RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
ASSINATURA
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE DILIGÊNCIA
CONTRATO DE MANDATO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONTA BANCÁRIA
LEI APLICÁVEL
DEVER ACESSÓRIO
CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
FALSIFICAÇÃO
BANCO
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
DIRETIVA
FACTOS CONCLUSIVOS
Sumário


I – Numa transferência bancária (não eletronicamente transmitida/efetuada) assume o banco, no âmbito do mandato que para tal lhe é conferido, além do dever principal – que, no caso, se reconduz à obrigação de efetuar a transferência – deveres secundários ou acessórios, cujo cumprimento contribui para a correta execução da transferência.
II – Assim, tem o banco o dever (acessório) de verificar cuidadosamente a ordem de transferência: tem de controlar a genuinidade da ordem de transferência e tem de controlar a assinatura do ordenante/cliente, confrontando-a com a que recolheu do cliente quando este abriu a conta (e que consta da ficha de cliente).
III – E este controlo cuidadoso (maxime, quanto for elevado o valor da transferência) deve ser feito no cumprimento do princípio da segurança bancária, que obriga os bancos a praticar elevados padrões de segurança nas operações, no interesse dos clientes, no do próprio banco e no interesse geral de confiança no sistema bancário; e no cumprimento do princípio/dever de competência técnica, em que é exigido e esperado um profissional habilitado e dotado de meios técnicos e humanos especialmente adequados ao exercício da atividade bancária.
IV – Estando acordado que a instrução/ordem de transferência pode ser enviada por correio eletrónico, contendo este a instrução/ordem escrita e assinada pelo cliente, tendo sido utilizados, nas solicitações de transferência, endereços de e-mails similares aos conhecidos (e habitualmente utilizados pelo cliente nas comunicações com o banco) – e-mails em que, em relação aos “habituais”, foi substituído um “e” por um “a”, sendo em tudo o mais idênticos aos endereços “habituais” – não estamos perante aquela situação em que hackers acedem a dados confidenciais de acesso à conta bancária do cliente e através deles à conta do cliente (as habituais modalidades de phishing ou pharming), estando-se, sim, perante aquela situação em que um terceiro interfere nas comunicações, quer “pirateando” o serviço de e-mail do cliente, quer criando um endereço de e-mail semelhante ao do cliente, enviando e-mails a ordenar operações a retirar fundos da conta do cliente.
V – Em tal modalidade de fraude – em que, no caso, também as ordens/instruções de transferência, enviadas em anexo aos e-mails, foram objeto de falsificação, por adulteração digital – o banco, para afastar a sua responsabilidade, tem de provar que houve culpa do cliente e que ele/banco atuou de forma diligente e não censurável, não lhe sendo exigível que agisse de outro modo.
VI – Em tal hipótese, não pode o banco deixar de verificar se o e-mail (que contém a instrução de transferência) é proveniente do seu cliente, não podendo invocar, para excluir a violação dos seus deveres contratuais e a sua culpa em tais violações, que lhe era difícil aperceber-se, face à similaridade entre os e-mails, que os mesmos não eram os conhecidos e habitualmente utilizados pelo cliente.
VII – Um modo de comunicar via e-mail não oferece a mesma segurança que a plataforma dum banco e, além disso, o controlo de segurança do servidor do e-mail do cliente é algo que não pode ser assacado ao banco, porém, estas duas circunstâncias também não podem ser ignoradas pelo banco quando acorda em receber instruções para a realização de operações bancárias através de uma comunicação via e-mail.
VIII – Estando na origem da fraude a interferência de terceiros nas comunicações do cliente, também este contribui para o “resultado danoso”, na medida em que é ele o responsável, e não o banco, por não guardar devidamente os acessos aos seus e-mails e/ou por não ter um sistema de segurança eficaz.
IX - Tudo ponderado, em função da culpa do cliente e do banco, por referência ao conteúdo dos respetivos deveres contratuais e da sua violação, a responsabilidade deve ser repartida na proporção de 25% e 75%, respetivamente.
X – É aplicável às transferências não eletronicamente efetuadas/transmitidas o art. 70.º do RSP (aprovado pelo DL 317/2009, diploma em que o legislador nacional procedeu à transposição para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e o Conselho, de 13 de novembro, relativamente aos serviços de pagamento no mercado interno, aprovando o regime de serviços de pagamento), segundo o qual, caso o utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado a operação de pagamento executada, é o banco/prestador do serviço de pagamento que tem o ónus da prova da autorização da operação de pagamento.
XI – Mas já não serão aplicáveis os arts. 67.º e 68.º do RSP, preceitos claramente direcionados para os dispositivos de segurança personalizados que são facultados pelo banco/prestador do serviço (como cartões bancários); e os arts 71.º e 72.º do RSP, apontados a operações de pagamento não autorizadas resultantes da perda, de roubo ou de apropriação abusiva de instrumentos de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados facultados pelo banco/prestador do serviço.
XII – Pode dar-se como provado – não configura um “facto conclusivo” – que duas assinaturas são idênticas ou que a assinatura de um documento é a mesma assinatura que consta dum outro documento, de onde foi retirada/manipulada digitalmente.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I - Relatório

Brightstar Consultancy Services LLC registada em ..., com sede na rua ..., EUA, Entidade Equiparada Estrangeira, com o número de pessoa coletiva .........13, com os demais sinais dos autos, e AA, de nacionalidade angolana, portador do passaporte N.....47 emitido pela República Angolana, com título de residência n.º .......S2, também com os demais sinais dos autos, intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra Bison Bank, S.A., anteriormente designado por Banif Banco de Investimento S. A., com sede na R. ..., ... ..., pedindo afinal que o Banco R. seja condenado:

“(…)

a) no pagamento de indemnização às AA. nos montantes de € 142.800,00, valor em falta da Conta titulada pela Brightstar, e de € 833.000,00, valor em falta da Conta pessoal de AA, tudo acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;

b) no pagamento de despesas, juros e indemnização aos AA. incluindo as taxas de remuneração contratadas no âmbito dos Contratos de Abertura de Conta, tudo a liquidar em sede de execução de sentença nos termos do disposto no art. 533.° do CPC;

c) no pagamento ao A. AA de todos os demais danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da conduta (incumprimentos contratuais), a determinar em sede de liquidação de sentença, nos termos do disposto no art.° 533.° do CPC (…)”

Para o que alegaram, muito em síntese, a abertura e titularidade de duas contas bancárias no banco R., sucedendo que, entre 27 de julho de 2017 e 27 de outubro de 2017, o R. executou nove ordens de transferência sobre tais contas (no valor global de 975.800,00), ordens essas que, segundo os AA., não foram por eles solicitadas, o que só aconteceu, ainda segundo os AA., por o R. não ter seguido os procedimentos internos acordados entre as partes no que concerne «à metodologia acordada para as ordens de transferência», nem quaisquer outros procedimentos previstos nas Condições Gerais dos contratos de abertura de conta celebrados., o que, consequentemente, lesou gravemente os interesses e o património dos AA. (ficaram desapossados das quantias em causa, bem como dos juros que os depósitos a prazo constituídos proporcionariam, tendo ainda sofrido outros danos patrimoniais e não patrimoniais).

O banco R. contestou, defendendo, em síntese, que procedeu de acordo com todas as normas a que se encontrava vinculado e concluindo pela sua absolvição do pedido.

O A. AA apresentou ampliação de pedido – que foi admitida – no montante de € 8.500,00, respeitante a uma outra/décima transferência, tendo o pedido sido ampliado, em conformidade, de € 975.800,00 para € 984.300,00€ (alínea a) do pedido).

Realizada a audiência prévia, procedeu-se à prolação de despacho saneador – em que se julgou a instância regular, estado em que se mantém – e a despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença em que concluiu/decidiu julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência:

“a) condenou a Ré BISON BANK, S.A., a pagar à Autora BRIGHTSTAR CONSULTANCY SERVICES LLC a quantia de € 142.818,20 (€142.800,00+€18,20) e ao Autor AA, a quantia de € 841.580,60 (€841.500,00+€80,60), acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;

b) condenou a Ré BISON BANK, S.A. a pagar a cada um dos autores BRIGHTSTAR CONSULTANCY SERVICES LLC e AA, os juros remuneratórios a liquidar em execução de sentença, calculados à taxa em vigor à época e previstas nos contratos de abertura de conta, devidos relativamente ao período de tempo que decorreu entre cada uma das datas em que foram realizadas cada uma das transferências e a data da citação.

c) Absolveu a Ré do demais peticionado. (…)”

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação o banco R., tendo-se, por Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 23/11/2023, concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o R. de todos os pedidos formulados.

Agora inconformados os AA., interpõem o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na sentença da 1.ª Instância.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

A. Os Recorrentes não se conformam com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que deu provimento ao recurso apresentado pela Recorrida Bison Bank, S.A., revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré dos pedidos contra si formulados.

B. O douto Acórdão recaiu sobre a Sentença do Tribunal de primeira instância, que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenou a Recorrida a pagar aos Recorrentes os montantes indevidamente transferidos para terceiros, acrescidos de juros de mora e juros remuneratórios.

C. O presente recurso de revista fundamenta-se em erro de aplicação e interpretação do direito, bem como na determinação da norma aplicável por parte do Tribunal a quo, mas também no erro na apreciação das provas, nos termos do disposto no art. 674.º, n.ºs 1 a) e 3 do CPC.

D. Não obstante, em regra, não ser possível ao Supremo Tribunal de Justiça alterar os factos fixados pelo Tribunal da Relação, pode o STJ alterar os factos dados como provados pelo Tribunal da Relação quando está em causa a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova e ainda quando o Tribunal da Relação tenha violado regras legais do procedimento probatório.

E. No que diz respeito aos factos 43 e 49, a Sentença deu como provado que:

“43. Endereçado a BB bb@...) com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 4 de Agosto de 2017, 11:00 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor: “Bom dia, Dr. BB, Anexado você vai encontrar instrução de transferência e fatura.

Por favor, proceda para fazer esta transferência urgente o mais rápido possível.

Por favor, envie a prova de transferência uma vez feita para notificar o benificiário.

(…)” Naquele e-mail são anexados documentos contendo “ordens de transferência” em que a assinatura de AA é a mesma da enviada a 27.7.2017”;

“49. Naquele e-mail são anexados documentos contendo “ordens de transferência” em que a assinatura de AA é a mesma da enviada a 27.7.2017”.

F. A Recorrida impugnou os referidos factos, propondo para os mesmos a seguinte redação:

43. “Endereçado a BB bb@...) com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 4 de Agosto de 2017, 11:00 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor: «Bom dia, Dr. BB, Anexado você vai encontrar instrução de transferência e fatura.

Por favor, proceda para fazer esta transferência urgente o mais rápido possível.

Por favor, envie a prova de transferência uma vez feita para notificar o benificiário.

(…)» –Este e-mail continha em anexo (i) uma ordem de transferência com todos os dados relevantes (conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e com a assinatura do Autor AA em termos idênticos aos que constam da Ficha de Assinaturas da conta da Autora Brightstar, que é a mesma da enviada a 27.7.2017, bem como (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência” (sublinhado nosso);

49. “Naquele e-mail é anexada (i) uma ordem de transferência com todos os dados relevantes (conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e com a assinatura do Autor AA em termos idênticos aos que constam da Ficha de Assinaturas da conta da Autora Brightstar, que é a mesma da enviada a 27.7.2017, e (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência” (sublinhado nosso).

G. Daqui resulta que, apesar de impugnar a redação dos referidos factos, a Recorrida aceita, em ambos, que a assinatura aí mencionada “é a mesma da enviada a 27.7.2017”, pois que é isso que resulta expressamente do relatório pericial, o qual é “o meio de prova idóneo para fundamentar a convicção do Tribunal”, como bem salientou o Tribunal a quo.

H. O facto de a assinatura do Recorrente AA ser a mesma nos emails de 4 e 17 de Agosto de 2017não é um elemento conclusivo, não contém qualquer juízo valorativo, não se trata de uma afirmação genérica ou que comporte matéria direito, tratando-se, sim, de um facto objetivo resultante da análise feita pelos peritos.

I. Ademais, tendo esse facto sido aceite pela Recorrida, porquanto não foi impugnado, teria o Tribunal a quo de dar o mesmo como provado, mantendo, em ambos os factos, o trecho “que é a mesma a da enviada a 27.7.2017”, porquanto se trata de um facto plenamente assente, tendo, por isso o Tribunal da Relação violado o disposto no art. 607.º, n.º 5 do CPC, uma vez que a livre apreciação não abrange os factos que estejam plenamente provados, devendo os pontos 43 e 49 dos factos provados deverão ter a seguinte redação:

43. “Endereçado a BB bb@...) com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 4 de Agosto de 2017, 11:00 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

«Bom dia, Dr. BB, Anexado você vai encontrar instrução de transferência e fatura. Por favor, proceda para fazer esta transferência urgente o mais rápido possível.

Por favor, envie a prova de transferência uma vez feita para notificar o beneficiário. Por favor confirme o recibo do e-mail.»

Este e-mail continha em anexo (i) uma ordem de transferência com a indicação de conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e com a assinatura AA, que é a mesma da enviada a 27.7.2017, bem como (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL),a faturar à Autora BRIGHTSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência”;

49. “Naquele e-mail é anexada (i) uma ordem de transferência com todos os dados relativos à conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência e com a assinatura do Autor AA, que é a mesma da enviada a 27.7.2017, e (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL),a faturar à Autora BRIGHTSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência de € 12.800,00.”

J. No que concerne ao enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo, entendeu o Tribunal que, ao presente caso, se aplicaria o Decreto-Lei n.º 430/91 e as regras gerais previstas no Código Civil quanto ao contrato de depósito.

K. Ainda que no presente caso estejamos, efetivamente, perante dois contratos de abertura de conta, aos quais estão associados dois contratos de depósito bancário, podendo ser aplicáveis os regimes legais invocados pelo Tribunal a quo, existem outros regimes legais que deviam ter sido considerados pelo Tribunal a quo, mas que não o foram.

L. Desde logo, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em virtude de a Recorrida ter como objeto social o exercício da atividade bancária, e, em concreto, os artigos 73.º a 75.º do referido regime, que elencam alguns dos deveres a que estão adstritos os bancos, nomeadamente deveres de qualidade e eficiência, de competência técnica, de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses dos clientes.

M. Mas haverá também lugar à aplicação do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 317/2009 e que constitui o Anexo I ao mesmo, o qual foi, inclusivamente, invocado pela Recorrida perante o Tribunal de primeira instância.

N. Efetivamente, o RJSPME aplica-se também aos casos em que as transferências são realizadas por ordem dada através de email, como expressamente confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2019.

O. O RJSPME estabelece as obrigações do utilizador, neste caso dos Recorrentes, no seu artigo 67.º, e as obrigações do prestador de serviços de pagamento, neste caso a Recorrida, no seu artigo 68.º.

P. Nos termos conjugados dos artigos 70.º e 71.º do RJSPME, caso o utilizador dos serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executado, incumbe ao prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, não sendo prova suficiente da autorização pelo ordenante a utilização do instrumento de pagamento registado pelo prestador de serviços de pagamento, sendo ainda necessário que se prove que o ordenante agiu de forma fraudulenta ou incumpriu, com negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º, sob pena de o prestador de serviços ter de reembolsar o ordenante do montante da operação de pagamento não autorizada, repondo a conta na situação em que estaria se essa operação não tivesse sido executada.

Q. Ora, no presente caso os utilizadores do serviço de pagamento, portanto, os Recorrentes negaram ter autorizado as transferências em causa nos autos, as quais foram executadas pela Recorrida, sem que tenha feito a prova exigida pelo RJSPME para afastar a sua responsabilidade, incluindo a prova de que as transferências ocorreram por culpa dos Recorrentes, nem tendo, tão pouco, reembolsado os Recorrentes ou reposto as contas de pagamento debitadas na situação em que estariam se as operações de pagamento não autorizadas não tivessem sido executadas.

R. Assim, não tendo ficado provada qualquer culpa, nem sequer negligência grave, por parte dos Recorrentes nos factos que levaram à realização de transferências, por parte da Recorrida, de dinheiro que estava nas contas bancárias dos Recorrentes para as contas de terceiros, tendo em conta a aplicação ao presente caso do RJSPME, dúvidas não podem restar que a responsabilidade pelas transferências não autorizadas ou pedidas pelos Recorrentes é da Recorrida, que deve, por esse motivo, reembolsar os Recorrentes dos montantes em que ficaram lesados.

S. Não obstante, ainda que se entendesse que não há lugar, no presente caso, à aplicação do RJSPME, aplicando-se, como fez o Tribunal a quo, o regime geral do contrato de depósito previsto no Código Civil, ainda assim não poderia ser outra a decisão que não a condenação da Recorrida a reembolsar os Recorrentes dos montantes indevidamente transferidos, por ter incumprido a obrigação de guardar a coisa depositada e de a restituir com os seus frutos.

T. Tratando-se aqui de responsabilidade contratual, existe uma presunção de culpa do devedor, da Recorrida, cabendo a esta provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procedeu de culpa sua, como dispõe o art. 799.º do Código Civil.

U. O Tribunal a quo considerou que essa presunção foi ilidida, considerando que ficou provada a existência de um “comportamento negligente do titular da conta (…) e bem assim que não houve qualquer ataque informático ao sistema do Banco Réu (por força do qual terceiros acedessem à conta dos Autores”, assentando estas conclusões numa análise errada dos factos dados como provados e na consequente aplicação e interpretação errada do direito.

V. Apesar de não ter havido um ataque informático ao sistema da Recorrida, esse ataque não foi, nem seria, necessário para a ludibriar, bem como aos seus funcionários.

W. Efetivamente, o Recorrente AA, por si e em representação da Recorrente Brightstar, facultou à Recorrida o seu endereço de email aa@ e o endereço de email do Sr. CC, cc@, pessoa que apresentou como sendo da sua confiança (pontos 20 e 23 dos factos provados).

X. Sendo esses os emails utilizados em todas as comunicações entre as partes durante cerca de três anos (ponto 31 dos factos provados) e para os Recorrentes solicitarem ordens de pagamento, indo os emails acompanhados, em anexo, de um pedido de transferência assinado pelo Recorrente AA (ponto 25 dos factos provados).

Y. No entanto, à exceção de uma transferência, que partiu do verdadeiro email do Recorrente AA, ainda que com conhecimento para um email desconhecido, todas as restantes transferências colocadas em causa pelos Recorrentes nos autos tiveram origem em instruções enviadas ou do email aa@ ou do email cc@ (pontos 38, 40, 43, 54, 60, 61 e 62 dos factos provados), endereços estes não facultados pelos Recorrentes à Recorrida, pelo que “a conta foi movimentada por desconhecido ou desconhecidos, sendo que recaía sobre o banco a guarda do depósito à ordem do cliente”.

Z. Ademais, ficou provado que as ordens de transferência anexas aos emails que deram origem às transferências colocadas em causa pelos Recorrentes foram, todas elas, falsas, como resultou provado por força do relatório pericial:

“Com exceção dos dois emails iniciais, quer os pedidos de transferência quer as faturas que os sustentam foram objeto de falsificação” (sublinhado nosso) (cfr. pág. 49 do relatório pericial).

AA. Os pedidos de transferência são falsos, o que resulta, quer dos problemas de resolução dos ficheiros, quer do facto de a assinatura usada ser sempre a mesma, e as faturas são falsas, o que resulta também dos problemas de resolução dos ficheiros, mas também do facto de o bloco onde aparece a assinatura ser sempre igual e os dados da empresa e a descrição dos bens fornecidos não coincidirem com os verdadeiros dados da empresa e com o objeto social desta.

BB. Ora, resulta do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que sobre os bancos impendem elevados níveis de exigência técnica e diligência.

CC. Efetivamente, apesar de a Recorrida ter de assegurar “elevados níveis de competência técnica”, e de ter de “meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”, a verdade é que a Recorrida não dispunha desses meios, humanos, pelo menos, pois que “o problema não está ao nível informático está ao nível humano, que é sempre o elemento mais fraco”.

DD. “Existe evidência de phishing, ataque na esfera da engenharia social, em que um dado ator ilegítimo se faz passar por um legítimo, com o fim de obter vantagens a que não teria direito. Neste caso, o ataque reflete-se na utilização de dois endereços de-mail similares aos legítimos –“cc@” em vez de cc@ e aa@ em vez de aa@ (cfr. pág. 5 do relatório pericial).

EE. Não se pode aceitar que a Recorrida, que escrutinava todas as ordens de transferência (validamente) pedidas pelos Recorrentes no seu departamento de compliance, não se apercebesse desta situação, apelidada de phishing, tendo em conta, ainda, os deveres a que se encontra adstrita enquanto entidade bancária, não sendo igualmente concebível que não se tenha apercebido que a assinatura usada em todos os documentos era exatamente a mesma, nem que as faturas da empresa O...SL eram falsas, o que seria facilmente detetável tivesse a Recorrida feito um simples trabalho de pesquisa quanto à atividade das empresas beneficiárias das transferências e a comparação dos documentos enviados para justificar as mesmas.

FF. Deste modo, independentemente de se entender que se aplica o RJSPME ou o Código Civil, sendo que em ambos se prevê uma presunção de culpa da Recorrida, essa presunção não foi afastada, nem tão pouco ficou provado que os Recorrentes agiram com culpa ou negligência grave (e não uma qualquer negligência).

GG. Mais, foi dado como provado que o Recorrente AA celebrou com a Recorrida um contrato de abertura de conta, no âmbito do qual depositou € 1.000.000,00 (um milhão de euros), com o propósito de obter Autorização de Residência para Investimento em Portugal, como era do conhecimento da Recorrida (pontos 13, 14, 18, 19, 32 e 33 dos factos provados), o que pressupunha que esse depósito se mantivesse por um período de cinco anos.

HH. Tendo ainda ficado provado que as transferências começaram por ser feitas apenas da conta da Recorrente Brightstar, que tinha um valor muito inferior ao da conta do Recorrente AA (pontos 38 a 50 dos factos provados) e que apenas após a Recorrida, por intermédio da gestora de conta dos Recorrentes, ter informado terceiros que utilizavam os endereços falsos acerca do saldo existente na conta pessoal do Recorrente AA começaram a ser dadas ordens de transferência (falsas) para essa conta (pontos 51 e 52 dos factos provados).

II. Sendo bem demonstrativo da ausência de qualquer atitude diligente por parte da Recorrida, por intermédio dos seus funcionários, receber as ordens de transferência, dar seguimento às mesmas, vendo a conta a aproximar-se, gradualmente, de saldo zero sem ter tido qualquer cuidado no sentido de alertar o Recorrente AA para esse facto, desbloqueando um depósito que não era suposto ser movimentado, como bem sabia a Recorrida, tendo em consideração o motivo que levou o Recorrente a celebrar o contrato de abertura de conta.

JJ. Assim, dúvidas não restam que as ordens de transferência colocadas em prejuízo pelos Recorrentes foram falsas e provieram de emails falsos, o que, aliás, ficou dado como provado e não foi colocado em causa pela Recorrida, nem pelo Tribunal a quo.

KK. Tendo havido falha da Recorrida, falha humana, que permitiu que fosse alvo de phishing, lesando assim os Recorrentes, sem que tenha havido a necessária diligência e vigilância exigidos a uma entidade bancária para se aperceber da situação e alertar os Recorrentes, especialmente tendo em consideração que a Recorrida sabia que o Recorrente AA tinha aberto a conta como intuito específico de obter a Autorização de Residência para Investimento.

LL. Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao revogar a decisão do Tribunal de primeira instância.

MM. Concluindo, não tendo a Recorrida ilidido a presunção de culpa que sobre ela recaía, quer nos termos do art. 70.º do RJSPME, quer nos termos do art. 799.º do Código Civil, dúvidas não restarão que deverá a Recorrida reembolsar os Recorrentes dos montantes em que estes foram lesados, nomeadamente à Recorrente Brightstar € 142.818,20 e ao Recorrente AA € 841.580,60, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, e ainda a pagar a estes os juros remuneratórios, a liquidar em execução de sentença, calculados à taxa em vigor à época e prevista nos contratos de abertura de contas, devidos em relação ao período de tempo que decorreu entre cada uma das datas em que foram realizadas as transferências e a data da citação. (…)”

O banco R. respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pelos recorrentes, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

II – A – Factos Provados

1. A Brightstar é uma pessoa coletiva com sede nos Estados Unidos da América.

2. O Legal Representante da Brightstar é AA, que é detentor de 100% do capital social daquela empresa.

3. Em 29 de janeiro de 2014, a Brightstar obteve junto do Instituto de Registos e Notariado a Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira, tendo-lhe sido atribuído o número de pessoa coletiva supra identificado com vista à prática de ato isolado em Portugal /Abertura de Conta Bancária.

4. AA é cidadão de nacionalidade angolana que exerceu, até Abril de 2018, funções de Diretor Geral do Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação.

5. AA é pensionista de reforma por velhice da Segurança Social da República de Angola.

6. No início de 2014, AA, desencadeou junto das autoridades portuguesas – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras – diligências com vista à obtenção de Título de Residência para a Atividade de Investimento.

7. O banco réu tem como objeto social o exercício da atividade bancária.

8. Em 30 de janeiro de 2014, a sociedade Brightstar, através do seu legal representante, celebrou com o Banco um Contrato de Abertura de Conta, tendo-lhe sido atribuído o n.º de Conta 0103745/001.0... e também o n.º de Cliente ....45.

9. Do contrato consta a identificação do representante legal daquela sociedade, AA, bem como a respetiva assinatura.

10. O Contrato consagra, a propósito das Condições de Movimentação, que a Conta fica sujeita ao regime de movimentação por uma assinatura, concretamente, do seu legal representante.

11. Fazendo parte do contrato toda a demais informação requerida pelo banco, nomeadamente: i) identificação da pessoa coletiva (denominação, sede, data de constituição, objeto social) ou ii) identificação do legal representante da sociedade.

12. Tendo sido estipulado que a morada da sociedade para efeitos de correspondência seria, pelo menos até 27 de julho de 2017, nas próprias instalações do Banco, na Av. ..., ... ....

13. Em 25 de setembro 2014, AA, celebrou com o Banco um Contrato de Abertura de Conta em Nome Individual, tendo-lhe sido atribuído o n.º de Conta 0103790/001.0... e também o n.º de Cliente ....90.

14. Fê-lo com o propósito de obter Autorização de Residência para Investimento.

15. Neste segundo contrato, em que é titular singular AA, consta a respetiva assinatura no quadro de identificação do titular.

16. Quanto às Condições de Movimentação da Conta ficou estipulado que a mesma estaria sujeita ao regime de movimentação individual.

17. Declarando, para o efeito, o titular da conta AA, que “Tomámos conhecimento e aceitamos as Condições Gerais do Contrato de Abertura de Contas entre o Banif – Investimentos S.A. e os seus clientes, as quais nos foram previamente disponibilizadas” e ser “… o beneficiário dos montantes e valores depositados nesta Conta”.

18. Fazendo parte do Contrato de Abertura de Conta a declaração do banco para efeitos de Autorização de Residência para investimento e o comprovativo de depósito a prazo feito em 13 de Novembro de 2014, no montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) na qual o Banco declarou o seguinte: “Cliente: AA. NIF .......33 N.® Conta: .....90 Qualidade: único titular Saldo da Conta: €1.000.000,00 (um milhão de euros), conforme extrato que se anexa. Valor Total transferido, proveniente» do estrangeiro: €1.000.000,00 (um milhão de euros). Os valores foram creditados na conta titulada por este no dia 13/11/2014.”

19. A 8.1.2016, o BANIF Investment Bank emitiu um documento, reportando-se ao cliente AA, do seguinte teor: “O BANIF - BANCO DE INVESTIMENTO, S.A., sociedade anónima, com o capital social de oitenta e cinco milhões de euros com sede na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., com o número único de matrícula e pessoa coletiva .......22. Instituição de Crédito legalmente autorizada para a prática bancária conforme autorização ..63 junto do Banco de Portugal, declara para efeitos de AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO que o cliente supra, é titular da conta e na qualidade mencionada, apresentando na presente data, um saldo efectivo no montante acima Indicado. A presente declaração reporta-se à presente data e não envolve qualquer responsabilidade deste Banco, quer perante o peticionário, quer para com terceiros.

20. Na Ficha de Pessoa/Empresário em Nome Individual Informação Confidencial consta no item “moradas e contactos”, como morada de residência permanente Rua ... – ..., Angola como “telefone” (1 e 2) 00244/.......48 e 00244/.......19 e como E-mail aa@.

21. No item “Informações sobre o contrato” e sob o tema “Finalidade/Motivo da Abertura de Conta e da Natureza da relação de negócio a estabelecer com o BBI” ficou escrito “Poupança e Rendimentos”.

22. Fazendo parte do Contrato informação requerida pelo banco quanto ao titular da Conta, AA, nomeadamente, as declarações da República de Angola, a propósito da informação profissional e do Banco de Fomento sobre a idoneidade daquele cidadão nas relações com outras instituições bancárias.

23. CC foi apresentado ao réu como “pessoa de confiança” de AA e com o endereço eletrónico cc@

24. A pedido e por conveniência do autor AA a prática das partes foi a de que todas as transferências das duas contas bancárias aqui em causa eram tituladas por uma instrução escrita e assinada por este e enviada para a gestora de conta.

25. O procedimento adotado pelo autor AA, sempre que surgia a necessidade de proceder a alguma transferência, consistia no envio de um e-mail por parte do autor e/ou de CC ao gestor de conta, solicitando uma qualquer ordem de pagamento, sendo este e-mail sempre acompanhado, em anexo, de um pedido de transferência assinado pelo autor.

26. À data de abertura das contas, não era procedimento do Réu solicitar aos clientes a indicação de endereço ou endereços admissíveis para efeitos de emissão de instruções válidas e vinculativas por meios telemáticos.

27. A inclusão de um endereço eletrónico na ficha de abertura de conta tinha como propósito permitir ao banco a remessa de informações ao cliente.

28. O banco classificou o cliente AA com a categoria de “Investidor Não Profissional”.

29. Considerando o Banco que “A classificação do Cliente em Não Profissional, Profissional e Contraparte Elegível” determinará o nível de proteção a que se encontrarão sujeitos os Clientes, a qual será maior no caso dos Clientes Não Profissionais e menor quanto às Contrapartes Elegíveis.

30. E que “Os clientes que não disponham de tais conhecimentos e/ou experiência serão classificados como Clientes Não Profissionais, devendo as suas ordens, sempre que relativas a instrumentos financeiros complexos, ser objeto de um juízo de adequabilidade por parte do Banco. Assim, caso o Cliente Não Profissional pretenda efectuar uma operação com instrumentos financeiros complexos, tal será precedido da realização de um teste de adequação do Investidor. Sempre que o teste de adequabilidade não seja realizado pelo Cliente, o Banco fica impossibilitado de efetuar o antedito juízo, disso dando Conta ao Cliente”.

31. De ou para o enderenço electrónico cc@ (com conhecimento a “AA) ou aa@ foi trocada com a ré, em datas compreendidas entre 26.8.2014 e 8.3.2017 a correspondência que constituiu o documento 12 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

32. A Conta n.º 0103790/001.0... titulada por AA teve associado, desde o início do Contrato, um depósito a Prazo de € 1.0000.000,00 (um milhão de euros), anualmente renovável, com uma taxa de remuneração fixa anual bruta de 1,25%.

33. O referido depósito tinha como propósito cumprir com uma das premissas da legislação nacional, relativas às Autorizações de Residência para a atividade de Investimento (ARI) - ou “Vistos Gold”.

34. Em momento contemporâneo com a Abertura das Contas, a Conta com o n.º 0103745/001.0..., titulada pela sociedade Brightstar, apresentava um saldo de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros) e a Conta com o n.º 0103790/001.0..., titulada por AA, apresentava um saldo de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

35. As operações solicitadas por AA ou por CC, via e-mail dirigido aos gestores de Conta já identificados e que se sucederam no tempo, foram sempre acompanhadas do documento a solicitar a operação, com o desenho de assinatura de AA, o(s) qual(is) seguia(m) em anexo a cada e-Mail.

36. A 4.8.2017, do endereço cc@ foi enviada uma correspondência eletrónica para BB na qual, além do mais, se escreveu “conforme combinado envio nova domiciliação da empresa BRIGHTSTAR Morada: R. ..., ..., ...”.

37. Em sequência, no dia 7 de agosto de 2017, do endereço bb@... foi enviada correspondência eletrónica para cc@ o seguinte texto “Bom dia Sr. Dr. Esta alteração de morada deverá ser efetuada por carta assinada pelo Representante da Conta.”

38. Endereçado a BB bb@...) e tendo como remetente cc@, com conhecimento para o Autor AA, para o endereço por este reconhecido aa@), foi enviada a 27 de julho de 2017 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor: «Bom dia Dra. BB, anexado você encontra é a instrução de transferência assinada, por favor, prossiga com a transferência e envie uma prova de transferência uma vez feita para notificar o beneficiário.»

39 A ordem de transferência em anexo ao email, tomou como base um anexo enviado num mail de 20.9.2016 às 15:00, tendo sido alterados alguns campos. Os campos alterados têm uma definição (resolução) muito maior do que os campos originais, que foram digitalizados e estão bastante mais esbatidos. Os alterados não foram digitalizados, mas sim compostos num editor de texto e depois convertidos para pdf. A ordem continha todos os dados relevantes (conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e a assinatura do Autor AA em termos idênticos aos que constam da Ficha de Assinaturas da conta da Autora Brightstar.

40. Endereçado a BB bb@...) e tendo como remetente nuno.leal@gastgrafica.com conhecimentodchivela61@hotmail.com, foi enviadaa28 de julho de 2017 11:29 uma mensagem de correio electrónico em que se agradece a “resposta rápida”, a qual continha em anexo (i) uma ordem de transferência com o timbre da Autora Brightstar, datada de 28/07/2017, com as mesmas informações que constavam da instrução enviada em 27/07/2017 à exceção da conta a debitar – que passou a ser da Autora e não a conta pessoal do Autor - e com assinatura do Autor AA em termos idênticos aos que constam da Ficha de Assinaturas da conta da Autora e (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência.”

41. A transferência é solicitada a favor de uma Conta indicada como titulada por O...SL.

42. O Banco concretizou a operação referente à Conta da sociedade Brightstar, tendo debitado, em 31 de julho de 2017, a quantia de € 40.000,00 acrescido de custos internos, no valor global de € 40.002,60.

43. “Endereçado a BB bb@...) com conhecimento a cc@ e tendo como remetente dchivela61@hotmail foi enviada a 4 de Agosto de 2017, 11:00 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor:

«Bom dia, Dr. BB, Anexado você vai encontrar instrução de transferência e fatura. Por favor, proceda para fazer esta transferência urgente o mais rápido possível. Por favor, envie a prova de transferência uma vez feita para notificar o beneficiário. Por favor confirme o recibo do e-mail.»

Este e-mail continha em anexo (i) uma ordem de transferência com a indicação de conta a debitar, (identificação do beneficiário, IBAN, Banco da contaa creditar e valor da transferência) e com a assinatura AA, em termos idênticos aos que constam da ficha de assinatura, que é a mesma da enviada a 27/07/2027, bem como (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência”.

44. O Banco viria a concretizar a operação debitando a 8.8.2017 da conta da Brightstar a quantia de € 90.000,00 acrescido de custos internos, no valor global de € 90.013,00.

45.Endereçado a BB bb@...), com conhecimento a cc@ e tendo como remetente dchivela61@hotmail foi enviada a 11.8.2017, 10:39 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Bom dia Dra. BB, Anexado, você encontrará instruções de transferência e faturas. Por favor, proceda para fazer essas transferências urgentes o mais rápido possível. Por favor, envie uma prova das transferências feitas uma vez para notificar os beneficiários. Confirme a receção de email. (…)”

46. Naquele e-mail são anexados documentos contendo “ordens de transferência” em que a assinatura de AA é a mesma da enviada a 27.7.2017.

47. Endereçado a BB bb@...) e a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 17.8.2017, 12:13 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor:

“Bom dia Dra. BB. Anexado, você vai encontrar a instrução de transferência e fatura. Por favor, prossiga para fazer essas transferências urgentes o mais rápido possível. Por favor, envie uma prova das transferências feitas uma vez para notificar os beneficiários. Confirme a receção de email (…).”-

48. Naquele e-mail é anexado uma “ordem de transferência”, de 17 de agosto de 2017, no valor de € 12.800, dizendo-se solicitada pela Brightstar, na pessoa de AA, a favor de uma Conta titulada por O...SL.

49. Naquele e-mail é anexada (i) uma ordem de transferência com todos os dados relativos à conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência e com a assinatura do Autor AA, em termos idênticos aos que constam da ficha de assinatura, que é a mesma da enviada a 27/07/2017 e (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência de € 12.800,00.

50. O Banco viria a concretizar a operação a 18 de agosto de 2017, debitando a quantia de €12.800,00 acrescido de custos internos, no valor global de € 12.802,60.

51. Endereçado a BB bb@...) com conhecimento de cc@ e tendo comoremetente dchivala61@hotmail foi enviada a 7.9.2017, 9:41 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Bom dia Dr. BB, estou esperando uma transferência de entrada na minha Conta. Poderia, por favor, confirmar se os fundos chegaram na minha Conta ainda. Sua resposta adiantada será apreciada (…)”

52. Na sequência do envio, em 07/09/2017, pelas 14:17, de um e-mail a partir do endereço aa@ para DD e BB, funcionários do Réu, no qual é anexada (i) uma ordem de transferência da mesma constando a conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da contaa creditar evalor da transferência) ecom a assinatura do Autor AA (ii) uma fatura emitida pelo beneficiário da transferência solicitada (O...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR e com o montante a pagar correspondente ao valor da ordem de transferência, o banco veio a realizar a 8.9.2017, para uma Conta titulada por O...SL a transferência solicitada, no montante de 8.500,00, que debitou na conta pessoal de AA.

53. Endereçado a BB bb@...) e com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 9.10.2017, 13:18 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Obrigado pela sua rápida resposta. Recebi a declaração de Contas. Gostaria que você confirmasse se você poderia fazer a soma de € 200.000,00 disponível a partir do depósito de termo fixo. Quero isso disponível na minha Conta pessoal. Temos uma transferência urgente para processar o mais rápido possível. Por favor, confirme quando isso pode ser efeito na conta. Sua resposta adiantada será apreciada (…)”.

54. Endereçado a BB bb@...) com conhecimento a cc@ e tendo como remetente dchivala61@hotmail foi enviada a 10.10.2017, 8:28 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Anexado você encontrará instruções de transferência e faturas. Por favor, proceda para fazer essas transferências urgentes o mais rápido possível. Por favor, envie uma prova das transferência vez para notificar os beneficiários”.

55. Naquele e-mail são anexadas (i) duas ordens de transferência, de 10 de outubro de 2017, no valor de € 85.000 e € 110.000, respetivamente, a favor de uma Conta titulada por O...SL e outra por R...SL, com todos os dados relativos à conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência e com a assinatura do Autor AA e (ii) duas faturas emitidas pelos beneficiários das transferências solicitadas nas ordens (O...SL e R...SL) a faturar à Autora BRIGHSTAR e com os montantes a pagar correspondentes aos valores das ordens de transferência”.

56. O Banco viria a concretizar a operação referente à Conta pessoal de AA tendo debitado desta Conta, em 12 de outubro de 2017, as quantias de € 110.000, e €85.000, acrescido de custos internos, que conferiram um débito no valor global de € 110.013,00 e € 85.013,00.

57. Endereçado a BB bb@...) e com conhecimento a cc@ e tendo como remetente dchivala61@hotmail foi enviada a 17.10.2017, 7:59 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor:

“ Bom dia Dra. BB, Gostaria que você confirmasse se você poderia disponibilizar o montante de EUR 420.000,00 do meu (DEPÓSITO DE TERMO FIXO). Quero isso disponível na minha Conta pessoal. Temos uma transferência urgente para processar o mais rápido possível. Confirme se isso pode estar disponível na minha Conta hoje. Então eu posso enviar as instruções de transferência e as Contas. Para que eu possa enviar as instruções de transferência e Contas. Sua resposta adiantada será apreciada.”

58. Endereçado a AA e tendo como remetente bb@...) e com conhecimento a cc@ foi enviada a 19.10.2017, 2:38 uma mensagem de correio electrónico do seguinte teor:

“Necessitamos da maxima informação para fundamentar estas transf Os anexos a que me refiro são os que constam no próprio contrato.(…)”.

59. Endereçado a BB bb@...) e com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@ foi enviada a 20.10.2017, 8:01 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Bom dia Dra. BB, Por favor, localize as informações máximas anexadas para suportar essas transferências. Encontrará no documento anexo os anexos que solicitou. Por favor prossigam para fazer essas transferências urgentes o mais rápido possível. Envie uma prova de transferências uma vez feitas para notificar os beneficiários. Confirme por favor o recibo do email (…)”.

60. Na sequência do envio, em 17/10/2017, pelas 12:14, de um e-mail, remetido do endereço aa@, para DD e BB, funcionários do Réu, no qual são anexadas (i) duas ordens de transferência, com os dados referentes à conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e com a assinatura do Autor AA e (ii) duas faturas emitidas pelos beneficiários das transferências solicitadas nas ordens (C...SL e R...SL), a faturar à Autora BRIGHSTAR, com os montantes a pagar correspondentes aos valores das ordens de transferência, bem como o contratodeobraquesuportavaafatura emitidapela sociedade R...SL, com a assinatura do Autor AA o banco concretizou mais duas operações, no valor de 140.000,00 e 190.000,00.

61. Referentes à Conta pessoal de AA, tendo debitado a 23 de outubro de 2017, as quantias de i) € 140.000,00 acrescido de custos internos, no total de € 140.013,00 e de € 190.000,00, acrescido de custos internos, no total de 190.013,00.

62. Endereçado a BB bb@...), DD e EE e com conhecimento a cc@ e tendo como remetente aa@foi enviada a 27.10.2017, 11:04 uma mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:

“Bom dia Dr. BB, Por favor, encontre a instrução de transferências anexadas e faturas, Por favor, prossiga com a transferência urgente abaixo. Envie a prova de transferência uma vez feita, para notificar o beneficiário. Confirme a receção do e-mail”.

63. Naquele e-mail são anexadas (i) duas ordens de transferência, de 27 de outubro de 2017, no valor de € 180.000 e € 128.000, respetivamente, a favor de uma Contas tituladas por R...SL e O...SL, com todos os dados relevantes (conta a debitar, identificação do beneficiário, IBAN, Banco da conta a creditar e valor da transferência) e com a assinatura do Autor AA em termos idênticos aos que constam da Ficha de Assinaturas da conta pessoal do Autor; e (ii) duas faturas emitidas pelos beneficiários das transferências solicitadas nas ordens (O...SL e R...SL) a faturar à Autora BRIGHSTAR e com os montantes a pagar correspondentes aos valores das ordens de transferência.

64. O Banco viria a concretizar as operações debitando na conta pessoal de AA debitando a 2 de novembro de 2017: € 180.000,00 acrescido de custos internos, no total de € 180.013,00 e € 128.000,00 acrescido de custos internos no total de 128.013,00.

65. As transferências foram efetuadas sem que existisse qualquer contato telefónico prévio, por parte do Banco, com os titulares das contas ou com o seu “procurador” CC.

66. Em 23 de outubro de 2017, tanto a Brightstar como AA receberam do Banco R. cartas contendo as denúncias dos Contratos de Abertura de Conta relativos à conta de depósitos à ordem.

67. Em ambas as cartas de denúncia, o Banco fez escrever:

“Nos termos e para os efeitos previstos na cláusula 11.2 das Condições Gerais de Contrato de Abertura de Conta (…) por vós subscrito, relativo à Conta de Depósito à Ordem n.º ....90 (“Conta”) [no caso da Carta dirigida à Brightstar deve ler-se n.º ....75], vem o Banif Banco de Investimentos S.A. proceder por este meio à denúncia do referido Contrato, que produzirá efeitos 60 (sessenta) dias após a data da sua receção. Em resultado da denúncia do Contrato ora operada, deverá V. Exa., no prazo máximo de 30 (trinta) dias proceder ao levantamento /transferência dos valores depositados”.

68. CC, do remetente cc@, enviou a BB, a 30.10.2018, mensagem de correio eletrónico na qual solicitava os extratos bancários das respetivas Contas bancárias, no período de 01 de janeiro a 31 de outubro 2017 e cópia dos alegados pedidos de transferência.

69. Vindo o réu a enviar no dia 3.11.2017 às 12:06, para os endereços aa@ e cc@ correspondência dando conta do envio em anexo do “Pagamento de facturas” e Levantamento Antecipado de DP’s” acrescentando “Posteriormente foram sempre enviados comprovativos dos respetivos pagamentos – conf Vossa instrução”.—

70. Em 6 de novembro de 2017 o autor AA, via e-mail remeteu à ré o texto do documento nº 20 junto com a petição inicial cujo teor que aqui se dá por reproduzido.

71. A 13 de Novembro de 2017, AA, enviou à ré o documento nº 21 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

72. Nesta o autor AA solicitou ao Banco o justificativo das operações refletidas naquele estrato e, ainda, a reposição dos valores em falta no valor de € 975.800,000 (novecentos e setenta e cinco mil e oitocentos euros).

73. O Banco respondeu a 17 de novembro de 2017.

74. Na resposta o Banco informou que estava a tomar diligências internas para analisar os factos relatados nas reclamações apresentadas.

75. A 11 de dezembro de 2017, o Banco transmitiu aos AA. que conduziu uma auditoria interna, tendo concluído que:“…todos os movimentos das sobreditas Contas sempre foram feitos com recurso a instruções remetidas pelos meios/sistemas de comunicações escolhidos por V. Exa. para tal e que, conforme resulta do Contrato de Abertura de Contas aplicável às Contas bancárias, [o] Banco não poderá ser responsabilizado por danos decorrentes da utilização do correio, telefone, ou qualquer outro sistema de comunicação nomeadamente atraso, perda, não receção, receção truncada, mutilada, ou defeituosa, receção parcial, receção em duplicado, viciação, falsificação, desvio e/ou entrega em local a pessoas erradas de informações ou outros elementos enviados pelo cliente ou por terceiros (designadamente por indicação do cliente) por qualquer dos meios ou sistemas de comunicação aceites pelo Banco e pelo cliente (fax, telefone, correio, correio eletrónico etc.) salvo se tais situações se tiverem a ficar a dever a culpa do Banco” “…somos a confirmar que todas as transferências ordenantes e reclamadas por V. Exas. foram efetuadas pelo BBI em Condições de normalidade e de acordo com o procedimento adotado e aceite por V. Exa. e/ou pelo seu Representante, o Sr. Dr. CC, utilizado em transferências anteriores não tendo o BBI detetado ou tido como detetar, da parte do Banco, qualquer irregularidade ou qualquer indicio de irregularidade na emissão de cada uma destas ordens de transferências”.—

76. A 5 de janeiro de 2018, os AA transmitiram ao R. que “as referidas transferências não foram efetuadas em Condições de normalidade e de acordo com o procedimento adotado e aceite por mim e/ou pelo meu Representante, sendo que as supra identificadas transferências, por V. Exas. realizadas, para destinos estranhos e desconhecidos e sem qualquer ordem minha ou de pessoa por mim autorizada, totalizam o montante global de € 975.896,20 (novecentos e setenta e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e vinte cêntimos)”.

77. E que “Na sequência da receção dos extratos bancários na minha Conta de e-mail aa@, no início do passado mês de novembro, tomei conhecimento das referidas transferências que foram solicitadas por terceiros estranhos à minha pessoa ou àquelas por mim autorizadas a movimentar a Conta e, ainda assim, realizadas por V. Exas.”.

78. E que “A situação acima descrita tem-me causado diversos transtornos e elevados danos, morais e patrimoniais, por ora ainda difíceis de quantificar, sendo que, inclusivamente, poderá vir a condicionar a renovação de autorização de residência para atividade de investimento de que sou titular ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, mormente por não manter um dos requisitos da alínea d) do artigo 3.º daquele diploma Legal.”.

79. A 26 de março de 2018 o R. transmitiu aos AA, na pessoa de AA, que “Em resposta às duas missivas enviadas a V. Exa., respetivamente no dia 22 de fevereiro de 2018 e no dia 7 de março, as quais receberam a nossa melhor atenção e foram alvo de análise, reiteramos considerar que todos os documentos solicitados por V. Exa. no passado e fornecidos, são amplamente suficientes a elucidar qualquer questão relativa às transferências efetuadas, seguindo os trâmites processuais e contratuais estabelecidos e aceites por V. Exa., reiterando-se ainda que todas as transferências efetuadas das Contas 103745 e 103790 foram devidamente subscritas por V. Exa.”

80. Tanto o Contrato de Abertura de Conta e Depósito da sociedade, como o Contrato de Abertura de Conta pessoal de AA estavam sujeitos às Condições Gerais dos Contratos sendo parte integrante desta a Política de Execução de Ordens.—

81. Prevendo-se, a propósito de comunicações: “consideram-se válidas e vinculativas para ambas as partes as ordens e instruções (…) que sejam transmitidas pelo Cliente e/ou seu(s) Representante(s) por qualquer uma das seguintes formas:

(i)Por escrito incluindo telefax desde que devidamente assinadas pelo cliente para a Rua ..., ... ..., ou no caso de telefax, para o número .......00;

(ii)Por via telefónica (para o número .......00)

(iii)Por via telemática (quando disponibilizada pelo Banco ao cliente (…);

iv) Outras, desde que o Banco indique para o efeito.

82-O que o Banco instituiu quando descreveu que “As ordens que sejam transmitidas pelo Cliente por algumas das formas enunciadas no número anterior [4.1] serão, nas formas seguintes, objeto de registo pelo Banco:

(i)Exemplares originais ou de telefax das ordens assinadas pelo Cliente, quando dadas por escrito,

(ii)Registo em fitas magnéticas de gravação quando transmitidas via telefónica;

(iii)Registo informático se a ordem for transmitida por via telemática ou;

(iv)Outros registos compatíveis com o meio utilizado—

83. E que o Banco fica expressamente autorizado a “gravar e a registar as mensagens ou ordens que tenha recebido do cliente e ou seu Representante, devendo observar o respetivo suporte pelo prazo mínimo legalmente estabelecido e a utilizar gravações telefónicas ou registos informáticos como meio de prova em qualquer procedimento judicial que venha a existir …”.

84. Sendo que, no que respeita às ordens o Banco não poderá “…ser responsabilizado por danos decorrentes da utilização de correio, telefone ou qualquer outro sistema de comunicação, nomeadamente atrasos, perda, não receção, receção truncada, mutilada, ou defeituosa, receção parcial, receção em duplicado, viciação, falsificação, desvio e/ou entrega em local ou a pessoa errados de informação ou outros elementos enviados pelo cliente ou por terceiro (designadamente por indicação do Cliente) por qualquer um dos meios ou sistemas de transmissão ou comunicação aceites pelo Banco e pelo cliente (fax, telefone, correio, correio eletrónico etc) salvo se tais situações se tiverem ficado a dever a culpa do Banco.”.

85. Contando ainda que o Cliente “autoriza expressamente o Banco a não executar ordens, ou a solicitar a sua confirmação por escrito, previamente à execução, sem que lhe possam ser imputadas responsabilidades pela sua conduta, sempre que, na opinião do Banco, existam dúvidas quanto às ordens recebidas ou estas não mostrem ser claras ou precisas no interesse do Cliente”.

86. Estipulando-se, ainda, que “a indicação por parte do Cliente de um endereço de correio eletrónico deverá ser considerado pelo Banco como uma autorização expressa do Cliente para que todas as informações subjacentes às presentes Condições Gerais sejam prestadas para esse endereço de correio eletrónico.”—

87. E que o Banco obriga-se a “respeitar e proteger a confidencialidade de todas as informações relativas ao cliente […] comprometendo-se ao mais rigoroso sigilo bancário relativamente a essas informações ”

88. A propósito da Denuncia Contratual previu-se o seguinte: “Qualquer uma das partes pode, a todo o tempo, denunciar qualquer dos Contratos desde que comunique a sua intenção à contraparte com o pré-aviso de 30 dias em relação à data pretendida para produção de efeitos da denúncia. ”.

89. No que tange a Movimentação de Contas é prescrito ainda o seguinte: “(…) podem ser movimentadas através de transferências, cheques, cartões, ou por outros meios que venham a ser admitidos pelo Banco”.

90. Ou ainda que o “…Banco poderá recusar o cumprimento de uma ordem de movimentação se tiver fundadas dúvidas sobre a identidade da ordenante ou sobre a natureza da operação solicitada…”.

91. E que, nos depósitos a prazo, estes serão efetuados pelo prazo e nos demais termos constantes das Condições particulares estabelecidas com o cliente e Banco.

92. Sendo que as Contas de depósito a prazo ou mobilização antecipada serão exclusivamente movimentadas através de transferências de e para a correspondente Conta. D.O.

93. A manutenção de autorização de residência tinha em vista permitir a AA usufruir em Portugal, conjuntamente com a sua esposa, da sua reforma por velhice.

94. AA sabe que o título de residência é válido até 18 de março de 2019.

95 À data dos factos a que se referem os autos, a infraestrutura de e-mail do Banco Réu utilizava os mecanismos mais sofisticados de segurança incluindo DMARC e DKIM, permitindo dar garantias adequadas da segurança do seu sistema de correio eletrónico.

96 Os Autores não reclamaram de outras transferências ordenadas, nos mesmos moldes, a partir do mesmo endereço de correio eletrónico

*

II – Factos não Provados

Não se provou:

a. Que fosse procedimento habitual do banco réu entrar em contacto telefónico com CC (ou o cliente AA) antes de proceder a qualquer movimentação nas contas em causa nos autos;

b. Que as transferências postas em causa por parte do autor AA não tenham ou que tenham sido por este pedidas.

c. Que sempre que fosse necessário proceder a qualquer transferência, para além da correspondência eletrónica tal e qual consta nos factos provados, os AA através de AA e/ou o seu procurador CC, acompanhassem o pedido de uma confirmação telefónica ou que essa modalidade de confirmação tenha sido estabelecida entre as partes.-

d. Que tivesse sido convencionado que o banco confirmasse telefonicamente qualquer pedido de operação nas contas a que se reportam os autos.

- Na verdade, o que resultou demonstrado é que o procedimento exigido pelo banco era a remessa de mail dando conta da pretensão do movimento, mail este que teria de trazer em anexo um documento “ordem de transferência” assinado pelo cliente; sem a “ordem de transferência” assinada, o banco não procedia à transferência, não se bastando, portanto, com o envio do mail. Mais, apenas CC afirmou telefonar para a gestora sempre que procedeu a pedido de transferência (acompanhado de ordem escrita); o autor AA não o terá feito. A confirmação telefónica por parte do banco para o cliente não era um procedimento padrão.

e. Que as AA nada sabiam das ordens de transferência até o Banco disponibilizar os extratos bancários em Novembro de 2018 – note-se que os extratos bancários eram remetidos quer para a morada de domiciliação da conta da Brightstar (inicialmente nas instalações do próprio banco) quer para o endereço postal do autor AA em Angola.

f. Que AA tenha temido não ter ou que não tenha tido condições de renovar o título de residência atribuído pelo Estado Português.

*

III – Fundamentação de Direito

Os AA. celebraram contratos de conta bancária (a A. em 30/01/2014 e o A. em 25/09/2014) com o banco R., situando-se o presente litígio no âmbito da relação jurídica bancária assim iniciada, mais precisamente, a propósito da execução de 10 transferências bancárias1 que, segundo os AA., não foram por eles autorizadas/solicitadas, tendo-se em vista, com a presente ação, em termos úteis e práticos, que os montantes transferidos sejam repostos nos saldos das respetivas conta-correntes bancárias dos AA. e restituídos.

Assim, em termos substantivos, somos colocados perante questões e sub-questões que têm como denominador comum o cumprimento (ou não) dos deveres contratuais dos AA. e do banco R. na ordenação e execução das 10 transferências bancárias em causa.

Adicionalmente, a revista coloca-nos perante uma questão processual.

Começando pela questão processual:

Em síntese, pretendem os AA. que passe a constar, nos pontos 43 e 49 dos factos provados, que a assinatura do AA, da ordem/instrução de transferência referida em tais pontos 43 e 49, “é a mesma da (ordem/instrução) enviada a 27/7/2017”.

A competência do Supremo, como é sabido, é dirigida à aplicação do direito aos factos fixados pelas Instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674.º/1/a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo, apenas se limitando o Supremo, em sede de fixação dos factos, a verificar a ofensa de regras de direito (aludindo-se normalmente à ofensa do direito probatório material).

Assim, sendo residual, na fixação dos factos, a intervenção do Supremo, parece, prima facie, que a pretensão dos AA. é totalmente impertinente: fogem ao controlo do Supremo as provas sujeitas à livre apreciação do julgador, razão pela qual a não inclusão do segmento pretendido (nos pontos 43 e 49) terá ficado consolidada pelo decidido no Acórdão recorrido.

Sucede o seguinte:

A pretensão dos AA. não coloca este Supremo a reavaliar as provas produzidas, tendo em vista dizer/concluir o que está ou não provado (não é esta questão colocada).

O segmento em causa constava, como provado, dos referidos pontos 43 e 49 da decisão da 1.ª Instância, tendo sido na sequência da apelação do banco R., em que se impugnavam vários pontos da matéria de facto, que o segmento foi retirado do texto dos pontos 43 e 49.

Não por o banco R. entender/pedir, na sua apelação, que o mesmo fosse retirado (por, segundo o banco R., não se poder considerar provado2) ou sequer por o Acórdão recorrido entender, na sua “livre reapreciação”, que o mesmo não ficou provado.

O que aconteceu foi que o Acórdão recorrido retirou tal segmento do texto dos pontos 43 e 49 por o considerar conclusivo.

Incorretamente, a nosso ver.

Como se observa no Ac. STJ de 13/11/2007 (in www.dgsi.pt), “o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito (…). Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicadas, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger”..

Ou seja, quando, como é o caso, se pretende estabelecer, em termos factuais, que duas assinaturas são idênticas ou que a assinatura de um documento é a que consta dum outro documento (de onde foi retirada/manipulada digitalmente), não há qualquer conclusividade ao dizer-se, conforme o caso, que são “idênticas” ou que é a “mesma” assinatura (nem se vê que isto possa ser dito de outro modo).

Aliás, foi também isto que o Acórdão recorrido fez em vários pontos de facto que, na sequência da impugnação da matéria de facto, alterou e em que, a propósito das assinaturas do A. (constantes das instruções de transferência), disse, não vendo nisso (e bem) qualquer conclusividade, estar a mesma feita “em termos idênticos” à que consta da ficha de assinatura de abertura de conta: e não é sequer preciso sair da redação que o Acórdão recorrido deu aos pontos 43 e 49, em que deu como provada tal “identidade” (com a ficha de assinatura) e, algo contraditoriamente, considerou ser conclusivo o não poder dar como provado que a assinatura daquela instrução de transferência é “a mesma da enviada a 27/07/2017”.

Enfim – não estando em causa a reapreciação de meios de prova, não impugnando a apelação o segmento excluído pelo Acórdão recorrido e estando-se “apenas” perante um erro de direito processual (considerar-se conclusivo algo que o não é) – concede-se provimento à pretensão dos AA., passando a constar3, nos pontos 43 e 49 dos factos provados, que a assinatura do AA, da ordem/instrução de transferência referida em tais pontos 43 e 49, “é a mesma da (ordem/instrução) enviada a 27/7/2017”.

Passando às questões substantivas:

AA. e R., como se começou por referir, celebraram contratos de conta bancária, também designado “contrato de abertura de conta”, que é o contrato, celebrado entre um banco e um cliente, que constitui, disciplina e baliza a respetiva relação jurídica bancária.

Contrato de conta bancária – como “negócio bancário nuclear” que é – que, para além de marcar o início da relação contratual complexa, a regula em diversos termos, na medida em que não se esgota no momento da abertura da conta, antes estabelecendo os termos em que a relação económica e jurídica duradoura se poderá vir a desenvolver em função da vontade das partes, ou seja, é “(…) a convenção bancária nuclear ou básica, no sentido em que estabelece o quadro geral de regulação da maioria dos futuros negócios que venham eventualmente a ser celebrados entre as partes: será na órbita da conta bancária instituída por tal contrato – enquanto eixo fundamental do comércio bancário – que gravitarão usualmente os contratos de depósito, a convenção de cheque, a emissão de cartões bancários, os empréstimos, os créditos ao consumo, e todos e cada um dos demais contratos bancários individuais que venham porventura a existir subsequentemente.”4

Daí que, regulando o contrato de conta bancária a complexa relação entre o banco e o cliente, seja usual distinguir no mesmo um conteúdo necessário, um conteúdo natural e um conteúdo eventual. Identificando-se, como conteúdo necessário, o respeitante ao contrato de conta-corrente bancária (a convenção acessória do contrato de conta bancária pela qual as partes se obrigam a inscrever e registar os seus créditos e os seus débitos recíprocos através do mecanismo contabilístico da conta-corrente; e que assegura uma disponibilidade permanente, e não meramente terminal, do saldo da conta-corrente); como conteúdo natural, o respeitante ao contratos de depósito bancário (a convenção acessória do contrato de conta bancária através da qual o cliente/depositante entrega uma quantia pecuniária ao banco/depositário, ficando este no direito de dela dispor livremente e no dever de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade nos termos acordados) e ao de giro bancário simples (convenção que, segundo Menezes Cordeiro5, “funciona como um contrato-moldura ou contrato-quadro, no âmbito do qual serão, depois, concluídos diversos contratos simples ou praticados múltiplos atos bancários”, facultando transferências bancárias simples, transferências internacionais, pagamentos por conta bancária, cobranças por conta bancária e transferências de fundos); e, como conteúdo eventual, o respeitante a negócios como a convenção de cheque, a emissão de cartões de crédito, os descobertos em conta e o giro bancário complexo.

Temos pois que o contrato de conta-corrente bancária, o contrato de giro bancário, o contrato de serviços de pagamentos e o contrato de depósito bancário não se confundem com o contrato de conta bancária, embora as “condições gerais” deste contrato, face à crescente complexidade com que se apresentam, acabem por regular amplamente as relações jurídicas entre o banco e o cliente, na medida em que incluem, em tal regulamentação, as referidas convenções que, embora acessórias, são autónomas; convenções estas que acabam por estar associadas e integradas no contrato de conta bancária, que assim se apresenta como um contrato-quadro, um “contrato de contratos”, em que as partes definem, ab initio, os termos dos contratos que poderão celebrar no futuro (daí que alguma doutrina o designe como sendo um contrato normativo6), o que não retira aos contratos que assim venham a ser celebrados (e cujo conteúdo estará já pré-definido através de CCG nas “condições gerais” do contrato de abertura de conta) a natureza contratual autónoma.

Contrato que, celebrado, ganha densidade negocial com a celebração futura e sequencial dos diversos contratos bancários associados, satélites mas autónomos, o que vai originar créditos (a realização de atos de depósito de fundos: entregas de dinheiro, transferências) e débitos (a realização de atos de disposição de fundos: levantamentos de caixa, saques de cheques, transferências, pagamentos domiciliados) para ambos os contraentes que terão o seu reflexo contabilístico na conta do cliente, através do referido mecanismos da conta corrente.

Conta esta cujos movimentos (maxime, a débito) está, à partida, reservada ao respetivo titular, podendo este confiar a sua movimentação a terceiro, através da atribuição de poderes de representação (procuração) ou através de uma simples autorização7; tendo para tal o titular, na dinâmica da relação contratual duradoura, acesso à conta, acesso que, classicamente, decorre da realização da sua assinatura aposta na ficha (de abertura de conta) e em que, atualmente, é corrente o acesso por via eletrónica, em máquinas de acesso público ou pela internet, através de códigos e passwords (o que pressupõe a existência de convenção de chaves de acesso à conta e aos serviços bancários à mesma associados).

Genericamente traçado o quadro contratual em que decorre o presente litígio – e efetuadas as devidas distinções e delimitações – há que referir que é na associada/acessória prestação de serviços de transferências bancárias, no âmbito da convenção/contrato de giro bancário, que se situa o cerne do presente litígio.

Efetivamente, como se começou por referir, estão em causa 10 transferências bancárias que, segundo os AA., não foram por eles autorizadas/solicitadas.

Transferência que, segundo o art. 3.º/a) do DL 18/2007, de 22 de janeiro, é a “operação efetuada por iniciativa de um ordenante, operada através de uma instituição e destinada a colocar quantias em dinheiro à disposição de um beneficiário, podendo a mesma pessoa reunir as qualidades de ordenante e beneficiário”; sendo que, quando a instituição em causa é uma instituição de crédito, estamos perante uma transferência bancária.

Transferências bancárias, quer internas, quer internacionais, que eram pacificamente incluídas no âmbito do contrato de giro bancário, podendo, atualmente, com a aprovação do Regime de Serviços de Pagamentos, pelo DL 317/2009, (em que se prevê um “contrato quadro”, definido, na alínea o) do art. 2.º, como “um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento), continuar a entender-se, quando se está perante operações de caráter isolado reguladas nos art. 46.º e ss. do RSP, que as mesmas integram o contrato de giro bancário.

Efetivamente, através do DL 317/2009 (sucessivamente alterado, sendo que, à data dos factos, estava em vigor a versão com as alterações do DL 157/2014), o legislador nacional procedeu à transposição para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e o Conselho, de 13 de novembro, relativamente aos serviços de pagamento no mercado interno, aprovando o regime de serviços de pagamento (RSP), o qual figura em anexo àquele diploma; em que define operação de pagamento, na alínea g) do n.º 2, como “o ato, praticado pelo ordenante ou pelo beneficiário, de (…) transferir (…) fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário”

O que significa que a aplicação do Regime de Serviços de Pagamento (RSP) não pode ser aqui de todo afastada: atento o disposto no art. 3.º/1, o RSP é aplicável aos serviços de pagamento prestados em Portugal, sendo a execução de transferências bancárias um dos serviços de pagamentos enumerado no art. 4.º do RSP; dando- se o caso do RSP consagrar uma divisão entre operações de pagamento de carater isolado e operações de pagamento abrangidas por um contrato-quadro – ou seja, um contrato de serviços de pagamento singular, no primeiro caso, e um contrato-quadro de serviços de pagamento no segundo – pelo que, inexistindo entre as partes um contrato-quadro de pagamentos, estaremos, nas 10 transferências sub-judice, à luz do RSP, perante operações de pagamento de carácter isolado.

O que vem a propósito do quadro regulador das 10 transferências dos autos.

É usual referir-se que o direito bancário é um direito contratual, em que vigora o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do C. Civil), no que, atentas as exigências de normalização, rapidez e eficiência, se impôs o recurso a CCG pré-preparadas pelos bancos, o que comporta o sério risco de soluções desproporcionadas para os clientes e sujeita tal direito contratual (contratos de adesão) ao regime das CCG (DL 446/85) e a uma delimitação da autonomia privada norteada pela preocupação de proteção do consumidor.

Sendo também usual aludir às regras de conduta a que deve obedecer a atividade bancária, aos princípios gerais decorrentes do RGIC, aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro (com todas as suas alterações), designadamente:

Ao que se diz no art. 73.º, segundo o qual “as instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência”;

E ao que se diz no art. 75.º, segundo o qual “os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral”.

Preceitos a partir dos quais se identificam, entre outros, princípios de competência bancária, de segurança bancária e de abstração bancária. Entendendo-se, em consonância, que a atividade do banco e dos seus colaboradores deve ser norteada por elevados níveis de competência técnica em ordem a uma adequada gestão e consideração dos interesses que lhe estão confiados; que os bancos deverem nortear a sua atividade por elevados padrões de segurança das operações, no interesse dos clientes, no do próprio banco e no interesse geral de confiança no sistema bancário; e que os bancos são insensíveis ou indiferentes ao que está subjacente às operações que realizam (sendo-lhe irrelevante saber a quem pertence o dinheiro no depósito bancário ou o porquê duma concreta transferência bancária).

E tendo isto presente – ou seja, o que decorre do direito contratual, dos princípios bancários e das disposições do RSP ao caso aplicáveis – o que dizer das 10 transferências bancárias executadas pelo banco R.?

A transferência bancária, como já se mencionou, é uma operação abstrata, em que o banco não tem que fazer um qualquer julgamento sobre a causa da ordem de transferência, tendo antes que cumpri-la prontamente, de forma a evitar tornar-se responsável por prejuízos que advenham ao cliente, em virtude de demora anormal.

Efetivamente, a ordem de transferência resulta de um mandato especial (implícito no contrato de giro bancário) dado ao seu banco pelo cliente, mais exatamente, de um mandato comercial (cfr. 362.º do C. Comercial), sujeito ao regime do art. 231.º e ss. do C. Comercial, relativos ao mandato comercial, o que significa que se o banco/mandatário “não cumprir o mandato em conformidade com as instruções recebidas e, na falta ou insuficiência delas, com os usos do comércio, responde por perdas e danos” (cfr. 238.º do C. Comercial).

Mas, claro, além de tal dever principal – que, no caso, se reconduz à obrigação de efetuar a transferência – assume o banco, no âmbito de tal mandato, deveres secundários ou acessórios, cujo cumprimento contribui para a correta execução da transferência.

Assim, tem o banco o dever (acessório) de verificar cuidadosamente a ordem de transferência: tem que controlar a genuinidade da ordem de transferência, tem que controlar a assinatura do ordenante/cliente, confrontando-a com a que recolheu do cliente quando este abriu a conta (e que consta da ficha de cliente); e este controlo/apreciação deve ser feito tanto mais cuidadosamente quanto maior for o valor da transferência (em linha com o referido princípio da segurança bancária, que deve levar os bancos a praticar elevados padrões de segurança nas operações, no interesse dos clientes, no do próprio banco e no interesse geral de confiança no sistema bancário).

Importando aqui referir que o já mencionado princípio/dever de competência técnica, comum aos diversos atos que o banqueiro pratica na sua atividade e tendo como corolário a qualidade e a eficiência que devem caraterizar os seus serviços, se projeta nos cuidados que devem ser observados na execução de ordens de transferência, ou seja, a competência técnica (que decorre da relação bancária complexa) exigível ao banqueiro não pode ser medida pela de um bonus pater familias, sendo exigida e esperada a competência de um profissional altamente qualificado e especializado.

Ora, em face dos factos, não podemos dizer, de acordo com o que é exigível pelos princípios da competência técnica e segurança bancárias, que o Banco R. haja cumprido devidamente tal dever de verificação/fiscalização.

Não estamos, como é evidente, perante transferências efetuadas através dum qualquer dispositivo personalizado facultado pelo banco (v. g., cartão de crédito ou de débito), ou seja, não estamos perante transferências eletrónicas de fundos, realizadas em execução de ordens transmitidas por meios eletrónicos: telefone, computador – home banking – caixas automáticas, terminais de pagamento, etc.. Estamos sim perante transferências efetuadas através dos “procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento e a que o utilizador de serviços de pagamento recorre para emitir uma ordem de pagamento” (como também se refere na definição da alínea z) do art. 2.º do RSP).

E, não se encontrando as ordens de transferência sujeitas a qualquer forma específica, podendo ser dadas por escrito ou por via oral, os “procedimentos acordados” pelas partes, para além do que consta das Condições Gerais dos Contratos de Abertura de Conta, são os que constam dos pontos 24 e 25 dos factos provados, ou seja:

24. A pedido e por conveniência do autor AA a prática das partes foi a de que todas as transferências das duas contas bancárias aqui em causa eram tituladas por uma instrução escrita e assinada por este e enviada para a gestora de conta.

25. O procedimento adotado pelo autor AA, sempre que surgia a necessidade de proceder a alguma transferência, consistia no envio de um e-mail por parte do autor e/ou de CC ao gestor de conta, solicitando uma qualquer ordem de pagamento, sendo este e-mail sempre acompanhado, em anexo, de um pedido de transferência assinado pelo autor.

“Procedimentos” estes, sobre o modo de comunicar ordens de transferência, em que, no essencial, as partes sempre estiveram de acordo nos autos, como resulta do que alegado pelos AA. e do que foi “oposto” no art. 30.º da contestação, em que o banco R. diz:

“(…) nos termos acordados nos Contratos de Abertura de Conta, para que determinada ordem fosse válida e vinculativa para o Réu, bastava que a mesma fosse efetuada (i) mediante uma instrução escrita e assinada pelo Autor AA, (ii) enviada para o Réu, nomeadamente por correio eletrónico ou por qualquer outro meio idóneo.”

Sustentando, a partir daqui, o banco R. que cumpriu os seus deveres contratuais, por duas razões:

- por não existir qualquer regra contratual que o obrigasse “a apenas considerar as instruções recebidas a partir de um determinado endereço eletrónico”; e

- por a assinatura do A. AA, constante das instruções escritas que acompanhavam os emails recebidos ser “em termos idênticos aos que constam da ficha de assinaturas das respetivas contas”.

Efetivamente, como resulta dos factos, a propósito de todas as 10 transferências sub judice, recebeu o banco R. e-mails que continham, anexada, a respetiva ordem/instrução de transferência assinada “em termos idênticos aos que constam da ficha de assinaturas das respetivas contas”.

O que, porém, é insuficiente, só por si, para que se possa dizer que o banco R. cumpriu devidamente o dever de fiscalização, de acordo com o que lhe é exigível pelos referidos princípios da competência técnica e segurança bancárias.

Porque, como é muito evidente, seja uma ordem de transferência enviada por correio eletrónico ou por outro canal de comunicação, não pode um banco deixar de verificar/fiscalizar, dentro dos referidos princípios da competência técnica e segurança bancárias, se a mesma é proveniente do seu cliente.

Argumenta o banco que não existe “qualquer regra contratual que o obrigasse a apenas considerar as instruções recebidas a partir de um determinado endereço eletrónico”, mas a questão não é esta: ainda que não haja tal regra contratual – ou seja, ainda que não haja regra contratual a dizer que a instrução só por um determinado endereço eletrónico pode ser enviada – não pode um banco deixar de verificar a proveniência de ordens de transferência, vindas por email e, para mais, nos elevados montantes em causa.

Compreende-se que num processo – espaço em que as partes dizem tudo o que supõem ser em sua defesa – um banco venha dizer que é irrelevante o endereço eletrónico de que é enviada a ordem de transferência (querendo com isto dizer que não tem que verificar o endereço utilizado pelo cliente), porém, não é minimamente crível que um qualquer banco, quando celebra um contrato de abertura de conta, diga ao cliente com que acaba de celebrar contrato que executará toda e qualquer ordem de transferência de fundos sem verificar a exata proveniência da ordem de transferência (ou seja, com total indiferença pela defesa dos interesses dos clientes e das respetivas poupanças)8.

A globalidade dos factos provados, não nos dá, é certo, um retrato completo e total do que aconteceu, ou seja, não sabemos – não está dado como provado – quem enviou os emails (contendo as ordens/instruções de transferência) recebidos pelo banco R.: podem colocar-se as mais diversas hipótese e suposições sobre quem enviou tais emails – ninguém pode ser afastado - porém, tais hipóteses e suposições, sejam elas quais forem, mais fundadas ou menos fundadas, não relevam no momento em que nos encontramos, de aplicação do direito aos factos.

O que resulta dos factos – e isto não são hipóteses ou suposições – é que os e-mails do A. e do seu “representante” CC, que eram conhecidos no banco R., eram aa@ e cc@, respetivamente, sendo que das 10 transferências sub judice:

a 1.ª foi solicitada dum e-mail cc@ (com conhecimento ao e-mail aa@);

as 2.ª e 3.ª foram solicitadas do e-mail aa@ (com conhecimento ao e-mail cc@); e

e as restantes 7 foram solicitadas dum e-mail aa@ (com conhecimento ao e-mail cc@).

Ou seja, foram utilizados e mencionados, nas solicitações de tais 10 transferências, dois endereços de e-mails similares aos dois “legítimos”, mais exatamente, foram utilizados e mencionados endereços em que, em relação aos “legítimos”, foi substituído um “e” por um “a”, sendo em tudo o mais idênticos aos dois endereços “legítimos”.

E resulta igualmente dos factos que todas as 10 ordens de transferência anexadas aos e-mails em causa foram objeto de falsificação, consistente na adulteração digital de um documento digitalizado previamente, mais exatamente, na sobreposição de novos dados (datas, valores, beneficiários das transferências, contas bancárias, etc.) sobre os dados correspondentes de documento digitalizado previamente; sendo a assinatura do A., constante deste documento digitalizado previamente, usada em todos as 10 ordens de transferência.

Pelo que, em face de tais factos, não estaremos perante uma situação em que hackers hajam acedido a dados confidenciais de acesso às contas bancárias dos AA. e através deles às contas dos AA. no banco R.: não estamos perante uma situação em que hackers hajam, eles próprios, executado os movimentos/transferências, o mesmo é dizer, não estamos perante as habituais modalidades de phishing ou pharming.

O que temos aqui é uma outra modalidade de fraude, em que, tendo o banco e o cliente acordado a possibilidade de este dar instruções para a realização de operações bancárias através de uma comunicação via e-mail, um terceiro interfere nas comunicações, quer “pirateando” o serviço de e-mail do cliente, quer criando um endereço de e-mail semelhante ao do cliente, enviando e-mails a ordenar operações a retirar fundos da conta do cliente.

Um tal modo de comunicar – via e-mail – não oferece, é sabido, a mesma segurança que a plataforma dum Banco e, além disto, o controlo de segurança do servidor do e-mail do cliente é algo que não pode ser assacado ao banco, porém, estas duas circunstâncias também não podem ser ignoradas pelo banco quando acorda em receber instruções para a realização de operações bancárias através de uma comunicação via e-mail.

Aliás, justamente por isto e não podendo um banco desconhecer a existência desta modalidade de fraude, faz parte do seu dever de informação, como dever acessório da relação contratual permanente e duradoura que mantém com o cliente, preveni-lo sobre a existência de tal modalidade de fraude e para a necessidade de manter programas eficazes de segurança do seu e-mail.

E, claro, quando recebe e-mails com instruções para a realização de operações/instruções bancárias, deve proceder com a diligência, competência e segurança bancárias exigíveis.

Importando insistir e realçar, neste passo do raciocínio, que a diligência exigível a um banco não é apenas a de um bonus pater famílias – critério a que, nos termos do art. 487.º/2 do C. Civil, aplicável por efeito do disposto no art. 799.º/2, se recorre para apreciar a culpa, na falta de outro critério legal, embora também se possa/deva dizer que tais preceitos legais são flexíveis e se adaptam a círculos de atividade em que os padrões de diligência são mais elevados – mas a de um profissional habilitado e dotado de meios técnicos e humanos especialmente adequados ao exercício da atividade bancária, meios esses proporcionados por recursos financeiros consideráveis.

A um banco, hoje, não pode ser exigido que atue apenas como um “bom pai de família”, isto é, como uma pessoa de diligência média, comum à de outras que se encontrem em circunstâncias análogas de tempo e lugar; e quem diz “um banco”, diz os seus representantes, agentes ou auxiliares (cuja intervenção é identificada com a do próprio banco que representam ou servem – art. 800.º/1 do C. Civil).

Vem isto a propósito, já se vê, de o banco não poder invocar, para excluir a sua responsabilidade – para excluir a violação de deveres contratuais e a culpa em tais violações – que era difícil aperceber-se, face à similaridade entre os e-mails, que os mesmos não eram os que eram conhecidos no banco (aos “legítimos” aa@ e cc@ foi alterada uma vogal e passaram a aa@ e cc@).

Como já se referiu, as 7 últimas transferências (todas sobre a conta do A. e no valor global de € 841.500,00) foram todas elas solicitadas a partir de e-mails enviadas por aa@ e com conhecimento a cc@, ou seja, a partir de e-mails que não eram conhecidos no banco (como decorre do confronto com o que consta do ponto 31 dos factos provados).

A “tese” do banco R. – de que era difícil ter-se apercebido, pela similaridade entre os e-mails, que os mesmos não eram os conhecidos do banco – a estar certa e a fazer curso, abala a própria confiança que é suposto ter-se num banco e que inspira os depositantes a confiar-lhe a guarda do seu dinheiro: segundo tal tese, quaisquer falsificações em procedimentos de pagamentos, desde que hábeis e subtis, correm por conta do cliente, que, assim, se poderá ver despojado dos seus depósitos bancários.

A “tese” certa tem de ser outra: tem de suportar os prejuízos decorrentes de falsificações relacionadas com ordens de transferência – e importa não esquecer que todas as 10 ordens/instruções de transferência, enviadas em anexo aos e-mails, haviam sido objeto de falsificação por adulteração digital – aquele (banco e/ou cliente) que tiver incumprido as obrigações de diligência e fiscalização relacionadas com a transferências ordenadas e executadas.

Daí o disposto no aqui aplicável Regime de Serviços de Pagamento (RSP).

Segundo o RSP, são as 10 transferências sub-judice operações de pagamento de carácter isolado, o que significa (para além dos deveres específicos de informação a prestar ao ordenante após a receção da ordem de pagamento – cfr. art. 49.º do RSP) que é o banco/prestador do serviço de pagamentos, caso o utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado a operação de pagamento executada, que tem o ónus da prova da autorização da operação de pagamento – cfr. art. 70.º do RSP.

O disposto nos arts. 67.º e 68.º do RSP, sobre as obrigações do utilizador de serviços de pagamento e do prestador de serviços de pagamento, está claramente direcionado para os dispositivos de segurança personalizados que são facultados pelo prestador do serviço (como cartões bancários) e nessa medida não podem tais preceitos ser considerados como aplicáveis ao caso (em que o instrumento de pagamento é o procedimento acordado entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento), mas o ónus da prova colocado pelo art. 70.º do RSP a cargo do banco R. é aqui inteiramente aplicável.

E diz-se na alínea b) dos factos não provados que não se provou que as 10 transferências postas em causa tenham sido pelo AA pedidas, sendo que tal prova – que incumbia ao banco R. – também não pode ser considerada como efetuada a partir da globalidade dos factos provados.

Não se ignora a “mistura” entre e-mails “legítimos” e e-mails “ilegítimos” em algumas comunicações (mais exatamente, nas que deram origem às 3 primeiras transferências), porém, daqui, nada de concludente, em termos de solicitação/autorização das 10 transferências, pode ser retirado: tanto pode dizer-se, a partir de tal “mistura”, que o A. conhecia os e-mails “ilegítimos” (e que o mesmo estará por “detrás” de todas as 10 ordens de transferência), como pode dizer-se que, nas comunicações em que estão misturados os e-mails, eram já os e-mails “legítimos” que estavam a ser pirateados. Aliás, os montantes respeitantes às 3 primeiras transferências (todas sobre a conta bancária da Autora) foram transferidos a favor de uma conta da uma sociedade espanhola, conta essa para onde também foram transferidos fundos de ulteriores transferências, em que apenas os e-mails “ilegítimos” foram utilizados e mencionados.

E também não é decisivo, tendo em vista concluir que o A. AA está por “detrás” de todas as transferências (e que foi ele que as solicitou/autorizou), o que o Acórdão recorrido fez constar/acrescentou no ponto 96.º dos factos, em que se deu como provado que “os Autores não reclamaram de outras transferências ordenadas, nos mesmos moldes, a partir do mesmo endereço de correio eletrónico aa@“. Este facto é, aliás, na sua estrita literalidade, bastante incompreensivo, sem prejuízo de se saber, por resultar dos elementos dos autos (v. g., da leitura do relatório pericial), que se refere a duas transferências (uma de € 3.000,00 e outra de € 3.600,00) em que também há quer “mistura” entre e-mails “legítimos” e e-mails “ilegítimos” quer ordens/instruções de transferências com falsificações por adulteração digital, sendo certo, é o aspeto que impressionou o Acórdão recorrido, que o A. não “reclamou” de tais duas transferências.

Como já observámos, os factos provados não dão um retrato completo e total do que aconteceu e se é verdade que suscitam mesmo, não pode ser negado, alguma perplexidade – como a decorrente da mistura entre e-mails “legítimos” e e-mails “ilegítimos” e de ordens/instruções de transferências com falsificações idênticas às de transferências reclamadas, sem que os AA. invoquem que as mesmas não foram solicitadas – o certo é que o momento processual próprio para, caso fosse o caso, concretizar o “resultado” de tal perplexidade é/era a decisão de facto, não sendo no momento processual em que nos encontramos (para mais, numa revista) que podemos passar a afirmar que, tendo havido transferências solicitadas (não “reclamadas” pelos AA.) com as mesmas “misturas” e “falsificações”, é porque, então, todas aquelas outras ordens/instruções de transferências (em que houve idênticas “misturas” e “falsificações”) foram solicitadas pelos AA..

A única coisa que podemos afirmar, a partir dos factos acabados de analisar (e das perplexidades deles decorrentes), é que, no mínimo, os e-mails “legítimos” terão sido pirateados e que terá sido após o conhecimento e pirateamento dos e-mails “legítimos” que terão sido criados e utilizados os e-mails “ilegítimos” (e as ordens/instruções de transferência falsificadas).

O que, voltando ao RSP, nos leva, em linha com o já referido, a confirmar que o disposto nos art.º 71.º e 72.º, a propósito da responsabilidade do prestador de serviço e do ordenante por operações de pagamento não autorizadas, não é aplicável à situação sub-judice: tais preceitos estão apontados a operações de pagamento não autorizadas resultantes da perda, de roubo ou de apropriação abusiva de instrumentos de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados, ou seja, só fazem sentido, assim como o que se diz nos arts. 67.º e 68.º (sobre as obrigações do utilizador e do prestador), em relação aos dispositivos de segurança facultados pelo prestador do serviço.

Assim, não se tendo provado que tivessem sido os AA. a solicitar as transferências, o banco R., para afastar a sua responsabilidade, tem que provar – a responsabilidade do banco é contratual, recaindo sobre ele a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º/1 do C. Civil – que houve culpa dos AA. e que ele atuou de forma diligente e não censurável, não lhe sendo exigível que agisse de outro modo.

No primeiro caso, a presunção “desaparece”, por efeito do disposto no art. 570.º/2 do C. Civil, e os AA. terão que assumir o prejuízo; no segundo caso, deverá demonstrar que cumpriu adequadamente as obrigações a que estava sujeito e que não era atingível, mesmo considerando as suas capacidades técnicas, um diferente resultado; sendo que, demonstrando-se que ambos contribuíram para a produção do resultado danoso, a responsabilidade deverá ser repartida proporcionalmente à respetiva culpa (cfr. art. 570.º/1 do C. Civil).

Em face de tudo o que já foi referido, é este último o caso dos autos.

O banco R. não verificou/fiscalizou, como devia, as instruções de transferência que executou:

- tendo acordado que as instruções de transferência lhe podiam ser enviadas por e-mail, não podia, dentro dos elevados padrões de eficiência impostos pelos princípios da competência e segurança bancárias, deixar de ter meios, humanos e/ou técnicos, que controlassem a autenticidade/genuinidade de uns e outros e que detetassem “falsificações” de e-mails e/ou de instruções de transferência;

-face ao elevado valor das transferências e não ignorando que o depósito de € 1.000.000,00 do A. tinha em vista a obtenção/manutenção de ARI (Autorização de Residência para Investimento), mandava a boa prudência que tudo fizesse para confirmar ordens de transferência que, num lapso de 17 dias, mobilizaram € 833.000,00 de tal depósito, quando, até ali, durante quase 3 anos, não tinha havido qualquer mobilização.

Enfim, o banco não cumpriu adequadamente as obrigações a que estava sujeito, atuando assim ilicitamente e com culpa na execução das transferências.

Mas os AA. também contribuíram para o resultado danoso.

Como acima se referiu, na origem do ocorrido esteve a interferência de terceiros nas comunicações dos AA. e pelo serviço de e-mail dos AA. são eles, e não o banco R., os responsáveis: ou por os AA. não haverem guardado devidamente os acessos aos seus e-mails ou por não terem um sistema de segurança eficaz foram as suas comunicações com o banco R. interferidas e enviados os e-mails e ordens de transferência acima referidos, o que deu origem às execuções indevidamente efetuadas pelo banco R..

Em todo o caso, em face dos factos, não podem os AA. ser censurados por não se haverem apercebido do que estava a acontecer e por não terem interrompido a indevida execução das transferências: como consta do ponto 12 dos factos provados, a morada da Autora, para efeitos de correspondência, era o próprio banco; e, em relação ao A., as 6 transferências significativas ocorreram entre 10 e 27 de Outubro, antes do extrato de conta de Outubro (que não está sequer entre os factos provados) poder ser recebido.

Em conclusão, tudo visto e ponderado, em função da culpa dos AA. e do banco R., por referência ao conteúdo dos respetivos deveres contratuais e da sua violação, a responsabilidade deve ser repartida na proporção de 25% e 75%, respetivamente.

Poder-se-á dizer que, no caso das 7 últimas transferências, em que apenas foram mencionados e utilizados e-mails “ilegítimos”, a culpa do banco R. é total e não apenas de 75%, todavia, importa não esquecer, como acima se procurou explicar, que terá sido após o conhecimento e pirateamento dos e-mails “legítimos” que terão sido criados e utilizados os e-mails “ilegítimos” (e as instruções de transferência falsificadas), pelo que as 10 transferências merecem, em termos de repartição de culpa (e de violação dos deveres contratuais), um mesmo e idêntico tratamento, na medida em que está envolvida, em todas elas, a citada negligência dos AA. (não terem guardado devidamente os seus acessos aos seus e-mails e/ou não terem um sistema de segurança eficaz).

Sendo, para o caso, juridicamente irrelevante o que consta do ponto 84 dos factos: a cláusula de exoneração de responsabilidade incluída nas Condições Gerais do contrato de abertura de conta não deixa de ressalvar – ou de outro modo seria de discutível validade, quer por ser contrária à boa fé, quer por ser contrária a princípios de ordem pública (o dever imposto ao banqueiro de controlar a autenticidade das ordens de transferência que recebe é comandado por princípios de ordem pública) – as “situações que se tiverem ficado a dever a culpa do banco”, ou seja, acaba tal cláusula por não ser mais do que uma cláusula de inversão do ónus da prova, inversão que, como vimos (ficou provada a culpa do banco), ocorreu.

Cabe pois ao banco R. suportar 75% do prejuízo, repondo nos depósitos e nas conta-correntes dos AA. 75% dos montantes transferidos.

A título de responsabilidade contratual (como já resulta de tudo o que vem de ser dito), na medida em que, ao ter o banco R. indevidamente efetuado as 10 transferências, foram os depósitos e os saldos das conta-correntes dos AA. – os direitos de crédito dos AA. sobre a R. – correspondentemente diminuídos.

Como é sabido, o deposito bancário é comumente considerado como um depósito irregular (art. 1205.º e 1206.º do C. Civil) – não é um genuíno depósito, adquirindo o banco a propriedade do dinheiro, ficando com o direito de dele dispor livremente e com o dever de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade – não sendo admitida, entre nós, a relevância de um direito ao património suscetível de fundamentar em si mesmo (como ilicitude, na modalidade da violação de um direito de outrem-art. 483.º do C. Civil) uma indemnização por responsabilidade extra-contratual.

E, claro, repostos os depósitos e os saldos podem os AA. pedir, como fazem, que tais verbas lhe sejam entregues: nos depósitos à ordem (art. 1.ª/2 do DL 430/91, 02-11), o depositante pode exigir ao banco, a todo o tempo, a restituição das quantias depositadas; e os depósitos a prazo (art. 1.º/4) são exigíveis no final do prazo por que foram constituídos (admitindo, porém, a lei que as partes convencionem a sua mobilização antecipada), sendo que, no caso, o prazo era anual, renovável.

Ao que acrescem, em relação ao A., como pediu (e lhe foi concedido em 1.ª Instância), os juros remuneratórios do capital que lhe é concedido, respeitantes ao período de tempo que vai até à citação, calculados à taxa em vigor à época e de acordo com o prevista no respetivo contrato de depósito, a liquidar em execução de sentença; acréscimo que não pode ocorrer em relação à Autora, uma vez que não resulta dos factos que o seu depósito, que seria à ordem, fosse remunerado.

É quanto basta para conceder parcial procedência à revista.

IV - Decisão

Nos termos expostos, concede-se em parte a revista e, em consequência,

a) condena-se o Réu BISON BANK, S.A. a pagar à Autora BRIGHTSTAR CONSULTANCY SERVICES LLC a quantia de € 107.100,00 e a pagar ao Autor AA a quantia de € 631.125,00; quantias essas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

b) condena-se o Réu BISON BANK, S.A. a pagar ao A. AA juros remuneratórios sobre o capital que lhe é concedido, desde a data das transferências até à citação, calculados à taxa em vigor à época e de acordo com o previsto no respetivo contrato de depósito, a liquidar em execução de sentença.

c) Mantendo-se, em tudo o mais, a absolvição do banco Réu.


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Custas, na 1.ª Instância, por AA. e R. na proporção de 2/7 e 5/7, respetivamente; e da apelação e da presente revista, também por AA. e R., mas na proporção de 1/4 e 3/4, respetivamente.

Lisboa, 02/05/2024


António Barateiro Martins (relator)

Fátima Gomes

Nuno Pinto de Oliveira

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1. Com a ampliação do pedido passaram a ser 10.

2. Tal segmento, refira-se, reflete o relato unânime dos peritos, segundo os quais, “com exceção das ordens de transferências em anexo aos dois mails iniciais, todas as restantes, anexas aos mails restantes, foram objeto de falsificação, por adulteração digital de um documento digitalizado previamente”; acrescentando os peritos, mais à frente, que “a mesma assinatura é usada em todos os documentos que requerem a assinatura do Dr. AA, com produção pela ferramenta Zamzar”.

3. O que já se incorporou nos factos antes alinhados.

4. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág. 483.

5. Direito Bancário, 6.ª ed., pág. 372/3; em que o considera como conteúdo necessário.

6. Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 544.

7. Como sucedeu no caso dos autos, em que as partes estão de acordo que Nuno Leal tinha tais poderes de representação, embora, em termos factuais, só conste, a tal propósito, o ponto 23 dos factos provados.

8. Uma coisa é a abstração consistente em não querer saber o “porquê” da transferência, outra, diversa, “abstrair-se” de quem envia a ordem de transferência.