PERSI
EMBARGOS DE EXECUTADO
ANTERIOR PERSI JÁ EXTINTO
REPETIÇÃO DO PROCEDIMENTO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABUSO DO DIREITO
Sumário


I – O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1.
II – A circunstância de o cliente bancário ter sido anteriormente integrado em PERSI já extinto não constitui obstáculo a que venha novamente a beneficiar desse regime, caso se encontrem reunidos os necessários pressupostos normativos para esse efeito.
III – Verificados esses pressupostos, a falta de integração do cliente bancário no PERSI constitui impedimento legal a que a instituição de crédito instaure ação executiva destinada a obter a cobrança coerciva de crédito abrangido por esse regime legal.
IV – Sendo a ação executiva intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos executados.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Processo n.º 1820.22.0T8ACB-A.C1

(Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 1)

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

AA veio, por apenso à execução que lhe move (e a outros) Banco 1..., S.A., deduzir a presente oposição mediante embargos de executado.

Alegou, em apertada síntese e na parte ora relevante, que não foi integrado no PERSI, ocorrendo excepção dilatória inominada, tudo nos termos que melhor constam no respectivo articulado e aqui se dão por reproduzidos.

O exequente apresentou contestação, onde alegou, em apertada síntese, que o executado (e a co-executada) foi integrado no PERSI no ano de 2016, conforme documentação que apresentou, sendo que correu termos uma outra execução contra o executado (e a co-executada), que veio a terminar por regularização dos empréstimos, e o exequente apenas está obrigada a adoptar os procedimentos relativos ao PERSI uma vez, tudo nos termos que melhor constam no respectivo articulado e aqui se dão por reproduzidos.


*

O Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 1, em sede do despacho saneador, julga a oposição procedente, e, consequentemente, decide:

“IV. DECISÃO

Face ao exposto, com os fundamentos acima postos e nessa exacta medida, julga-se procedente a presente oposição mediante embargos de executado e, em consequência, declara-se extinta a execução (quanto a todos os executados).

Custas a cargo do exequente nos termos acima averbados.

Registe e notifique. Após trânsito, com essa menção, comunique à AE. DN”.


*

O Banco 1..., embargado, nos autos à margem identificados, em que é embargante AA, notificado da douta sentença, proferida, no dia 27/11/2023 com a Ref.ª CITIUS 105305438, que decidiu julgar verificada a excepção dilatória inominada do incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI e ordenou a extinção da execução quanto a todos os executados, não se conformando com tal decisão interpõem o seu recurso, assim concluindo:

(…).


*

2. Do objecto do recurso

2.1 – Da matéria de facto;

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

1.º Mediante escritura pública denominada “compra e venda, mútuo com hipoteca e procuração”, outorgada em 12/12/2005, que se encontra anexa ao r.e. (doc. 1) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, o então “Banco 2...”, ao qual sucedeu o ora exequente “Banco 1...”, concedeu ao ora executado/opoente e à co-executada BB um empréstimo da quantia de 80.000 €, importância da qual aqueles se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado (à data adquirido pelos aludidos executados, mas actualmente com inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor do co-executado CC), nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos.

2.º Mediante escritura pública denominada “mútuo com hipoteca e procuração”, outorgada em 12/12/2005, que se encontra anexa ao r.e. (doc. 2) e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, o então “Banco 2...”, ao qual sucedeu o ora exequente “Banco 1...”, concedeu ao ora executado/opoente e à co-executada BB um empréstimo da quantia de 3.000 €, importância da qual aqueles se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos.

3.º As últimas prestações pagas pelos mutuários no âmbito dos empréstimos referidos em 1.º e 2.º foram as vencidas em 15/10/2021 e em 15/11/2021, respectivamente relativas aos empréstimos identificados em 1.º e 2.º.

4.º O exequente emitiu as missivas datadas de 18/12/2021, 20/01, 17/02, 18/04 e 18/05/2022, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes aos empréstimos referidos em 1.º e 2.º, consoante o “contrato” nelas indicado, que se encontram anexas ao r.e. (e à contestação) e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

5.º O exequente emitiu as missivas datadas de 19/05/2022, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes aos empréstimos referidos em 1.º e 2.º, consoante o “contrato” nelas indicado, que se encontram anexas ao r.e. (e à contestação, em parte) e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

6.º O exequente emitiu as missivas datadas de 02/08/2022, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes aos empréstimos referidos em 1.º e 2.º, consoante o “contrato” nelas indicado, que se encontram anexas ao r.e. (e à contestação) e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

7.º O A..., Recuperação de Crédito, ACE, emitiu as missivas datadas de 23/03/2014, que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por integralmente reproduzidas, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes ao empréstimo referido em 1.º e com o assunto “Integração no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)”.

8.º O A..., Recuperação de Crédito, ACE, emitiu as missivas datadas de 02/04/2014, que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por integralmente reproduzidas, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes ao empréstimo referido em 1.º e com o assunto “Extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)”.

9.º O A..., Recuperação de Crédito, ACE, emitiu as missivas datadas de 20/10/2016, que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por integralmente reproduzidas, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes ao empréstimo referido em 2.º e com o assunto “Integração no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)”.

10.º O A..., Recuperação de Crédito, ACE, emitiu as missivas datadas de 19/01/2017, que se encontram anexas à contestação e aqui se dão por integralmente reproduzidas, dirigidas ao executado/opoente e à co-executada BB, referentes ao empréstimo referido em 2.º e com o assunto “Extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)”.

11.º Correu termos sob o n.º 1876/18...., neste Juízo de Execução, uma execução em que era exequente o aqui exequente e executados o aqui executado/opoente e a co-executada BB, com base nos documentos referidos em 1.º e 2.º e relativa ao não pagamento das prestações dos mesmos empréstimos referidos em 1.º e 2.º, a partir de 15/11/2016 e 15/06/2017, respectivamente, nos termos constantes no r.e. que se encontra na ref. 9851475.

12.º A execução referida em 11.º foi extinta por decisão do AE de 05/05/2021 por inutilidade superveniente da lide, decorrente da regularização das prestações vencidas e retoma dos empréstimos referidos em 1.º e 2.º junto do ora exequente.

Para melhor compreensão dos autos, resulta ainda o seguinte:

1. No dia 31/08/2022, moveu o Recorrente Banco 1..., anteriormente Banco 2..., S.A. execução, com base em duas escrituras celebradas no dia 12/12/2005; designadas de “ Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Procuração” (C....47) e “Mútuo com Hipoteca e Procuração” (C....48) nas quais, intervieram, como mutuante, o Banco 1..., S.A., e como mutuários, AA e BB, através das quais o primeiro emprestou aos segundos a quantia de €83.000,00 (€80.000,00 + €3.000,00) de capital, da qual, estes se confessaram desde logo devedores, tendo, EM CONTRAPARTIDA, e para garantia dos referidos empréstimos bancários, no valor de €83.000,00, dos juros remuneratórios, às taxas de 0,887% e 1,387% ao ano, acrescidas, de uma sobretaxa, pela mora de 3% ao ano, taxas previstas nas Escritura de Hipoteca, juntas sob os Docs. 1 e 2, e das despesas judiciais e extras judiciais, constituíram, os mutuários, AA e BB DUAS HIPOTECAS VOLUNTÁRIAS (Ap. ...6 e ...7 de 2005/11/29) a favor do mutuante/exequente, Banco 1..., S.A., até ao montante máximo assegurado de €117.445,00 (€113.200,00 + €4.245,00) , respectivamente,  sobre a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., freguesia de concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da dita freguesia, à altura inscrito na matriz sob o artigo ...02, e atualmente inscrito sob o artigo ...31, propriedade dos mesmos, até 27/02/2019, data em que venderam ao também executado CC (cfr. n.º 2 do art. 54.º do CPC) conforme se confirma pela Ap. ...41 de 2019/02/27.

2.Os executados foram todos citados, para a execução, tendo os executados AA e BB, deduzido, ambos Oposição à Execução, mediante Embargos de Executado, separadamente, no dia 14/11/2022 e 22/11/2022, respectivamente.

3. A executada BB, não pagou a taxa de justiça devida pelos embargos que deduziu, no dia 22/11/2022 e juntou pedido de Apoio Judiciário.

4.O pedido de Apoio Judiciário foi rejeitado pela Segurança Social, no dia 16/01/2023.

5. O Tribunal “ aquo” notificou a executada do douto despacho que proferiu no dia 27/01/2023, com o seguinte teor “o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual, com a multa fixada no art. 570.º, n.ºs 3 e 4, do CPC (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Ed., Almedina, 2017, pág. 555), que se considera aplicável à p.i. de oposição à execução (embargos de executado) – cfr., entre outros, o Ac. da RP de 07/10/2014, disponível em www.dgsi.pt.”

6.A executada não deu cumprimento ao douto despacho, pelo que, foi proferido novo despacho no dia 10/03/2023, a ordenar : “Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 570.º, n.º 5, do CPC, convida-se a executada/opoente a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça em falta e da multa em falta (cfr. ref. 102579976 e 103146260), acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça em falta, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.”

7.Uma vez que a executada notificada do despacho proferido no dia 10/03/2023, continuou sem dar cumprimento ao douto despacho, foi por douta sentença proferida no dia 28/04/2023, ordenado o desentrenhamento da Oposição à Execução e a extinção da instância nos termos do art. 277.º, alínea e), do CPC.

8.O executado AA, veio, entre outras coisas, invocar a excepção dilatória do incumprimento por parte do Banco 1...,S.A. do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro de integração do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

B..., S.A. contestou os embargos de executado, deduzidos pelo executado AA, no dia 28/02/2023, onde alegou, em síntese que, a “mudança de mãos” do imóvel hipotecado ao Banco 1...,S.A. foi realizada À REVELIA do mutuante Banco 1..., S.A., que NÃO TEVE CONHECIMENTO, NEM DEU O SEU CONSENTIMENTO, para que a mesma tivesse ocorrido, e que esta é já a SEGUNDA EXECUÇÃO movida contra o executado pelo Banco 1..., S.A. com base nas mesmas escrituras de hipoteca, por os mutuários terem deixado de pagar as prestações dos empréstimos dados à execução, a que estavam obrigados, tendo os mesmos já sido integrados anteriormente pelo mutuante, no PERSI, aquando dos incumprimentos, verificados no ano de 2016, através das cartas datadas de 20/10/2016, que lhes foram remetidas pelo Banco 1...,S.A,, com vista a encontrar uma solução para os incumprimentos, mas, sem qualquer sucesso, uma vez que aqueles nunca colaboraram, e que veio a culminar com a extinção, decorridos 90 dias, mais concretamente no dia 19/01/2017, apesar de na pendência daquela execução terem vindo a regularizar o pagamento do vencido e não pago, com a retoma dos empréstimos à Estrutura Comercial do Banco 1...,S.A. para ali continuarem a ser pagos, sendo que, decorridos cerca de 5 meses, após a extinção da PRIMEIRA execução (05/05/2021) os executados deixaram NOVAMENTE de pagar as prestações dos empréstimos a que nos vimos referindo, (em 15/10/2021 e 15/11/2021) e não obstante as inúmeras interpelações realizadas pelo mutuante, ( Vidé Cartas juntas ao requerimento executivo sob o Doc. 4 e cartas juntas à contestação)  o certo é que, os mtuários, não regularizaram o incumprimento, o que foi OMITIDO DELIBERADAMENTE pelo executado que ao invocar o incumprimento do PERSI, age, em manifesto ABUSO DE DIREITO ( art.º 334º do CC).

10.O Banco 1..., S.A. procedeu à junção de certidão judicial, extraída da primeira execução que correu termos sob o n.º 1876/18...., no Juízo de Execução de Alcobaça – J. ..., para prova dos factos alegados, através de requerimento que juntou aos autos, no dia 19/06/2023.

2.2- Do PERSI;

Como se pode ler no Preâmbulo do diploma legal que prevê o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI -, instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, “estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias e considera o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca”. Este, constitui um mecanismo de protecção aplicável a clientes bancários - consumidores - que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos.

A nossa jurisprudência vem entendendo que a falta de integração do cliente bancário no PERSI consubstancia uma exceção dilatória inominada, reconhecendo, por isso, a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos artigos 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do Código de Processo Civil, sendo, assim, de admitir a sua invocação até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, não operando o efeito preclusivo do prazo para deduzir embargos.

Pelo regime instituído e regulado pelo DL 227/2012 determinam-se os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, criando-se uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações - cabe à instituição de crédito, para além da alegação, a demonstração da implementação e extinção do PERSI.

Nas palavras do Acórdão do STJ de 16.12.2020, pesquisável em www.dgsi.pt, “como instrumento para a prevenção de incumprimento no crédito bancário, o Procedimento Extrajudicial para Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, sendo-lhe exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas. Estando o executado / cliente bancário integrado no PERSI e não provando a exequente / instituição de crédito que ocorreu a extinção do PERSI e que cumpriu os deveres de informação que lhe incumbiam na sequência de tal extinção, deve a execução com vista ao pagamento das prestações em falta no contrato de crédito extinguir-se”.

O PERSI, constituindo uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo entre credor e devedor, sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva – neste sentido, os Acórdãos do STJ de 9.12.2021 e 13.4.2021, pesquisáveis em www.dgsi.pt.

Mais, se num contrato de crédito à habitação em que se convencionou o reembolso do empréstimo em prestações mensais ao longo de vários anos, perante a falha no cumprimento de algumas delas, a instituição bancária tem a obrigação de integrar o mutuário em PERSI, não podendo invocar para o não fazer ter desencadeado um PERSI numa situação de incumprimento ocorrida antes.

Deixando os devedores/consumidores, de pagar as prestações do crédito, entrando em mora, cabe à instituição de crédito/credora, contactá-los para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, beneficiando aqueles no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento de direitos e de garantias, consagrados para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.

Por outro lado, não estabelecendo o referido diploma limite a número de vezes em que é admissível o recurso ao procedimento de regularização de dívidas, que pressupõe, apenas, a existência de um incumprimento quanto ao pagamento do crédito, a circunstância da prévia existência de um, ou mais, PERSI, em relação a um dos contratos, por um prévio incumprimento, não obsta, antes o impõe, novamente, a que o mesmo contrato venha, mais uma vez, a ser integrado em um outro PERSI - a circunstância de o cliente bancário ter sido anteriormente integrado em PERSI já extinto não constitui obstáculo a que venha novamente a beneficiar desse regime, caso se encontrem reunidos os necessários pressupostos normativos para esse efeito; verificados esses pressupostos, a falta de integração do cliente bancário no PERSI constitui impedimento legal a que a instituição de crédito instaure ação executiva destinada a obter a cobrança coerciva de crédito abrangido por esse regime legal.

Como se escreve no Acórdão do STJ de  2.2.23, pesquisável em www.dgsi.pt ,o “procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos”.

Mas tal sucederá, apenas e tão só, no caso de após um primeiro incumprimento se verificar que o executado regularizou os montantes em dívida e/ou retomou o pagamento das prestações a que se obrigou em execução do contrato celebrado e voltou a incumprir.  Quando credor e devedor chegam a acordo no âmbito do PERSI, mas o segundo não cumpre com aquilo a que se vinculou, o exequente não está obrigado a integrar o mesmo devedor em PERSI, verificando-se um contínuo, reiterado e permanente incumprimento do acordo estabelecido para a regularização da dívida – neste preciso sentido, por ex., o Acórdão da Relação de Évora de 25.1.2024, pesquisável em www.dgsi.pt.

Mas, tal situação não acontece nos presentes autos, pelo que e neste particular, teremos de concordar com a 1.ª instância quando escreve:

“Vertendo ao caso concreto, está apurado que se verificava, à data do r.e.(26/08/2022) e desde em finais de 2021, um incumprimento por parte do executado (e da co-executada) há mais de 30 dias, no que respeita aos empréstimos celebrados com o Banco exequente, e que o executado (e a co-executada) não foram integrados em PERSI quanto a esse concreto incumprimento (e antes da instauração da execução), sendo que se afigura não estar em causa a qualidade de consumidores dos executados, enquanto mutuários, nem a aplicação do diploma aos empréstimos dos autos, atenta a posição assumida nos autos.

A questão que agora se coloca respeita a saber se a primitiva integração no PERSI, em 2014/2016 (consoante o empréstimo em causa, nos termos postos na factualidade provada), quanto ao incumprimento então verificado (que levou à instauração de uma outra execução), pode ter relevância no âmbito dos presentes autos, para efeitos do cumprimento do disposto no DL n.º 227/2012, ou se era requerido que o Banco exequente tivesse assegurado uma (nova) integração no PERSI antes da instauração da (nova) execução, com referência à situação de incumprimento verificada após a retoma dos empréstimos (após o fim do PERSI instaurado em 2014/2016 e no decurso da outra execução).

A esse respeito, salvo melhor opinião, se a última integração no PERSI ocorreu perante o não pagamento de outras prestações vencidas à data e se, após a extinção desse PERSI (à data de 2014/2017), foi instaurada uma execução (em 2018) que veio a terminar, em 2021, com a regularização dos empréstimos, afigura-se que existem dois momentos distintos ou duas situações distintas de incumprimento, uma primeira que motivou a integração no PERSI mas que não encontra reflexo na subsequente situação de incumprimento e que está no origem da instauração da actual execução de que os presentes autos constituem apenso (portanto, poder-se-á concluir que após o último PERSI terminar os mutuários vieram a liquidar as prestações vencidas, permitindo a regularização dos empréstimos e a extinção da outra execução, conforme reconhecido pelo próprio exequente).

Neste contexto, entende-se que era obrigatória a nova integração dos executados no PERSI, por via do art. 14.º, n.º 1, sendo que o exequente, embora tenha invocado que ocorreu essa integração, situou-a em 2014/2016 e reportada a outra situação de incumprimento, ou seja, está assumido pelo exequente que, antes da instauração da execução principal, não existiu integração no PERSI quanto ao incumprimento ocorrido em finais de 2021”.

Avançando.

2.3-Do Abuso do Direito;

Contudo, a dilação temporal, o número de vezes a que se acede a tal mecanismo, as negociações, o comportamento contratual das partes e a verificação do novo incumprimento contratual, pode, eventualmente, configurar abuso do direito no acesso ao PERSI, tal como o define a norma do art.º 334º do Código Civil - é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Os tribunais só podem, por isso, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. Manuel de Andrade refere-se aos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça - Teoria Geral das Obrigações, pág. 63 - e às hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição.

O abuso do direito constitui, pois, uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas; funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas, em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica.

No abuso do direito há uma actuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, se apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, no seu todo – ver, Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in Agendo””, Almedina, 2006, pág. 33.

Como escreve Almeida Costa -Direito das Obrigações”, Almedina, 11º ed. ª, pág. 83 - o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá tal figura de abuso quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social.

Como é sabido, a figura do abuso do direito tem sido utilizada como uma válvula de escape para evitar os resultados injustos que a aplicação estrita da lei pode causar. Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.12.2008, acessível em www.dgsi.pt, “a figura do abuso do direito surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.”

Todavia, para que seja aplicado este instituto, não bastam conceções subjetivas de justiça, ou, até, que seja de facto produzida uma qualquer forma de injustiça ou de desequilíbrio entre as partes.

Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de 12.01.2021 - proc. n.º 2689/19.8T8GMR-B.G1.S1 e acessível em www.dgsi.pt , “o abuso de direito não significa uma desaplicação de normas com base numa remissão genérica para sentimentos de justiça. Os tribunais exigem a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, de acordo com modelos experimentados ao longo da história pelo labor da jurisprudência”.

Por isso, a aplicação do instituto do abuso do direito exige que os factos provados sejam inequívocos no sentido de demonstrarem a má fé dos executados e que o exercício do seu direito ou posição jurídica exceda o fim social e económico que constitui a sua razão de ser. Por outro lado, a aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa, exigindo-se a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjectiva para a materialidade da situação.

Ora, o que nos diz o processo, com interesse para a questão:

1.Correu termos sob o n.º 1876/18...., neste Juízo de Execução, uma execução em que era exequente o aqui exequente e executados o aqui executado/opoente e a co-executada BB, com base nos documentos referidos em 1.º e 2.º e relativa ao não pagamento das prestações dos mesmos empréstimos referidos em 1.º e 2.º, a partir de 15/11/2016 e 15/06/2017, respectivamente, nos termos constantes no r.e. que se encontra na ref. 9851475.

2. Tal execução foi extinta por decisão do AE de 05/05/2021 por inutilidade superveniente da lide, decorrente da regularização das prestações vencidas e retoma dos empréstimos referidos em 1.º e 2.º junto do ora exequente.

3. No dia 31/08/2022, moveu o Recorrente Banco 1..., anteriormente Banco 2..., S.A. execução, com base em duas escrituras celebradas no dia 12/12/2005; designadas de “ Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Procuração” (C....47) e “Mútuo com Hipoteca e Procuração” (C....48) nas quais, intervieram, como mutuante, o Banco 1..., S.A., e como mutuários, AA e BB, através das quais o primeiro emprestou aos segundos a quantia de €83.000,00 (€80.000,00 + €3.000,00) de capital, da qual, estes se confessaram desde logo devedores, tendo, EM CONTRAPARTIDA, e para garantia dos referidos empréstimos bancários, no valor de €83.000,00, dos juros remuneratórios, às taxas de 0,887% e 1,387% ao ano, acrescidas, de uma sobretaxa, pela mora de 3% ao ano, taxas previstas nas Escritura de Hipoteca, juntas sob os Docs. 1 e 2, e das despesas judiciais e extras judiciais, constituíram, os mutuários, AA e BB DUAS HIPOTECAS VOLUNTÁRIAS (Ap. ...6 e ...7 de 2005/11/29) a favor do mutuante/exequente, Banco 1..., S.A., até ao montante máximo assegurado de €117.445,00 (€113.200,00 + €4.245,00) , respectivamente,  sobre a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., freguesia de concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da dita freguesia, à altura inscrito na matriz sob o artigo ...02, e atualmente inscrito sob o artigo ...31, propriedade dos mesmos, até 27/02/2019, data em que venderam ao também executado CC (cfr. n.º 2 do art. 54.º do CPC) conforme se confirma pela Ap. ...41 de 2019/02/27;

4. O Banco 1..., S.A. contestou os embargos de executado, deduzidos pelo executado AA, no dia 28/02/2023, onde alegou, em síntese que, a “mudança de mãos” do imóvel hipotecado ao Banco 1...,S.A. foi realizada À REVELIA do mutuante Banco 1..., S.A., que NÃO TEVE CONHECIMENTO, NEM DEU O SEU CONSENTIMENTO, para que a mesma tivesse ocorrido, e que esta é já a SEGUNDA EXECUÇÃO movida contra o executado pelo Banco 1..., S.A. com base nas mesmas escrituras de hipoteca, por os mutuários terem deixado de pagar as prestações dos empréstimos dados à execução, a que estavam obrigados, tendo os mesmos já sido integrados anteriormente pelo mutuante, no PERSI, aquando dos incumprimentos, verificados no ano de 2016, através das cartas datadas de 20/10/2016, que lhes foram remetidas pelo Banco 1...,S.A,, com vista a encontrar uma solução para os incumprimentos, mas, sem qualquer sucesso, uma vez que aqueles nunca colaboraram, e que veio a culminar com a extinção, decorridos 90 dias, mais concretamente no dia 19/01/2017, apesar de na pendência daquela execução terem vindo a regularizar o pagamento do vencido e não pago, com a retoma dos empréstimos à Estrutura Comercial do Banco 1...,S.A. para ali continuarem a ser pagos, sendo que, decorridos cerca de 5 meses, após a extinção da PRIMEIRA execução (05/05/2021) os executados deixaram NOVAMENTE de pagar as prestações dos empréstimos a que nos vimos referindo, (em 15/10/2021 e 15/11/2021) e não obstante as inúmeras interpelações realizadas pelo mutuante, ( Vidé Cartas juntas ao requerimento executivo sob o Doc. 4 e cartas juntas à contestação)  o certo é que, os mutuários, não regularizaram o incumprimento”.

Alega o Apelante:

XV-Ficou provado que o executado AA, foi objecto de execução em 2018, com base nos mesmos empréstimos, por ter deixado de pagar as prestações em 2016 e 2017, e em 2019, vende o imóvel a terceiros, sem dar conhecimento ao Banco 1...,S.A. ( Vidé Ap. ...41 de 2019/02/27).

XVI-O Banco 1..., de BOA-FÉ extingue a execução, no dia 05/05/2021 e os executados decorridos cerca de 5 meses, deixaram NOVAMENTE de pagar as prestações dos empréstimos a que nos vimos referindo em 15/10/2021 e 15/11/2021, o que levou à instauração da presente execução. 

XVII-Citado para a presente execução, o executado AA não obstante ter deixado de pagar as prestações ao Banco 1..., S.A., e ter vendido o imóvel em 2019, vem, agora, com manifesta MÁ-FÉ, alegar que o exequente Banco 1..., S.A. não cumpriu o PERSI”.

Mais,

“XIX-O Recorrido AA, mente despoduradamente quando alega que foi com surpresa que foi citado para a presente execução, porquanto tal como vem alegado e provado na contestação que o Banco 1..., S.A. apresentou, foram inúmeras as cartas remetidas para a morada convencionada, e que comprovadamente é a morada actual do executado, dado que, corresponde à mesma morada onde foi citado e indicada pelo próprio executado na procuração, e que nunca vieram devolvidas.

XX-Como resulta da matéria de facto provada na douta sentença recorrida ( Vidé arts.º 4º)  foram muitas as missivas remetidas pelo Banco 1..., S.A. dando oportunidade ao executado para regularizar o incumprimento, antes da entrada em juízo da presente execução, missivas essas que foram ignoradas pelo executado, dado que, como resulta dos autos a correspondência foi remetida para a única morada conhecida nos autos que é a morada convencionada, coincidente com a morada indicada pelo próprio executado na procuração que juntou aos embargos.

XXI-O exequente logo que se mostraram vencidas e não pagas duas prestações do empréstimo de maior valor, dado à execução, foram interpelados através de carta datada 18/12/2021, para procederam ao seu pagamento no valor de €474,77. ”(Vidé Doc. 1 que acompanhou a contestação do Banco 1...)

XXII-Na carta datada de 17 de Fevereiro de 2022, remetida pelo Banco 1...,S.A. ao executado, encontrando-se vencidas e não pagas quatro prestações do empréstimo de maior valor, dado à execução, foi solicitado o pagamento de €1.022,09, que se encontrava em dívida à data, ali podendo ler-se o seguinte : “Solicitamos que contacte com urgência os nossos serviços através do telefone ...88 por forma a proceder à Regularização da mesma.”( Vidé Doc. 1 – página 9 que acompanhou a contestação do Banco 1... )

XXIII-Na carta datada de 18 de Abril de 2022, remetida pelo Banco 1...,S.A. ao executado, encontrando-se vencidas e não pagas seis prestaçoes do empréstimo de maior valor, foi solicitado o pagamento de €1.558,22, que se encontrava em dívida à data, ali pode ler-se o seguinte : “Não obstante os vários contactos anteriormente efetuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda regularizada.” .( Vidé Doc. 1 – página 25 que acompanhou a contestação do Banco 1... )

XXIV-Na carta datada de 18 de Maio de 2022, remetida pelo Banco 1...,S.A. ao executado encontrando-se vencidas e não pagas sete prestações do empréstimo de maior valor, foi solicitado o pagamento de €1.834,04,  que se encontrava em dívida à data, ali pode ler-se o seguinte : “ Com efeito e não obstante as tentativas feitas para esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar-se” .( Vidé Doc. 1 – página 33 que acompanhou a contestação do Banco 1...)

XXV-Na carta datada de 02 de Agosto de 2022, remetida pelo Banco 1...,S.A. ao executado ali pode ler-se o seguinte : “O Banco 1... tentou dialogar com V.Exa., para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma vantajosa para ambas as partes. No entanto, a falta de pagamento continua a verificar-se” ( Vidé Doc. 2 que acompanhou a contestação do Banco 1... )

XXVI-No verso de todas as cartas remetidas pelo Banco 1...,S.A. ( Vidé art.º 4º da matéria de facto provada ) constam os contactos ( telefone, fax e email ) para onde os mutuários  podem entrar em contacto com o mutuante Banco 1..., S.A.

XXVII-Os mutuários não obstante as várias insistências por parte do Banco 1..., para regularizaram as prestações vencidas e não pagas, nunca reagiram às mesmas, indo ao encontro do Banco 1...,S.A. na procura de uma solução diversa daquela que estava a ser proposta, mas, também se pode compreender porque o não fizeram, uma vez que vem referido na p.i. que o embargante AA, juntou aos autos no dia 19/01/2023 que a mutuária BB na altura da ocorrência destes factos estava a residir na Alemanha, facto que nunca foi comunicado ao exequente Banco 1...,S.A. e o mutuário AA, andava e anda ainda “em guerra” com o executado CC por causa da venda da casa e já não se sentia obrigado a pagar as prestações dos empréstimos ( Vidé Doc. 1 que acompanhou os requerimentos do embargante apresentados em 19/01/2023 e 14/04/2023 ).

XXVIII-O Recorrido AA, quer ainda convencer o Tribunal, que não sabia – imagine-se – que o imóvel hipotecado ao Banco 1..., S.A. tinha sido vendido a CC, a quem confessadamente entregava, “em mão, todos os meses, €300,00”, para pagar as prestações dos empréstimos ao Banco 1...,S.A.

(…)

XXXI-O executado, sabia e sabe perfeitamente as obrigações que assumiu perante o exequente Banco 1..., S.A., quando assinou as escrituras de hipoteca, que servem de base à presente execução, designadamente, a obrigação do pagamento das prestações mensais e ainda quais as consequências da venda a terceiro do imóvel à revelia do credor hipotecário Banco 1..., S.A.

XXXII-A conduta do executado AA é altamente censurável e contrária que vem previsto no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, ( art.º 4º/2 ) quando ali se diz que : “Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações.”

XXXIV-O executado AA age em Abuso de Direito quando vem invocar a sua não integração no PERSI resultando manifesto que devido ao seu comportamento, ao vender o imóvel hipotecado sem o conhecimento e consentimento do exequente, o PERSI sempre teria que ser declarado extinto em virtude da prática de atos que põem em causa os direitos e garantias da instituição de crédito Banco 1..., S.A.

XXXV-A atitude passiva do executado ou melhor activa no sentido de desrespeitar aquilo que contratualmente ficou acordado inter-partes, alienando o imóvel à revelia do Banco 1..., S.A., não é merecedora da protecção concedida pelo Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, que é afastada pela manifesta MÁ-FÉ com que actuou o executado AA, constituindo abuso de direito a invocação pelo mesmo, da preterição do PERSI, face à factualidade que resulta da prova documental junta aos autos”.

Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, embora o comportamento dos executados/apelados seja de censurar por incumprimento contratual, por em 2019 venderem o imóvel a terceiros sem dar conhecimento ao exequente – nas palavras do Acórdão do STJ de 16.11.2021, pesquisável em www.dgsi.pt , “na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito, mesmo que tal tenha sucedido após a alienação do imóvel, garantia do mútuo” -, não lobrigamos factos suficientes para a aplicação do instituto do Abuso de Direito - factos que sustentem a alegação de que o executado ao invocar na execução, como defesa, que o exequente não deu início a este mecanismo antes de instaurar a execução, aja em abuso de direito, pelo que, era exigível à exequente a integração formal no regime do PERSI.

Senão vejamos.

A alegação de que o executado omitiu que já tinha havido um primeiro PERSI que se extinguiu um janeiro de 2017, por terem decorrido 90 dias sem que tenham chegado a acordo, parece-nos irrelevante, já que depois disso a credora instaurou execução pelas quantias em dívida e a execução foi extinta em 2021, porque o executado pagou as prestações em atraso e o plano prestacional foi retomado; depois da extinção da execução ainda pagou durante mais cinco meses e depois deixou de pagar; e, era aí que o Apelante deveria ter enviado a carta a dar inicio ao PERSI e não deu; estamos perante um novo incumprimento  - aquando do 1.º Persi, encontravam-se em dívida prestações de 2016; aquando deste novo incumprimento, as prestações em dívida são de dezembro de 2021.

Quanto ao facto de o executado ter vendido o prédio hipotecado não se vislumbra qual é a relevância para que a invocação da falta do PERSI passe a constituir um abuso de direito, até porque a garantia se mantém, podendo o Banco executá-lo como o está a fazer nesta execução.

Por outro lado, as cartas que lhe foram enviadas a comunicar que se encontravam em divida determinadas prestações e que as devia realizar, não podem substituir a imposição legal de desenvolver diligencias no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado - a expressão “suporte duradouro” usada nos arts. 14.º, 15.º e 17.º, do DL n.º 227/2012, de 25-10, - diploma que criou o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) - é correspondente ao conceito de documento do art. 362.º do CC, pelo que a prova da existência do procedimento e dos termos em que teve lugar, desde a sua instauração à sua extinção, só pode ser feita através da sua exibição.

Não se vislumbra, pois, um exercício abusivo da invocação de que o Banco deveria ter iniciado um PERSI antes da execução, sendo certo que, não se integra em qualquer uma das categorias habituais de Abuso de Direito, a saber:

- venire contra factum proprium;

- supressio (inércia durante um período suficientemente longo, suscetível de criar a convicção de que já não será exercido);

- tu quoque (situações de uma pessoa que não cumpre um dever jurídico e vem mais tarde prevalecer-se desse incumprimento);

- ou desequilíbrio no exercício - ara mais desenvolvimentos desta questão, ver o acórdão do STJ de 02-02-23, pesquisável em www.dgsi.pt, respeitante a uma situação similar a esta e em que nega a existência de qualquer abuso de direito -  sendo a garantia do crédito uma hipoteca, que, porque goza de sequela (ut artº 686.º do Código Civil), acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não pode dizer-se, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. A que acresce que a lei não admite a extinção automática do PERSI; a aplicação do instituto do abuso do direito tem uma natureza subsidiária, só a ele sendo lícito recorrer na falta de uma norma jurídica que resolva, de forma adequada, a questão em causa, exigindo-se a prova rigorosa dos seus elementos constitutivos e a ponderação dos valores sistemáticos em jogo, sob pena de se tratar de uma remissão genérica e subjectiva para a materialidade da situação.

Também no Acórdão do STJ de 9.12.2021, pesquisável em www.dgsi.pt, podemos ler: “Num contrato de crédito à habitação, em que se convencionou o reembolso do empréstimo em prestações mensais, ao longo de vários anos, perante a falha no cumprimento de duas prestações, a instituição bancária tinha a obrigação de integrar o mutuário em PERSI, não podendo invocar para o não fazer ter desencadeado um PERSI numa situação de incumprimento ocorrida três anos antes, que se extinguiu por falta de colaboração do mutuário.

Improcede também, neste particular, a Apelação.


*

2.4-Da extensão da extinção da execução aos executados BB e CC;

Alega, ainda, o Apelante:

XXXVIII-O Tribunal “a quo” não se ficou por aqui, ainda considerou verificada na excepção inominada da preterição do PERSI, relativamente à co-executada BB que não deduziu Oposição à execução (art.º 732º/4 do CPC), e extinguiu a execução contra a mesma.

XXXIX-Sucede que, havendo litisconsórcio voluntário passivo na execução como é o caso dos autos, o caso julgado da decisão proferida nos embargos apenas se produz entre o executado/embargante e o exequente, nos termos dos arts. 580º/1, 581º, 619º/1 e 621º do CPC, o que aliás é reconhecido pela douta sentença recorrida quando ali é dito que : “Entende-se, como regra nos casos de litisconsórcio voluntário passivo na execução, que “a sentença proferida na oposição só é vinculativa entre o opoente (ou opoentes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado” – Lebre de Freitas, A acção executiva, 5.ª Ed, Coimbra Ed., 2009, pág. 189). Dito de outra forma, se um co-executado não deduziu oposição à execução, não pode ser considerada comparte (na oposição) e não lhe é extensível o caso julgado (que venha a existir) resultante de decisão quanto a outro co-executado/opoente, incluindo quanto à extinção da execução. “ (Vidé pág. 14 da douta sentença recorrida )

XL-Não se compreende assim, a decisão da douta sentença recorrida da extensão da extinção da execução também à executada BB que não deduziu Oposição, pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença recorrida, o disposto nos artigos 580º/1, 581º , 619º/1 e 621º do CPC.

XLI-Ademais, a atitude da executada que deixou de pagar as prestações dos empréstimos a que estava obrigada, passou a residir na Alemanha, sem comunicar a alteração de residência ao Banco 1..., S.A., razão pela qual não terá recebido as cartas remetidas pelo Banco 1...,S.A. para a morada convencionada e alienando o imóvel à revelia do Banco 1..., S.A., desrespeitando aquilo que contratualmente ficou acordado inter-partes, não é merecedora da protecção concedida pelo Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, que é afastada pela manifesta MÁ-FÉ com que actuou a executada BB.

XLII-A douta sentença recorrida extinguiu também a execução contra o executado, terceiro adquirente do imóvel hipotecado ao Banco 1...,S.A. CC que não interveio em qualquer das escrituras que servem de base à execução, com base também na preterição das regras do PERSI, o que não pode aceitar-se, face ao disposto, nomeadamente, nos arts.º 2º/1 e 3º/a) do Decreto Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro.

XLIII-A legislação relativa ao PERSI, não é aplicável ao terceiro CC que não é cliente bancário e que não interveio como mutuário em contrato de crédito.

XLIV- A extinção da execução contra o executado terceiro adquirente, do regime do PERSI, não encontra, salvo o devido respeito, qualquer fundamento legal i) em primeiro lugar, porque o mesmo foi citado e não se opôs, pelo que, a decisão proferida no âmbito dos embargos deduzidos por um dos executados, não aproveita aos demais, isto é, a douta sentença proferida na Oposição, só é vinculativa entre o Oponente e o Exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado, e ii) em segundo lugar, porque a obrigação do cumprimento do PERSI, só se aplica na relação entre mutuante e mutuários.

XLV-O exequente podia ter movido a execução apenas contra o proprietário do imóvel, uma vez que este adquiriu o mesmo sem ter distratado a hipoteca, e existe o Direito de Sequela ( art.º 54º/2 do CPC) e, se assim tivesse acontecido a preterição do PERSI não podia aproveitar a este, se ele tivesse embargado.

XLVI-Tal como já se referiu a propósito da “extensão” efetuada pela douta sentença recorrida, da decisão proferida no âmbito dos embargos deduzidos pelo executado AA à co-executada BB, o caso julgado da decisão proferida nos embargos apenas se produz entre o executado/embargante e o exequente, pelo que, ao decidir como decidiu, extinguindo a execução quanto à executada BB e ao executado terceiro adquirente do imóvel CC, violou a douta sentença recorrida, o disposto, nomeadamente, nos artigos arts. 580º/1, 581º e 619º/1 e 621º do CPC.

XLVII-Ao considerar verificada a excepção dilatória inominada do incumprimento do regime legal da integração do cliente bancário no PERSI, em relação ao executado /embargante, AA, a douta sentença recorrida, fez, uma errónea aplicação das regras de direito substantivo aos factos, e ao extinguir a execução contra todos os executados, incorreu também a douta sentença recorrida, em errónea aplicação das regras de direito adjectivo, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º/1/c) do CPC, nulidade essa que aqui se invoca, para todos os efeitos legais.

Avaliando.

Nas situações de incumprimento de contrato de crédito bancário a que seja aplicável o regime do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10, o PERSI constitui um procedimento extrajudicial obrigatório e qualquer acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada depois da sua extinção - art.º 18º, nº 1, al. b). As normas procedimentais relativas ao PERSI tem natureza de normas imperativas, sendo que a inobservância dessas normas impede a instituição de crédito de solicitar judicialmente a satisfação do seu crédito. Isto porque a preterição de extinção do PERSI constitui a inobservância de uma condição de admissibilidade da execução – falta de pressuposto processual – ou seja, de uma condição necessária para que no processo executivo a obrigação exequenda possa ser realizada coactivamente.

 Por isso, a comunicação de integração no PERSI, bem como a sua extinção constituem uma condição de admissibilidade da acção - declarativa ou executiva - e a sua falta consubstancia uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do réu da instância - em face do disposto no art.º 734º, nº 1 o juiz conhece oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo – v.g. de  excepção dilatória inominada decorrente da inobservância do PERSI e enquanto causa impeditiva do direito do credor a instaurar acção.

É sabido que em execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro (hipoteca), o credor pode demandar, em litisconsórcio voluntário passivo, o terceiro e o devedor, quando pretenda fazer valer a garantia para satisfação do seu crédito. Ao terceiro garante - ainda que não devedor - é consentido, à luz do preceituado no artigo 698º, do Cód. Civil, invocar como meios de defesa próprios – ou de conhecimento oficioso nos precisos termos das normas dos artigos 726.º e 734.º - os fundamentos que o devedor (mutuário) poderia invocar nos termos do artigo 585º, do mesmo Código, ou seja, os meios de defesa baseados na relação pessoal entre o devedor e o cedente, além, ainda, dos que se baseiem na relação pessoal entre o devedor e o cessionário- sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador , nos termos da norma do artigo 698.º do Código Civil.

Por isso, a venda pelo devedor/mutuário, sem autorização ou conhecimento da entidade mutuante, do imóvel sobre que incidem as hipotecas a favor da mutuante, não constitui uma causa de extinção imediata do PERSI, não desonera os devedores do pagamento da dívida, nem desonera a instituição bancária das suas obrigações de integração dos executados em PERSI, e de informação/comunicação da extinção do mesmo.

Mais, sendo a garantia do crédito uma hipoteca, que, porque goza de sequela - ut art.º 686.º do Código Civil -, acompanha a coisa em todas as suas vicissitudes, não pode dizer-se, sem mais, que esteja em perigo a garantia, pois o credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa onde quer que ela se encontre. A que acresce que a lei não admite a extinção automática do PERSI – neste preciso sentido, o Acórdão de STJ de 2023-02-02 (Processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1), pesquisável em www.dgsi.pt.

Assim, não constando da matéria de facto o cumprimento pelo Autor/Apelante dos deveres legalmente impostos, não existindo  a extinção do PERSI nem se tendo provado a existência do abuso de direito, teremos de concluir que o exequente instaurou a execução durante o período de vigência do PERSI, numa fase em que estava impedido de o fazer, por força da lei, estando, pois, verificados os pressupostos da excepção dilatória inominada não sanável, de conhecimento oficioso no âmbito da execução, extensiva, também, aos restantes executados não embargantes.

Em súmula, cumpre manter o decidido em 1ª instância, sem necessidade de outros desenvolvimentos.

Sumariando:

(…).


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 1.

As custas ficam a cargo do apelante.

Coimbra, 23 de Abril de 2024

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)

(Maria João Areias - 2.ª adjunta)