de ser ao menos reconstruída/reforçada, uma vez que, por efeito das elevadas temperaturas resultaram deformações, fissuração, perda de resistência mecânica e diminuição da protecção contra fogo e corrosão da estrutura e paredes do pavilhão poente e pavilhão central da fracção "D". A elevada temperatura afectou as características do aço e do betão que integram a estrutura e os pavimentos, sendo mais afectadas as zonas próximas do ponto de ignição.

M) Tendo o pavimento sofrido a dilatação da malha de aço interior por efeito do fogo, e posterior contracção da mesma, com maior incidência no espaço com cerca de 1600m2, onde o incêndio atingiu a maior intensidade, causando nessa zona o colapso da cobertura.

N) … A que acresceu a deterioração posterior por efeito dos agentes atmosféricos, uma vez que, devido às elevadas temperaturas, foi fragilizada a camada superficial do betão, que recobre a armadura em aço, tornando-a mais exposta aos agentes atmosféricos. O colapso da cobertura tornou o espaço permanentemente sob acção dos agentes atmosféricos, provocando a corrosão dos metais, incluindo o aço incorporado no pavimento.

O) O que diminuiu drasticamente a resistência à carga para a qual estava dimensionado, tornando-o intransitável para actividade industrial ou outra, na situação actual, e pela progressiva deterioração ruinosa, estando, pois, destruído e necessitando de ser reconstruído, pois não aguentará as cargas a que normalmente é sujeito no normal funcionamento de uma empresa fabril. A redução da resistência do pavimento traduzir-se-á por fissuração, ruptura e desgaste prematuro da superfície, formação de poeiras e irregularidades sob acção do trânsito de cargas, inerente à actividade industrial.

P) Os danos resultantes do incêndio afectam uma área mais extensa que a colapsada.

Na vizinhança da parte colapsada, a estrutura apresenta deformações apreciáveis e a sua capacidade resistente ficou comprometida pela acção das temperaturas. Acresce que a pintura que protege contra a corrosão as superfícies metálicas foi queimada, gravemente danificada, o mesmo se verificando relativamente às chapas da cobertura e de revestimento das paredes exteriores, necessitando de substituição geral.

Q) Ainda, noutra larga área, na parte sul do locado, e por efeito da onda de calor gerada pelo fogo, ficaram irremediavelmente deformadas algumas das estruturas de suporte da cobertura, pilares e vigas de aço incluídas.

R) Tendo até a cobertura de policarbonato fundido em várias áreas. Sendo um material plástico, nos locais onde não foram totalmente consumidas pelo fogo, as partes translúcidas da cobertura, em policarbonato, fundiram e ficaram suspensas, tendo de ser removidas e substituídas na totalidade.

S) Encontrando-se, ainda, deformados os pilares e vigas de aço que suportam a cobertura na parte que ainda não ruiu. Os efeitos visíveis, a extensão dos estragos, o grau de ruptura da estrutura, resultou das cargas permanentes e acção da temperatura, da intensidade e duração do incêndio e subsequente rescaldo. O fogo afectou, alterou as características, reduziu a capacidade resistente da estrutura relativamente aos esforços que a mesma deve suportar, com as devidas margens de segurança, face às cargas permanentes, sobrecargas e demais acções variáveis (vento, sismos, neve, acidente, etc.) supostamente consideradas no respectivo projecto, durante a sua vida útil.

T) O incêndio provocou ainda danos nas próprias paredes, incluindo naquela mais distante do foco do incêndio, designadamente a parede sul. Pela acção directa do fogo, da elevada temperatura que incidiu sobre as paredes, bem como pelos esforços transmitidos pela estrutura metálica devido à dilatação e subsequente contracção e ruína, as paredes apresentam fissuras, com destacamento dos pilares e vigas nelas integrados.

U) Onde apareceram, por seu efeito, fissuras na alvenaria dessa parede, por efeito da dilatação e posterior contracção do aço do interior do betão armado que constitui a sua estrutura, donde as paredes apresentam diversas fissuras em todo o contorno, mas especialmente as paredes norte e poente da fracção D.

V) E encontrando-se fissurada a sua estrutura e quebrado o betão, o que impõe a sua demolição. Para garantia da segurança estrutural do conjunto, devem ser demolidos e reconstruídos acima da respectiva fundação toda a estrutura da fracção.

X) Na zona do escritório, apesar de não ter sido atingido pelas chamas, os balastros do sistema de iluminação derreteram e o tecto falso ficou deformado. O calor e o fumo afectaram todos os compartimentos, danificando os componentes eléctricos e os materiais de revestimento de tectos, paredes e pavimentos em geral.

Z) Os tubos de queda de águas pluviais, realizados em PVC e fixos (à vista) aos pilares da estrutura do edifício, derreteram devido à exposição ao calor. A rede pluvial de tubos e caleiras da "fracção D" terá de ser refeita conjuntamente com a cobertura.

AA) E o revestimento da cablagem da electricidade, tendo ficado a instalação eléctrica completamente inutilizada, e todos os seus componentes irrecuperáveis. Assim, devido à acção do fogo e do elevado calor, o revestimento da cablagem eléctrica foi afectado, alterando-se as características do material, comprometendo a continuidade e o necessário isolamento entre os diversos condutores. Para garantia da segurança das pessoas e instalações, correcto funcionamento dos equipamentos, sem avarias, faltas de fase, minimizar o risco de curto-circuitos, com perigo de eclosão de novos sinistros, a instalação eléctrica da "fracção D" deverá ser toda substituída (iluminação normal e de emergência, alimentação de equipamentos, tomadas de uso geral, comandos, quadros, comunicações, etc).

BB) Tendo todas as superfícies metálicas remanescentes sido afectadas pela fuligem resultante do incêndio. É visível a corrosão em elementos metálicos, como tubagens, elementos da estrutura e chapa de revestimento exterior, mesmo em zonas aparentemente distantes ou não envolvidas directamente pelas chamas.

CC) Também a parcela E, adjacente a sul à parcela D, não integrada no locado, e separada deste por uma parede dupla, sofreu danos, nomeadamente naquelas duas paredes, que ficaram destruídas… Assim, as paredes confinantes com a "fracção D" sofreram danos graves, pelo que terão de ser refeitas, designadamente os revestimentos em chapa da cobertura e paredes, isolamento térmico, rufos, platibandas, caleiras de águas pluviais e as estruturas metálicas de suporte afectadas pelo fogo e calor, nomeadamente toda a empena norte e a cobertura adjacente (vigas e madres) com cerca de 150m2.

DD) E tendo a sua cobertura e estrutura de suporte sido gravemente afectadas ao nível da segurança estrutural. As paredes sul e poente, que separam a "fracção E" relativamente à "fracção D" sinistrada, situam-se próximo do local onde o fogo atingiu a sua maior intensidade e danos. Tendo essas paredes desempenhado o seu papel de contenção do fogo, torna-se necessário repor a segurança estrutural e a resistência corta-fogo desses elementos, além da resistência à corrosão e estanquidade aos agentes atmosféricos de todos os elementos afectados (pilares, vigas, madres, contraventamentos, chapas de revestimento de paredes e coberturas, caleiras, isolamento térmico, paredes de alvenaria, pilares de betão armado, rebocos, pinturas).

EE) Sendo que a resistência das vigas de suporte da cobertura foi afectada pelo choque térmico, impondo a respectiva substituição.

FF) O armazém que constituía o locado está inapto para qualquer actividade, industrial ou outra. Em consequência do incêndio, o espaço encontra-se inoperacional, parcialmente descoberto, repleto de destroços de diversa ordem, espalhados por toda a área, havendo partes da estrutura, destroços da cobertura e equipamentos fabris em perigo de ruína, pelo que se encontra inapto para qualquer actividade, industrial ou outra.

GG) Impõe-se a demolição da fracção/armazém numa área de aproximadamente 2.000m2, abrangendo a totalidade da zona do fogo e envolvente. As redes de água e instalações eléctricas terão de ser totalmente demolidas e reconstruídas. Relativamente às chapas de cobertura, admite-se que possam abranger maior área que só poderá ser confirmada aquando da realização da obra de reabilitação. O mesmo acontece com a parede do alçado Norte que terá de ser demolida e reconstruída na zona do fogo, mas a parte mais afastada terá de ter melhor avaliação, a realizar aquando da execução da obra. A parede comum com a Fracção E terá de ser parcialmente reconstruída e a parede do topo Poente, em chapa metálica ser totalmente reconstruída.

HH) E consequente remoção dos salvados, de forma a repor a segurança no espaço em causa.

II) O incêndio teve como causa um curto-circuito numa máquina pertencente à Ré, por ela utilizada e que se encontrava naquela fracção.

JJ) A A. celebrou, em 07/07/2000, um Contrato de Seguro de Indústria Segura, cuja Apólice tem o n.º .......78, com a Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal – cfr. documento junto sob o nº 7com a petição e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

LL) O contrato de seguro referido na alínea que antecede, quanto às fracções D e E tem como limite de capital seguro os montantes de € 482.203,30 (quatrocentos e oitenta e dois mil duzentos e três euros e trinta cêntimos) e € 68.789,02 (sessenta e oito mil setecentos e oitenta e nove euros e dois cêntimos), respetivamente.

MM) A A. instaurou contra a Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal acção que corre termos neste Juízo Central Cível de ... – Juiz 1, sob o proc.º n.º 2934/19.0..., cuja petição inicial (p.i.) apresentada consta do mesmo documento junto sob n.º 7 com a petição, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

NN) Nos autos identificados na alínea que antecede, as partes chegaram a acordo, o qual foi homologado por sentença já transitada, conforme certidão junta aos autos a 09.09.2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, assumindo a ali Ré Zurich a obrigação de pagar à ali e ora A: A) 482.203,30 € (quatrocentos e oitenta e dois mil, duzentos e três euros e 30 cêntimos) relativamente aos danos sofridos pela fração D e correspondentes ao limite do capital da apólice número .......78, destinado a esta fração; B) 68.789,02 € (sessenta e oito mil, setecentos e oitenta e nove euros e dois cêntimos) relativamente aos danos sofridos pela fração E e correspondentes ao limite do capital da apólice número .......78, destinado a esta fração; C) 120.000,00 € (cento e vinte mil euros) correspondente aos danos reclamados nos artigos 53.º e 54.º da petição inicial de folhas 2 a 15. Mais estabeleceram aí que o recebimento das referidas quantias não prejudica o exercício de direitos pela autora Adc - Móveis e Estofos, S.A., designadamente judicialmente, quer contra a ré Zurich Insurance Plc - Sucursal Em Portugal, quer contra terceiros, relativamente aos danos emergentes do incêndio em causa nos autos ocorrido em 07-05-2018, sem prejuízo do esgotamento dos capitais da apólice número .......78. Do mesmo modo, a autora Adc - Móveis e Estofos, S.A. sub-rogou à ré Zurich Insurance Plc - Sucursal Em Portugal, por via dos referidos pagamentos e até ao respetivo limite nos direitos que lhe assistam contra terceiros causadores do sinistro sub judice. Bem assim

OO) Inicialmente (antes do início da reconstrução), orçou-se, para a reconstrução das fracções do imóvel da A.: (i) € 641.000,00 (seiscentos e quarenta e um mil euros), a que acrescia IVA, para a reconstrução da Fração D; (ii) € 68.997,21 (sessenta e oito mil novecentos e noventa e sete euros e vinte e um cêntimos), a que acrescia IVA, para a reabilitação da Fração E.

PP) Contudo, pela necessidade de realização de outros trabalhos não previstos inicialmente e por via do aumento dos preços, A. já pagou/ suportou, custos de construção e reconstrução das frações/pavilhões D e E emergentes do incêndio, no valor global de € 896.813,59 (oitocentos e noventa e seis mil, oitocentos e treze euros e cinquenta e nova cêntimos), a que acresce o IVA à taxa legal, no montante de € 206.267,12 EUR (duzentos e seis mil, duzentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos, perfazendo, pois, a quantia de € 1.103.080, 71 (um milhão cento e três mil e oitenta e setenta e um cêntimos).

QQ) A A. teve ainda de contratar, porquanto não se encontravam previstos e durante a execução das obras de reconstrução se constatou serem absolutamente indispensáveis de realizar, trabalhos relativos à implementação em obra do projeto de segurança contra incêndios em edifícios, no valor total pelo valor de € 133.043,80 (cento e trinta e três mil quarenta e três euros e oitenta cêntimos), ao qual também acresce o montante de € 9.151,92 (nove mil cento e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos), relativamente ao custo com a substituição dos portões corta-fogo que ficaram irremediavelmente danificados em consequência do incêndio, perfazendo pois, um total de € 142.195,72 (cento e quarenta e dois mil cento e noventa e cinco euros e setenta e dois cêntimos), ao qual (ambos os valores) acresce o IVA, no montante de 32.705,01 EUR.

RR) No incêndio mais ficaram destruídos equipamentos designadamente máquinas industriais) que pertenciam à A. e ficaram irremediavelmente danificados no incêndio, no valor de € 94.451,64 (noventa e quatro mil quatrocentos e cinquenta e um euros e sessenta e quatro cêntimos).

SS) Bem assim foram destruídas matérias-primas propriedade da A. que se perderam pela ação do fogo, no valor de € 109.013,63 (cento e nove mil e treze euros e sessenta e três cêntimos).

TT) O valor de arrendamento das fracções D) e E) em apreço nos autos era à data do sinistro e actualmente não inferior a € 4.000,00 mensais.

UU) A aparafusadora cuja bateria sofreu a anomalia eléctrica/curto-circuito que se constituiu como causa de ignição do incêndio em apreço nos autos, na ocasião da anomalia/início de ignição, estava pousada no chão, junto a material acabado e embalado. A mesma peça de ferramenta, ao entrar em fusão, pela irradiação de calor ao móvel junto do qual foi deixada fê-lo incendiar-se.

O fogo alastrou então aos materiais combustíveis que se encontravam na zona de armazenamento onde deflagrou o incêndio e, nas proximidades, na zona de polimentos, a saber: outros produtos acabados (cerca de 2 camiões de produtos prontos), móveis em fase de acabamento, latas de verniz em zona de trabalho/acabamento. A elevada carga térmica do local potenciou o alastramento do incêndio e a sua intensidade.

No interior das instalações fabris da Ré estavam armazenadas elevadas quantidades de serrim/aparas, em recipientes próprios e havia restos de serrim junto às máquinas em laboração.

VV) À Ré não era possível prever/antever ou impedir/evitar o curto-circuito da máquina que se constituiu como o foco do incêndio.

XX) A localização/guarda da máquina a bateria em local distante/separado da zona de acabamentos, longe da elevada carga térmica ali localizada teria ao menos impedido o incêndio do móvel junto ao qual se encontrava e o alastramento do fogo, com a intensidade que assumiu.

2. E foram considerados não provados os seguintes factos:

Com interesse para a decisão da causa não se provou que:

1. A mais do já provado sob PP) e QQ) evidencia-se a existência de outros trabalhos indispensáveis realizar e não orçamentados, considerando o estado daquelas frações D e E decorrentes do incêndio, as regras da arte e as imposições legais, trabalhos cujo custo é superior ao constante dos contratos outorgados pela A. para a reconstrução dos pavilhões;

2. O incêndio atingiu/chegou a/propagou-se ao serrim armazenado na fábrica e/ou ao junto às máquinas da Ré em laboração, referidos em UU);

3. O curto-circuito deveu-se a má manutenção da máquina em apreço ou ao seu uso inadequado.

4. À Ré não era possível prever ou impedir que em razão do curto-circuito numa bateria de máquina em uso, deixada junto a material altamente combustível se propagasse um incêndio e este se alastrasse e assumisse intensidade suficiente a destruir de forma grave o armazém e outros nas imediações.

3. O despacho singular ora reclamado é do seguinte teor:

1- «O Acórdão da Relação, que não teve qualquer voto de vencido, confirmou no essencial a decisão da primeira instância uma vez que decidiu «em negar provimento ao recurso principal interposto pela ré e, bem assim, ao recurso subordinado interposto pela autora, na confirmação integral da douta decisão recorrida».

Ou seja, o Acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância.

E fê-lo com uma fundamentação idêntica à decisão da 1ª instância.

Entendemos, assim, que o recurso, como revista «normal», é inadmissível por existir dupla conforme, (artigo 671 n.º 3 do CPC).

2. Como já se referiu no despacho que ordenou o cumprimento do artigo 655 n.º 1 do CPC (refira-se que não se encontra prevista na lei nenhuma «reclamação» contra este despacho) a Recorrente vem apresentar o presente recurso de revista defendendo não só a inexistência de dupla conforme – que, como se viu, se verifica e é impeditiva da revista dita «normal» - mas também invocando a existência de diversas nulidades.

Assim, imputa ao Acórdão recorrido:

a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco contratual em caso de incumprimento de deveres legais e contratuais imputados à Autora

b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro)

c) Violação de lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC).

e) Violação de lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art. 493.º, n. 2 do CC).

Como já se referiu entendemos que se verifica no caso, a dupla conforme impeditiva da revista.

Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça sempre tem defendido, que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista.

Para que as nulidades possam ser arguidas na revista é necessário que a revista seja admissível.

Por exemplo não há revista autónoma do segmento decisório que não admitiu a junção do documento (cfr. Artigos 629 e 671 ambos do CPC).

A Recorrente não pode dizer-se surpreendida com a decisão da primeira instância apenas porque esta lhe foi desfavorável, ou porque está contra aquilo que a lei impõe (na óptica da Recorrente).

Como claramente resulta do artigo 674 n.º 3 do CPC a revista pode ter como fundamentos os indicados naquele normativo, mas a revista tem de ser admissível. O que não é o caso.

De igual modo também não é admissível a revista (normal) pretendida pela Recorrente uma vez que não se mostra violada qualquer norma imperativa na apreciação da matéria de facto.

A errada subsunção jurídica dos factos ao direito nada tem a ver com o vício que a recorrente imputa ao acórdão como fundamento da revista.

Tem a ver já com o mérito da revista e não com a sua admissibilidade.

Deste modo, sem necessidade de outras considerações entendemos que, nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC, não é possível conhecer-se do objecto da revista (normal), que não se admite.

Nestas condições, rejeita-se o interposto recurso».

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Vem a recorrente requerer que sobre a decisão singular proferida que não admitiu a revista recaia acórdão.

Vejamos

A) A recorrente limita-se a deduzir esse pedido não acrescentado nenhum argumento novo relativamente ao apreciado na decisão singular.

Apesar dos fundamentos essenciais do seu pedido terem sido devidamente apreciados na decisão singular, para a qual agora se remete de novo e aos quais se adere, dir-se-á o seguinte.

Em primeiro lugar discorda a recorrente que se verifique uma situação de dupla conforme.

Está no seu direito, o que não significa que lhe assista razão. Que não tem.

O Acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido, inteiramente a decisão da primeira instância.

Nos termos do artigo 671 n.º 3 do CPC «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância».

Com a «dupla conforme» o legislador pretendeu restringir o recurso às questões de direito que tenham merecido respostas diversas das instâncias, ou nas quais se tenha verificado um voto de vencido.

Para se verificar a «dupla conforme» necessário é que o acórdão recorrido «confirme» a decisão da 1ª instância sem voto de vencido, com fundamentação que não seja essencialmente diferente.

O Acórdão recorrido confirmou a decisão de primeira instância no seu essencial e fê-lo sem voto de vencido.

Mas será a fundamentação do Acórdão essencialmente diferente da decisão recorrida.

A lei não nos diz o que é uma «fundamentação essencialmente diferente».

Trata-se de um conceito indeterminado que a jurisprudência terá de preencher.

Várias têm sido as decisões já proferidas pelo STJ sobre esta questão, cfr. a decisão singular, de 28.04.2014, proferida no processo nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1; Ac. STJ de 18 de Setembro de 2014; de 06 de Fevereiro de 2014; de 08 de Janeiro de 2015; de 30 de Abril de 2015 e de 26 de Novembro de 2015, todos in www.dgsi.pt.

Como se refere no Ac. de 06 de Fevereiro de 2014 supra referido «as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes. Assim, nem toda a desconformidade exclui a conformidade, ou seja, nem toda a desconformidade é uma não-conformidade».

Importa saber se o Acórdão da Relação que confirmou, sem qualquer voto de vencido, a decisão de primeira instância tem ou não uma fundamentação essencialmente diferente, pois que apenas nessa hipótese - do acórdão recorrido apresentar uma fundamentação essencialmente diferente – é que poderá o recurso ser admitido como revista normal.

Ora, confrontando a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido, podemos concluir que a sua fundamentação é coincidente.

Os fundamentos da decisão da acção são os mesmos numa e noutra decisão, ainda que uma não seja uma cópia perfeita da outra, nem podia nem devia ser, podendo ter outra argumentação (o que não se traduz em fundamentação essencialmente diferente).

O quadro normativo em que ambas as instâncias se movem é o mesmo ainda que os argumentos não sejam exactamente iguais.

Mas isso não significa que a fundamentação seja essencialmente diferente.

A fundamentação essencialmente diferente tem subjacente a ideia de que nas decisões em confronto se trilhou um caminho distinto e diferente para se chegar à mesma decisão.

Ora, não é o que sucede no caso em apreço.

No fundo, para haver fundamentação diversa era necessário que a Relação se tivesse movimentado num quadro normativo distinto do da 1ª instância.

Uma decisão não é a cópia da outra, nem podia ser. Mas a fundamentação em ambas as decisões não é essencialmente diferente.

Deste modo nenhuma razão assiste à recorrente, pois entendemos, tal como a decisão singular que estamos perante uma situação de dupla conforme.

Improcede a primeira questão.

Em segundo lugar a Recorrente imputa ao Acórdão recorrido diversas nulidades.

Assim, entende que o Acórdão recorrido é nulo por:

a) Nulidade: não pronúncia sobre a questão (fundamental) da distribuição de risco contratual em caso de incumprimento de deveres legais e contratuais imputados à Autora

b) Violação de lei substantiva e de lei de processo sobre a junção documentos com o recurso de apelação (art. 425.º do CPC, art. 262.º e ss do CC, e a arts. 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro)

c) Violação de lei processual sobre a (in)existência de preclusões quanto a matéria de exceção não apreciada no despacho saneador e quanto a factos essenciais (concretizadores ou complementares) ou instrumentais de conhecimento oficioso (que não carecem de alegação) (arts. 5.º, n. 2 e 3, 552.º, n. 1, al. d), 573.º, n. 2, 574.º, n. 2, in fine, 579.º, 607.º, n. 4, 608.º, n. 2, in fine, todos do CPC).

e) Violação de lei substantiva sobre responsabilidade civil por danos causados por atividades (art. 493.º, n. 2 do CC).

Não lhe assiste razão.

Vejamos

Como se disse na decisão singular a Recorrente invoca o disposto no artigo 674 n.º 3 do CPC para fundamentar a sua posição.

Ora, como claramente resulta do preceito a revista pode ter como fundamentos os indicados naquele normativo, mas a revista tem de ser admissível. O que não é o caso.

O artigo 674 do CPC nas diversas alíneas do seu número 1 diz-nos quais os fundamentos que podem servir para alicerçar a revista, que podem estar na base da revista, ou seja que podem suportar a motivação do recurso.

Mas a revista tem de ser admissível nos termos gerais.

Se a revista não for admissível por uma das razões legalmente previstas – por exemplo porque existe dupla conforme, porque o processo não tem valor, etc, - não pode invocar-se o artigo 674 como razão da revista.

Por exemplo, relativamente à questão da impugnação do despacho de não admissão de documento junto pela apelante na segunda instância, a decisão singular, entendeu que não cabe recurso autónomo desse segmento decisório.

Como então se referiu não há revista autónoma do segmento decisório em causa (cfr. Artigos 629 e 671 ambos do CPC) «sendo certo que a decisão da Relação se mostra conforme aos princípios legais, não podendo a Recorrente dizer-se surpreendida com a decisão da primeira instância apenas porque esta lhe foi desfavorável, ou porque no entender da Recorrente, está contra aquilo que a lei impõe (na óptica da Recorrente)».

A situação em causa não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 629 do CPC nem cabe no n.º 2 do artigo 671 do mesmo diploma legal.

Como se referiu a revista dita “normal” no caso concreto não é admissível, por haver dupla conforme, pelo que não há qualquer violação da lei em não admitir como recurso autónomo a impugnação do despacho de não admissão de documento junto pela apelante na segunda instância.

De tal decisão não cabe recurso autónomo como se disse.

Neste ponto nenhuma razão existe para alterar a decisão singular, devendo improceder a pretensão da recorrente.

Mas o número 3 do artigo 674 do CPC, invocado pela recorrente estabelece que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista» - esta será a regra – estabelecendo o mesmo normativo a excepção – ou seja, pode haver revista quando «salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Ora, nenhuma das questões colocadas pela Recorrente incide sobre a eventual violação de qualquer preceito imperativo na apreciação da matéria de facto. A errada subsunção jurídica dos factos ao direito nada tem a ver com o vício que a recorrente imputa ao acórdão como fundamento da revista. Tem a ver já com o mérito da revista e não com a sua admissibilidade.

O que a Recorrente pretende é impugnar o julgamento da matéria de facto, mas quanto a isso, este Tribunal não pode pronunciar-se pois apenas conhece de direito.

De igual modo e como já se deixou dito a revista não pode ter como fundamento exclusivo a arguição de nulidades.

Em suma entendemos que não se verifica a hipótese excecional prevista no n º 3 do art.º 671º do Cód. Proc. Civil, pelo que não é admissível a Revista, tanto mais que a Recorrente não invoca nenhuma das hipóteses previstas no art.º 672º do Cód. Proc. Civil.

Assim, não pode este Supremo Tribunal de Justiça conhecer do objeto do recurso.

Em conclusão não se vislumbram razões que possam fundamentar a alteração do decidido na decisão singular, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, entendemos que se impõe a manutenção do decidido na decisão singular, ou seja a decisão que não admitiu o requerimento de interposição do recurso da Recorrente não merece qualquer censura, devendo manter-se e ser rejeitada a revista.

III - Decisão

Nos termos expostos decide-se indeferir a presente reclamação.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, de de 2024

José Sousa Lameira (relator)

Conselheira Fátima Gomes

Conselheiro Ferreira Lopes