CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
SINAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESSUPOSTOS
CAUSA JUSTIFICATIVA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I — O conceito de causa justificativa do artigo 473.º do Código Civil remete para os critérios legais definidores de uma correcta ordem ou ordenação dos bens.
II — O preenchimento do requisito da ausência de causa pode resultar de a causa ter deixado de existir, ou de o efeito em vista do qual foi realizada a prestação não se ter verificado.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: AA

Recorrida: Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda.

I. — RELATÓRIO

1. AA propôs a presente acção declarativa contra BB e Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., pedindo:

I. — a título principal,

[i] que se declare resolvido o contrato promessa por incumprimento definitivo imputável ao 1.º Réu e

[ii] que o 1.º Réu seja condenado no pagamento de uma indemnização ao Autor, nos termos do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, no valor total de € 76.000,00 (setenta e seis mil euros), acrescido dos juros moratórios legais vencidos e vincendos, desde a data da entrada da presente acção, até ao efectivo e integral pagamento;

II. — a título subsidiário, que os Réus sejam condenados solidariamente no pagamento de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) ao Autor;

III. — a título subsidiário, que o 1.º Réu seja condenado no pagamento de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) ao Autor;

IV. — em qualquer caso, que os Réus sejam condenados, no pagamento das despesas não documentadas e honorários com o patrocínio da presente acção, em valor nunca inferior a € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) e no pagamento das custas judiciais e dos demais encargos legais resultantes da propositura da presente acção judicial.

2. O Tribunal de 1.ª instância:

I. — julgou improcedente o pedido de resolução do contrato-promessa por incumprimento definitivo imputável ao Réu BB e, consequentemente, absolveu aquele réu do pedido de condenação no pagamento de 76.000,00€;

II. — julgou procedente o pedido de condenação dos Réus no pagamento ao Autor do montante de 38.000,00€, a título de enriquecimento sem causa, cabendo ao réu BB o pagamento da quantia de 16.000,00€ e à Ré Partilhar Fácil, Mediação Imobiliária, Lda. o pagamento do montante de 22.000,00€;

III. — julgou improcedente o pedido de condenação dos Réus no pagamento do montante de 3.500,00€.

3. Inconformada, a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., interpôs recurso de apelação.

4. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

5. O Tribunal da Relação julgou o recurso procedente.

6. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Em face do exposto, acordam julgar a apelação procedente e, em conformidade, revogam a sentença recorrida no segmento em que condenou a ré Partilhar Fácil-Mediação Imobiliária, Lda. no pagamento ao autor AA do montante de vinte e dois mil euros (22.000,00€).

As custas na presente instância recursiva são da responsabilidade do apelado, sendo que a esse título apenas são devidas custas de parte porquanto aquele procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de resposta às alegações de recurso.

7. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de revista.

8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) Não pode o Autor e Recorrente conformar-se com o teor do Douto Acórdão da Relação de Évora, o qual enferma de uma violação da lei substantiva, por fazer uma errada aplicação da lei e do Direito aos factos dados por provados, ao entender que a condenação da ré ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa extravasa o âmbito da causa de pedir tal como configurada pelo autor; sempre poderia e deveria então ter condenado a ré no pagamento ao Autor da quantia de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), ao abrigo da responsabilidade civil contratual e ou de uma eventual condenação da mesma por força do instituto da responsabilidade civil extracontratual, pois que resultou por provado e assente a ilicitude da ré e ora Recorrida, por violação da lei que protege interesses alheios;

b) Ora, não estando o Tribunal limitado pela alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, entende o A. que o Tribunal da Relação andou mal quando veio revogar a douta decisão de 1.ª instância, ao não se socorrer do instituto jurídico de enriquecimento sem causa e ao não considerar por verificados os pressupostos para a aplicação do instituto de responsabilidade civil extracontratual para condenar a Ré e ora Recorrida a pagar ao Autor o valor de € 22.000,00!

c) Tanto mais quando “Os dois institutos podem concorrer na qualificação da mesma situação, parcialmente nos casos de intromissão em bens ou direitos alheios”- vide Acórdão do STJ de 18.12.2012 no Processo 978/10.6TVLSB-A.L1.S1;

d) Mesmo concedendo quanto à nova redacção do PONTO 18 da matéria de facto “O A. obteve a documentação necessária a instruir a escritura pública e apresentou-a junto da instituição bancária para obtenção de crédito bancário”, a interpretação correcta a fazer deste facto é que o A. apenas naquele momento (e não na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda) constatou que a realidade física do imóvel – antecipadamente conhecida pelo A. e Réus – não estava reflectida na documentação necessária a instruir a escritura pública e o empréstimo bancário – esta apenas antecipadamente conhecida dos Réus, designadamente da 2.ª Ré;

e) E mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, o A. tivesse obtido a documentação em momento anterior, a verdade é que desde esse momento e até à escritura pública, novos documentos teriam de ser obtidos, por se impor a adequação do registo predial, participação fiscal e licenciamento municipal à realidade física dos imóveis, tal como publicitada pela Ré, sob pena de se estar a executar uma venda ilegal;

f) Não se podendo ignorar a matéria provada e não impugnada constante dos PONTOS 19, 20 e 21, a saber:

«19 - A habitação em causa, que fisicamente corresponde a um duplex, não tinha sido objecto de qualquer tipo de regularização, quer junto do Condomínio, Câmara Municipal competente, Serviço de Finanças ou Conservatória do Registo Predial

20 - (…) tendo sido realizadas alterações nas fracções que constituem a habitação duplex, ao nível da sua tipologia e outras, mas não tendo o 1.º R diligenciado pelos respectivos registos, averbamentos e/ou licenciamentos;

21 -Situação que veio a ser aferida pelo banco BPI, entidade bancária junto da qual o Autor solicitou empréstimo para aquisição da habitação em causa, e viu ser recusado com esse fundamento;».

g) Relevando a este propósito, a conclusão constante da Douta Sentença recorrida:

«Compulsados os autos porém resulta que o publicitado era um duplex constituído por duas fracções interligadas e transformadas num T3, fazendo depois a descrição do que existia em cada piso, logo não pode CC nem DD promotora imobiliária que promoveu o contacto entre o pai do A. e o 1.º R. pretenderem que promoveram a venda de duas fracções mas sim de um duplex composto por duas fracções interligadas, aliás pela própria testemunha Teresa foi explicado que é mais benéfico e atrativo em termos comerciais promover a venda de um duplex. Sendo que por DD foi esclarecido que pela mesma foi indagado directamente junto do 1.º R. se este quereria vender o apartamento, tendo a 2ª R. promovido assim a venda deste duplex e a venda da fracção do A., no entanto não conseguiram atempadamente vender a fracção do A. e tornou-se necessário o A. recorrer ao empréstimo. Mais esclareceram DD e CC que o contrato foi elaborado por este ultimo e que foi mostrado ao A. tendo sido aditada a clausula 8ª a pedido do A. por indicação de uma familiar. E que quando se tornou necessário recorrer ao crédito, o qual foi negado pelo banco pela discrepância entre a realidade registal e a composição das fracções, até acompanharam o A. e o seu pai ao Novo Banco que é a instituição com que normalmente trabalham mas também não foi possível concessão de empréstimo. O que foi igualmente confirmado pela testemunha EE que também os acompanhou ao Novo Banco. Tendo pela testemunha DD sido referido que tudo fizeram para ajudar o Sr. FF e o filho mas que não foi possível realizar este negocio o que muito lamentava e que nada mais poderiam ter feito para os ajudar e mesmo quanto à devolução do dinheiro o R. Francisco não estava na disposição de devolver a quantia que recebeu, por isso não foi o dinheiro devolvido ao A.» [sublinhado e negrito nosso]

h) Efectivamente, o momento relevante para aferir da falta de correspondência entre a realidade fáctica e a realidade registal do duplex seria sempre o da outorga da escritura pública do contrato prometido ou, in casu, aquando do recurso ao empréstimo bancário;

i) Não sendo imputável ao A. e ora Recorrente a não realização do contrato prometido, em face da desconformidade da documentação com a realidade física do imóvel – tal como publicitado pela Ré mediadora e que a mesma não podia ignorar e cuja regularização incumbia ao promitente vendedor;

j) Resultando inequívoco que é a própria R. e ora Recorrida quem denuncia o facto de se ter de devolver o dinheiro ao aqui Autor e ora Recorrente, por injustificado o seu recebimento em face de uma venda não concretizada;

k) Resultando evidente que, a final, ambos os RR. se locupletaram com valores que bem sabiam não ter justificação para tal;

l) Razão pela qual, outra decisão não poderia resultar que não fosse a de manter a douta sentença recorrida, que decidiu pela condenação dos réus no pagamento ao A. do valor de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), cada um na medida do seu recebimento;

m) Com efeito, e ao contrário do entendimento do Douto Tribunal da Relação, encontram-se verificados todos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa para justificar a condenação da Ré e ora Recorrida no pagamento ao A. e ora Recorrente do valor indevidamente recebido;

n) A causa de pedir não se esgota na ilicitude da actuação da Ré e ora Recorrida; reiterando-se que é a própria Ré quem admite – por confissão – que entregaria ao A. o dinheiro que havia recebido, a título de comissão de uma venda que não se concretizou, por culpa sua;

o) Razão pela qual, deverá o aresto objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que confirme a douta sentença recorrida.

p) Sem conceder, mas admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que não haverá lugar à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, atentos os factos provados nos autos, sempre a Ré e ora Recorrida teria de ser condenada no pagamento ao A. e ora Recorrente da quantia de € 22.000,00, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual;

q) Andou bem o Tribunal da Relação quando refere que: “uma eventual condenação da ré por força do instituto da responsabilidade civil extracontratual não beliscaria o princípio do dispositivo.

Como já se referiu, no âmbito da matéria de direito o tribunal tem liberdade para qualificar a matéria de facto alegada pelas partes ou adquirida no processo, podendo corrigir uma deficiente qualificação jurídica que haja sido fornecida pelas partes, incumbindo-lhe, ainda, analisar os factos alegados pelas partes segundo todas as possíveis qualificações legais.”;

r) Ora, quando o próprio Tribunal da Relação considera que:

“Foi a Ré apelante quem, no exercício da sua atividade de mediação imobiliária, publicitou a venda das duas frações que foram propriedade do 1.º réu e foi também ela quem estabeleceu o contacto entre o autor e o 1.º réu para efeitos de celebração de um contrato promessa de compra e venda. E infere-se do facto provado n.º 24 que entre o 1.º réu e a 2.ª ré foi celebrado um contrato de mediação imobiliária (cfr. artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil). De acordo com o disposto no artigo 2.º/1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro - a qual estabeleceu o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária - a atividade de mediação imobiliária consiste na procura sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis. Nos termos do n.º 2, alínea b), do referido artigo 2.º a atividade de mediação imobiliária consubstancia-se, também, no desenvolvimento da promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. Nos termos do n.º 5 do artigo 2.º considera-se “destinatário” do serviço a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado e nos termos do n.º 6 designada de “cliente” a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária.(...) O vínculo obrigacional principal do mediador consiste na aproximação entre o seu cliente e os possíveis destinatários do negócio mediado, pondo-os em contacto justamente com vista à celebração do negócio jurídico visado pelo cliente do mediador. Donde, uma das suas principais obrigações seja a de publicitar o(s) imóvel o melhor possível a fim de encontrar um interessado na realização do negócio jurídico visado pelo cliente do mediador. Publicitação que deve ser, nos termos do disposto no artigo 17.º/1, alínea c), da Lei n.º 15/2013, verdadeira e clara quanto às características, preço e condições de pagamento, de modo a não induzir em erro os possíveis interessados na celebração do negócio jurídico. O mediador tem também o dever de se informar e certificar, por todos os meios ao seu alcance, da situação dos imóveis nomeadamente se as suas características correspondem àquelas que foram fornecidas pelo seu cliente, como decorre da supra enunciada alínea b). Os deveres que impendem sobre o mediador imobiliário consagrados no artigo 17.º/1 do supra citado diploma legal visam, sobretudo, proteger todos os terceiros interessados no contrato que o cliente da empresa de mediação visa realizar, angariados pela empresa de mediação ou que com ela tenham entrado em contacto com vista à realização do contrato mediado. As normas que consagram aqueles deveres são, portanto, normas de proteção, integrando a sua violação a segunda modalidade de ilicitude prevista no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil - violação da lei que protege interesses alheios (por contraponto à violação de direitos subjetivos de outrem. A categoria de ilicitude em causa - violação de normas de proteção – exige os seguintes pressupostos:

(i) A não adoção de um comportamento definido em termos precisos pela norma;

(ii) Que o fim dessa imposição seja dirigido à tutela de interesses particulares.

(iii) A verificação de um dano no âmbito do círculo de interesses tutelados por esta via.

Em síntese, a violação dos deveres acima referidos (de informação, de diligência e de esclarecimento), quando causadora de danos designadamente ao terceiro que não interveio no contrato de mediação, é suscetível de conduzir à responsabilidade civil da empresa de mediação por via do disposto no artigo 483.º/1, do CPC, na forma de ilicitude “violação da lei que protege interesses alheios”. [sublinhado e negrito nosso]

s) Extraindo-se, assim, das obrigações impostas nas diversas alíneas do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, que a a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres de protecção de interesses alheios, no caso, dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária, poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar – vide Acórdão do STJ, proferido no processo n.º 6686/07.8tbcsc.l1.s1, de 8 de maio de 2013;

t) Ora, in casu, cabia à 2ª R. e ora Recorrida o dever de verificar a correspondência das características do bem que estava a vender e transmiti-las de forma exacta ao comprador, pois que as obrigações inerentes ao exercício da actividade de mediação imobiliária não se encerram na relação mediadora/cliente mas abarcam também os destinatários do serviço de mediação imobiliária;

u) Não se podendo aceitar que, em último caso, existam imóveis que apenas possam ser transaccionados a pronto pagamento, mas já não com recurso a empréstimo bancário, o que era o caso dos presentes autos, como se o facto deste imóvel poder ser vendido a pronto pagamento afastasse a desconformidade existente entre a realidade física e a documental, que consubstancia uma ilegalidade;

v) Facto que a R. e ora Recorrida não podia olvidar, aliás, da factualidade provada constata-se que esta não procedeu em conformidade com a obrigação a que está adstrita, na medida em que: - Não se certificou da correspondência entre as características do imóvel e as que publicitou, nomeadamente pela consulta das cadernetas prediais e titulo constitutivo da propriedade horizontal dado que estava ciente de que mediava a compra e venda de um imóvel composto por duas fracções que haviam sido intervencionadas e unidas formando o duplex;

w) Conforme anúncio da própria R. e ora Recorrida, que publicitou a venda das fracções como:

«Duplex à venda em ...; 143 m2 construídos , 120m2 úteis, T3, 3 casas de banho, Lugar de garagem incluído no preço, armários embutidos, prédio com elevador, ar condicionado, piscina, »(…) E como «Comentário do anunciante “2 apartamentos completamente remodelados e transformados em T3 Duplex. Com entradas independentes. Sala em open-space com cozinha completamente equipada; 3 quartos, um deles em suite, 3 casas de banho; Todas as divisões com ar condicionado; 2 varandas com vista mar, 3 garagens box, primeira linha de praia, acesso fácil , a 30 metros da praia do ouro em ....».

x) Aliás, no Douto acórdão ora recorrido é admitido o seguinte:

“A publicidade acima descrita é, no mínimo, ambígua pois que embora faça referência a “dois apartamentos, com entradas independentes”, também anuncia que aquilo que está para venda é um um T3 duplex, com sala em open-space com cozinha completamente equipada, 3 quatros, um deles em suite, 3 casas de banho, duas varandas com vista mar, 3 garagens box”; ou seja, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, era razoável entender que aquilo que estava a ser publicitado para venda era um único imóvel de tipologia T3. Assim, perante tal publicidade e não resultando dos autos que previamente à assinatura do contrato a ré tenha comunicado ao autor a real situação jurídica dos imóveis, parece-nos manifesto que a ré incumpriu deveres legais de informação e esclarecimento, assim ficando preenchido o pressuposto da ilicitude necessário à sua responsabilização ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual.” [negrito e sublinhado nosso]

y) Ora, se o Tribunal da Relação de Évora considerou por preenchido o pressuposto da ilicitude em relação à actuação da Ré e ora Recorrida, e considerando que da actuação ilícita desta resultou um dano - perda de sinal pago para compra de um imóvel que jamais se poderia concretizar, pelo menos, com recurso a empréstimo bancário - para o aqui A. e ora Recorrente;

z) Deveria ter considerada como estabelecida a causa-efeito necessária para a condenação da Ré e ora Recorrida no pagamento ao A. e ora Recorrente do valor de € 22.000,00, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil por facto ilícito;

aa) Não se podendo conformar o A. e ora Recorrente que este Douto Tribunal da Relação de Évora assim o não tenha decidido, tão somente porque do contrato promessa de compra e venda constava como identificadas duas fracções autónomas, ignorando a factualidade trazida aos presentes autos e à prova testemunhal produzida;

bb) Pelo que à pergunta colocada pelo Tribunal da Relação:

“terão sido aquela publicidade ambígua e o facto de a ré não ter alertado o autor, previamente à assinatura do contrato promessa, da real situação jurídica do apartamento publicitado relevantes para a consumação dos efeitos decorrentes do contrato- promessa, ao nível da prestação do sinal? Dito de outra forma, foi por causa da publicidade equívoca publicada pela ré e da falta de comunicação, antes da assinatura do contrato promessa, da real situação jurídica da habitação duplex anunciada que o autor veio a celebrar o contrato promessa e a despender a quantia de 38.000,00€ com o respetivo sinal?”

cc) A resposta é inequivocamente SIM;

dd) Pelo exposto, o Douto Acórdão recorrido enferma de violação da lei substantiva, por ter feito uma errada aplicação do direito por referência aos artigos 473.º e/ou 483.º do Código Civil;

ee) Devendo o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora ser revogado e substituído por outro que venha confirmar a douta sentença recorrida, condenando a aqui R. e ora Recorrida no pagamento ao A. e ora Recorrente do valor de € 22.000,00, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa;

ff) E, caso assim não entenda, decidir por douto acórdão que condene a aqui R. e ora Recorrida no pagamento ao A. e ora Recorrente do valor de € 22.000,00, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputável àquela;

gg) Devendo assim, o presente Recurso proceder.

Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, deverão dar provimento à revista, revogando o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora e substituindo por outro que

a) mantenha a Douta Sentença recorrida

ou sem conceder

b), condene a R. e ora Recorrida no pagamento ao A. e ora Recorrente do valor de € 22.000,00 com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito,

Condenando-se, em qualquer caso, a Recorrida nas custas.

Com o que farão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!

9. A Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda.. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

10. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1ª–A pretensão do Apelante em relação à Apelada, seja ela baseada no enriquecimento sem causa ou na responsabilidade civil extracontratual, não tem qualquer fundamento, nem factual, nem legal, pelo tem de improceder, como muito bem decidiu o douto acórdão sub judice.

2ª – Do ponto de vista legal, para que haja enriquecimento sem causa, é necessário que se verifiquem os pressupostos previstos no art 473 do Código Civil, ou seja, tem, cumulativamente, de existir um enriquecimento de alguém, a inexistência de qualquer causa para tal enriquecimento e um correspondente empobrecimento que tenha sido causado à custa do dito enriquecimento.

3ª – No caso dos autos, e como bem refere o douto acórdão sub judice, está provada a causa do enriquecimento da Apelada, enriquecimento esse que proveio da relação obrigacional que esta estabeleceu com o 1º Réu e do serviço que lhe prestou (ponto 24 dos factos assentes), pelo que nunca poderia a Apelada ser condenada no pagamento ao Apelante de qualquer quantia ao abrigo deste instituto.

4ª – Ainda que assim não fosse, de acordo com o disposto no art. 474 do Código Civil, o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa apenas pode ter lugar, quando não haja outra forma ou outro instituto a que se possa recorrer, o que não é o caso dos autos, já que o Apelante teria sempre ao seu dispor a possibilidade de recorrer ao instituto da responsabilidade civil extracontratual (art. 483 do Código Civil).

5ª - O facto de não de verificarem os requisitos para que a Apelada pudesse ser condenada ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual, por não haver facto ilícito e culposo ou por não haver nexo de causalidade, não significa que o Apelante não pudesse recorrer a esse instituto, e essa possibilidade preclude a de fazer uso do instituto do enriquecimento sem causa.

6ª – A Apelada não é responsável pelo pagamento ao Apelante de qualquer quantia ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual (art. 483 do Código Civil), já que não praticou qualquer facto ilícito e culposo, não tendo, nomeadamente incumprido qualquer dever de informação ou de esclarecimento em relação a este.

7ª - No contrato promessa de compra e venda que o Apelante assinou estavam claramente identificadas as duas frações objeto do contrato prometido (pontos 10 e 11 dos factos assentes), ou seja, as “frações “AL” e “AT” para habitação, sitas na Avenida dos ..., Edifício ..., ... ..., na freguesia de ...”, pelo que o Apelante teve o exato conhecimento do que ia adquirir, ou seja, as duas referidas frações autónomas e não uma só que resultasse da sua unificação.

8ª - Não há igualmente qualquer nexo de causalidade entre uma alegada conduta ilícita da Apelada e os danos reclamados pelo Apelante, já que a alegada falta de informação por parte da Apelada ou a publicitação que fez da venda do imóvel não foi a causa adequada a produzir os danos que o Apelante alega ter sofrido.

9ª – Como muito bem refere a este respeito o douto acórdão sub judice:“Logo, bastava uma leitura do contrato promessa - e não resulta dos autos que o autor não tivesse lido o contrato promessa ou que não tivesse tido a oportunidade de o fazer – para que o autor constatasse que o objeto da prometida compra e venda eram duas frações autónomas distintas” (…) “ou seja, se até ao momento da assinatura do contrato promessa o autor poderia estar equivocado da situação jurídica da habitação duplex, julgando que se tratava de uma única fração autónoma de tipologia T3, a partir do momento em que teve acesso ao contrato-promessa - e sublinha-se, não resulta do autos que o autor não tenha lido o contrato-promessa ou que não tivesse tido oportunidade de o fazer -, tornou-se cognoscível a situação jurídica da habitação que foi publicitada pela Ré, ou seja, que o objeto da prometida compra e venda eram duas frações autónomas e não uma habitação duplex de tipologia T3. Por conseguinte, se apesar disso, o autor assinou o contrato promessa e pagou o sinal nos termos acordados, não pode vir agora invocar a violação dos deveres legais de informação e de comunicação da ré para fundamentar a restituição daquilo que pagou”. (sublinhados nossos).

10ª - O acórdão sub judice, não enferma de qualquer vício, não violou quaisquer normas, nomeadamente as constantes dos artigos 473 e 483 do Código Civil, tendo feito uma correta apreciação dos factos e uma não menos correta aplicação do Direito, devendo ser mantido na integra.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao presente recurso devendo, em consequência, o acórdão sub judice ser mantido na íntegra.

Assim se fará JUSTIÇA!

11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questões a decidir, in casu, consistem em determinar:

I. — se a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., tem a obrigação de indemnizar o Autor AA pelo dano decorrente da conclusão do contrato-promessa de compra e venda;

em caso de resposta negativa,

II. — se a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., tem a obrigação de restituir ao Autor AA o enriquecimento resultante de lhe ter sido transmitida parte do sinal entregue pelo Autor ao 1.º Réu BB.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

12. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1 - Em 29.09.2019, estava inscrita a favor do A. a aquisição das frações autónomas designadas pelas letras “AT” e ”AL”, correspondentes aos 7.º B e 6.º B, respetivamente, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida dos ... e Rua ... da freguesia de ... e concelho de ....

2- A 2.ª Ré PARTILHAR FÁCIL - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., no exercício da atividade, foi a empresa que publicitou a venda das frações descritas no artigo anterior como «Duplex à venda em ...; 143 m2 construídos, 120m2 úteis, T3, 3 casas de banho, Lugar de garagem incluído no preço, armários embutidos, prédio com elevador, ar condicionado, piscina, (…)».

3- E como «Comentário do anunciante “2 apartamentos completamente remodelados e transformados em T3 Duplex. Com entradas independentes. Sala em open-space com cozinha completamente equipada; 3 quatros, um deles em suite, 3 casas de banho; Todas as divisões com ar condicionado; 2 varandas com vista mar, 3 garagens box, primeira linha de praia, acesso fácil, a 30 metros da praia do ouro em ....”.

4- FF, pai do A. realizou com CC, diretor da 2ª R. uma visita ao imóvel.

5 - (…) constatando que o imóvel – publicitado como duplex - compunha-se de dois andares, ligados entre si por escada interior, sendo o piso superior, composto por sala, cozinha, terraço e uma casa de banho e o piso inferior por quartos e casas de banho.

6- A composição e a distribuição interior do imóvel duplex aliadas à localização geográfica e ao preço de venda do imóvel, transmitidas pelo pai do A. e verificadas mais tarde pelo A. que se deslocou ao apartamento com o seu pai, determinaram a formação da vontade do aqui Autor em adquirir tal habitação.

7- Após o que, CC apresentou, em ........2019, ao Autor o documento “Reserva de Compra”, pretendendo com o mesmo assegurar a entrega pelo A. a título de reserva e princípio de pagamento da compra do valor de 38.000,00 correspondente a 10% do valor da compra (380.000,00).

8- Documento que o A. não aceitou e não assinou.

9- A 2.ª Ré vem a estabelecer o contacto entre o Autor e o proprietário da habitação, para efeitos de celebração de um contrato promessa de compra e venda.

10- Nessa sequência, o Autor veio a assinar, em 29.09.2019, o contrato promessa de compra e venda com o 1.º Réu BB, representado naquele ato por GG, na qualidade de procuradora, conforme Procuração exibida para o efeito.

11- Resulta de tal contrato que: «Cláusula primeira – A Primeira Outorgante é única e legítima proprietária e legítima proprietária e possuidora das frações “AL” e “AT” para habitação, sitas na Avenida dos ..., Edifício ..., ... ..., na freguesia de ..., inscritos na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2479 e descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob número 744/20080505 e com a autorização de utilização n.º 122 emitida pela Camara Municipal de ... em 10.05.1999».

12 - (…) «Clausula segunda – Pelo presente contrato a Primeira Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante e este promete comprar o imóvel identificado na clausula anterior livre de qualquer ónus ou encargos».

13- O Autor obrigou-se a comprar pelo preço de € 380.000,00 a liquidar do seguinte modo:

14- (…) «Cláusula quarta – No ato da assinatura deste Contrato, o Segundo Outorgante entrega à Primeira Outorgante o valor de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), por transferência bancária para a conta IBAN: PT.. .... .... .... .... ..... com o Code Swift/Bic: em nome da Primeira Outorgante do Novo Banco.».

15- (…) «Cláusula quinta – Na data da realização da escritura pública de compra e venda o Segundo Outorgante pagará à Primeira Outorgante o remanescente do preço, cujo valor é de € 342.000,00 (trezentos e quarenta e dois mil euros) através de cheque bancário em nome da Primeira Outorgante ou, por qualquer outro meio».

16- Nos termos acordados, o Autor efetuou o pagamento de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, ao 1.º Réu, por meio de transferência bancária para a conta bancária identificada no contrato.

17- Da Cláusula Sexta do contrato referido em 12) resulta que «a) a escritura pública de compra e venda será outorgada até dia 30 de Dezembro de 2019 em nome do Segundo Outorgante; b) Será da responsabilidade do Segundo outorgante a sua marcação assim como a comunicação à Primeira Outorgante da data, hora e local onde a mesma irá ter lugar, através de carta registada com aviso de receção a remeter para a morada referida neste contrato como residência ou por qualquer outro meio de comunicação aceite entre as partes, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias; c) Até essa data e sempre que tal seja solicitado deverá a primeira Outorgante fornecer ao Segundo Outorgante toda a documentação necessária à efetivação da mesma, bem assim como cópias dos seus documentos de identificação pessoal»;

18 - O A. ao obter a documentação necessária a instruir a escritura publica e ao apresentá-la junto da instituição bancária para obtenção de crédito bancário confrontou-se com o teor dos documentos, nomeadamente certidão de registo predial e caderneta predial, constatando que a habitação não constava como duplex.

19- A habitação em causa, que fisicamente corresponde a um duplex, não tinha sido objeto de qualquer tipo de regularização junto do Condomínio, Câmara Municipal competente, Serviço de Finanças ou Conservatória do Registo Predial.

20- (…) tendo sido realizadas alterações nas frações que constituem a habitação duplex, ao nível da sua tipologia e outras, mas não tendo o 1.º R diligenciado pelos respetivos registos, averbamentos e/ou licenciamentos.

21- Situação que veio a ser aferida pelo Banco BPI, entidade bancária junto da qual o Autor solicitou empréstimo para aquisição da habitação em causa, e viu ser recusado com esse fundamento.

22- O Autor enviou ao 1.º Réu, na pessoa da sua representante e procuradora GG, carta registada com aviso de receção remetida em 10.12.2019, de onde consta que «as frações em causa sofreram alterações (tipologia e outras) que não se encontram registadas e/ou licenciadas. Tal facto, da única e exclusiva responsabilidade do proprietário, aqui promitente vendedor, é impeditivo de concretização do contrato prometido (….) Deste modo, considerando-se para todos os efeitos por não cumprida a obrigação do promitente vendedor, tendo o direito potestativo de resolução do contrato promessa de compra e venda e, em consequência, exigir que me seja devolvido, no prazo máximo de 15 dias, o sinal que já entregámos (€ 38.000,00) acrescido de igual quantia, o que perfaz um total de € 76.000,00 (setenta e seis mil euros)».

23- Na ausência de qualquer notícia, veio ainda, em 27.01.2020, o Autor a reiterar o teor dessa carta por mail endereçado ao 1.º Réu, obtendo uma resposta pela mesma via, de onde consta «Infelizmente a maioria do dinheiro está com H... ...... e eles não querem devolver. Então eu não posso devolver o que não tenho».

24- Do valor de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), pago pelo A. a título de sinal, foram entregues à 2ª R. € 22.000,00, a título de comissão, ficando o 1.º R. com os restantes € 16.000,00.

25- O 1.º Réu colocou a habitação, objeto dos presentes autos e do contrato-promessa supra referido, à venda numa outra imobiliária (I.........), e quem promoveu e mediou esse negócio foi essa outra agência imobiliária que não a 2.ª Ré.

26- Tendo sido vendidas as frações “AL” e “AT” a HH e II, conforme registo datado de 14.02.2020.

27- A aquisição das frações AL e AT pelo 1.º R. mostra-se registada em 26.11.2016.

28- Da cláusula 8 do contrato promessa resulta que «O incumprimento do presente contrato implica, nos termos legais, a restituição do sinal em dobro ou a perda do mesmo, caso o incumprimento seja imputável à primeira Outorgante ou ao segundo outorgante, respetivamente, sem prejuízo do recurso ao direito à execução especifica nos termos do art.º 830 Código Civil».

13. Em contrapartida, o Tribunal de 1.º instância deu como não provado o facto seguinte: — que foi entregue à 2ª Ré pelo 1.º Réu a totalidade da quantia de € 38.000,00.

14. O Tribunal da Relação alterou a redacção do facto dado como provado sob o n.º 18

I. — de O A. ao obter a documentação necessária a instruir a escritura publica e ao apresentá-la junto da instituição bancária para obtenção de crédito bancário confrontou-se com o teor dos documentos, nomeadamente certidão de registo predial e caderneta predial, constatando que a habitação não constava como duplex;

II. — para O A. obteve a documentação necessária a instruir a escritura publica e apresentou-a junto da instituição bancária para obtenção de crédito bancário.

O DIREITO

15. A primeira questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em averiguar se a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., tem a obrigação de indemnizar o Autor AA pelo dano decorrente da conclusão do contrato-promessa de compra e venda.

16. Os factos dados como provados sob os n.ºs 13 e 14 contêm um indício no sentido de que deva dar-se-lhe uma resposta negativa.

17. O acórdão recorrido explica que,

“na cláusula primeira do contrato promessa o objeto da prometida compra e venda surgir claramente identificado como duas frações autónomas. Com efeito, no contrato promessa o objeto prometido vender/comprar surge descrito da seguinte forma: «frações ‘AL’ e ‘AT’ para habitação, sitas na Avenida dos ..., Edifício ..., ... ..., na freguesia de ..., inscritos na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2479 e descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob número 744/20080505 e com a autorização de utilização n.º 122 emitida pela Camara Municipal de ... em 10.05.1999». Logo, bastava uma leitura do contrato promessa – e não resulta dos autos que o autor não tivesse lido o contrato-promessa ou que não tivesse tido a oportunidade de o fazer - para que o autor constatasse que o objeto da prometida compra e venda eram duas frações autónomas distinta”..

18. O facto dado como provado sob o n.º 18, com a redacção que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação, confirma o indício contido nos factos dados como provados sob os n.ºs 13 e 14.

19. A responsabilidade da 2.ª Ré pelos danos causados ao Autor seria uma responsabilidade, como mediadora, pela violação de deveres de esclarecimento e/ou de informação e, entre os requisitos da responsabilidade pela violação de deveres de esclarecimento ou de informação, está o requisito da causalidade.

20. O artigo 563.º do Código Civil, aplicável a toda a obrigação de indemnização, analisa o requisito da causalidade, decompondo-o em dois critérios.

O primeiro corresponde ao chamado critério da condicionalidade — só deve ser considerado como causa aquele facto que, em concreto, tenha provocado aquele dano, como sua condição sine qua non — e o segundo corresponde ao critério da adequação — só deve ser considerado como causa aquela condição sine qua non que, em abstracto, segundo a sua natureza geral, seja adequada ou apropriada para provocar aquele dano 1.

21. Ora, em concreto, não está provado que aquele facto, que aquela concreta violação de deveres de esclarecimento e de informação, tenha provocado aquele dano, como sua condição sine qua non.

22. O Autor, no momento da conclusão do contrato-promessa de compra e venda, conhecia ou, em todo o caso, estava em condições de conhecer a diferença entre o teor das declarações da 2.ª Ré e o teor dos documentos necessários para a obtenção de crédito.

23. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, dir-se-á que,

“se até ao momento da assinatura do contrato promessa o autor poderia estar equivocado quanto à efetiva situação jurídica da habitação duplex, julgando que se tratava de uma única fração autónoma de tipologia T3, a partir do momento em que tem acesso ao contrato promessa […] , tornou-se cognoscível a situação jurídica da habitação que foi publicitada pela ré, ou seja, que o objeto da prometida compra e venda eram duas frações autónomas e não uma habitação duplex de tipologia T3. Por conseguinte, se apesar disso, o autor assinou o contrato promessa e pagou o sinal nos termos acordados, não pode vir agora invocar a violação dos deveres legais de informação e de comunicação da ré para fundamentar a restituição daquilo que pagou”.

24. Em diferentes palavras, ainda que insistindo em igual pensamento:

Se, no momento da conclusão da contrato-promessa, o Autor conhecia ou estava em condições de conhecer a diferença não pode dar-se como provado que a ambiguidade das declarações da 2.ª Ré fosse condição sine qua non da conclusão do contrato-promessa — e, se não pode dar-se como provado que a ambiguidade das declarações da 2.ª Ré fosse condição sine qua non da conclusão do contrato-promessa, não pode dar-se como provado que fosse condição sine que non do dano decorrente da conclusão da promessa de venda.

25. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., não tem a obrigação de indemnizar o Autor AA pelo dano decorrente da conclusão do contrato-promessa de compra e venda.

26. A segunda questão consiste em averiguar se se a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., tem a obrigação de restituir ao Autor AA o enriquecimento resultante de lhe ter sido transmitida parte do sinal entregue pelo Autor ao 1.º Réu BB.

27. O acórdão recorrido considerou que a questão do enriquecimento sem causa da 2.ª Ré não tinha sido suscitada na petição inicial e que, não tendo sido suscitada na petição inicial, não devia ter sido apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância.

28. O ponto fulcral dos argumentos deduzidos pelo acórdão recorrido é a distinção entre as pretensões deduzidas contra o 1.ª Réu e contra a 2.ª Ré — contra o 1.º Réu teria sido invocada a responsabilidade civil e subsidiariamente o enriquecimento sem causa; contra a 2.ª Ré, só a responsabilidade civil.

29. Em primeiro lugar, o acórdão recorrido chama a atenção para que a diferença entre as duas causas de pedir decorrida dos termos em que estava redigida a petição inicial:

“… se no que respeita ao 1.º réu o autor funda aquele pedido subsidiário no instituto do enriquecimento sem causa [alegando que tendo o contrato promessa sido resolvido por incumprimento imputável ao 1.º réu, «deixou de existir causa justificativa para o recebimento por parte deste do valor de 38.000,00€ e nessa medida o 1.º réu sempre teria a obrigação de restituir aquele valor, devendo ser condenado no pagamento de 38.000,00€ ao autor» (vd. artigos 57.º a 60.º da PI)], já no que respeita à 2.ª ré (ora apelante) o autor alegou o seguinte: «foi a 2.ª ré quem promoveu a venda do imóvel, que não se concretizou, também por culpa sua, quando anuncia e publicita a venda de uma habitação duplex, gerando expectativas e criando a convicção no promitente comprador, aqui autor, que tal imóvel se encontrava regularizado e legalizado, quando bem sabia que publicitava um duplex a que correspondiam duas frações autónomas interligadas entre si por escada colocada no seu interior, sem que tal realidade estivesse refletida na certidão de registo predial, caderneta predial ou no título constitutivo da propriedade horizontal. Isto é, resultando numa publicitação enganosa!» (cfr. artigos 62.º, 63.º, 64.º e 65.º da PI)”.

30. Em segundo lugar, o acórdão recorrido chama a atenção para que a diferença entre as duas causas de pedir em nada tinha sido alterada pelo articulado de aperfeiçoamento da petição inicial — em que “[…] o autor alegou ainda que:

- «(…) a 2.ª ré foi a mediadora imobiliária que intermediou o negócio entre o autor e o 1.º réu, que culminou na celebração do contrato-promessa de compra e venda, pelo qual o autor entregou o sinal ao 1.º Réu» (artigo 10.º);

- «(…) a prometida venda pelo promitente vendedor – aqui 1.º réu – da habitação duplex em causa, tendo intervenção de imobiliária, a aqui 2.ª ré, implicou para esta um especial dever lateral ou acessório de promover pela regularização e legalização do imóvel. Entendendo o A. que a 2.ª ré violou este específico dever» (artigos 11.º e 12.º);

- E, ainda, violou o dever de informação necessário à concretização do negócio objeto do contrato (…). Ambos os réus bem sabiam, que àquelas duas frações (objeto do contrato promessa) correspondia na realizada a habitação duplex em resultado das profundas e substanciais obras realizadas nas mesmas. E, ainda, bem sabiam os réus, em especial a 2.ª ré, que tais obras não haviam sido legalizadas e/ou regularizadas como habitação duplex correspondente à realidade física do imóvel, ao contrário, do que a 2.ª ré publicitara»;

- «Nem tão pouco a 2.ª Ré informou o aqui Autor, previamente à assinatura do contrato-promessa de compra e venda, da situação real jurídica do imóvel, isto é, que o mesmo não estava registado, inscrito, legalizado como habitação duplex, ao contrário do publicitado. (…). E em consequência determinou o incumprimento definitivo de tal obrigação (…)»;

- «Sendo a responsabilidade da 2.ª Ré solidária com a do promitente vendedor (1.º Réu), cabe a esta a reparação do dano ao autor, até ao valor do sinal em singelo. Razão pela qual o A. reclama para si o pagamento de indemnização correspondente ao valor do sinal pago, de 38.000,00€»”.

31. Em conclusão, o acórdão recorrido diz que,

“[p]or aqui se vê que naquilo que respeita à ré/apelante o autor não estruturou o pedido contra ela deduzido no instituto do enriquecimento sem causa, mas sim no instituto da responsabilidade civil quer por a ré não ter diligenciado pela harmonização do título da propriedade horizontal, do registo e da inscrição predial dos imóveis objeto do contrato com a realidade física dos mesmos (transformados num único apartamento ligadas entre si por uma escada interior), quer por ter publicitado o imóvel de forma enganosa, quer ainda por não ter comunicado ao autor, antes da assinatura do contrato-promessa, a discrepância entre a realidade física das frações e a sua situação registral, predial e constante do título constitutivo da propriedade horizontal”.

32. Em reforço dos argumento deduzidos estaria a circunstância de,

“na petição inicial, o autor [ter alegado], inclusive, que a ré recebeu do 1.º réu o valor de 38.000,00€ ‘a título de comissão’ (cfr. artigo 36.º da PI), isto é, invocou uma causa jurídica para o recebimento daquele valor por banda da ré. Por conseguinte, a condenação da ré ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa extravasa[ria] o âmbito da causa de pedir tal como configurada pelo autor”.

33. Em todo o caso, ainda que a questão do enriquecimento sem causa da 2.ª Ré devesse ter sido apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância, por não extravasar do âmbito da causa de pedir, sempre o acórdão recorrido dizia que a resposta a dar-lhe deveria ter sido negativa:

“Está provado que o autor pagou ao 1.º réu, a título de sinal, o montante de 38.000,00€ e desse valor pelo 1.º réu foi entregue à 2ª ré o montante de 22.000,00€, a título de comissão (ficando o 1.º réu com os restantes 16.000,00 € (cfr. facto provado n.º 24). Ou seja, a entrega à ré do valor de 22.000,00€, pelo 1.º réu, correspondeu à execução de um programa obrigacional, a saber, o pagamento da comissão devida pela intermediação acordada entre ambos. Logo, da matéria de facto provada não só não resulta a falta de causa para aquela deslocação patrimonial para a esfera jurídica da ré como se provou a causa jurídica concreta para a mesma. Logo, a pretensão do autor relativamente à ré não podia sequer ter abrigo no instituto do enriquecimento sem causa”.

34. Entrando na apreciação dos argumentos deduzidos pelo acórdão recorrido, dir-se-á o seguinte:

35. O pedido subsidiário deduzido pelo Autor, agora Recorrente, foi o de que os Réus fossem condenados solidariamente no pagamento de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros).

Em relação ao 1.º Réu, o Autor deduziu como fundamento da sua pretensão ao pagamento de 38000 euros o enriquecimento sem causa. Em relação à 2.ª Ré, o Autor deduziu dois fundamentos da sua pretensão — em primeira linha, i.e, a título principal, a responsabilidade civil e, em segunda linha, i.e., a título subsidiário, o enriquecimento sem causa. O 1.º Réu teria a obrigação de restituir por ter ficado directa ou imediatamente enriquecido. O Autor constituiu em seu favor o sinal, por causa de um contrato-promessa que não foi cumprido, por facto não imputável a nenhuma das partes. A 2.ª Ré, essa, teria a obrigação de restituir por ter ficado indirecta ou mediatamente enriquecida 2.

36. Embora as alegações do Autor, agora Recorrente, sejam tudo menos claras, considera-se que o pedido de condenação da 2.ª Ré no pagamento de 38000 euros podia ser qualificado como um pedido de restituição daquilo que a 2.ª Ré tinha recebido.

37. O argumento deduzido pelo Tribunal da Relação de que, “na petição inicial, o autor alegou, inclusive, que a ré recebeu do 1.º réu o valor de 38.000,00€ ‘a título de comissão’ (cfr. artigo 36.º da PI), isto é, invocou uma causa jurídica para o recebimento daquele valor”, não é só por si suficiente.

38. O artigo 473.º, n.º 2, do Código Civil esclarece que “[a] obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”; daí que a circunstância de o Autor, agora Recorrente, ter alegado que a 2.ª Ré, agora Recorrida, recebeu uma quantia a título de comissão, invocando uma causa jurídica para o recebimento daquele valor, seja compatível com a circunstância de pedir a restituição do valor que a 2.ª Ré, agora Recorrida, teria recebido.

39. Com efeito, ainda que a atribuição patrimonial feita pelo 1.º Réu à 2.ª Ré tivesse tido uma causa justificativa, sempre a sua causa justificativa teria deixado de existir.

40. Ou seja: embora as alegações do Autor, agora Recorrente, sejam tudo menos precisas e rigorosas, considera-se que a causa de pedir da restituição de 38000 euros podia ser encontrada no enriquecimento sem causa.

41. O 1.º Réu teria a obrigação de restituir a quantia recebida como sinal, por tal quantia ter sido recebida em vista de um efeito que não se verificou, por facto não imputável a nenhuma das partes e a 2.ª Ré teria a obrigação de restituir a quantia recebida como comissão, por tal quantia ter sido recebida por virtude de uma causa que deixou de existir.

42. O facto constitutivo da obrigação de restituição da 2.ª Ré consistia na circunstância de ter recebido uma quantia que não deveria ter recebido — uma comissão por um negócio, por uma venda, que não se realizou (que não chegou a realizar-se).

43. Esclarecido que deve conhecer-se da questão do enriquecimento sem causa, deverá averiguar-se se estão preenchidos os requisitos da obrigação de restituição.

44. O artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil determina que “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

45. O requisito de que os Réus tenham enriquecimento e o requisito de que tenham enriquecido à custa do Autor não causam qualquer dificuldade, encontrando-se preenchidos.

46. O requisito da ausência de causa justificativa, ou da falta de causa justificativa, esse, remete-nos para o conceito de causa, ou de causa justificativa, e o conceito de causa justificativa é um conceito indeterminado 3 — remete-nos para os “critérios legais definidores de uma correcta ordem ou ordenação dos bens” 4.

47. Ora os critérios legais definidores de uma correcta ordem ou de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico — e, como os critérios legais definidores de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico, o requisito da falta de causa justificativa significa, em última análise, “uma remissão para o resto do ordenamento” 5.

48. O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, constantemente, que

“[a] noção de falta de causa do enriquecimento é… muito controvertida e difícil de definir, inexistindo uma fórmula unitária que sirva de critério para a determinação exaustiva das hipóteses em que o enriquecimento deve considerar-se privado de justa causa” 6.

49. Entre os pontos mais ou menos consensuais estão o de que a ausência de causa justificativa põe um problema de interpretação e de integração da lei 7 e o de que, através da interpretação e da integração da lei, há-de determinar-se, “em cada caso concreto, ‘se o ordenamento jurídico […] acha ou não legítimo que o beneficiado […] conserve [o enriquecimento]” 8.

50. Como se diz, p. ex., nos acórdãos de 28 de Junho de 2011 — processo n.º 3189/08.7TVLSB.L1.S1 —, de 29 de Abril de 2014 — processo n.º 246/12.9T2AND.C1.S1 — ou de 3 de Maio de 2018 — processo n.º 175/05.2TBALR.E1.S1 —

“[o] eixo directriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa”.

51. O acórdão recorrido argumenta que

“… a entrega à ré do valor de 22.000,00€, pelo 1.º réu, correspondeu à execução de um programa obrigacional, a saber, o pagamento da comissão devida pela intermediação acordada entre ambos. Logo, da matéria de facto provada não só não resulta a falta de causa para aquela deslocação patrimonial para a esfera jurídica da ré como se provou a causa jurídica concreta para a mesma. Logo, a pretensão do autor relativamente à ré não podia sequer ter abrigo no instituto do enriquecimento sem causa”.

52. Em contraste com o acórdão recorrido, considera-se que a circunstância de a matéria de facto provada indicar uma causa jurídica concreta para a deslocação patrimonial é insuficiente para que se decida se a pretensão do Autor relativamente à 2.ª Ré podia ou não podia sequer ter abrigo no instituto do enriquecimento sem causa.

53. O requisito da ausência de causa sempre resultaria de a causa ter deixado de existir, ou de o efeito em vista do qual foi realizada a prestação não se ter verificado.

54. Em concreto, a causa jurídica concreta da deslocação patrimonial deixou de existir — o contrato de compra e venda não chegou a concluir-se, por facto não imputável a nenhuma das partes — e a razão justificativa de a causa jurídica concreta da atribuição patrimonial ter deixado de existir está ainda ligada à esfera de risco da 2.ª Ré.

55. O risco de as alterações nas fracções que constituíam a fracção duplex, objecto do contrato de compra e venda, impedirem a obtenção do crédito deveria ser suportado pelos 1.º e 2.º Réus: deveria ser suportado pelo 1.º Réu, por ter decidido concluir um contrato de compra e venda de uma fracção adaptada ou modificada sem ter regularizado a sua situação; e deveria ser suportado pela 2.ª Ré, por ter decidido mediar a conclusão de um contrato de compra e venda de uma fracção adaptada ou modificada sem ter comunicado ao Autor que a sua situação não estava regularizada (ainda que conhecesse ou devesse conhecer que a circunstância era relevante para a concretização do negócio visado).

56. Em consonância com uma correcta ordenação jurídica dos bens, a quantia recebida pela 2.ª Ré, agora Recorrida, como comissão, deveria ser restituída ao Autor, agora Recorrente. Em consequência, o requisito da ausência de causa justificativa encontra-se preenchido.

57. A 2.ª Ré, agora Recorrida, sugere nas suas contra-alegações que o seu enriquecimento foi, tão-só, indirecto e que, tendo sido tão-só indirecto, a restituição está excluída pela requisito da imediação.

58. O requisito da imediação 9, ou da unidade do procedimento de enriquecimento 10, significa que, entre empobrecimento e enriquecimento, não deve encontrar-se um facto intermédio 11 ou, em todo o caso, não deve encontrar-se um património intermédio, de terceiro 12.

59. O seu alcance é, em todo o caso, algo de controvertido 13 14.

60. Constatando a controvérsia, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2006 — processo n.º 06A825 — diz expressamente que “[n]ão é possível inferir com segurança das normas que regulam o instituto do enriquecimento sem causa — arts. 473.º a 482.º do Código Civil — que a lei faça da imediação um requisito geral desta figura” 15.

61. Entre os dois pólos — entre os dois pólos extremos —, a doutrina e a jurisprudência portuguesas tendem a abandonar os critérios mais simples, de aplicação automática ou quase-automática, como sejam a regra da ausência de um facto intermédio ou a regra da ausência de um património intermédio, em favor de critérios mais complexos 16, por que se exige uma ponderação global 17 ou uma valoração global 18, orientada, p. ex., pelo comum sentimento de justiça 19.

62. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1998 — processo n.º 97A354 — enunciou os critérios, mais complexos, aplicáveis aos casos em que as atribuições patrimoniais sejam só indirectas ou mediatas em termos de uma regra e de uma excepção.

63. Em primeiro lugar, enunciou a regra — o enriquecimento há-de ser directa ou imediatamente obtido à custa do empobrecido 20 — e, em segundo lugar, a excepção — exceptua-se os casos em que o requisito da imediação conflitue com o comum sentimento de justiça 21.

64. Os dois critérios foram aplicados, p. ex., pelos acórdãos de 30 de Maio de 2006 — processo n.º 06A825 —, de 16 de Novembro de 2006 — processo n.º 06B3568 —, de 12 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08A3714 —, de 31 de Janeiro de 2019 — processo n.º 89/16.0T8VGS.P1.S2 —, e de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 593/14.5TBTNV.E2.S2.

65. O acórdão de 16 de Novembro de 2006 afirma que, ainda que a regra seja a imediação, “sempre se deve admitir que uma atribuição patrimonial indirecta deve fundamentar a restituição do injustamente locupletado, sob pena da exigência da deslocação patrimonial directa se mostrar excessiva, conduzindo a soluções que chocam o comum sentimento de justiça” e o acórdão de 6 de Junho de 2019 confirma, em termos em quase tudo semelhantes, que

“a atribuição patrimonial indirecta pode justificar a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, de modo a evitar casos que, por falta da imediação, ficariam juridicamente desprotegidos e chocariam o ‘comum sentimento de justiça’” 22.

66. Ora, em concreto, o enriquecimento do 1.º Réu e o enriquecimento da 2.ª Ré há uma diferença. O enriquecimento do 1.º Réu foi directo ou imediato. Entre o empobrecimento do Autor e o enriquecimento do 1.º Réu não se encontra nenhum facto intermédio. O enriquecimento da 2.ª Ré foi, tão-só, indirecto ou mediato. Entre o empobrecimento do Autor e o enriquecimento da 2.ª Ré encontra-se um facto intermédio — a circunstância de o 1.º Réu ter aplicado a quantia recebida como sinal para pagar a comissão à 2.ª Ré.

67. A 2.ª Ré, agora Recorrida, invoca-o, explícita ou implicitamente, nas suas contra-alegações, ao dizer que “a causa do enriquecimento da Apelada [está n]a relação obrigacional que esta estabeleceu com o 1º réu e [no] serviço que lhe prestou”.

68. O problema está em que o resultado da aplicação do requisito da imediação conflituaria com o comum sentimento de justiça.

69. Os factos dados como provados sob os n.ºs 19, 20 e 221 são do seguinte teor:

19- A habitação em causa, que fisicamente corresponde a um duplex, não tinha sido objeto de qualquer tipo de regularização junto do Condomínio, Câmara Municipal competente, Serviço de Finanças ou Conservatória do Registo Predial.

20- (…) tendo sido realizadas alterações nas frações que constituem a habitação duplex, ao nível da sua tipologia e outras, mas não tendo o 1.º R diligenciado pelos respetivos registos, averbamentos e/ou licenciamentos.

21- Situação que veio a ser aferida pelo Banco BPI, entidade bancária junto da qual o Autor solicitou empréstimo para aquisição da habitação em causa, e viu ser recusado com esse fundamento.

70. O resultado da aplicação do requisito da imediação consistiria em que o 1.º Réu seria obrigado a restituir parte, e só parte, do que recebera como sinal e em que a 2.ª Ré não seria obrigada a restituir nada — nem sequer parte do que recebera como comissão.

71. O risco de as alterações nas duas fracções que constituíam a fracção duplex, objecto do contrato de compra e venda, impedirem a obtenção do crédito não seria então suportado pelos 1.º e 2.º Réus — seria sim suportado pelo Autor.

72. Evitando um resultado conflituante com o comum sentimento de justiça, deve em concreto dispensar-se o requisito da imediação ou da unidade do procedimento de enriquecimento.

73. Em resposta à segunda questão dir-se-á que a 2.ª Ré Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda., tem a obrigação de restituir ao Autor AA o enriquecimento resultante de lhe ter sido transmitida parte do sinal entregue pelo Autor ao 1.º Réu BB.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Custas pela Recorrida Partilhar Fácil – Mediação Imobiliária, Lda.

Lisboa, 2 de Maio de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Nuno Ataíde das Neves

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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1. Cf. designadamente Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 640-654.

2. O Autor alegava, na petição inicial, que o 1.º Réu lhe tinha respondido que não estava em condições de lhe restituir o sinal, por o ter entregue, na sua totalidade, à 2.ª Ré.

3. Cf. Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, cit., pág. 453: “seguramente o conceito mais indeterminado no âmbito do enriquecimento sem causa”.

4. Rui de Alarcão, Direito das obrigações (policopiado), Coimbra, 1983, pág. 190.

5. Júlio Gomes, anotação ao artigo 473.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, cit., pág. 251.

6. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2017 — processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1.

7. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1999 — processo n.º 99B686 —, de 16 de Outubro de 2003 — processo n.º 03B2813 — e de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 2777/10.6TBPTM.E1.S1.

8. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2017 — processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1.

9. Expressão preferida por Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao artigo 473.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 454-458 (457); João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2000, págs. 493-496; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, págs. 496-499; ou António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações. — Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 232-235.

10. Expressão preferida por Jorge Ribeiro de Faria, Direito das obrigações, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001 (reimpressão), págs. 381-385 — com algum eco em António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações. — Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa,. Responsabilidade civil, cit., págs. 233-234 (nota n.º 836).

11. No sentido de que imediação é a ausência de um facto intermédio, vide p. ex. Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao artigo 473.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, cit., pág. 457; João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, cit., págs. 493-496

12. No sentido de que a imediação é a ausência de um património intermédio, vide, p. ex., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, cit., pág. 497 — caracterizando o enriquecimento indirecto ou mediato como aquele em que “a deslocação [se faz] através de um património intermédio”, ou em que há “duas deslocações sucessivas” — e Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, 13.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 425-426.

13. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2006 — processo n.º 06A825 — fala de um requisito, “no mínimo, discutível e polémico”.

14. Em favor do requisito da imediação, pronunciaram-se os Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao artigo 473.º, in: Código Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 761.º, cit., pág. 457; João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, cit., págs. 493-496, Francisco Manuel Pereira Coelho "Um problema de enriquecimento sem causa", in: Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 27.º (1970), págs. 351-356 (354-356), Jorge Ribeiro de Faria, Direito das obrigações, vol. I, cit., págs. 381-385 e Diogo Leite de Campos, A subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pág. 327 (nota n.º 1); e, em desfavor do requisito, pronunciou-se, p. ex., Luís Menezes Leitão, O enriquecimento sem causa no direito civil. Estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto, face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1996, págs. 627 ss.; e, em termos mais sintéticos, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, 13.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 425-426.↩︎

15. Considerando que a posição do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2006 é a “posição correcta”, vide Júlio Gomes, anotação ao artigo 473.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, cit., pág. 251.

16. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, cit., págs. 498-499.

17. Cf. Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, cit., págs. 425-426.

18. António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações. — Gestão de negócios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, cit., pág. 234.

19. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, cit., págs. 498-499.

20. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1998 — processo n.º 97A354 —, em cujo sumário se escreve: “I. — No enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, é necessário que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa do empobrecido que se arroga o direito à restituição, ou seja, é preciso que a vantagem, por um lado, e a perda, por outro, tenham sido originados pelo mesmo facto ou circunstância”.

21. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1998 — processo n.º 97A354 —, em cujo sumário se escreve: “II. — A adopção deste princípio é de excluir, devendo admitir-se uma atribuição patrimonial indirecta com a intervenção de um património intermédio, sempre que a exigência da deslocação patrimonial directa se mostre excessiva, susceptível de ferir a justiça material, o comum sentimento de justiça”.

22. Entre os elementos relevantes para averiguar se a atribuição patrimonial indirecta choca, ou não, com o comum sentimento de justiça poderão estar, p. ex., regras relativas ao risco da prestação e do concurso de credores, através dos […] pontos de vista valorativos [da] manutenção das excepções […], [da] protecção contra as excepções de terceiro […] [e da] justa repartição do risco de insolvência” [cf. Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, cit., págs. 425-426].