TUTELA DO LOCAL DE TRABALHO
ILÍCITO NEGLIGENTE
VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO
MEDIDA DA COIMA
Sumário

I – A Cl.ª 15.ª do Contrato Coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outra, visa tutelar, não a mera afetação de uma atividade a um local, mas o local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, ou seja, a prestação de trabalho em determinado espaço físico e o local de trabalho.
II – A violação do dever de cuidado objetivamente devido é elemento essencial e característico do tipo de ilícito negligente.
III – Nas contraordenações laborais deve atender-se ao disposto nos artigos 18º do RGCO e no 559º do Código do Trabalho para a determinação da medida da coima.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral



                  Tribunal Judicial da Comarca de ...

Juízo do Trabalho de ... - Juiz 2

4178/23.7T8CBR.C1

                                                                       *

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de ...

RELATÓRIO

A Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT aplicou a A..., S.A, a coima de €15.000,00 pela infração p. e p. pelos artigos 285.º, n.ºs 1 e 11, al. a) e 554.º, n.º 4, al. e) do Código do Trabalho.

A arguida impugnou judicialmente tal decisão da autoridade administrativa, tendo a 1ª instância proferido a seguinte decisão:

 “Julgo improcedente o presente recurso e:

-declaro que em 31 de maio de 2022 a posição de empregadora da A..., S.A. no contrato de trabalho de AA não se transmitiu para a B..., S.A. (art.º 285.º, n.º 12 do CT);

-condeno A..., S.A. na coima de 12.000,00, pela prática da contraordenação muito grave prevista e punida pelos art.ºs 285.º, n.ºs 1 e 11, al. a) e 554.º, n.º 4, al. e) do CT;

Custas a cargo da arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.ºs 59,º da Lei nº 107/2009, de 14/09; 94.º, n.º 3 do RGCO e 8.º n.º 9 do RCP e tabela III anexa).

Notifique e deposite.

Comunique à ACT (art.º 45.º n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14/09).”

Com tal juízo não se conformou a arguida, que interpôs recurso para esta instância, com as seguintes conclusões que se reproduzem:

(…).

O Digno Magistrado Ministério Público respondeu, formulando as seguintes conclusões:

(…).

O Ministério Público também interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

(…).

A arguida respondeu a este recurso, sustentando em síntese que o recurso interposto pelo MP face à sentença proferida nos presentes autos ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se o teor da sentença em causa, sem prejuízo do recurso interposto pela própria recorrida.

Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida, mantendo-se a sentença recorrida (sem prejuízo da sua eventual alteração, na parte em que, dela, o Ministério Público interpõe igualmente recurso).

Não houve resposta a este parecer.

Foram admitidos os recursos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                                                       *

OBJETO DO RECURSO

É pelas conclusões dos recursos que se delimita os seus âmbitos de cognição, nos termos do disposto nos artigos 33.º, número 1 e 50.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e, subsidiariamente, dos artigos 412.º e 420.º, número 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

As questões a decidir são as seguintes:

Do recurso da arguida:
1. Se houve transmissão do contrato de trabalho da trabalhadora/local de trabalho.
2. Se a arguida agiu com culpa.
Do recurso do MP:
3. Se deve considerar corretamente determinada, pela 1ª instância, a medida da coima.

*

FUNDAMENTOS DE FACTO

No tribunal de 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma:

III- Factos provados:

1.º No dia 5 de julho de 2022 realizou uma visita inspetiva por inspetora da ACT ao piso -4 dos Hospitais da Universidade de ...;

2.º No referido local situa-se a zona da empresa de limpeza e, no momento da visita inspetiva, estavam algumas trabalhadoras reunidas, a fazer uma pausa na sala de refeições, e uma delas estava encostada à parede, em pé;

 3.º Questionada a trabalhadora em causa, AA, comunicou à inspetora da ACT que

» desde o ano de 2001 trabalha nas empresas de limpeza que prestam serviço nos HUC (a primeira entidade em pregadora foi a C..., de seguida a D..., depois a E... e, por último, a arguida F.../A...) enquanto administrativa;

» o seu trabalho consiste em prestar apoio administrativo às trabalhadoras da empresa de limpeza, tal como enviar as justificações de faltas das trabalhadoras e validar o registo de horas das mesmas;

» em fevereiro de 2021 a arguida sugeriu-lhe que mudasse o local de trabalho e que fosse para a delegação da mesma situada na ..., o que aceitou, prestando, assim, serviço nesse local de trabalho desde fevereiro de 2021;

» no dia 15 de junho de 2022 a arguida informou-a de que havia perdido o local de trabalho dos HUC, mas que iria manter o vínculo laboral com a empresa B..., S.A., empresa essa que havia ganho o concurso;

» no dia 7 de julho de 2022, a B..., S.A. enviou-lhe uma carta registada com aviso de receção informando-a de que recusava a transmissão da sua posição contratual, dado que, comprovadamente, não exercia a sua atividade de administrativa no local objeto de transmissão, não estando, como tal, afeta à prestação de serviço de limpeza;

» desde a data em que recebeu a carta tem-se apresentado no piso -4 dos HUC e desde 27 de junho a 1 de julho de 2022 esteve em situação de baixa médica;

4.º A supervisora BB, que foi interlocutora da inspetora autuante durante a visita inspetiva, confirmou que a trabalhadora se encontrava naquele local sem funções atribuídas;

5.º A inspetora autuante elaborou uma notificação para apresentação de documentos à empresa B..., S.A., sendo a mesma notificada para, face à inocupação da trabalhadora, apresentar a respetiva regularização;

6.º Nesse mesmo dia a inspetora autuante contactou o Dr. CC da empresa B..., S.A., que lhe transmitiu que:

» quando as empresas de limpeza iniciam um novo local de trabalho têm 24 horas para fazer a comunicação dos trabalhadores à Segurança Social, o que, no caso do local de trabalho dos HUC, fizeram;

» a trabalhadora AA também foi comunicada à Segurança Social uma vez que constava da listagem de pessoal facultada pela arguida;

» quando foi feita a visita ao local de trabalho aperceberam-se que a referida trabalhadora não prestava ali o seu trabalho, além de que não era trabalhadora de limpeza, pelo que foi entendido que a mesma não devia ser transmitida;

7.º Questionado pela inspetora autuante sobre a possibilidade de regularizar a situação, declarou que a B..., S.A. não o iria fazer pois isso seria o abrir de uma porta a aceitar trabalhadores que não estão abrangidos pela transmissão da posição nos contratos de trabalho;

8.º Em resposta à notificação para apresentação de documentos, através de email enviado no dia 7 de julho de 2022, a empresa B..., S.A. respondeu que Pese embora a trabalhadora AA fizesse parte da relação do quadro de pessoal enviado pela empregadora cedente (A...), a ora respondente recusou a transmissão da Posição Contratual do Contrato Individual de Trabalho, porquanto, comprovadamente, a trabalhadora não exercia a sua atividade profissional no local objecto de transmissão (…).

Mais nos cumpre transmitir que a B..., SA, dando cumprimento aos prazos legais, procedeu à inscrição da trabalhadora junto da Segurança Social com 24h de antecedência de iniciar as operações no local de trabalho, prática esta habitual e de acordo com a legislação.

Só após os inícios dos trabalhos é que se consegue diligenciar as investigações, entre as quais conversas com o cliente e restantes funcionárias, que nos permitam aferir a elegibilidade da transmissão de todos os trabalhadores;

9.º A B..., S.A., informou, ainda, que ia proceder à anulação da inscrição na Segurança Social da trabalhadora, o que ocorreu, conforme a inspetora autuante comprovou após a consulta à base de dados da Segurança Social, pois no registo da trabalhadora não consta em como esta tenha trabalhado para a referida empresa;

10.º Em 11 de julho de 2022, a inspetora autuante efetuou uma visita inspetiva ao local de trabalho da arguida situado na ..., em ..., tendo sido interlocutora da mesma DD, consultora da empresa G... desde outubro de 2020;

11.º Esta explicou à inspetora autuante que as empresas G..., A... e H... pertenciam à I... (grupo de empresas);

12.º Questionada sobre se conhecia a trabalhadora AA, afirmou que sim e que a mesma era administrativa da A...;

13.º Disse, ainda, que a referida trabalhadora prestava serviço naquele local de trabalho, numa sala em open space, com os colegas EE, FF, GG (responsável da G...) e consigo DD;

14.º No final da visita inspetiva, a arguida foi notificada na pessoa da interlocutora da inspetora autuante para apresentar vários documentos, entre os quais a informação relativa à transmissão do contrato de trabalho da trabalhadora AA;

15.º Em resultado das visitas inspetivas, das informações prestadas pelas trabalhadoras AA e DD e da análise de documentação a que teve acesso, a inspetora autuante constatou que:

- em fevereiro de 2021, a trabalhadora AA foi prestar a sua atividade enquanto administrativa para as instalações da arguida sitas na ..., deixando, como tal, de comparecer nas instalações dos HUC;

- desde essa data até maio de 2022, esteve na ..., exceto durante um período de tempo em que esteve em situação de teletrabalho;

- a mesma dividia o gabinete com os colegas EE, FF (seu chefe), DD e GG (chefe de equipa);

- em resultado da mudança de local de trabalho, a trabalhadora passou a utilizar um programa informático diferente daquele que utilizava nos HUC, tirando dúvidas com a chefe de equipa e com o chefe FF;

- com o novo programa informático e devido à distância das trabalhadoras que prestavam serviço de limpeza nos HUC, estas enviavam as justificações de falta ao invés de lhas entregarem em mão e a trabalhadora inseria-as, de imediato, no programa informático ficando as referidas justificações logo disponíveis para o serviço de Recursos Humanos;

16.º No dia 14 de julho de 2022, pelas 14 horas e 42 minutos, a inspetora autuante remeteu um email ao departamento jurídico da I... (HH), dando conta do que havia apurado nas visitas inspetivas e dando um prazo até ao dia 18 desse mesmo mês para que a arguida regularizasse a situação da trabalhadora;

17.º No dia seguinte, em resposta ao referido email, a arguida vem alegar que não correspondia à verdade o que a inspetora havia verificado, pelo que o processo inspetivo devia ser arquivado;

18.º No dia 18 de julho de 2022, pelas 12 horas e 21 minutos, a inspetora autuante notificou a arguida, na pessoa de II, para fundamentar/justificar a inclusão da trabalhadora nos trabalhadores a transmitir à empresa B..., tendo em conta que a mesma não estava adecta àquele local de trabalho desde fevereiro de 2021;

19.º Após várias trocas de emails entre a inspetora autuante e II (Legal Specialist), este, pelas 18 horas e 48 minutos do dia 19 de julho de 2022, transmite que não obstante as divergências, cumpre-nos informar que estamos a diligenciar no sentido de sanar a situação da Sra. AA, prevendo-se que até ao final da presente semana teremos informação concreta;

20.º No dia 4 de agosto de 2022, a inspetora autuante solicitou, via email, que lhe fossem enviados os comprovativos da regularização da situação da trabalhadora AA, tendo a arguida, no dia seguinte, informado que ainda estava a diligenciar no sentido de sanar a situação, mas que em breve contava concluir tal facto;

21.º No dia 8 de agosto de 2022, a inspetora autuante notificou a arguida (notificação para regularização) para proceder à regularização da situação da trabalhadora até ao dia 12 desse mês, devendo a arguida remeter os documentos aí indicados;

22.º Em resposta a arguida informou que estava em contacto e negociações com o mandatário da trabalhadora no sentido de verificar a possibilidade de integração da mesma na B... ou na A...;

23.º Após a troca de mais alguns emails, a inspetora autuante prorrogou o prazo para a regularização da situação até ao dia 8 de setembro de 2022, dia em que a arguida informou, após contacto com o advogado da trabalhadora a quem solicitou informações sobre o resultado das diligências pelo mesmo efetuadas junto da B..., que (…) mantém a posição já anteriormente expressa quanto à situação laboral da Sra. AA, não obstante a disponibilidade também já demonstrada pela A... para, caso não seja resolvida a situação entre “B...” e a Srª AA, tentarmos encontrar uma solução que não prejudique qualquer direito da Sra. AA. Em consequência, requer-se que se dê por cumprida a notificação;

24.º Ao ter incluído a trabalhadora AA na lista dos trabalhadores a transmitir para a empresa que passou a assegurar a atividade de limpeza, quando esta não prestava serviço nesse local de trabalho desde fevereiro de 2021, quando o não podia e não devia fazer na qualidade de transmitente do estabelecimento, a arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a descrita conduta era punida por lei;

25.º No ano 2021 a arguida declarou volume de negócios de €17.517,077,00;

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IV- Factos não provados:

Não se provaram os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1.º que a trabalhadora AA começou a prestar serviço, ainda que intercalando com a situação de teletrabalho, nas instalações sitas na Avenida ..., por estritas razões de necessidade de serviço;

2.º que por questões práticas e logísticas, AA e a arguida entenderam que a sua prestação laboral deveria ocorrer em local diverso daquele que era o local adstrito a todos os seus colegas;

3.º que AA manifestou o interesse de não voltar a prestar serviço no HUC, junto dos seus colegas, por se sentir deslocada em relação aos restantes, dado que desempenhava, sozinha, uma função completamente diferente;

4.º que a atividade de AA estava totalmente adstrita ao HUC;

*

Não se responde à restante matéria constante da proposta de decisão e do requerimento de interposição do recurso por conterem juízos conclusivos, de valor e de direito.”

                                                                       *

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Se houve transmissão do contrato de trabalho da trabalhadora/local de trabalho.

Na sentença recorrida considerou-se:

“Do que tudo se conclui que não se mostram preenchidos os requisitos exigidos pela cláusula 15.ª do CCT aplicável para que ocorresse a transmissão da posição contratual da trabalhadora AA, da arguida para a B..., designadamente:

- a vinculação/afetação de AA ao local de trabalho que a arguida perdeu porque a arguida perdeu as instalações do HUC e AA trabalhava nos seus escritórios sitos na ...;

- a transmissão do local de trabalho para outra empresa prestadora de serviços porque a arguida transmitiu para a B... os serviços de limpeza das instalações do HUC e AA prestava funções administrativas nos escritórios da arguida sitos na ...;

- o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias porque, ao serviço da arguida, AA nunca trabalhou nas instalações do HUC;

Neste contexto, de nada releva a alegação da arguida de que a atividade de AA era totalmente adstrita ao HUC, estando totalmente afeta ao mesmo local de trabalho.

Desde logo, porque não se provou esta alegação (ponto 4.º dos factos não provados) e, principalmente, porque o que se visa tutelar com a cláusula 15.ª do CCT aplicável não é a mera afetação de uma atividade a um local, mas o local de trabalho, correspondente a um espaço físico concreto e determinado, ou seja, a prestação de trabalho em determinado espaço físico e o local de trabalho, com este enfoque, nunca foi para a trabalhadora AA as instalações do HUC enquanto se manteve ao serviço da arguida.

E, assim sendo, resultando comprovado que não ocorreu a transferência do contrato de trabalho de AA para a B..., a conduta da arguida de inclusão desta trabalhadora na lista dos trabalhadores a transmitir para a B..., integra a contraordenação muito grave prevista no art.º 285.º, n.º 11, al. a) do CT: a conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido.”

Defende a recorrente que se deve concluir que “a prestação de trabalho da Recorrida sempre esteve afeta à atividade do local de trabalho em causa e que essa afetação não pode consubstanciar, no caso concreto, a prestação de trabalho num determinado local geográfico concreto, mas outrossim, a afetação à atividade prestada nesse local, dúvidas não restam de que não se pode considerar que a Recorrida nunca tenha prestado trabalho nesse local determinado, ou seja, menos de 120 dias, quando na verdade se deve considerar que essa afetação nunca cessou” (conc. II).

Vejamos.

A arguida vem acusada da prática de factos integradores da contraordenação p. e p. pelos artigos 285.º, n.ºs 1 e 11, al. a) e 554.º, n.º 4, al. e) do Código do Trabalho.

Dispõe o art.º 285.º do CT, com a epígrafe “Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento”:

“1- Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral;

2- O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração;

3- Com a transmissão constante dos números 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos;

4- O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral;

5- Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória;

6- O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta;

7- A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo;

8- O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:

a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;

b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.

9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa;

10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.

11 - Constitui contraordenação muito grave:

a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;

b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.

12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu;

13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos nºs 1, 2, 3, 7, 8 ou 9.

14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m), do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º.”

O instrumento de regulamentação coletiva aplicável ao caso (aceite pelas partes) é Contrato coletivo entre a Associação Portuguesa de Facility Services - APFS e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outra.[1]

Com a epígrafe perda de um local de trabalho ou cliente dispõe a cláusula 15.ª deste CCT:

1-A perda de um local de trabalho por parte da entidade empregadora não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento;

2- Considera-se perda de um local de trabalho a substituição do empregador por outra entidade, seja o próprio utilizador, seja outro prestador de serviços, que passe a assegurar, total ou parcialmente, a atividade que vinha sendo assegurada pelos trabalhadores do empregador afetos a esse local, seja a iniciativa da cessação do contrato de prestação de serviços da entidade empregador, do utilizador do serviço ou de ambos;

3- Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade que, nos termos do número 2, passar a assegurar a atividade do empregador, obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço;

4- No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior diretamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de empregador, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos;

5- Para os efeitos do disposto no número 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho:

a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há menos de 120 dias;

b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 120 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado diretamente da aplicação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Os 120 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada;

6- Quando justificadamente o trabalhador se recusar a ingressar nos quadros da nova empresa, o empregador obriga- se a assegurar-lhe novo posto de trabalho;

7- Sem prejuízo da aplicação dos números anteriores, o empregador que perder o local de trabalho é obrigado a fornecer, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção do pedido, à entidade que obteve a nova empreitada e ao sindicato outorgante representativo dos respetivos trabalhadores os seguintes elementos referentes aos trabalhadores que transitam para os seus quadros:

a) Nome, morada, endereço eletrónico e telefone dos trabalhadores;

b) Número de identificação da Segurança Social e data de nascimento;

c) Categoria profissional;

d) Horário de trabalho;

e) Situação sindical de cada trabalhador;

f) Data da admissão na empresa e, se possível, no setor;

g) Início da atividade no local de trabalho;

h) Situação contratual: a prazo ou permanente;

i) Se a prazo, cópia de contrato;

j) Mapa de férias do local de trabalho;

k) Extrato de remuneração dos últimos 120 dias ou, na sua falta, cópia dos recibos de vencimento, caso tenha ocorrido alteração de algum dos componentes de caráter regular e permanente nesse período;

l) Situação perante a medicina no trabalho;

m) Indicação da data e tipo (admissão, periódico ou ocasional) do último exame médico e respetivo resultado;

n) Qualquer outra obrigação cujo cumprimento decorra da lei.

8- O empregador que ganhar a empreitada não pode exigir que os documentos a que se refere o número anterior lhe sejam entregues com antecedência superior a 15 dias em relação ao início do serviço;

9- No caso dos trabalhadores na situação de baixa que transitaram para outra empresa, nos termos desta cláusula, cujo contrato de trabalho tenha cessado por reforma coincidente com o termo de suspensão, compete à empresa adquirente da empreitada o pagamento dos créditos daí resultantes;

10- O disposto na presente cláusula aplica-se, com as necessárias adaptações, às reduções de empreitada;

Por sua vez, a cláusula 13.ª define o local de trabalho nos seguintes termos:
1- O local de trabalho é o geograficamente convencionado entre as partes para prestação da atividade do trabalhador;

2- O local habitual de trabalho é onde deve ser realizada a prestação de acordo com o estipulado no contrato e onde, em concreto, o trabalhador executa a sua atividade, com caráter de estabilidade;
3- São nulas as cláusulas constantes de contratos individuais de trabalho, ou de acordos isoladamente celebrados que, pela sua natureza, tornem indeterminável o local de trabalho do trabalhador”.
Assim, em conformidade com a referida Cláusula 15ª do CCT aplicável, a transmissão da posição contratual do trabalhador depende de quatro requisitos:
a) a perda do local de trabalho por parte da empresa a que o trabalhador se encontrava vinculado;
b) a afetação do trabalhador a esse local de trabalho;
c) a transmissão desse mesmo local de trabalho para uma outra empresa prestadora de serviços;
d) que o trabalhador afetado preste serviço no local de trabalho há mais de 120 dias.[2]
Daqui resulta claramente que o que ali se protege é o local de trabalho num espaço físico concreto e determinado, o que não se concilia, de modo algum, com a interpretação dada pela recorrente, no “sentido de que o nº 2 do artigo 15º refere como relevante a atividade desempenhada pelos trabalhadores afetos a determinado local de trabalho, estando em causa a atividade em si considerada e não o sítio determinado em que é prestada” (conc. U).
Esta interpretação é que, salvo o devido respeito pela opinião da recorrente, não tem base legal, pois o que naquela cláusula se protege é o posto de trabalho no local onde a atividade do trabalhador se vinha desenrolando e não noutro local geograficamente distinto.[3]
Com efeito, resulta dos autos que a autora trabalhou desde 2001 nas empresas de limpeza que prestam serviço nos HUC (a primeira entidade empregadora foi a C..., de seguida a D..., depois a E... e por última a arguida F.../J...) enquanto administrativa;
-o seu trabalho consistia em prestar apoio administrativo às trabalhadoras de limpeza, tal como enviar as justificações de faltas das trabalhadoras e validar o registo de horas das mesmas;

-em fevereiro de 2021, a arguida sugeriu-lhe que mudasse o local de trabalho e que fosse para a delegação da mesma situada na ..., o que aceitou, prestando, assim, serviço nesse local de trabalho desde fevereiro de 2021; deixando de comparecer nas instalações dos HUC;

-desde essa data até maio de 2022, esteve na ..., exceto durante um período de tempo em que esteve na situação de teletrabalho;

-a mesma dividia o gabinete com os colegas EE, FF (seu chefe), DD e GG (chefe de equipa);

-em resultado da mudança do local de trabalho, a trabalhadora passou a utilizar um programa informático diferente daquele que utilizava nos HUC, tirando dúvidas com a chefe de de equipa e com o chefe FF;

-com o novo programa informático e devido à distância das trabalhadoras que prestavam serviço de limpeza nos HUC, estas enviavam as justificações de falta ao invés de lhas entregarem em mão e a trabalhadora inseri-as, de imediato, no programa informático ficando as referidas justificações logo disponíveis para o Serviço de Recursos Humanos (facto provado 15º);

-no dia 15 de junho de 2022 a arguida informou-a de que havia perdido o local de trabalho dos HUC, mas que iria manter o vínculo laboral com a empresa B..., S.A., empresa essa que havia ganho o concurso;

-no dia 7 de julho de 2022, a B..., S.A., enviou-lhe uma carta registada com aviso de receção informando-a de que recusava a transmissão da sua posição contratual, dado que, comprovadamente, não exercia a sua atividade de administrativa no local objeto de transmissão, não estando, como tal, afeta à prestação de serviço de limpeza;

-desde a data em que recebeu a carta tem-se apresentado no piso -4 dos HUC e desde 27 de junho a 1 de julho de 2022 esteve em situação de baixa médica.

E como se assinala na sentença não se provou que a atividade da autora era totalmente adstrita ao HUC (ponto 3º dos factos não provados), pelo que importa concluir que a posição do empregador no contrato de trabalho da trabalhadora AA não se transmitiu.

                                                                       *

2- Se a arguida agiu com culpa.

Na sentença recorrida considerou-se:

“Importa agora, apreciar da imputabilidade à arguida empregadora da contraordenação muito grave de que vem acusada.

A este respeito, o art.º 551.º, n.º 1 do CT prescreve que o empregador é o responsável pelas contraordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.

Desta forma, a arguida é a responsável pela prática da infração, a título de negligência, porque a mesma não atuou com o cuidado e a diligência devida e de que era capaz, não se tendo verificado in casu qualquer causa de exclusão da sua culpa e/ou ilicitude.

A negligência supõe o poder/dever do responsável, embora não pretendendo cometer a infração, atuar de modo diferente, de forma a impedir que a mesma se verifique.

Assim, para que haja negligência, basta que o agente omita ou se demita do exercício dos seus deveres/prerrogativas, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas ao cumprimento da lei.

E esta violação a nível subjetivo extrai-se da factualidade provada, pois a arguida, de forma descuidada e algo displicente, omitiu as regras legais em matéria de transmissão da posição de empregador dos trabalhadores afetos a um local de trabalho.

Pelo que, mostrando-se excluída a conduta dolosa, fica ressalvada a punibilidade da negligência (art.º 8.º n.º 2 e 3 do RGCC), sendo que nos termos do art.º 550.º do CT, a negligência nas contraordenações laborais é sempre punível.

Em suma, os factos provados integram, objetiva e subjetivamente, o tipo de ilícito contraordenacional imputado à arguida previsto no art.º 385.º, n.º 11, al. a) do CT, consubstanciando a violação das referidas regras legais, a que a recorrente estava obrigada e de cujo cumprimento era capaz.”

Defende a recorrente que não pode ser imputado qualquer comportamento culposo, na medida em que nos autos de contraordenação não foi demonstrada que a mesma deveria ou podia ter atuado com maior diligência do que aquela com que atuou (conc. NN).

A recorrente foi condenada pela autoria de uma contraordenação que se considerou cometida na forma negligente.

Vejamos, então, se o comportamento da arguida deve ser qualificado dessa forma.

A negligência caracteriza-se pela falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei. Nos termos do artigo 15º do Código Penal (ex vi art.º 32º do RGCO), age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de contraordenação, mas atuar sem se conformar com essa realização – Negligência consciente; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto – Negligência inconsciente.
Refere o Ac. do TRC, de 17-09-2014[4] “A negligência é um tipo especial de punibilidade que oferece uma estrutura própria quer ao nível do ilícito quer ao nível da culpa.

O tipo objectivo de ilícito dos crimes materiais negligentes é constituído por três elementos: a violação de um dever objectivo de cuidado; a possibilidade objectiva de prever o preenchimento do tipo; e a produção do resultado típico quando este surja como consequência da criação ou potenciação pelo agente, de um risco proibido de ocorrência do resultado.

A violação pelo agente do cuidado objectivamente devido é concretizada com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”.

A não observância do cuidado objectivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo.

“Na negligência consciente o tipo subjectivo residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto, na inconsciente ausência de pulsão para a representação do facto.”[5].

Para que exista culpa negligente, com preenchimento do tipo-de-culpa, necessário é ainda que agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado.

Enquanto na negligência consciente o agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria, na negligência inconsciente o agente infringe o dever de cuidado imposto pelas circunstâncias, não pensando sequer na possibilidade do preenchimento do tipo pela sua conduta.

“O ilícito negligente consiste na divergência entre o comportamento adotado pelo agente e aquele que o mesmo deveria ter observado em virtude da atenção e diligência que se esperam dos intervenientes da vida comunitária. O mesmo é dizer que a contrariedade à norma de determinação na qual se condensa o desvalor de ação ínsito ao ilícito negligente se reconduz à «violação do dever objetivo de cuidado». Numa palavra, inexistindo violação do dever objetivo de cuidado, inexiste desvalor de ação e, por conseguinte, ilícito negligente.”[6]

“É nosso entendimento que apenas mediante a «violação do dever objetivo de cuidado» se poderá afirmar que a conduta do agente revela uma atitude de descuido ou leviandade para com o dever-ser jurídico-penal, razão pela qual só aí se poderá atribuir, a título de negligência, a conduta ao agente.”[7]

“A doutrina do facto negligente não pode prescindir da categoria da violação do dever objectivo de cuidado. A violação do dever de cuidado surge como verdadeira essência do tipo de ilícito negligente, como qualidade da conduta, que a transforma em conduta típica.”[8]
Para concluir que a arguida agiu de forma negligente, a sentença recorrida considerou assente, que “Ao ter incluído a trabalhadora AA na lista dos trabalhadores a transmitir para a empresa que passou a assegurar a atividade de limpeza, quando esta não prestava serviço nesse local de trabalho desde fevereiro de 2021, quando o não podia e não devia fazer na qualidade de transmitente do estabelecimento, a arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a descrita conduta era punida por lei”.
Desta forma, face aos factos provados, e ao que atrás se deixou dito, resta agora concluir que a recorrente praticou a contraordenação pela qual foi sancionada, isto é, a p. e p. pelos artigos 285.º, n.ºs 1 e 11, al. a) e 554.º, n.º 4, al. e) do CT.

               Verificam-se, assim, os elementos subjetivo e objetivo do tipo da contraordenação em causa.

Improcede, pois, o recurso interposto pela arguida.

                                                                       *

3.        Se deve considerar corretamente determinada, pela 1ª instância, a medida da coima.

Na sentença recorrida, entendeu-se condenar a arguida na coima de €12.000,00, reduzindo assim o valor fixado pela autoridade administrativa que foi de €15.000,00.

Alega o MP que o Tribunal a quo não andou bem em fixar a coima naquele montante, próximo do mínimo legal. Primeiro, porque da análise que supra se realizou, designadamente atenta a dimensão da arguida, que bem se pode aferir do seu vastíssimo objeto social; atento o facto de as transmissões de estabelecimento serem algo habitual no seu giro económico; atenta a circunstância de não ter cumprido a advertência efetuada pela ACT para regularização da situação, ter pedido prorrogação de prazos para o efeito que não cumpriu circunstância posterior aos factos que deve relevar para a medida da pena e atento ainda o elevado volume de negócios da arguida, não se descortinam as razões pelas quais a medida da coima se há-de situar próxima do limite mínimo, devendo antes ser aumentada e fixar-se no limite encontrado pela autoridade administrativa.

A moldura legal a considerar é de 90UC a 300 UC (€9.180,00 a €30.600,00) (art.º 554.º, n.º 4, al. e) do CT).

A coima funciona como uma mera “admonição”, como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas. Por conseguinte, devem ser estranhas à aplicação e determinação da medida da coima exigências de retribuição ou expiação de uma culpa ética, bem como de ressocialização do agente, pelo que esta sanção desempenha uma função geral negativa e de prevenção especial negativa; isto é, visa evitar que o agente repita a conduta infratora (no primeiro caso), assim como evitar que os demais agentes tomem o comportamento infrator, como modelo de conduta (no segundo caso).[9]

Na determinação da medida da coima deve atender-se ao disposto nos artigos 18º do RGCO e no 559º do Código do Trabalho.

Assim, nos termos do artigo 18º do RGCO, a determinação da medida da coima faz-se em função da:

• gravidade da contraordenação;

• culpa;

• situação económica do agente, e;

• benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.

Nas contraordenações laborais, será ainda de considerar o incumprimento das recomendações constantes de auto de advertência (artigo 559º, nº 1, do Código do Trabalho).

                  Na decisão recorrida foram ponderados, a gravidade da contraordenação, a culpa, o grau de ilicitude e o benefício económico obtido pela arguida com a prática da infração (designadamente, por não ter ficado no seu quadro de pessoal com a trabalhadora em causa, não despender valores com os seus salários e contribuições e beneficiar em relação às restantes empresas que laboram no mercado na sua área de atividade e que cumprem as regras relativas à transmissão de estabelecimentos). Porém, não foi ponderado o incumprimento das recomendações constantes do auto de advertência, conforme resulta dos factos provados nºs 18 a 23.

Considerando os elementos que atrás deixamos enunciados, e a situação económica da arguida que consta do facto provado nº 25, entendemos que pela contraordenação em causa, revela-se mais justo, proporcional e adequado, aumentar a coima para €15.000,00, que foi o valor fixado pela autoridade administrativa.

Procede, pois, o recurso interposto pelo MP.

                                                                       *

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em:
1. Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida.
2. Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando-se agora a arguida A..., S.A, na coima de €15.000,00 (quinze mil euros) pela contraordenação p. e p. pelos artigos 285.º, n.ºs 1 e 11, al. a) e 554.º, n.º 4, al. e) do Código do Trabalho.

Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].

                                                                                      Coimbra, 19 de abril de 2024

Mário Rodrigues da Silva- relator

Jorge Loureiro

Paula Maria Roberto.

                                                                       *

Sumário elaborado pelo relator:

(…).

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original





([1]) Publicado no BTE n.º 2, de 15-01-2020 e Portaria de Extensão n.º 72/2020, de 16-03, publicado no DR, nº 53/2020, Série I de 16-03-2020, pp. 37-38.
([2]) Acs. do TRC, de 12-07-2017, proc. 267/16.2T8VIS.C1, relatora Paula do Paço e de 15-03-2024, proc. 2313/23.4T8CBR.C1, relator Felizardo Paiva e de que o ora relator foi 2º adjunto, www.dgsi.pt.
([3]) Cf. Ac. do STJ, de 22-10-2008, proc. 08S1900, relator Bravo Serra e Ac. do TRP, de 19-12-2012, proc. 1007/10.5TTMTS.P1, relatora Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt. Cf. ainda Ac. do TRL, de 13-01-2016, proc. 856/12.4TTALM.L1-4, relator Alves Duarte, www.dgsi.pt. com o seguinte sumário:  I- Numa empreitada de prestação de serviços de limpeza, o local de trabalho é aquele em que geograficamente se situam as instalações onde o empreiteiro os deva prestar”.
([4]) Proc. 150/12.0EACBR.C1, relator Orlando Gonçalves, www.dgsi.pt.

([5]) Cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo I, pág.656.
([6]) Rebeca Campanário, O Problema da Justificação nos Delitos Negligentes, 2021, p. 52.
([7]) Rebeca Campanário, obra citada, p. 63.
([8])  Sónia Mariza Fidalgo, Principio da Confiança e Crimes Negligentes, 2021, p. 337.
([9]) Cf. Paulo Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2022, pp. 112-113.