RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


A fundamentação essencialmente diferente, que descaracteriza a dupla conforme (art. 671º, nº3 do CPC), é a que incide sobre os fundamentos que foram determinantes na decisão da sentença e do acórdão recorrido, não relevando divergência marginais ou secundárias.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, instaurada por Caixa Geral de Depósitos, S.A., veio o co-executado, AA, deduzir a presente oposição por meio de embargos de executado.

Alegou, em síntese:

Reconhece que as livranças não foram pagas na respectiva data de vencimento nem ulteriormente. As livranças foram subscritas em branco destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações dos executados no âmbito de acordos de concessão de crédito celebrados com a Embargada.

Os referidos acordos de concessão de crédito destinavam-se a permitir o pagamento de despesas correntes da sociedade subscritora das livranças.

Sucede que, à data do financiamento, o Embargante não tinha o poder de facto na sociedade, limitando-se a ser uma espécie de sócio de indústria, face à sociedade, havendo um outro investidor que tinha efectivamente o poder de gestão de facto da sociedade e que, por esse motivo, era um sócio de capital, contrariamente ao Embargante.

Nesta conformidade, no âmbito dos referidos contratos de concessão de crédito, o Embargante foi sempre pagando as quantias que lhe eram exigidas, nomeadamente através de fundos de investigação que recebia das mais variadas instituições.

Para além disso, no momento da assinatura dos referidos contratos de concessão de crédito nenhuma das respectivas cláusulas foi explicada ou sequer comunicada ao Embargante. Acresce que não houve qualquer convenção quanto ao preenchimento das livranças dadas à execução, tendo os respectivos preenchimentos sido feito de forma abusiva pela Embargada.

O Embargante nunca teve qualquer negociação com a entidade bancária, nem tão pouco em momento algum lhe foram remetidas cópias dos contratos de concessão de crédito. Os contratos que deram causa à emissão das livranças, são contratos de adesão com cláusulas contratuais gerais pré-determinadas pela Exequente, incidindo sobre esta o dever de informação e comunicação dessas cláusulas, obrigação que a exequente incumpriu relativamente ao Embargante.

A falta do cumprimento desse dever de informação, tem como consequência, nos termos do art. 8.º, als. a) e b), do DL n.º 446/85, de 25/10, a exclusão das cláusulas contratuais gerais que não respeitaram os requisitos da sua inclusão em contratos singulares. Ou seja, tudo se passará como se essas cláusulas nunca tivessem feito parte do contrato por o acordo estabelecido entre as partes não as abranger.

Também a situação idêntica se chegaria apenas pela constatação de que tais cláusulas não se encontram no verso do documento e depois da assinatura dos contraentes por aplicação do disposto no art.º 8.º, al. d) do DL n.º 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 220/95, de 31/08 e DL n.º 249/99, de 07/07.

Uma vez que se consideram excluídas do contrato de financiamento celebrado entre as partes as respectivas cláusulas gerais, das quais consta as condições do aval, carece do devido suporte o preenchimento das livranças que o embargante entregou em branco e que servem de base à execução a que se reportam os presentes embargos.

Conclui, pugnando pela procedência da oposição e em consequência ser o Embargante absolvido do pedido formulado.


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A Embargada/Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição, e determinou o prosseguimento da execução.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 05.12.2023, por unanimidade, foi o recurso julgado improcedente e confirmada a sentença.

Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso de revista dizendo que não há uma situação de dupla conforme, porque apesar de o acórdão recorrido ter confirmado a sentença fê-lo com fundamentação essencialmente diferente.

O Recorrente remata a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. O acórdão recorrido encontra-se viciado por nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 al. d) 2ª parte CPC, porquanto se verifica um excesso de pronúncia em face do objecto do recurso delimitado pelo Recorrente na sua apelação.

B. Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso- artigo 635º nº 4 CPC.

C. Resulta claro nas alegações de recurso, em matéria de Direito, a única relevante nesta sede, que o Recorrente apenas assinalou duas discordâncias face da decisão apelada.

D. Uma respeitava ao alargamento a todas as cláusulas contratuais dos quatro contratos de mútuos que configuram a causa das livranças apresentadas como títulos executivos da exclusão determinada quanto às cláusulas respeitantes aos pactos de preenchimento.

E. Exclusão resultante, conforme julgado na sentença, do disposto nos artigos 8º e 5º do RJCCG.

F. Uma outra, e que era independente da decisão sobre a questão anterior, respeitava aos efeitos da exclusão das cláusulas que compunham os pactos de preenchimento.

G. Entendeu o Tribunal apelado que aexclusão dos pactos depreenchimento não tem como consequência a invalidade ou ineficácia das obrigações emergentes de livranças avalizadas.

H. O Recorrente pugnou pela posição contrária, estribado na jurisprudência constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1 de Julho de 2014, processo nº 712/11.3T2AGD, Relatora Anabela Figueiredo Luna de Carvalho.

I. Assim, encontram-se definidas as questões (na verdade uma questão, a segunda) de Direito cuja discordância se pretendia ver arbitrada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

J. A exposição de tal divergência pressuponha a concordância com a decisão tomada pelo Tribunal de1ª instância quanto àexclusão decláusulas contratuais ao abrigo do RJCCG, e por violação do dever de comunicação, o qual se encontrava provado ao abrigo do ponto 2 dos FACTOS NÃO PROVADOS.

K. Tal exclusão pressuponha, por seu turno, e com a concordância total do Recorrente, a caracterização das cláusulas contratuais como CCG, no todo ou em parte, e a aplicação do RJCCG.

L. Em nenhum momento das suas alegações, seja na motivação, seja nas conclusões, pôs o Recorrente em causa referida caracterização e aplicação, nem a exclusão determinada (apenas pugnando que tal exclusão se alargasse a todas as cláusulas contratuais e não apenas as cláusulas respeitantes aos pactos de preenchimento).

M. Pelo contrário, a alegação do Recorrente pressuponha tal caracterização, aplicação e exclusão porquanto desafiou apenas a posição do Tribunal apelado quanto aos efeitos da exclusão de cláusulas contratuais na obrigação cambiária resultante do aval.

N. O Tribunal apelado entendeu que tal exclusão não viciava as obrigações cambiárias, apoiando-se em acórdão do TRP; o Recorrido pugnou pela invalidade de tal obrigação cambiária, apoiado em acórdão do TRC.

O. A questão controvertida, embora controversa, é perfeitamente delimitada e reclamava uma resposta do Tribunal ora recorrida.

P. Todavia, sem que tivesse sido convocado para tal, e descrevendo de modo inverídico as alegações do Recorrente, o Tribunal ora recorrido entendeu abordar uma questão prévia respeitante ao ónus de alegação e prova do Recorrente quanto à caracterização das cláusulas contratuais como CCG.

Q) Conforme alegado, o Tribunal de1ª instância caracterizou as cláusulas contratuais como cláusulas contratuais gerais, tendo-as excluídos por violação do dever de comunicação, na sequência, aliás, do que havia sido alegado nos embargos de executado.

R) Tal decisão mereceu inteira concordância do Recorrente (sem embargo na pretensão de alargar o objecto de tal exclusão), não tendo sido colocada em crise nas alegações, as quais se centraram, conforme alegado, na discussão dos efeitos da exclusão nos avais que constituíram o título executivo contra o Recorrente.

S) Não poderia o Recorrente esperar que o Colendo TRL viesse abordar uma questão de facto e de Direito incontroversa no processo e que não mereceu qualquer referência por parte do Recorrente.

T) Trata-se, por isso, de uma decisão-surpresa, e totalmente fora do objecto do recurso.

U) A qual se encontra viciada por nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 al. d) 2ª parte e no artigo 635º nº 4. CPC.

Não foram apresentadas contra alegações.


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Fundamentação.

O acórdão recorrido deu como provado:

1. Em 21.11.2013 a sociedade G..., Lda, alterou a sua denominação para “G...Unipessoal, Lda”.

2. Em 01.07.2014, a Exequente celebrou com a referida sociedade um contrato de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de 100.000,00€, cfr. titulado pelo documento de fls. 28, cujo teor se dá por reproduzido.

3. O Embargante constituiu-se como avalista desse mútuo.

4. No âmbito desse contrato, a mutuária utilizou a quantia disponibilizada de acordo com o extrato de utilizações titulado pelo documento de fls. 33, cujo teor se dá por reproduzido.

5. Na data de vencimento aposta na livrança, 01.06.2018, o valor total em dívida à Exequente, decorrente do incumprimento do contrato acima referido, era de 130.082,33€.

6. Em 11.06.2014, a Sociedade G...Unipessoal, Lda, celebrou com a Exequente um contrato de mútuo, no montante de 406.000,00€, pelo prazo de 120 meses, cfr. titulado pelo documento de fls. 34, cujo teor se dá por reproduzido.

7. O Embargante constituiu-se como avalista desse mútuo.

8. Na data de vencimento aposta na livrança, 01.06.2018, o valor total em dívida à Exequente, decorrente do incumprimento do contrato supra referido, era de 494.123,03€.

9. Em 19.03.2015, a Sociedade G...Unipessoal, Lda celebrou com a Exequente um contrato de mútuo, no montante de 24.425,24€, pelo prazo de 6 meses - cfr. titulado pelo documento de fls. 38, cujo teor se dá por reproduzido.

10. O Embargante constituiu-se como avalista desse mútuo.

11. Na data de vencimento aposta na livrança, 01.06.2018, o valor total em dívida à Exequente, decorrente do incumprimento do contrato supra referido, era de 5.501,51€.

12. Em 09.07.2014, a Exequente concedeu, a pedido da Sociedade G...Unipessoal, Lda, uma garantia bancária, no valor de 272.107,50€, tendo como beneficiário o IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., a qual foi já honrada, cfr. decorre dos documentos de fls. 45 a 50, cujo teor se dá por reproduzido.

13. O Embargante constituiu-se como avalista desse contrato.

14. Na data de vencimento aposta na livrança, 01.06.2018, o valor total em dívida à Exequente, decorrente do incumprimento do contrato supra referido, era de 317.521,49€.

15. A Sociedade G...Unipessoal, Lda, é ainda devedora de um saldo relativo a utilização de cartão de crédito “CaixaWorks”, emitido ao abrigo de proposta de adesão subscrita em 14.09.2012, que rege a sua forma de utilização e pagamento - cfr. titulado pelo documento de fls. 51, cujo teor se dá por reproduzido.

16. O Embargante constituiu-se como avalista desse contrato.

17. A titular não cumpriu o estipulado contratualmente, uma vez que, desde 25.05.2015, deixou de manter com provisão suficiente a conta, não tendo efetuado os depósitos suficientes para liquidar a dívida desde então.

18. Na data de vencimento aposta na livrança, 21.06.2018, o valor total em dívida à Exequente, decorrente do incumprimento do contrato supra referido, era de 2.251,63€.

19. Na data da celebração dos contratos supra identificados, e como nestes previsto, foram entregues à exequente, respetivamente, cinco livranças em branco, destinadas a titular e garantir por aval as obrigações contratualmente assumidas pela mutuária e garantes, incluindo o Embargante.

20. Nos termos dos pactos de preenchimento constantes dos contratos, as livranças poderiam ser preenchidas pela Exequente, designadamente no que se refere à data de vencimento, local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que esta fosse titular.

21. As livranças em branco foram assinadas pela subscritora e garantes e entregues à Exequente na mesma data da assinatura de cada um dos contratos em referência e juntamente com estes.

22. As livranças, apresentadas a pagamento, não foram pagas, nem na respetiva data de vencimento nem ulteriormente.

23. Nos contratos cujas cláusulas o embargante tomou conhecimento e assinou após ler constavam a definição do montante disponibilizado, da finalidade, da taxa de juro, remuneratório e moratório, das comissões e do spread, assim como os prazos de pagamento, as garantias prestadas, o pacto de preenchimento da livrança e demais elementos dos contratos. (redacção dada pela Relação).

24. (eliminado pela Relação).

25. O Embargante, enquanto único sócio gerente da sociedade G...Unipessoal, Lda,. esteve presente nas datas das suas assinaturas e não só assinou os mesmos e os pactos de preenchimento respetivos, como rubricou cada uma das suas folhas.

26. O Embargante foi interpelado para pagamento por cartas registadas, datadas de 04.06.2018 e 22.06.2018 - cfr. decorre dos documentos de fls. 57 a 61, cujo teor se dá por reproduzido.

27. O Embargante é o único sócio da sociedade “G...Unipessoal, Lda”.

Foi julgado não provado:

1. data do financiamento, o Embargante não tinha o poder de facto na sociedade, limitando-se a ser uma espécie de sócio de indústria, face à sociedade, havendo um outro investidor que tinha efetivamente o poder de gestão de facto da sociedade e é por esse motivo um sócio de capital, contrariamente ao Embargante.

2. No momento da assinatura dos referidos contratos foi explicada e comunicada ao embargante o teor das cláusulas que preveem o preenchimento das livranças.


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Da admissibilidade da revista.

O acórdão recorrido confirmou a sentença de 1ª instância que julgou improcedentes os embargos deduzidos pelo Executado, ora Recorrente. Como decisão que conheceu do mérito da causa cabe na previsão do nº1 do art. 671º, ex vi do art. 854º, ambos do CPCivil.

Dispõe o nº3 do referido art. 671º que “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

É a consagração da chamada “dupla conforme”, que consagra, como regra geral, a inadmissibilidade de recurso de revista, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº1 do artigo 672º.

Como escreve Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, pag. 422 e sgs, “tal solução visou compatibilizar diversos interesses, contrapondo a um generalizado direito de interposição de recurso a necessidade de uma gestão equilibrada dos meios humanos e materiais.

(…) Trata-se de uma regime equilibrado, na medida em que é ponto assente que o direito de acesso aos tribunais não exige necessariamente o triplo grau de jurisdição, tanto assim que o Tribunal Constitucional vem rejeitando alegações de inconstitucionalidades.”

No caso presente, a sentença de 1ª instância foi confirmada por unanimidade na Relação. Para afastar a dupla conforme é necessário que a fundamentação de ambas as decisões seja essencialmente (substancialmente) diferente.

É justamente a diferente fundamentação das decisões das instâncias que o Recorrente invoca para justificar a revista.

Neste particular, está consolidado no STJ o entendimento segundo o qual ao considerar a “fundamentação essencialmente diferente” como óbice à verificação da dupla conforme o legislador teve em vista os casos em que a confirmação da sentença pela Relação assenta num quadro normativo absolutamente distinto daquele que foi levado em linha de conta na decisão da 1ª instância. Assim, irrelevam a modificação da decisão de facto efectuada no Tribunal da Relação, as discrepâncias marginais, secundárias, periféricas que não representam um percurso jurídico diverso, ou o mero aditamento de fundamentos que não tenham sido anteriormente considerados. (cf. entre outros, os acórdãos de 15.05.2014, P. 5869/09, de 18.09.2014, P. 630/11, de 09.07.2015, P. 542/13).

Neste último aresto, relator Lopes do Rego, escreveu-se o seguinte:

“Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado a decisão proferia na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada.”

Entendimento reiterado, entre outros, nos acórdãos de 17.11.2021, (relator Tibério Silva) P. 712/19, e de 15.02.2018, (relatora Rosa Ribeiro Coelho), P. 28/16, publicados, tal como os anteriormente referidos in www.dgsi.pt.

Neste último, decidiu-se que “para a descaracterização da dupla conforme não releva uma qualquer dissemelhança das fundamentações, a diferença existente entre cada uma delas tem de ser essencial.”

Posto isto, revertamos ao caso em apreciação.

A sentença de 1ª instância justificou a improcedência dos embargos com a circunstância de o Embargante ter dado aval à subscritora das livrança, como evidencia o seguinte excerto da mesma:

“O embargante ficou, pois, obrigado quando assinou as livranças que, com a subscrição da sociedade de que era sócio-gerente, foi entregue à Exequente sua beneficiária.

Destarte, não se pode concluir pela desresponsabilização da embargante a coberto da invalidade e exclusão do contrato do pactuado sobre o preenchimento, seja por via do regime das Cláusulas Gerais não comunicadas seja fosse por qualquer outro fundamento, conducente à eliminação ou desconsideração do substrato negocial que integra esse pacto ou acordo legitimador da invocação da excepção.”

Aderindo ao entendimento vertido no acórdão supra, improcede, assim, a oposição no que tange à excepção de preenchimento.

(…)

Ponderando-se que a obrigação do avalista é autónoma em relação à do avalizado, sendo o avalista responsável da mesma maneira que o avalizado, aderimos à tese acolhida no acórdão que temos vindo a seguir, no sentido da desnecessidade de interpelação do avalista para que a obrigação se torne exigível.

De todo o modo, sempre se acrescenta que a exequente remeteu ao embargante as missivas referidas nos factos provados, informando-o quer do incumprimento dos contratos, quer do preenchimento das livranças, estando, pois, comprovada a interpelação do Embargante e a comunicação antecipada do preenchimento das livranças.

Assim sendo, inexiste qualquer circunstancialismo de facto ou de direito que obste à exequibilidade das livranças exequendas, sendo a correspectiva obrigação certa, líquida e exigível, o que conduz inexoravelmente à improcedência da presente oposição à execução.”

No recurso de apelação, o Executado impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, e sustentou que por violação do dever de informação devem considerar-se nulas todas as cláusulas dos quatro contratos de mútuo (art 8º do DL nº 446/85 de 25.10), e que “sendo os títulos executivos nulos, por nulidades dos contratos que lhes são causa, não poderá a execução prosseguir nos termos requeridos.”

O acórdão recorrido fundamentou a improcedência da apelação nestes termos:

“(…) não tem aplicação o regime das CCG pelo qual a recorrente pretendia ver declarada a nulidade dos contratos de mútuo que celebrou com a embargada

Também não se evidencia que tais contratos sejam nulos por qualquer outro motivo, tendo sido contratos assinados por ambas as partes no domínio dos princípios da liberdade e autonomia contratuais.

O reconhecimento da validade dos contratos, nos termos sobre analisados, torna inútil o conhecimento desta questão, porquanto a mesma dependia da invalidade dos contratos celebrados.

Sendo válidos os contratos e os acordos de preenchimento e, não tendo sido alegado nem demonstrado que o Banco incumpriu o acordado quanto ao preenchimento das livranças, mantém-se a responsabilidade do embargante enquanto avalista.

Improcede, portanto, o recurso.”

Confrontando a fundamentação das duas decisões, não pode deixar de concluir-se que é essencialmente idêntica: coincidiram as instâncias em julgar improcedentes os embargos por se ter concluído pela validade dos títulos executivos apresentados - livranças – e que a responsabilidade do Embargante é de natureza cambiária, por ter dado aval à subscritora da livrança (arts. 32º e 39º da LULL).

É certo que a sentença e o acórdão recorrido não tiveram o mesmo entendimento quanto à natureza das cláusulas integrantes dos contratos de mútuo, mas tal divergência mostra-se irrelevante nas decisões em causa.

Não há, por conseguinte, desconformidade de fundamentação entre a sentença e o acórdão recorrido, muito menos essencial, o que significa que ocorre uma situação de dupla conforme que é impeditiva da revista interposta.

Decisão.

Pelo exposto, por inadmissível, não se toma conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 02.05.2024

Ferreira Lopes (relator)

Sousa Lameira           

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza