PROCESSO SUMÁRIO
NOTIFICAÇÃO PARA A AUDIÊNCIA
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário

I - Em processo sumário, mesmo que o arguido haja sido previamente notificado para uma primeira data de audiência nos termos do art.385º nº2 alínea a) do CPP, se, em data subsequente, não estando devidamente notificado, se inicia a audiência com produção de prova na sua ausência, tem-se por verificada a nulidade insanável prevista no art.119º alínea c) do CPP.
II - O regime previsto no art.385º nº2 alínea a) do CPP não constitui qualquer reserva ao âmbito da nulidade prevista no art.119º alínea c), tão só, à semelhança do que resulta do disposto no art.333º nºs1 e 2 para o processo comum, apenas representa o modo de gestão da prova em audiência com intuitos de celeridade (no processo comum depende da opção do julgador; no processo sumário, por opção do legislador, a audiência inicia e prossegue sempre mesmo na ausência do arguido), não desobrigando o Tribunal de notificar pessoalmente o arguido do início da audiência de julgamento.
III - Não se podem atribuir efeitos cominatórios (não estabelecidos por lei) à circunstância do defensor do arguido não requerer que este seja ouvido em data subsequente nos termos do nº3 do art.333º do CPP (caso o arguido não esteja notificado para a segunda sessão de audiência), considerando-se que assim ficava precludida a nulidade do art.119º alínea c) do CPP, tanto mais que esta nulidade é de largo espetro.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo nº 6250/22.1JAPRT.P1

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No Juízo Local Criminal de do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em processo comum com intervenção de Tribunal Singular proferiu-se sentença que condenou os arguidos da seguinte forma:

Pelo exposto, e atentos os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo procedente a acusação pública deduzida contra os arguidos AA e BB, em consequência do que decido:

a. Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos arts. 204.º, n.º 2, al. f) e 210.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, por referência ao art. 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15/03), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto no art. 50.º e 53.º do Código Penal, suspendo por igual período de tempo, subordinada a regime de prova;

b. Condenar o arguido BB, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos arts. 204.º, n.º 2, al. f) e 210.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, por referência ao art. 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15/03), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto no art. 50.º e 53.º do Código Penal, suspendo por igual período de tempo, subordinada a regime de prova;

c. Condenar os arguidos AA e BB, solidariamente, no pagamento ao Estado da quantia de € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros).” 


*

Inconformada, vem o arguido AA recorrer desse acórdão, com as seguintes conclusões:

1 - O aqui arguido foi condenado pela prática em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 204.º n.º 2, alínea f) e 210.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, por referência ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15/03, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, bem como o pagamento solidário ao Estado da quantia de € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros).

2 – Entende o Recorrente, que a identificada decisão padece de vícios que versam Matéria de Direito, designadamente:

III – Da contradição insanável – artigo 410.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal;

IV - Erro notório da apreciação da prova e o princípio in dubio pro reo;

V – Nulidade do Acórdão por falta de fundamentação;

VI – Medida da Pena e

VII - Aplicabilidade do regime aplicável a jovens delinquentes.

3 - III – DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL – ARTIGO 410.º N.º 2 ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - Os vícios decisórios – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entra a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, representam defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento, razão pela qual a lei exige que a sua evidenciação se faça apenas através do respetivo texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo licito para este efeito, o recurso a elementos alheios à sentença, ainda que constem do respetivo processo. In casu, existe manifesta contradição entre os factos dados como provados, os factos provados e a própria motivação/fundamentação do Acórdão recorrido.

4 - É dado como provado nos quesitos 3, 4, 7, o seguinte:

3. Pelo arguido AA lhe tendo sido exibido um objecto que se assemelhava a uma pistola, que retirou da zona da cintura da roupa que trajava.

4. Ao que CC encetou fuga em direcção à Rua ..., tendo aquele efectuado um disparo. (...)

7. Assim como que o arguido AA lhe exibia um objecto que se assemelhava a uma pistola e que veio a disparar para que o mesmo lhe entregasse os seus pertences e a bolsa que trazia à cintura”.

5 - Todavia, foi também dado como não provado nos pontos D e E, que:

D. Que o objecto que assemelhava a uma pistola fosse de cor preta e lisa de ambos os lados.

  E. Que um projéctil passasse perto do ouvido de CC”.

6 - Também na página 9 da douta decisão, consta: “Em sede de acusação pública, foi inquirido como testemunha CC (...) Do mesmo passo, e vendo-se constantemente confrontado com a natureza do objecto caracterizado na acusação pública como algo semelhante a uma pistola, manteve que “era efectivamente uma pistola” (sic), desta forma inculcando em Juízo a sua percepção, reportada ao momento do evento, de que, com efeito, de uma arma se trataria, o que, de resto , se coadunou com o barulho que afirmou ter escutado, que ajuizou como sendo o “de uma arma de fogo” (sic) e caracterizou como sendo “mesmo alto” (sic)”.

7 - Prosseguindo na página 11, consta o seguinte: “(...) perante a sua recusa, foi-lhe exibida o que considerou então ser uma pistola; encetou fuga, vendo cair-lhe o telemóvel e escutando um disparo que mais o convenceu quanto à natureza do objecto que viu mostrado.”.

8 - Analisando as citações mencionadas e constantes na douta Sentença, verificamos que existe uma clara contradição entre os factos dados como provados com os factos dados como não provados, bem como entre os factos dados como provados e a própria fundamentação da decisão.

9 - Vejamos, é dado como provado que o arguido AA estava, ao momento da prática dos factos, munido de um objeto que se assemelhava a uma pistola, tendo não só exibido o mesmo objeto ao ofendido, como efetuado em seguida um disparo. Todavia, analisando os factos dados como não provados, não se provaram as características do alegado objeto, descrito, anteriormente em sede de inquérito e de forma pouco credível pelo ofendido, nomeadamente, como sendo de cor preta e lisa de ambos os lados.

10 - Neste sentido, não logramos compreender como se pode dar como provado que o ofendido não só foi confrontado com o referido objeto, como o viu de forma clara – caso contrário não teria, como afirmou a decisão, um efeito dissuasor/repressivo – e ainda assim, não se logre concluir as particulares características do dito objeto.

11 - Mas mais, é também dado como provado que foi efetuado um disparo pelo aqui Recorrente. Segundo o ofendido em sede de inquérito, terá esse disparo – que não deixou qualquer tipo de vestígio, segundo a Polícia Judiciária – passado perto do seu ouvido, bem como alegadamente terá soado a um pneumático a esvaziar, contudo é dado como não provado no quesito E o oposto, isto é, não terá passado perto do ouvido. Ainda assim, afirmou a decisão por mais de uma vez que o depoimento do ofendido é credível e sério.

12 - ASSIM SENDO, POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 410,º, N.º 2, ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL A SENTENÇA QUE ORA SE RECORRE PADECE DE NULIDADE.

13 - IV – ERRO NOTÓRIO DE APRECIAÇÃO DA PROVA E O PRINCÍPO IN DUBIO PRO REO – Nos termos do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado. Este princípio de inocência, in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros. Ora, de acordo com o disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, que abrange o princípio da livre apreciação da prova - a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para alicerçar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal.

14 - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, tendo em consideração as regras da experiência e a lógica comuns, não poderiam ter ocorrido. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, perceptível pela mera leitura do texto da decisão. É precisamente este vício que está na base do caso sub judice.

15 - O arguido foi condenado pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de roubo qualificado, nos termos dos artigos 204.º, n.º 2, alínea f) e 210.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sem ter sido produzida prova nesse sentido.

16 – Com efeito, foi assim dado como provado que o Recorrente se encontrava munido de um objeto que se assemelhava a uma pistola, tendo-o exibido ao ofendido com o intuito de o assaltar. Todavia, ficamos sem compreender os detalhes e as características do referido objeto. Aliás, observa-se no quesito D dos factos dados como não provados que a caracterização partilhada pelo ofendido em sede de inquérito, e parte em julgamento, não foi possível de apurar em sede de decisão, ainda que se desse como provado a existência do referido objeto.

17 - Assim, temos um objeto que se assemelha a uma pistola – note-se que segundo a douta Sentença, até dispara, quesitos 4 e 7 - que alegadamente terá sido perfeitamente visionada pelo ofendido de acordo com o ponto 3 dos factos dados como provados, todavia não se logrou apurar os seus detalhes. Mais, a descrição fornecida, ainda que imprecisa, foi precisamente dada como não provada de acordo com o quesito D.

18 - No entanto, também se pode ler na decisão na sua página 9: “Do mesmo passo, e vendo-se constantemente confrontado com a natureza do objecto caracterizado na acusação pública como algo semelhante a uma pistola, manteve que “era efetivamente uma pistola” (sic), desta forma inculcando em Juízo a sua percepção reportada ao momento do evento, de que, com efeito, de uma arma se trataria, o que, de resto, se coadunou com o barulho que afirmou ter escutado, que ajuizou como sendo o “de uma arma de fogo” (sic) e caracterizou como sendo “mesmo alto” (sic)”. Novamente estamos perante uma contradição e mesmo incoerência do juízo que subjaz à decisão.

19 - Vai a decisão mais longe ao afirmar nos quesitos 4 e 7 que o objeto que se assemelhava a uma pistola, exibido ao ofendido – que teve um depoimento credível para o Tribunal a quo – sem características concretas e nunca encontrada, também disparou. Com o devido respeito, que é sempre muito, tal raciocínio carece de lógica indo contra as regras da experiência e do normal acontecer das coisas.

20 - Concomitantemente, debruçando-nos sobre o vertido no ponto 7 dos factos dados como provados, depreende-se que na tentativa de assalto dos arguidos, nunca tendo o aqui Recorrente deixado de apontar o dito objeto desconhecido, decidiu disparar o mesmo – na verdade não se conhecendo verdadeiramente esse objeto, não se poderá afirmar o que poderá ter disparado ou mesmo se estava apto a disparar algo - não se sabendo bem em que direção – atente-se ao quesito E dos factos dados como não provados - para que o ofendido, que já estava em rota de fuga, entregasse os bens.

21 - Com todo o respeito e salvo opinião diversa, parece-nos que tal lógica é completamente contrária às regras da experiência e normal acontecer das coisas. Perguntamos mesmo retoricamente porque é que um assaltante dispararia um objeto – ainda que fosse uma pistola – para um qualquer local – suponhamos para fins de hipótese académica que fosse para o ar – para lograr concretizar um assalto falhado, numa zona residencial e quando o ofendido já está em fuga. Mais, agir neste sentido quando nem sabia que precisos bens poderia ter o visado na sua posse. Tal raciocínio é, no mínimo, desprovido de lógica ou credibilidade.

22 - Por fim, no que a este tema concerne, consideramos merecer atenção o constante na página 10 da decisão, no contexto da motivação da matéria de facto.

23 - Em primeiro lugar, a dita tese do arguido AA em sede de inquérito foi devidamente transposta em auto, fazendo parte integrante do processo e estando sujeita à livre apreciação da prova pelo julgador, ao abrigo do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

24 - Em segundo lugar, quanto à incumbência ou não de sindicar o despacho de arquivamento quanto ao crime de detenção de arma proibida, é da nossa modesta opinião que tal deve ser levado em conta. Ora, se o Ministério Público investiga a posse da mencionada pistola, tendo inclusive sido realizada busca domiciliária, e nada, nem nenhum elemento probatório foi encontrado, é presumível e até aconselhável que o Tribunal leve tal consideração em conta no juízo que faz às provas carreadas para os autos, bem como à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

25 - Em terceiro lugar, não é verdade que não incumbe ao ofendido a demonstração dos factos alinhados na acusação, visto ser a mesma assente inteira e unicamente no depoimento que o mesmo prestou em sede de inquérito. Relembra-se que não existiram quaisquer outras testemunhas, a não ser duas pessoas, que não assistiram aos factos e que foram prescindidas pelo Ministério Público. Assim, estando em causa um crime com uma moldura penal tão grave, e só existindo uma única pessoa que alega ter assistido aos factos, é exigível, em nome da realização da justiça, que o mesmo contribua de todas as formas para apurar o que realmente se terá passado, nomeadamente, através de uma versão concisa, única, credível e imutável, o que malogradamente não se verificou.

26 - Em quarto lugar, é o próprio Tribunal a quo, na passagem supra citada que assume que existiram dissonâncias no contributo do ofendido, isto é, as suas declarações em sede de audiência de discussão e julgamento não coincidem inteiramente com as declarações prestadas em sede de inquérito. Não obstante tal constatação, é também o próprio Tribunal que afirma que o testemunho foi coerente e credível. E na mesma linha de raciocínio, também dá como provada a existência do referido objeto quando os contornos sobre o mesmo tiveram versões diferentes pelo ofendido. Com o devido respeito, tal raciocínio é demasiadamente amplo e injusto.

27 - Em quinto lugar, é certo que o arquivamento quanto ao crime de detenção de arma proíbida não prova, per si, a inexistência de uma arma. Todavia, significa que quem possuía o dominus do processo, o Ministério Público, com recurso a experientes membros dos órgãos de polícia criminal, no caso a Polícia Judiciária, nada encontrou que levasse a crer que efetivamente existiu uma arma de fogo. Tal lógica, deve, no nosso modesto entendimento, ser levada em conta.

28 - Pelo vindo a descrever, a nosso ver, assiste-se no caso vertente, a uma latente ausência de prova quanto à existência de algum crime e, em concreto, de um qualquer objeto semelhante a uma pistola.

Face ao exposto, julgamos ser pertinente sublinhar que a douta Sentença contempla de forma deveras evidente, um vício de erro notório de apreciação da prova e paralelamente uma violação do princípio constitucionalmente consagrado - in dubio pro reo.

29 - O vício de erro notório na apreciação da prova consagrado no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, constitui um vício da sentença/Acórdão cuja verificação dá lugar ao reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 426.º n.º 1 do Código de Processo Penal. Não obstante, julgamos que a renovação da prova, ora requerida, permitirá evitar o reenvio, suprindo o Tribunal de Recurso o referido vício, nos termos do artigo 430.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

30 - V – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - Com efeito, é através da fundamentação da Sentença/Acórdão que é efectuado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto. O dever de fundamentação encontra-se plasmado no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal – “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”.

31 - Ora no caso específico que analisamos, com o devido respeito – que é muito – entendemos que a decisão enferma de nulidade, pois não possui fundamentação bastante acerca dos actos concretos que os arguidos terão levado a cabo, bem como a justificação do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime. Ou seja, o Tribunal recorrido, pese embora tenha dado como provado que ocorreu um roubo com recurso a uma aparente arma e ter condenado o arguido nesse sentido, não fundamentou minimamente tal convicção.

32 - Verificando a fundamentação da matéria de facto, isto é, a parte da decisão que fundamenta, com o mínimo de detalhe, o pensamento subjacente aos factos dados como provados – mote da condenação – resume-se a cerca de duas páginas. Por outras palavras, a condenação de um crime de roubo na pena de 4 (quatro) anos é justificada por expressões e depreensões demasiadamente amplas e pouco concretas.

33 - Analisando a referida parte da Sentença, verifica-se, com o devido respeito, que existe uma breve e pouco aprofundada descrição do depoimento, contraditório, da testemunha e ofendido CC, uma breve resposta às alegacões das defesas dos arguidos, a enumeração da prova e, novamente, uma breve alusão ao testemunho do ofendido. Tão e somente tais critérios foram levados em conta. A este propósito, acrescente-se que foi decidido pelo douto Ministério Público prescindir das demais testemunhas da acusação, cingindo-se ao depoimento vago do ofendido.

34 - Quanto à análise do preenchimento do tipo, verifica-se a partir da página 13 da decisão uma repetição do resumo feito pelo ofendido, concluindo-se na página 14 com a seguinte expressão genérica e abstrata:

“Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação. Desta forma, encontram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito em apareço, em consequência sendo legitimo concluir que os arguidos incorreram na prática do crime por que vêm acusados”. Salvo melhor entendimento, nada mais a este propósito de relevante para a justificação da verificação do crime em apreço foi referido.

35 - POR TUDO ISTO E POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 97.º N.º 5; 374.º N.º 2; 379.º, N.º 1, ALÍNEA A) TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL A SENTENÇA QUE ORA SE RECORRE PADECE DE NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

36 - VIII – DA MEDIDA DA PENA - Aqui chegados, importa antes de mais, reforçar que, com o devido respeito – que é muito – consideramos que a pena aplicada se afigura injusta, pois na nossa perspetiva, não resultou demonstrado que o arguido tenha cometido o crime pelo qual vem condenado. De todo o modo, a verdade é que, mesmo que tivesse cometido o crime em apreço, a pena afigura-se excessiva, encontrando-se muito perto do limite máximo da moldura penal.

37 - Assim sendo, considerando o Tribunal a quo que o arguido cometeu o crime que lhe é imputado, na nossa modesta opinião, sempre se dirá que a pena aplicada se afigura injusta, extremamente severa e não teve em conta as suas condições pessoais, nos termos do artigo 71.° n.º 2 do Código Penal. Ademais a decisão que ora se recorre não fez correcta aplicação dos artigos 40.º n.º 1 e 2 e 70.º do Código Penal.

38 - A este propósito, com o devido respeito – que é muito – entendemos que o Tribunal a quo, considerou todas as circunstâncias que depõem contra o arguido, mas por outro lado, não teve em consideração as circunstâncias que depõem a favor do mesmo. Assim, apesar de ter reconhecido a sua inserção familiar e social, não valorou devidamente: o facto de laborar junto dos avós e a sua idade.

39 – Vejamos: O arguido é primário; Tem 21 anos de idade; Possui enquadramento habitacional, social, familiar e laboral; Encontra-se a frequentar aulas de condução; Labora com os avós periodicamente na actividade de vendas ambulantes; Prestou declarações na fase de Inquérito, cooperando assim para a descoberta da justiça e da verdade material; A família do arguido e mesmo o próprio, são bem vistos por toda a vizinhança e conhecidos pela postura de seriedade, responsabilidade e capacidade de trabalho, que sempre tiveram, sendo pessoas de bem. Pelo que, a condenação que ora se recorre é humilhante no contexto sócio - familiar em que se insere; Urge também fazer um ligeiro, ainda que sério, reparo do relatório social onde consta que o arguido tem antecedentes criminais. De facto, da consulta do seu certificado de registo criminal, verifica-se que nada consta acerca do mesmo.

40 - O julgador deve ter sempre em mente o vertido no já referido artigo 40.º n.º 1 do Código Penal, que determina que o verdadeiro objectivo das penas é a reintegração do agente em sociedade.

Deste modo, podemos concluir que, a pena de prisão só deve ser aplicada como último recurso, devendo o Tribunal dar preferência a penas não privativas da liberdade.

41 - Ainda que se pugne pela absolvição do arguido face à ausência de prova constante nos autos, não sendo esse o entendimento do douto Tribunal ad quem, concordamos com a pena de prisão suspensa na execução sujeita a regime de prova aplicada em sede de 1.º instância, porém consideramos que a mesma se afigura excessiva.

42 - É a primeira vez que o aqui arguido se encontra perante uma condenação. Honestamente consideramos que, tal ameaça séria de reclusão, já constituiu um castigo justo e exemplar, seguramente demovedor para a eventual práctica do crime em causa ou de qualquer outro.

43 - Neste sentido, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal, pressuposto que se preenche. Pelas circunstâncias já mencionadas supra, consideramos que as exigências materiais também se encontram preenchidas, sendo por isso possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido sobre o seu comportamento futuro.

44 - Resulta ainda do Relatório Social, que “No contexto do presente processo, revelou postura comunicação globalmente ajustada e receptiva a futura intervenção, em caso de condenação, denotando condições para a execução de uma medida na comunidade de natureza probatória, orientada para as necessidades de intervenção prioritária identificadas, designadamente a nível formativo e ocupacional e de interacção com os pares e contextos desviante e consequente orientação pós-criminal.”.

45 - O Tribunal não pode descurar que o aqui arguido tem 21 anos de idade, pelo que uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, demasiadamente longa revela-se excessiva e desproporcional, podendo condicionar o desenvolvimento do Recorrente.

46 - A este propósito, e a título meramente exemplificativo, atente-se ao douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 07P3214, de 07-11-2007, onde foram discutidos dois crimes de roubo agravado perpetrado por um jovem de 17 anos, que veio a ser condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

47 - VII - APLICABILIDADE DO REGIME APLICÁVEL A JOVENS DELINQUENTES - Considerou o douto Tribunal a quo que ao caso em apreço não se deveria aplicar o Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro que institui o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos. Com o devido respeito, discordamos de tal entendimento, por uma série de razões.

48 - Ao momento da prática dos factos, o Recorrente contava com 21 anos de idade, o que faz, per si, preencher o requisito material da idade, conforme o disposto no artigo 1.º n.º 2 do diploma mencionado.

49 - Neste decorrer, urge para analisar pela aplicação ou não do referido regime, a análise do juízo de prognose favorável do arguido. Por outras palavras, deve o julgador perspetivar, com o recurso às informações que dispõe do arguido, se ao mesmo é esperado no futuro um correto e positivo desempenho da personalidade.

50 - Debrucemo-nos sobre a informação que dispomos do arguido atinente à sua personalidade:

- Tem, actualmente, 21 anos de idade.

- Não possui qualquer antecedente criminal.

- Tem total suporte familiar, nomeadamente, dos seus pais, avós e irmãos.

- Reside com os progenitores e irmãos, sendo tanto sua intenção, quanto a dos seus pais, que assim prosseguia até adquirir a necessária e total independência financeira.

- Está integrado social, laboral e familiarmente.

- Labora periodicamente com os avós nas feiras ambulantes, pernoitando muitas vezes com estes.

- Auxilia os progenitores com os irmãos mais novos.

- Está a tirar a carta de condução.

- Colaborou com a justiça ab initio, contribuindo assim para a descoberta da verdade e justiça material.

- Apresentou a sua versão dos factos em sede de inquérito, somente não o fez em sede de audiência de discussão e julgamento por se sentir nervoso com todo o circunstancialismo envolvente.

51 - Posto isto, dúvidas a nós não nos restam quanto ao juízo de prognose favorável da personalidade do arguido. Quanto maior for a sua pena, menor a probabilidade de reintegração deste jovem na sociedade, menor será a oportunidade do correto desenvolvimento da sua tão precoce personalidade ainda em formação.

52 - Não pode o douto Tribunal descurar que a ratio legis do presente diploma é precisamente dar uma oportunidade ao jovem que pratica um crime, atendendo a sua imaturidade e com o fito na transição entre o regime da inimputabilidade em razão da idade e término da juventude.

53 - Ademais, deve-se a este propósito salientar que, não obstante a não aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/98, é entendimento pacifico do Supremo Tribunal de Justiça que a idade do arguido deve ser levada em conta, beneficiando obrigatoriamente de uma atenuação da pena. Veja-se a este propósito o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º1008/14.4T9BRG.G1.S1, de 05-09-2019.

54 - Sem prescindir, vigora atualmente no nosso ordenamento jurídico o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, também designado pelo princípio da subsidiariedade do Direito Penal, que estabelece que a pena de prisão só deve ter aplicação em último recurso. Este princípio deve ser interpretado conjuntamente com o Princípio da Proporcionalidade, consagrado no art.º 18º, da Constituição da República Portuguesa.

55 - Ainda neste âmbito, se relembra e se requer, a aplicação do consagrado Princípio da reformatio in pejus que determina que, a decisão do Tribunal que ora se recorre, não pode ser mais desfavorável do que a decisão do Tribunal recorrido. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. nº25/10.8TBAMM.C1, de 30-06-2015.

56 - Face ao exposto, consideramos que, a condenação do caso sub judice para além de se apresentar contrária aos princípios e aos fundamentos legais e constitucionais expostos, constituiu uma opressão desnecessária do direito à liberdade do arguido, pelo que se apresenta manifestamente injustificada, severa, excessiva e injusta.

57 - ATENDENDO A TODOS OS ELEMENTOS SUPRARREFERIDOS, ESTAMOS EM CRER QUE O ARGUIDO AA DEVE SER ABSOLVIDO. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE POR MERO RACIOCÍNIO ACADÉMICO SE EQUACIONA DEVE SER CONDENADO PELO CRIME DE ROUBO SIMPLES, DEVENDO SER APLICADA PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO, SUJEITA A REGIME DE PROVA, EM MOLDURA PENAL MAIS PERTO DO MÍNIMO ATENDENDO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS, QUE GARANTIRIA, DE FORMA CABAL, O CUMPRIMENTO DAS NECESSIDADES DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DO CASO CONCRETO.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SABIAMENTE SUPRIRÃO, O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, NOS TERMOS SOBREDITOS, PROMOVENDO ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS, A JÁ ACOSTUMADA E SÃ JUSTIÇA


*

O MP veio responder ao recurso interposto pelo arguido AA nos seguintes termos

O presente recurso é interposto pelo arguido AA da douta sentença que o condenou pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artºs 204º, nº 2, alínea f), e 210º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por referência ao DL nº48/95, de 15.03, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada a regime de prova e ao pagamento ao Estado (solidariamente) da quantia de € 465,00.

I

O recorrente, dirigindo-se ao Supremo Tribunal de Justiça seguramente por lapso (cfr. artºs 427º e 432º do Código de Processo Penal) vem alegar, em síntese, que:

- a sentença recorrida peca por erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo;

- há uma contradição insanável, nos termos do disposto no artº 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal;

- a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação;

- a manter-se a condenação, a pena aplicada á manifestamente excessiva, injustificada, severa e injusta;

- a sentença recorrida deveria ter aplicado o regime aplicável aos jovens delinquentes;

- foram violados os artºs 97º, nº 5, 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea c), do CPP e os artºs 40º, nºs 1 e 2, e 70º do CP.

E, por conseguinte, pugna pela sua absolvição do crime por que foi condenado ou, subsidiariamente, pela aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, em pena mais perto do mínimo.

Salvo melhor opinião, não assiste razão ao recorrente.

A decisão da Mma Juíza ad quo não merece qualquer reparo não enfermando de qualquer vício, nem de qualquer erro na apreciação da prova.

Vejamos!

Da falta de especificação da matéria de facto

A estrutura da motivação do recurso e das conclusões encontra-se regulada no artigo 412.º, do Código de Processo Penal.

No que concerne à matéria de facto, o n.º 3, da referida disposição legal dispõe que:

“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Nas motivações que apresentou, o recorrente limita-se a fazer uma referência genérica aos factos que, no seu entender, não deviam ter sido dados como provados, sustentando toda a sua argumentação naquela que é a sua interpretação da prova.

A especificação dos “concretos pontos de facto” deverá ser efetuada através da indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado, sendo certo que o recorrente limita-se a invocar factos que não se encontram individualizados.

Sendo a motivação incompleta, também o recurso não deverá ser admitido se dela não se puder inferir o fundamento da impugnação deduzida, equiparando-se, portanto, à falta de motivação (artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

A este propósito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2008: “se nas conclusões da motivação se não especificam os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, pois que se dirige genericamente a toda a matéria provada, mesmo a estabelecida com base nos exames e perícias efectuados, e depois a toda a matéria da sua culpabilidade e não indica as provas que, na opinião do recorrente impõem decisão diversa da recorrida, apresentando antes a sua leitura subjetiva de todo o julgamento e que não contém qualquer referência aos suportes técnicos, deve entender-se que não foi cumprido o formalismo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, por respeitar o recurso a matéria de facto. E se essas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.”

Nas suas motivações, o recorrente limita-se a referir que a factualidade em que o Tribunal ad quo se baseou para o condenar no crime de roubo qualificado não resultou provada em sede de audiência.

Se o recorrente pretendia impugnar a matéria de facto, devia ter indicado em concreto que prova determinava uma decisão em sentido diverso, através da transcrição dos concretos pontos em que a prova designadamente testemunhal divergia dos factos dados como provados.

Não resultando quer das motivações quer das conclusões do recurso apresentado, o cumprimento do dever de especificação quanto à matéria de facto, conforme é exigido pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4, do Código de Processo Penal, salvo melhor e douta opinião de V.ªs Ex.ªs, deverá o presente recurso ser improcedente nesta parte, não se conhecendo da matéria de facto, por insuficiência do recurso.

Não obstante e por cautela, caso não se entenda ser de improceder o recurso interposto por insuficiência da motivação quanto à especificação da matéria de facto, cumpre apresentar as razões da improcedibilidade substantiva do recurso.

Da violação do princípio da livre apreciação da prova:

Um dos princípios basilares, senão mesmo o fundamental, quanto à prova, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 127º do Código de Processo Penal, nos termos do qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. E se tal princípio é válido para todas as fases processuais, é na fase de julgamento que este assume uma particular importância.

No entanto, tal princípio não equivale a prova arbitrária, sendo certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivada.

Pelo contrário e conforme impõe o artº 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença contém “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.

Daqui decorre que, através da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, segundo as regras da experiência e da livre apreciação da prova se veio a formar a convicção do tribunal, bem como a fiabilidade que o tribunal concedeu aos meios de prova que lhe foram apresentados.

No entanto, e sendo certo que o princípio consagrado no citado artº 127º constitui um limite à discricionariedade do juiz, a verdade é que a decisão do juiz acabará sempre por ser “uma convicção pessoal – pois para além dos elementos cognitivos, nela intervirão, também, elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, 1974, pág. 204).

Assim, se a decisão do juiz, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência comum, tal decisão será inatacável, uma vez que a mesma foi proferida segundo o critério legal:

o julgamento segundo a sua livre convicção.

Tanto mais que, “no recurso em matéria de facto, o tribunal de recurso vai à procura, não de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal ad quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes no processo) pode exibir perante si, já que tal recurso não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância (cfr. http://www.dgsi.pt/jtrp, nº JTRP00034850).

Daqui decorre que o Tribunal ad quem, para alterar a decisão da matéria de facto feita pelo Tribunal ad quo segundo os princípios da oralidade e da imediação, tem que ter uma razão muito ponderosa, não podendo basear-se apenas no ponto de vista da sua livre apreciação.

No caso em apreço não se nos afigura ter havido violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo a MMa Juíza proferido uma decisão devidamente fundamentada, optando pela solução mais plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica.

A MMª Juíza ad quo construiu a sua convicção perante as provas produzidas em audiência, dando como credíveis umas e como não credíveis outras e explicando de forma fundamentada a sua opção.

Já o recorrente, esqueceu o teor do artº 127º do Código de Processo Penal, sendo a sua divergência pessoal e subjetiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.

O que é relevante é a convicção que o Tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, como nos parece ter sido o caso, e não a convicção pessoal do recorrente, nomeadamente quando apenas seleciona a prova que lhe interessa à defesa do seu ponto de vista.

Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da decisão ou entre a fundamentação e a decisão (cfr. artº 410º, nº 2, alíneas a) e b), do CPP):

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido deixou de investigar matéria de facto relevante de tal forma que o que foi apurado não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação deixando de observar o dever da descoberta da verdade material.

De outro modo, isto é, não ficando esgotado tal objeto processual, sempre existirá insuficiência da matéria de facto, quer para suportar uma decisão condenatória, quer para fundar a decisão absolutória.

Ora, confrontando os factos provados e não provados, não se vê que o objeto do processo ficasse inesgotado.

E não se descortinam neles contradições insuperáveis, sendo certo que só estas poderiam preencher o vício, tal como emerge do disposto no artº 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

Confunde, pois, o recorrente, os vícios da insuficiência para a decisão com o erro de julgamento.

O que alega nesta matéria traduz simplesmente a divergência de convicção, contrapondo à do Tribunal a sua apreciação e valoração das provas, que sempre lhe hão de parecer insuficientes, incorretamente julgadas e decisão contraditória.

Os factos provados suportam completamente a decisão de direito e não se deteta qualquer contradição entre os factos julgados provados e não provados, na fundamentação ou entre esta e a decisão.

Do erro notório na apreciação da prova:

No que tange ao erro notório na apreciação da prova, cumpre referir que, o mesmo apenas se verifica quando existe “desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)” (Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª edição 2002, Rei dos Livros, pág.66), sendo que, tal erro é de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum, o que não é certamente o caso.

Só assim se perderá o menos possível o importante contributo dos princípios da oralidade e da imediação para a descoberta da verdade material, ao mesmo tempo que não se retira ao juiz, que beneficiou de tais princípios, o seu dever de julgar livremente.

Assim sendo, gozando o tribunal recorrido do privilégio da imediação das provas – algo de que não goza o tribunal de recurso – e assentando a convicção do julgador, em larga medida, no que tal imediação lhe permite apreender, nem sempre facilmente objetivável, parece-nos líquido que só se da apreciação da prova (gravada ou transcrita) feita pelo tribunal superior resultar para este claramente ter havido violação dos critérios de apreciação da prova, designadamente dos enunciados no artº 127º do Código de Processo Penal, deve o tribunal superior modificar a matéria de facto dada como assente.

Tendo sempre presente o entendimento supra exposto, dir-se-á desde já que não assiste qualquer razão ao recorrente no que concerne à análise da prova produzida.

Na verdade, a MMa Juíza ad quo, na douta sentença proferida, deu como provados os factos integradores da prática pelo arguido do crime aqui em apreço, baseando-se no teor de todos os depoimentos e declarações prestados em audiência de discussão e julgamento – que valorou de forma diversa, o que fundamentou cabalmente -, quer pelas testemunhas, quer pelo arguido e, bem assim, no teor dos elementos documentais juntos aos autos, como bem explica na sua exaustiva motivação, cujo teor se dá aqui por reproduzido por uma questão de economia.

Assim sendo, não nos merece, no nosso entendimento, qualquer reparo a apreciação que o tribunal ad quo fez dos elementos de prova carreados para os autos, analisando-os de forma conjunta, como um todo persuasivo que acabou por fundamentar a sua convicção.

Por outro lado, não se detetam na sentença recorrida quaisquer dos vícios enumerados no artº 410º, nº 2, do CPP.

Da violação do princípio in dubio pro reo:

Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo, cumpre dizer que, como é sabido, uma vez considerados provados, para além de qualquer dúvida razoável, todos os factos relevantes e preenchidos os elementos essencialmente constitutivos do tipo incriminador em presença, como no caso acontece, não é configurável a violação de tal princípio.

Como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 17.11.2010 (in www.dgsi.pt): “I. O princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos; não de uma dúvida hipotética e abstracta, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes de uma dúvida assumida pelo próprio julgador. II. Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece”.

Ora, no caso em apreço, como flui do acima exposto, não há evidência de que o tribunal ad quo tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade do recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, no que respeita ao crime em análise, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que, quanto, a nós, improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação:

Salvo o devido respeito por opinião diversa, não se nos afigura que a sentença recorrida enferme de nulidade por falta de fundamentação.

Na verdade, ocorrerá falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

E não nos parece ser esse o caso. Não se vislumbra qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, não conduzindo aqueles, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido. Também não se verifica qualquer obscuridade, não contendo a sentença nenhum passo cujo sentido seja ininteligível ou ambíguo. Ademais, a MMª Juíza a quo pronunciou-se cabal e claramente sobre todas as questões suscitadas, de forma até mesmo exaustiva, improcedendo a ora apontada nulidade.

Da determinação da medida da pena:

Como sabemos, na determinação concreta da medida da pena atribuise ao princípio da culpabilidade uma função tanto fundamentadora como limitadora da pena, que decorre do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege e da disposição do nº 2 do artº 40º do Código Penal, que estabelece que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente em função dos outros fins da pena – prevenção especial e prevenção geral.

A finalidade primordial das penas é, como refere Figueiredo Dias, a tutela de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, a prevenção especial positiva, mas “com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (…) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”, ou seja, também a prevenção geral positiva ou de integração (cfr. Direito Penal, in Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Figueiredo Dias, lições policopiadas, 1996, pág. 115).

Ainda segundo o ensinamento deste autor, dentro do limite máximo da pena concreta, limitada pela medida da culpa, é determinada uma moldura de prevenção geral de integração cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização.

Tendo em conta a culpa do agente e os fins das penas (cfr. artº 71º, nº1, do Código Penal) e a sua interação, assim delimitada, impõe o legislador no artº 70º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência a esta última. E o nº 2 do mesmo preceito manda ter em consideração, na determinação concreta da pena, todas as circunstâncias  que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, prevendo exemplificativamente algumas circunstâncias relativas ao facto, outras relativas à culpa, sendo umas atenuantes, outras agravantes e outras ambivalentes, sendo certo que estas circunstâncias não fazem parte dos elementos típicos do crime em causa, pois neste caso já foram valoradas pelo legislador na determinação da moldura abstrata correspondente.

No caso dos autos, tendo em conta a culpa do arguido, aqueles fins que vimos e as circunstâncias expostas, entendemos que a medida da pena em que o mesmo foi condenado não se revela desajustada à situação e muito menos excessiva, não merecendo qualquer reparo.

Da não aplicação do regime penal para jovens delinquentes:

Concordamos também nesta parte com a opção da MMª Juíza, ao afastar o regime penal para jovens delinquentes no caso concreto Na verdade, a seriedade do ilícito perpetrado – roubo qualificado –, a própria moldura penal cominada pelo legislador, que sequer previu o seu sancionamento por via de uma pena alternativa; a conduta adotada pelo aqui recorrente durante e após o cometimento do crime, reveladora de que não interiorizou o desvalor do seu feito, não assumindo a prática dos factos, nem revelando arrependimento e muito menos o comprometimento de não reincidir, afigura-se-nos não dever o recorrente beneficiar da atenuação especial de pena prevista no art. 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09.


*

Nestes termos, salvo melhor opinião, o recurso em apreço não deverá proceder.

II.

CONCLUSÕES:

1. Não assiste qualquer razão ao recorrente, devendo a sentença recorrida ser mantida em toda a linha.

2. Nenhuma norma se mostra ter sido violada na sentença recorrida.

3. Nas suas motivações, o recorrente limita-se a referir que a factualidade em que o Tribunal ad quo se baseou para o condenar no crime de roubo qualificado não resultou provada em sede de audiência.

4. Se o recorrente pretendia impugnar a matéria de facto, devia ter indicado em concreto que prova determinava uma decisão em sentido diverso, através da transcrição dos concretos pontos em que a prova designadamente testemunhal divergia dos factos dados como provados.

5. Não resultando quer das motivações quer das conclusões do recurso apresentado, o cumprimento do dever de especificação quanto à matéria de facto, conforme é exigido pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4, do Código de Processo Penal, salvo melhor, deverá o presente recurso ser improcedente nesta parte, não se conhecendo da matéria de facto, por insuficiência do recurso.

6. A MMa Juíza proferiu uma decisão devidamente fundamentada, optando pela solução mais plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica, em obediência ao princípio plasmado no artº 127º do Código de Processo Penal.

7. Já o recorrente, esqueceu o teor do artº 127º do Código de Processo Penal, sendo a sua divergência pessoal e subjetiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.

8. O que é relevante é a convicção que o Tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, como nos parece ter sido o caso, e não a convicção pessoal do recorrente, nomeadamente quando apenas seleciona a prova que lhe interessa à defesa do seu ponto de vista.

9. Os factos provados suportam completamente a decisão de direito e não se deteta qualquer contradição entre os factos julgados provados e não provados, na fundamentação ou entre esta e a decisão.

10. Não nos merece qualquer reparo a apreciação que o tribunal ad quo fez dos elementos de prova carreados para os autos, analisando-os de forma conjunta, como um todo persuasivo que acabou por fundamentar a sua convicção.

11. Não se detetam na sentença recorrida quaisquer dos vícios enumerados no artº 410º, nº 2, do CPP.

12. No caso em apreço, não há evidência de que o tribunal ad quo tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade do recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, no que respeita ao crime em análise, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que, quanto, a nós, improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

13. Não se vislumbra qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial, não conduzindo aqueles, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido. Também não se verifica qualquer obscuridade, não contendo a sentença nenhum passo cujo sentido seja ininteligível ou ambíguo. Ademais, a MMª Juíza a quo pronunciou-se cabal e claramente sobre todas as questões suscitadas, de forma até mesmo exaustiva, improcedendo a ora apontada nulidade.

14. Atenta a seriedade do ilícito perpetrado – roubo qualificado –, a própria moldura penal cominada pelo legislador, que sequer previu o seu sancionamento por via de uma pena alternativa; a conduta adotada pelo aqui recorrente durante e após o cometimento do crime, reveladora de que não interiorizou o desvalor do seu feito, não assumindo a prática dos factos, nem revelando arrependimento e muito menos o comprometimento de não reincidir, afigura-se-nos não dever o recorrente beneficiar da atenuação especial de pena prevista no art. 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09.

15. A medida concreta da pena foi enquadrada nos limites da culpa, da ilicitude e das exigências de prevenção geral e especial que o caso exige.

16. A pena aplicada nos autos revela-se adequada ao caso concreto.

Nestes termos e noutros que Vas Exas doutamente saberão suprir, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida na íntegra e nos seus termos, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA


*

O arguido BB veio interpor recurso do acórdão concluindo nos seguintes termos:

I. VEIO O ARGUIDO A SER CONDENADO À ORDEM DOS PRESENTES em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos arts. 204.º, n.º 2, al. f) e 210.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, por referência ao art. 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15/03), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto no art. 50.º e 53.º do Código Penal, suspendo por igual período de tempo, subordinada a regime de prova;

Condenar os arguidos AA e BB, solidariamente, no pagamento ao Estado da quantia de €465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros).

II. NÃO OBSTANTE, A PROVA CONSTANTE DOS AUTOS E PRODUZIDA EM SEDE DE AUDIENCIA, CONSUBSTANCIADO NA PROVA TESTEMUNHAL DO OFENDIDO, DOCUMENTALMENTE, RETIVERAM-SE: O AUTO DE NOTÍCIA DE FLS. 31 E SEGUINTES; O AUTO DE DILIGÊNCIAS INICIAIS DE FLS. 38 E SEGUINTES; A FACTURA DE FLS. 61; AS INFORMAÇÕES DE FLS. 78 E SEGUINTE E DE FLS. 116 E SEGUINTES; A INFORMAÇÃO DE FLS. 86 E SEGUINTE; A INFORMAÇÃO DE FLS. 137; OS CRC DE FLS. 210 E DE FLS. 211; OS RELATÓRIOS SOCIAIS ELABORADOS PELOS SERVIÇOS DA DGRSP DE FLS. 218 E SEGUINTES E DE FLS. 235 E SEGUINTES. FORAM CONSIDERADOS PROVADOS OS FACTOS QUE SE COLOCAM EM CRISE NOS ARTIGOS 2.º A 8.º

III – O TRIBUNAL FORMOU A SUA COVICÇÃO COMO, RESULTA DA MOTIVAÇÃO DA SENTENÇA “com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência e da normalidade, tendo sopesado os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e os demais elementos juntos aos autos, nos moldes que doravante se expendem” ORA NÃO RESULTA DOS ELEMENTOS JUNTOS, NEM DA ANÁLISE DAS MESMAS E DO DEPOIMENTO DO OFENDIDO CONJUGANDO-OS COM A ANÁLISE TENDO POR BASE AS REGRAS DE EXPÊRIENCIA QUE OS ARGUIDOS PRETENDESSEM ROUBAR O OFENDIDO MUNINDO-SE DE ARMA E QUE A MESMA TIVESSE SIDO DISPARADA, NÃO PODENDO O TRIBUNAL CONSIDERAR TAL FACTUALIDADE COM BASE NO TESTEMUNHO DO OFENDIDO QUE É CONTRARIO AO POR SI AFIRMADO DURANTE INVESTIGAÇÃO DECORRIDA EM SEDE DE INQUERITO;

IV- SENDO QUE O OFENDIDO EM SEDE DE INQUERITO EXPRESSA QUE OUVIU UM SOM A QUE SE ASSEMELHAVA UMA SOLTURA DE GÁS,

V - ACRESCENDO O FACTO DE NA INVESTIGAÇÃO NÃO SE TER ENCONTRADO QUALQUER INVOLUCRO, NEM MARCAS ONDE SE POSSA TER ALOJADO O ALEGADO PROJÉTIL DISPARADO.

VI – ASSIM CASO O TRIBUNAL TIVESSE PONDERTADO TAIS ELEMENTOS DE PROVA, NÃO PODERIA TER CONSIDERA PROVADO OS FACTOS 3.º, 4.º (PARTE FINAL) E 7.º

VII- NEM TÃO POUCO, DARIA PODERIA TER CONSIDERADOS PROVADOS OS FACTOS 2.º, 4.º (parte inicial) e 5.º da matéria dada como provada, JÁ QUE É DE TODO inverosímil que OS FACTO OCORRESSEM DE TAL FORMA, uma vez que estando os arguidos na tese do Ministério Publico em reunião de esforços para levar a cabo a subtração de bens ao ofendido, não o conseguissem fazer, JÁ QUE se encontrarem em superioridade numérica, facilmente um agarrava o ofendido e o dominavam retirando-lhe os seus pertences, como alegadamente pretendiam.

VIII- Bem como, não é de todo crível que um individuo encete fuga, que lhe caia o telefone e aquele se consiga aperceber que o arguido o foi apanhar, já que não tem olhos na retaguarda. Mas caso tivesse parado a fuga (encetada alegadamente por lhe ter sido apresentada uma pistola, o que não se julga de todo lógico, pois na experiencia normal se tal tivesse realmente acontecido jamais se pararia a não ser que se encontrasse já longe do local e em segurança) para olhar para os arguidos, e nesse caso seira necessário ter presente que o alegado acontecimento ocorreu em novembro pelas 18h30m, hora em que é já noite cerrada, logo impossibilitaria a visão que seria logicamente reduzida, logo impedia que se concluísse como foi concluído pelo Tribunal como provado o facto 5.º.

 

IX- PELO EXPOSTO, O TRIBUNAL NÃO INTERPRETOU, NEM APLICOU, CORRETAMENTE O DIREITO, POIS NO CRIME DE ROUBO, EXIGE VIOLÊNCIA OU AMEAÇA CONTRA A VIDA SITUAÇÕES QUE NÃO SE PROVARAM;

X- VIOLANDO O PRINCÍPIO DE INOCÊNCIA, IN DÚBIO PRO REO, NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 32.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, JÁ QUE NÃO É FEITO QUALQUER JUÍZO CRITICO DOS VÁRIOS ELEMENTOS DE PROVA NEM DA SUA CONJUGAÇÃO.

XI – POR TUDO ISTO, E FACE A TODA A MATÉRIA PRODUZIDA, IMPEDE QUE O TRIBUNAL DÊ COMO PROVADOS TAIS FACTOS, IMPONDO-SE A REVOGAÇÃO DA DECISÃO DE CONDENAÇÃO DO ARGUIDO EM CO-AUTORIA E NA FORMA CONSUMADA DO CRIME DE ROUBO P.E.P PELO N.º 2, AL. F) e Ns.º 1 e 2 DO ART. 210º, E DO PAGAMENTO AO ESTADO DA QUANTIA DE € 465,00 (QUATROCENTOS E SESSENTA E CINCO EUROS)

XII – APOIANDO-SE A SENTENÇA NO ÚNICO DEPOIMENTO PRESTADO (PELO OFENDIDO), DEPOIMENTO ESSE EM CLARA CONTRADIÇÃO COM O DEPOIMENTO ANTERIOR PELO MESMO PRESTADO EM SEDE DE INQUERITO, ACRESCENDO O FACTO DE QUE TENDO POR BASE AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA JAMAIS SE PERMITIRIA, SALVO MELHOR ENTENDIMENTO, ACOLHER A TESE DESCRITA.

XIII – TODA A PROVA PRODUZIDA EM AUDIENCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO E EFECTIVAMENTE CARREADA NOS AUTOS IMPUNHA UMA MEDIDA DE PENA DIFERENTE DA CONCRETAMENTE APLICADA AO ARGUIDO.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ SE REQUER A V. EXAS. SE DIGNEM A JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE:
SE DIGNEM A REVOGAR A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL AD QUO, ABSOLVENDO O ARGUIDO NA PRÁTICA DO CRIME DE EM CO-AUTORIA E NA FORMA CONSUMADA, DE UM CRIME DE ROUBO QUALIFICADO, PREVISTO E PUNIDO PELOS ARTS. 204.º, N.º 2, AL. F) E 210.º, N.º S 1 E 2 DO CÓDIGO PENAL, POR REFERÊNCIA AO ART. 4.º DO DECRETO-LEI N.º 48/95 DE 15/03), NA PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 4 (QUATRO) MESES NOS DE PRISÃO, CUJA EXECUÇÃO, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART. 50.º E 53.º DO CÓDIGO PENAL, SUSPENDO POR IGUAL PERÍODO DE TEMPO, SUBORDINADA A REGIME DE PROVA;

OU MESMO QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA REVER A MEDIDA DE PENA CONCRETAMENTE APLICADA AO ARGUIDO POR EXCESSIVA FACE À PROVA PRODUZIDA APLICANDO UMA INFERIOR.

COM O QUE SE FARÁ, COMO É APANÁGIO DESTA RELAÇÃO, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.


*


O MP veio responder ao recurso do arguido BB nos seguintes termos:

O presente recurso é interposto pelo arguido BB da douta sentença que o condenou pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artºs 204º, nº 2, alínea f), e 210º, nºs 1 e 2, do Código Penal, por referência ao DL nº 48/95, de 15.03, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada a regime de prova e ao pagamento ao Estado (solidariamente) da quantia de € 465,00.

I

O recorrente vem alegar, em síntese, que:

- o Tribunal não interpretou nem aplicou corretamente o direito, pois o crime de roubo exige violência contra a vida, o que não se provou;

- a sentença recorrida peca pela violação do princípio in dubio pro reo;

- a manter-se a condenação, a pena aplicada á manifestamente excessiva, injustificada, severa e injusta;

E, por conseguinte, pugna pela sua absolvição do crime por que foi condenado ou, subsidiariamente, pela aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, em pena mais perto do mínimo.

Salvo melhor opinião, não assiste razão ao recorrente.

A decisão da Mma Juíza ad quo não merece qualquer reparo não enfermando de qualquer vício, nem de qualquer erro na apreciação da prova.

Vejamos!

Da falta de especificação da matéria de facto

A estrutura da motivação do recurso e das conclusões encontra-se regulada no artigo 412.º, do Código de Processo Penal.

No que concerne à matéria de facto, o n.º 3, da referida disposição legal dispõe que:

“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Nas motivações que apresentou, o recorrente limita-se a fazer uma referência genérica aos factos que, no seu entender, não deviam ter sido dados como provados, sustentando toda a sua argumentação naquela que é a sua interpretação da prova.

A especificação dos “concretos pontos de facto” deverá ser efetuada através da indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado, sendo certo que o recorrente limita-se a invocar factos que não se encontram individualizados.

Sendo a motivação incompleta, também o recurso não deverá ser admitido se dela não se puder inferir o fundamento da impugnação deduzida,

equiparando-se, portanto, à falta de motivação (artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

A este propósito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2008: “se nas conclusões da motivação se não especificam os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, pois que se dirige genericamente a toda a matéria provada, mesmo a estabelecida com base nos exames e perícias efectuados, e depois a toda a matéria da sua culpabilidade e não indica as provas que, na opinião do recorrente impõem decisão diversa da recorrida, apresentando antes a sua leitura subjetiva de todo o julgamento e que não contém qualquer referência aos suportes técnicos, deve entender-se que não foi cumprido o formalismo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, por respeitar o recurso a matéria de facto. E se essas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.”

Nas suas motivações, o recorrente limita-se a referir que a factualidade em que o Tribunal ad quo se baseou para o condenar no crime de roubo qualificado não resultou provada em sede de audiência.

Se o recorrente pretendia impugnar a matéria de facto, devia ter indicado em concreto que prova determinava uma decisão em sentido diverso, através da transcrição dos concretos pontos em que a prova designadamente testemunhal divergia dos factos dados como provados.

Não resultando quer das motivações quer das conclusões do recurso apresentado, o cumprimento do dever de especificação quanto à matéria de facto, conforme é exigido pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4, do Código de Processo Penal, salvo melhor e douta opinião de V.ªs Ex.ªs, deverá o presente recurso ser improcedente nesta parte, não se conhecendo da matéria de facto, por insuficiência do recurso.

Não obstante e por cautela, caso não se entenda ser de improceder o recurso interposto por insuficiência da motivação quanto à especificação da matéria de facto, cumpre apresentar as razões da improcedibilidade substantiva do recurso.

Da violação do princípio da livre apreciação da prova:

Um dos princípios basilares, senão mesmo o fundamental, quanto à prova, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 127º do Código de Processo Penal, nos termos do qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

E se tal princípio é válido para todas as fases processuais, é na fase de julgamento que este assume uma particular importância.

No entanto, tal princípio não equivale a prova arbitrária, sendo certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivada.

Pelo contrário e conforme impõe o artº 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença contém “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.

Daqui decorre que, através da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, segundo as regras da experiência e da livre apreciação da prova se veio a formar a convicção do tribunal, bem como a fiabilidade que o tribunal concedeu aos meios de prova que lhe foram apresentados.

No entanto, e sendo certo que o princípio consagrado no citado artº127º constitui um limite à discricionariedade do juiz, a verdade é que a decisão do juiz acabará sempre por ser “uma convicção pessoal – pois para além dos elementos cognitivos, nela intervirão, também, elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, 1974, pág. 204).

Assim, se a decisão do juiz, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência comum, tal decisão será inatacável, uma vez que a mesma foi proferida segundo o critério legal: o julgamento segundo a sua livre convicção.

Tanto mais que, “no recurso em matéria de facto, o tribunal de recurso vai à procura, não de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal ad quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes no processo) pode exibir perante si, já que tal recurso não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância (cfr. http://www.dgsi.pt/jtrp, nº JTRP00034850).

Daqui decorre que o Tribunal ad quem, para alterar a decisão da matéria de facto feita pelo Tribunal ad quo segundo os princípios da oralidade e da imediação, tem que ter uma razão muito ponderosa, não podendo basear-se apenas no ponto de vista da sua livre apreciação.

No caso em apreço não se nos afigura ter havido violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo a MMa Juíza proferido uma decisão devidamente fundamentada, optando pela solução mais plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica.

A MMª Juíza ad quo construiu a sua convicção perante as provas produzidas em audiência, dando como credíveis umas e como não credíveis outras e explicando de forma fundamentada a sua opção.

Já o recorrente, esqueceu o teor do artº 127º do Código de Processo Penal, sendo a sua divergência pessoal e subjetiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.

O que é relevante é a convicção que o Tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, como nos parece ter sido o caso, e não a convicção pessoal do recorrente, nomeadamente quando apenas seleciona a prova que lhe interessa à defesa do seu ponto de vista.

Da violação do princípio in dubio pro reo:

Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo, cumpre dizer que, como é sabido, uma vez considerados provados, para além de qualquer dúvida razoável, todos os factos relevantes e preenchidos os elementos essencialmente constitutivos do tipo incriminador em presença, como no caso acontece, não é configurável a violação de tal princípio.

Como se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 17.11.2010 (in www.dgsi.pt): “I. O princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos; não de uma dúvida hipotética e abstracta, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes de uma dúvida assumida pelo próprio julgador. II. Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece”.

Ora, no caso em apreço, como flui do acima exposto, não há evidência de que o tribunal ad quo tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade do recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, no que respeita ao crime em análise, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que, quanto, a nós, improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Da determinação da medida da pena:

Como sabemos, na determinação concreta da medida da pena atribui-se ao princípio da culpabilidade uma função tanto fundamentadora como limitadora da pena, que decorre do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege e da disposição do nº 2 do artº 40º do Código Penal, que estabelece que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa,

nomeadamente em função dos outros fins da pena – prevenção especial e prevenção geral.

A finalidade primordial das penas é, como refere Figueiredo Dias, a tutela de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, a prevenção especial positiva, mas “com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (…) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”, ou seja, também a prevenção geral positiva ou de integração (cfr. Direito Penal, in Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Figueiredo Dias, lições policopiadas, 1996, pág. 115).

Ainda segundo o ensinamento deste autor, dentro do limite máximo da pena concreta, limitada pela medida da culpa, é determinada uma moldura de prevenção geral de integração cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização.

Tendo em conta a culpa do agente e os fins das penas (cfr. artº 71º, nº1, do Código Penal) e a sua interação, assim delimitada, impõe o legislador no artº 70º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência a esta última. E o nº 2 do mesmo preceito manda ter em consideração, na determinação concreta da pena, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, prevendo exemplificativamente algumas circunstâncias relativas ao facto, outras relativas à culpa, sendo umas atenuantes, outras agravantes e outras ambivalentes, sendo certo que estas circunstâncias não fazem parte dos elementos típicos do crime em causa, pois neste caso já foram valoradas pelo legislador na determinação da moldura abstrata correspondente.

No caso dos autos, tendo em conta a culpa do arguido, aqueles fins que vimos e as circunstâncias expostas, entendemos que a medida da pena em que o mesmo foi condenado não se revela desajustada à situação e muito menos excessiva, não merecendo qualquer reparo.


*

Nestes termos, salvo melhor opinião, o recurso em apreço não deverá proceder.

II.

CONCLUSÕES:

1. Não assiste qualquer razão ao recorrente, devendo a sentença recorrida ser mantida em toda a linha.

2. Nenhuma norma se mostra ter sido violada na sentença recorrida.

3. Nas suas motivações, o recorrente limita-se a referir que a factualidade em que o Tribunal ad quo se baseou para o condenar no crime de roubo qualificado não resultou provada em sede de audiência.

4. Se o recorrente pretendia impugnar a matéria de facto, devia ter indicado em concreto que prova determinava uma decisão em sentido diverso, através da transcrição dos concretos pontos em que a prova designadamente testemunhal divergia dos factos dados como provados.

5. Não resultando quer das motivações quer das conclusões do recurso apresentado, o cumprimento do dever de especificação quanto à matéria de facto, conforme é exigido pelo artigo 412.º, n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4, do Código de Processo Penal, salvo melhor, deverá o presente recurso ser improcedente nesta parte, não se conhecendo da matéria de facto, por insuficiência do recurso.

6. A MMa Juíza proferiu uma decisão devidamente fundamentada, optando pela solução mais plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica, em obediência ao princípio plasmado no artº 127º do Código de Processo Penal.

7. Já o recorrente, esqueceu o teor do artº 127º do Código de Processo Penal, sendo a sua divergência pessoal e subjetiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.

8. O que é relevante é a convicção que o Tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, como nos parece ter sido o caso, e não a convicção pessoal do recorrente, nomeadamente quando apenas seleciona a prova que lhe interessa à defesa do seu ponto de vista.

9. Os factos provados suportam completamente a decisão de direito e não se deteta qualquer contradição entre os factos julgados provados e não provados, na fundamentação ou entre esta e a decisão.

10. Não nos merece qualquer reparo a apreciação que o tribunal ad quo fez dos elementos de prova carreados para os autos, analisando-os de forma conjunta, como um todo persuasivo que acabou por fundamentar a sua convicção.

11. Não se detetam na sentença recorrida quaisquer dos vícios enumerados no artº 410º, nº 2, do CPP.

12. No caso em apreço, não há evidência de que o tribunal ad quo tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade do recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, no que respeita ao crime em análise, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que, quanto, a nós, improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

13. A medida concreta da pena foi enquadrada nos limites da culpa, da ilicitude e das exigências de prevenção geral e especial que o caso exige.

14. A pena aplicada nos autos revela-se adequada ao caso concreto.

Nestes termos e noutros que Vas Exas doutamente saberão suprir, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida na íntegra e nos seus termos, assim se fazendo, como sempre, JUSTIÇA.


*


O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

Quanto ao mérito do recurso, e atento o teor da sentença recorrida, nomeadamente, a matéria de facto que foi dada como provada e sua motivação, as razões para a não aplicação do regime especial para jovens previsto no DL n.º 401/82 de 23/9 aos arguidos, a fundamentação para a aplicação da medida concreta das penas, bem ainda, os argumentos apresentados pelo MP nas respostas aos recursos, que no essencial acompanho, sou de parecer que os recursos interpostos pelos arguidos não devem obter provimento. Acrescenta-se, apenas, e no que concerne à aplicabilidade da atenuação especial da pena consagrada no artº 4.º do DL n.º 401/82 de 23/0, refere-se na sentença que “tomando posição acerca da prevalência de necessidades de prevenção geral ou especial para efeitos da anunciada atenuação especial da pena, subscrevemos o entendimento jurisprudencial que cremos maioritário, e de acordo com o qual “razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir o uso e aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a consideração da prevenção especial não é bastante para se prescindir do limite da pena necessária à garantia e protecção de bens jurídicos, e por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela; a atenuação da pena não só não opera automaticamente como, mais do que isso, necessário se torna ainda que se tenha estabelecido positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem” (cfr., pela sua intocada atualidade, o Ac. do STJ de 28/10/98, BMJ, 480, 83). Deste modo, “no juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos”, pelo que “a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e o percurso de vida do arguido, e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade” (cfr. o Ac. do STJ de 05/11/08, in www.dgsi.pt)”.

E justifica-se a razão da não aplicação aos arguidos deste regime do seguinte modo:

“Sendo consabido “que o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime”, importa, face aos considerandos vindos de tecer acerca da primazia de ditames de prevenção geral, considerar “a natureza e gravidade do crime” no confronto com “as circunstâncias do caso concreto” (cfr. o citado Ac. do STJ de 29/04/09, in www.dgsi.pt). Neste conspecto, reservas não nos merece a extrema seriedade do ilícito perpetrado – roubo qualificado –, depondo, desde logo, nesse sentido, a própria moldura penal cominada pelo legislador, que sequer previu o seu sancionamento por via de uma pena alternativa; por outro lado, aos arguidos foi imputada factualidade subsumível àquela tipicidade, mas que, percorrida, revela a censurabilidade da conduta adoptada, que, em suma, podemos resumir como a interacção entre os arguidos e o ofendido caracterizada pelo fito dos primeiros no sentido de apoderarem de pertences do segundo sem olharem a meios; por fim, os arguidos escusaram-se a prestar declarações, legitimando-nos a dúvida acerca da sua interiorização do desvalor do feito que praticaram. Assim, e revendo-nos, uma vez mais, nas lições do nosso mais alto Tribunal, concordando que “a aplicação do regime especial encontrará dificuldades nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade” (cfr. o aresto supra citado), entendemos não deverem os arguidos beneficiar da atenuação especial de pena prevista no art.º 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09”.

Razões estas com as quais estou plenamente de acordo, pelo que também nesta parte não assiste razão ao arguido AA.

Por fim, e quanto às penas concretas aplicadas aos arguidos, 4 anos de prisão para o AA e 3 anos e 4 meses de prisão para o BB, dentro de uma moldura penal abstrata de 3 a 15 anos de prisão, e sopesando os fatos dados como provados e demais circunstâncias referidas na sentença quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial e ao facto de ambos não terem antecedentes criminais, parecem-me adequadas, proporcionais e justas e não devem, por isso, tais penas serem reduzidas, até porque se encontram próximo do limite mínimo.

Assim, e concluindo, deve ser negado provimento a ambos os recursos e mntida, na íntegra, a sentença em recurso.


*

Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
*

II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.
É assim composto pela arguição

Recurso de AA:

- invoca contradição insanável, nos termos do disposto no art.º 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal entre os factos dados como provados nos pontos 3, 4 e 7 e os não provados nos pontos D e E;

- A sentença recorrida peca por erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo;

- A sentença recorrida é nula por falta de fundamentação

- A pena aplicada é manifestamente excessiva, injustificada, severa e injusta,

- A sentença recorrida deveria ter aplicado o regime aplicável aos jovens delinquentes;

Recurso de BB:

- invoca o erro de julgamento na decisão a matéria de facto e que o Tribunal não interpretou nem aplicou corretamente o direito, pois o crime de roubo exige violência contra a vida, o que não se provou;

- a sentença recorrida peca pela violação do princípio in dubio pro reo;

- a manter-se a condenação, a pena aplicada á manifestamente excessiva, injustificada, severa e injusta;


*

A sentença recorrida:

«O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular contra:


*

- AA, filho de DD e de EE, natural de ..., Valongo, nascido a ../../2002, solteiro, residente na Rua ..., ..., Valongo;

- BB, filho de FF e de GG, natural de Mirandela, nascido em ../../2002, solteiro, residente na Rua ..., ..., Valongo;

Imputando-lhes a prática de factos que, em seu entender, integram o cometimento, em co-autoria e sob a fora consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos arts. 204.º, n.º 2, al. f) e 210.º, n.º s e 2 do Código Penal, por referência ao art. 4.º do DL n.º 48/95 de 15/03.


*

Inexiste assistente constituído ou pedido de indemnização civil formulado.

*

Proferiu-se o despacho a que alude o art. 311.º do Código de Processo Penal.

Os arguidos contestaram, oferecendo o merecimento dos autos.

Procedeu-se ao julgamento, com observância das formalidades legais.

Mantêm-se válidos e regulares os pressupostos da instância.

2. Dos factos

2.1 Matéria de facto provada.

Da discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade irrelevante para a descoberta da verdade material, tal qual delimitada pelo libelo acusatório, bem como de juízos conclusivos ou de Direito:


*

1. Em 15/11/22, cerca das 18:30 horas, na Rua ..., ..., Valongo, os arguidos avistaram CC, a quem chamaram, este se tendo encaminhado na sua direcção.

2. Ocasião em que lhe ordenaram a entrega dos seus pertences e de bolsa que trazia à cintura.

3. Pelo arguido AA lhe tendo sido exibido um objecto que se assemelhava a uma pistola, que retirou da zona da cintura da roupa que trajava.

4. Ao que CC encetou fuga em direcção à Rua ..., tendo aquele efectuado um disparo.

5. E o arguido BB, apercebendo-se da queda do telemóvel que CC tinha consigo, da marca IPhone, modelo 11 Pro, com o IMEI ...53 ...34 ...06 ...84 ...77, no valor de € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros), abeirou-se desse local e agarrou-o, levando-o.

6. Sabiam os arguidos que o referido telemóvel não lhes pertencia e o faziam seu contra a vontade de CC.

7. Assim como que o arguido AA lhe exibia um objecto que se assemelhava a uma pistola e que veio a disparar para que o mesmo lhes entregasse os seus pertences e a bolsa que trazia à cintura.

8. E que CC se encontrava desacompanhado.

9. Sabiam os arguidos ser tal conduta proibida e punida por lei.

10. Não obstante o que não deixaram de actuar como na realidade actuaram, agindo livre e conscientemente, bem como em conjugação de esforços e de intentos.

11. Aos arguidos não são conhecidos antecedentes criminais.


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Do relatório social elaborado acerca das condições de vida do arguido AA consta que:

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12. Integra o núcleo familiar de origem, composto pelos pais, de quarenta e cinco e quarente a seis anos de idade e dois irmãos mais novos, de dezassete e treze anos de idade, estudantes, a frequentar respectivamente o 9.º e o 8.º ano de escolaridade; tem um irmão mais velho, de vinte e cinco anos de idade, o qual já se encontra autonomizado; o agregado reside em apartamento de tipologia 4, inserido em conjunto habitacional de cariz social, localizado em zona periférica da freguesia ..., onde foram realojados há seis anos; anteriormente viviam em habitação arrendada, sita em ..., onde foram objecto de acção de despejo.

13. Os pais não dispõem de meios próprios de subsistência, subsistindo desde 2016 com base na prestação social do RSI, no valor mensal actual de € 222,54 (duzentos e vinte e dois euros e cinquenta e quatro euros), complementada por € 100,00 (cem euros) de abono de família referente aos dois irmãos menores do arguido; apresentam dívida relativa à falta de pagamento continuado da renda de casa, no valor mensal de € 25,65 (vinte e cinco euros e sessenta e cinco euros), entre Novembro de 2019 e Outubro de 2023, cujo acordo de amortização nos referiram ter deixado de conseguir assegurar, bem como de água, no valor de € 47,23 (quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos) segundo factura de 02/11/23, não suportando despesas com o fornecimento de electricidade; beneficiam de apoio alimentar mensal atribuído pelo Centro Social e Paroquial de ..., bem como de apoio para realização de tratamento dentário da mãe do arguido, observando o agregado comunicação adequada com a Equipa do Rendimento Social de Inserção.

14. Não desenvolve actividade laboral, encontrando-se, segundo afirmou, inscrito no Centro de Emprego e Valongo como candidato a emprego e formação, no âmbito do qual foi recentemente convocado para palestra informativa sobre cursos de formação; detém apenas o 6.º ano de escolaridade, nível de ensino que concluiu apenas por volta dos dezasseis anos de idade, mediante aplicação de plano integrado de educação e formação, após trajectória assinalada por absentismo e dificuldades de adaptação ao contexto escolar.

15. Foi objecto de processo tutelar educativo, com aplicação de medida de acompanhamento educativo durante um ano, relativamente ao qual nem ele nem os pais conseguiram identificar a tipologia criminal que esteve na sua origem, insistindo em matéria exclusivamente de absentismo escolar, de modo evasivo e reactivo.

16. No presente, de acordo com o que nos afirmou e foi corroborado pelos pais, desde há pouco mais de um ano, presta colaboração aos avós paternos, residentes em ..., na actividade de venda ambulante por eles desenvolvida de sapatos e brinquedos em feiras do Grande Porto, três vezes por semana, ao Sábado, Domingo e Segunda, pernoitando com alguma frequência junto dos mesmos e canalizando as quantias monetárias que aqueles lhe atribuem em contrapartida para os seus gastos pessoais – consumos e saídas com amigos.

17. Simultaneamente, segundo refere, encontra-se a frequentar desde há quatro meses, aulas de código com vista à obtenção de habilitação legal para conduzir; refere a manutenção de consumos diários de haxixe, problemática cujo início reporta à adolescência, desenvolvidos no contexto do grupo de pares, constituído maioritariamente por amigos de infância, de ..., da zona anterior de residência, onde se desloca com frequência para conviver com aqueles; desvaloriza estes comportamentos e o seu potencial efeito aditivo, condicionando a sua frequência à sua disponibilidade financeira, não obstante verbalize preocupações de protecção e de afastamento da mesma relativamente ao seu irmão mais novo.

18. Afirma não ter outros processos pendentes, não sendo, diversamente do seu co-arguido, referenciado pelas autoridades policiais locais, em cujo sistema de informação consta apenas duas participações contra o mesmo, uma referente a 2021, por ofensa a integridade física, a outra ao ano transacto, pelo crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do qual lhe foi aplicada medida de suspensão provisória de processo subordinada a prestação de serviço de interesse público sob a supervisão desta equipa que executou na Junta de Freguesia da sua área de residência.

19. Durante a execução da suspensão provisória do processo atrás referida, revelou alguns défices de colaboração e de correspondência à prestação de serviço de setenta horas que lhe foi aplicada, cuja execução só iniciou após prorrogação do período inicial de três meses de suspensão fixado e prolongou entre 28/11/22 e 23/03/23, atenta a irregularidade que observou em termos e assiduidade e cumprimento de horários.

20. Face ao presente processo, verbaliza preocupação e receptividade de colaboração em caso de condenação, manifestando não obstante expectativas de desfecho favorável.


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Do relatório social elaborado acerca das condições de vida do arguido BB que:

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21. A sua trajectória desenvolvimental decorreu no seio da família de origem, residente no concelho de Mirandela, tendo durante a infância alterado residência para o concelho de Penafiel; apresenta um percurso de vida que desde sempre foi correspondendo aos padrões veiculados pelo seu grupo social e cultura de pertença; o sistema familiar em que se foi processando o desenvolvimento do arguido é descrito pelo próprio como um espaço afectivamente gratificante.

22. O arguido avalia o seu desenvolvimento como funcional não identificando factores com impacto negativo no seu bem-estar psicológico ou físico; as dinâmicas familiares foram avaliadas como adequadas e marcadas por relacionamento globalmente satisfatório entre os pais e irmãos, não identifica que tenha vivenciado situação socioeconómica vulnerável.

23. Refere ter desvalorizado o processo de escolarização em detrimento do início de actividade de feirante como era preconizado pelo núcleo de origem, tendo revelado percurso escolar irregular, marcado por absentismo e incidentes disciplinares assumidos como perturbadores e intensificados pela conduta do grupo de pares que acompanhava naquele período, registando variadas retenções culminando com o abandono do sistema educativo precocemente.

24. Aos quinze anos de idade começou a acompanhar com maior regularidade e participação os pais na actividade de feirante, referindo que posteriormente executou actividades profissionais, sem vínculo contratual e em regime informal, na área de cabeleireiro e no ramo automóvel.

25. Em termos relacionais, estabeleceu relacionamento por volta dos dezasseis anos de idade, tendo contraído matrimónio aos dezanove anos de idade, constituiu família nos moldes da tradição da etnia a que ambos pertencem, tendo no decurso desta união nascido uma filha, actualmente com dois meses de idade; esteve durante aproximadamente dois anos em paradeiro incerto.

26. Por decisão judicial foi determinada medida tutelar educativa de internamento em centro educativo, tendo permanecido em regime de internamento no período de 23/01/23 a 23/10/23; durante o período de internamento, evoluiu a nível do autocontrolo emocional e comportamental, revelando dificuldades em gerir a ansiedade e lidar com a frustração; terminou o 6.º ano de escolaridade durante o período em que se encontrou a cumprir medida tutelar educativa de internamento no Centro Educativo ....

27. O ambiente estruturado institucional constituiu-se como uma experiência que facilitou a evolução na regulação emocional e comportamental, demonstrou boa adaptação na integração ao Centro Educativo, tendo concretizado acompanhamento em consulta de pedopsiquiatria com terapia medicamentosa, tendo, durante a fase de autonomização no seu processo de internamento, demonstrado responsabilidade e sentido de compromisso; durante as saídas para meio livre não foram registadas intercorrências, foi sujeito a avaliação aos consumos de produtos estupefacientes, tendo testado em todas as entradas negativo.

28. Actualmente, reintegrou o seu agregado familiar de origem juntamente com a companheira e a filha, na residência e morada dos autos; encontra-se inscrito no Instituto de Emprego Formação Profissional (IEFP), realizando diligências com vista à integração laboral e/ou integração em oferta formativa para obtenção de grau de qualificação equivalente ao 9.º ano de escolaridade; a situação económica foi avaliada, na actualidade, como suficiente para suprir as necessidades da família, sendo que, em situação de desempregado, BB encontra-se associado e integrado no agregado familiar da sua progenitora, beneficiários da prestação do RSI (Rendimento Social de Inserção) no valor mensal de € 769,17 (setecentos e sessenta e nove euros e dezassete cêntimos).

29. O seu quotidiano está associado à assunção das responsabilidades parentais e apoio à mãe na actividade de feirante não tendo identificado outras rotinas organizadas; a sua rede informal de suporte é constituída por alguns familiares e amigos; os seus projectos de vida passam por iniciar inserção profissional ou integração em curso profissional de qualificação com vista à autonomização habitacional juntamente com a companheira e filha; da articulação realizada com o OPC, não apresenta registo de ocorrências recentes.

30. Vivencia o presente processo com preocupação, nervosismo e constrangimento pela tipologia de crime pelo qual vem acusado; beneficia do apoio do grupo familiar, o qual tem conhecimento da sua situação jurídica-penal; em abstracto, foi capaz de verbalizar juízo de censurabilidade face à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, identifica a sua ilicitude, face ao normativo vigente, reconhece os valores e princípios implícitos protegidos pela norma; manifesta-se por isso apreensivo com o presente processo judicial, pelas possíveis repercussões na prossecução da prática da sua parentalidade.


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Não se demonstrou:

A. Que o arguido BB dissesse a CC “vais ser roubado” e agarrasse na bolsa que este trazia à cintura.

B. Que o arguido BB fosse empurrado por CC.

C. Que o arguido AA se encontrasse na rectaguarda de CC.

D. Que o objecto que assemelhava a uma pistola fosse de cor preta e lisa de ambos os lados.

E. Que um projéctil passasse perto do ouvido de CC.


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Com interesse, não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.

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2.2 Fundamentação da matéria de facto.

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência e da normalidade, tendo sopesado os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e os demais elementos juntos aos autos, nos moldes que doravante se expendem.

Os arguidos optaram pelo silêncio, apenas percorrendo as suas condições de vida.


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Em sede de acusação pública, foi inquirido como testemunha CC. Não descurando que denotou algum nervosismo, tivemo-lo como inteiramente compreensível quando concatenado com os factos em discussão, tendo este Tribunal, ademais, tido por adequado que prestasse depoimento na ausência dos arguidos e, bem assim, de público. Do mesmo passo, e vendo-se constantemente confrontado com a natureza do objecto caracterizado na acusação pública como algo semelhante a uma pistola, manteve que “era efectivamente uma pistola” (sic), desta forma inculcando em Juízo a sua percepção, reportada ao momento do evento, de que, com efeito, de uma arma se trataria, o que, de resto, se coadunou com o barulho que afirmou ter escutado, que ajuizou como sendo o “de uma arma de fogo” (sic) e caracterizou como sendo “mesmo alto” (sic). Mereceu, pois, credibilidade por parte deste Tribunal. Revelou que conhecia os arguidos de vista por todos residirem nas imediações do estabelecimento de cafetaria para onde se dirigia e que os mesmos o chamaram desde um quelho – para cuja apreensão espacial se assumiu de axial relevo a reportagem fotográfica constante do auto de diligências iniciais junto aos autos –,tendo-lhe solicitado que lhes entregasse o dinheiro que tinha consigo. Disse que não acedeu, que lhe foi exibida “uma pistola” (sic) pelo arguido AA que a retirou da cintura e que fugiu, apenas ouvindo o seu disparo e, olhando para trás, vendo o arguido BB a recolher o telemóvel que lhe caíra quando encetou fuga. Arrogou-se receoso, na ocasião e no presente.

Reportando-nos ao teor das alegações finais por parte dos arguidos, salientaremos desde logo que o silêncio a que remeteram constituiu o exercício de um direito que lhes assiste e que, não os podendo prejudicar, certamente os não beneficia na medida em que prescindem de dar conta em Juízo da sua versão acerca do sucedido. Deste modo, naturalmente que não nos é legítimo atentar na tese que o arguido AA perfilhou em sede de inquérito, do mesmo modo que, salvo melhor opinião, não nos incumbe sindicar o teor do despacho de arquivamento proferido nestes autos por comparação ao da acusação pública. Por outro lado, não podemos deixar de notar que a CC não incumbe a demonstração dos factos alinhados nessa peça processual, sendo certo que as dissonâncias do seu relato por referência à apontada narração lhe conferiram credibilidade, pois que não se limitou a aderir acriticamente à factualidade talqualmente descrita, antes deu conta do sucedido com sujeição ao contraditório. Por fim, a circunstância de os objectos referidos no libelo acusatório não haverem sido recuperados em medida alguma significa a sua inexistência.


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Em sede de contestação apresentada pelo arguido AA, foram inquiridos como testemunhas HH e II, seus familiares afastados, ambos tendo abonado o respectivo carácter.

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Documentalmente, retiveram-se: o auto de notícia de fls. 31 e seguintes; o auto de diligências iniciais de fls. 38 e seguintes; a factura de fls. 61; as informações de fls. 78 e seguinte e de fls. 116 e seguintes; a informação de fls. 86 e seguinte; a informação de fls. 137; os CRC de fls. 210 e de fls. 211; os relatórios sociais elaborados pelos serviços da DGRSP de fls. 218 e seguintes e de fls. 235 e seguintes.

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Assim apreciada criticamente a prova produzida, dúvidas não nos restaram quanto ao comprometimento dos arguidos com a factualidade que lhes vinha imputada. Na verdade, e concluindo-se que pessoa alguma presenciou o evento, o excurso protagonizado pela testemunha CC revelou-se-nos congruente com as regras da experiência, da lógica e da normalidade do acontecer, assim como idóneo a reduzi-lo aos seus contornos essenciais, o que tivemos por sobejamente relevante na sua capacidade de convencimento, uma vez que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o libelo acusatório se espraiou em pormenores anódinos. Assim: foi chamado pelos arguidos, seus conhecidos, num quelho a caminho do estabelecimento de cafetaria para onde se deslocava; solicitaram-lhe que lhes entregasse os seus pertences; perante a sua recusa, foi-lhe exibida o que considerou então ser uma pistola; encetou fuga, vendo cair-lhe o telemóvel e escutando um disparo que mais o convenceu quanto à natureza do objecto que viu mostrado. Repetiremos que, não podendo os arguidos ser prejudicados por se remeterem ao silêncio, uma semelhante postura não lhes é benéfica na estrita medida em que o Tribunal fica privado de atentar na sua tese acerca dos factos. Presente a sucessão factual que acima se deixou exposta, cumpre, pois, proferir sentença condenatória.

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3. Do Direito

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3.1. Do enquadramento jurídico-penal da conduta

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Dispõe o art. 210.º, n.º 1 do Código Penal que quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. Acrescenta o seu n.º 2, que a pena é a de prisão de 3 a 15 anos se: qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave [al. a)] ou se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.º s 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo [al. b)]. Com relevo no caso vertente, estabelece o art. 204.º, n.º 2, al. f) do mesmo Código que quem furtar coisa móvel alheia (…) trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta (…) é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

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Não obstante constar a incriminação vertente do Título II do Código Penal, atinente à criminalidade contra o património, estamos perante um crime dito complexo, uma vez que a respectiva tipicidade se reporta não apenas à ofensa da propriedade, mas também à lesão de bens jurídicos iminentemente pessoais, maxime, a vida e a integridade física. No que diz respeito ao tipo objectivo de ilícito, alude o preceito em questão à subtracção de coisa móvel alheia por parte do agente, ou constrangimento no sentido de esta lhe ser entregue, assim como refere o correspondente meio de execução – o uso de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou a colocação da vítima em estado que determine a sua impossibilidade de reacção perante os factos.

Em concreto, haverá violência quando se assista ao emprego de força física, ameaça sempre que exista coerção moral e determinação de impossibilidade reactiva da vítima na hipótese de esta, à custa de processos físicos ou psíquicos, se quedar em situação de disponibilidade relativamente aos propósitos do perpetrador, pela incapacidade de aos mesmos se opor. Preenche-se o correspondente elemento subjectivo com a ilegítima intenção de apropriação, que se pode traduzir como “a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des) apropriar terceiro” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, Coimbra Editora, 1999, 33).

Debruçando-nos sobre a qualificativa preconizada em sede de acusação pública para efeitos de subsunção do assacado ilícito ao n.º 2 do art. 210.º do Código Penal, atentemos na prática do facto com arma aparente ou oculta. Ora, “o potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delinquente é, ninguém o desconhece, uma realidade indesmentível e indiscutível, o que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar”, a qual, em nosso ver, “pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou matar”, encontrando-se, precisamente, nessa capacidade “a característica essencial da noção de arma” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, Coimbra Editora, 1999, 79 e 81). De resto, os adjectivos aparente – a arma é exibida ou é visível pela vítima no momento da prática do crime – e oculta – a arma não é exibida, nem se encontra visível, pelo que, neste caso, se exige que o agente dê a conhecer à vítima que a traz consigo – “mostram, pois, que o fundamento da qualificação da ilicitude reside no impacto intimidativo (na «impressão») causada pela arma na vítima”, verificando-se a qualificação “se o agente do crime usar uma pistola de plástico como se fosse verdadeira ou usar uma pistola descarregada como se estivesse carregada, e a encenação parecer objectivamente credível” (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, 562).

Na concretização propriamente dita do que constitua uma arma para efeitos da presente incriminação, podemos afirmar não se cingir “apenas aos instrumentos expressamente elencados no artigo 2.º, n.º 1 do RJAM”, prescrevendo o artigo 4.º do DL 48/95 de 15 de Março – cuja actualidade se mantém, não tendo sido revogado pelo RJAM (cfr., neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 13/12/07, in www.dgsi.pt) – ser arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim”. Deste modo, encontram-se abrangidas pela previsão legal, quer “a arma verdadeira ou real (arma de fogo municiada), como a arma classificada como tal pelo legislador (elencadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAM), bem como o objecto susceptível de ser utilizado como instrumento de agressão contra o corpo de alguém (artigo 4.º do DL 48/95 de 15 de Março), seja uma arma visível, no sentido de ter sido exibida pelo agressor e visionada pela vítima, ou uma arma oculta (escondida)” (cfr. o Ac. do TRE de 23/03/21, in www.dgsi.pt).


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Da prova produzida, resultou que nas circunstâncias de tempo e lugar melhor discriminadas no libelo acusatório, os arguidos chamaram CC e lhe ordenaram a entrega dos seus pertences e de bolsa que trazia à cintura, pelo arguido AA lhe tendo sido exibido um objecto que se assemelhava a uma pistola, que retirou da zona da cintura da roupa que trajava, e pelo arguido BB recolhido o seu telemóvel.

Sabiam os arguidos – posto que “no caso de comparticipação, basta que qualquer comparticipante use a arma (…), [devendo] o comparticipante na posse da arma (…) estar na imediação do local do crime, de modo a que a arma possa ser utilizada para intimidar a vítima” (Pinto de Albuquerque, ob. cit., 563) – não se tratar de pertences seus, contrariar o seu apoderamento a vontade do respectivo dono e, ademais, que aquela exibição constrangia CC a anuir ao seu desiderato, donde, a inexistência de quaisquer dúvidas no que tange ao animus doloso que presidiu a um tal comportamento.


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Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.

Desta forma, encontram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito em apreço, em consequência sendo legítimo concluir que os arguidos incorreram na prática do crime por que vêm acusados.


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3.2. Da determinação da medida concreta da pena.

Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta, cumpre agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar, sendo que o processo de determinação da pena em concreto compreende três fases distintas. Primeiramente, há que averiguar da moldura penal abstracta aplicável ao crime em questão e aferir da existência de circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes, susceptíveis de actuar sobre a mesma. Em seguida, cumpre determinar a pena concreta dentro dessa moldura, tendo por base o estatuído no art. 71.º do Código Penal, e escolher, num terceiro momento, a espécie de pena a aplicar, na eventualidade de a lei permitir ao julgador a escolha, em conformidade com o art. 70.º do mesmo diploma legal. Dispõe, então, o art. 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, enumerando exemplificativamente o n.º 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias que, sendo exteriores ao tipo de crime, possam depor contra ou a favor do arguido. Assim, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente [al. a)]; a intensidade do dolo ou da negligência [al. b)]; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [al. c)]; as condições pessoais do agente e a sua situação económica [al. d)]; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [al. e)]; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [al. f)]. Sufraga, ainda, a melhor doutrina que, “não [devendo] ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime” – no que se consubstancia o denominado princípio da proibição da dupla valoração –, nada obsta, porém, a que “a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso”, sendo, pois, legítima a “consideração das modalidades da realização do tipo” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 234 e seguinte).


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Face à idade dos arguidos aquando da prática dos factos – completaram 16 (dezasseis), mas não perfizeram ainda os 21 (vinte e um) anos de idade – e tratando-se de crime punível unicamente com pena de prisão – de 3 (três) a 15 (quinze) anos –, cumpre, pois, e previamente ao mais, debruçarmo-nos sobre a aplicabilidade ao caso vertente da atenuação especial da pena consagrada no art. 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09. Na verdade, “não sendo a aplicação deste regime uma faculdade, mas um poder-dever vinculado que o juiz deve usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos”, importa indagar, “mesmo oficiosamente, se existem pressupostos de facto que imponham a aplicação do regime previsto no referido diploma, sempre que a pessoa submetida a julgamento tenha, ao tempo dos factos, idade que se integre dentro dos limites objectivos de aplicação” (cfr. o Ac. do STJ de 11/06/03, in www.dgsi.pt).

Ora, tomando posição acerca da prevalência de necessidades de prevenção geral ou especial para efeitos da anunciada atenuação especial da pena, subscrevemos o entendimento jurisprudencial que cremos maioritário, e de acordo com o qual “razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir o uso e aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico” (cfr. o Ac. do STJ de 29/04/09, in www.dgsi.pt), deste modo se ajuizando que “a predominância da consideração da prevenção especial não é bastante para se prescindir do limite da pena necessária à garantia e protecção de bens jurídicos, e por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela; a atenuação da pena não só não opera automaticamente como, mais do que isso, necessário se torna ainda que se tenha estabelecido positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem” (cfr., pela sua intocada actualidade, o Ac. do STJ de 28/10/98, BMJ, 480, 83). Deste modo, “no juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos”, pelo que “a avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e o percurso de vida do arguido, e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade” (cfr. o Ac. do STJ de 05/11/08, in www.dgsi.pt).

Revertamos ao caso sub judice.

Sendo consabido “que o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime”, importa, face aos considerandos vindos de tecer acerca da primazia de ditames de prevenção geral, considerar “a natureza e gravidade do crime” no confronto com “as circunstâncias do caso concreto” (cfr. o citado Ac. do STJ de 29/04/09, in www.dgsi.pt). Neste conspecto, reservas não nos merece a extrema seriedade do ilícito perpetrado – roubo qualificado –, depondo, desde logo, nesse sentido, a própria moldura penal cominada pelo legislador, que sequer previu o seu sancionamento por via de uma pena alternativa; por outro lado, aos arguidos foi imputada factualidade subsumível àquela tipicidade, mas que, percorrida, revela a censurabilidade da conduta adoptada, que, em suma, podemos resumir como a interacção entre os arguidos e o ofendido caracterizada pelo fito dos primeiros no sentido de apoderarem de pertences do segundo sem olharem a meios; por fim, os arguidos escusaram-se a prestar declarações, legitimando-nos a dúvida acerca da sua interiorização do desvalor do feito que praticaram. Assim, e revendo-nos, uma vez mais, nas lições do nosso mais alto Tribunal, concordando que “a aplicação do regime especial encontrará dificuldades nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade” (cfr. o aresto supra citado), entendemos não deverem os arguidos beneficiar da atenuação especial de pena prevista no art. 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09.


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Consideramos ser elevada a ilicitude dos factos, atentos o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e a natureza dos mesmos, relevando, do mesmo passo, o modo de execução do crime, o mesmo é dizer, a absoluta subjugação da pessoa de outrem, animada de desideratos meramente patrimoniais, o mesmo é dizer, como forma e garantia de apossamento de coisa alheia, e o elevado grau de violação dos deveres impostos aos arguidos, tendo os mesmos feito vítima do seu comportamento um seu conhecido, que não hesitaram em interpelar na via pública, ademais sendo de notar a sua superioridade numérica face ao ofendido. Neste seguimento, há que reputar a culpa como elevada, por força do dolo directo que presidiu à conduta em apreço, denotando a mais completa indiferença, por parte dos arguidos, com respeito ao que lhe é alheio, desta maneira ascendendo ao patamar da culpa jurídico-penal mais gravoso, por outro lado não tendo sobrevindo demostrados quaisquer factos susceptíveis de mitigar o juízo de censurabilidade de que aqueles se evidenciam merecedores. As necessidades de prevenção geral são elevadas, visto vivermos presentemente tempos em que se afigura cada vez mais difícil a convivência comunitária de acordo com os ditames do respeito que a cada um é devido, primando o desentendimento e a desordem, e, neste contexto, o alheamento aos haveres dos outros, justificando que dos mesmos sejam desapossados por motivos iníquos, assim se impondo uma reposição da confiança comunitária na norma jurídica violada e na administração da Justiça. Quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas apresentam-se-nos como medianas, ainda que lhes reconheçamos propensão para o patamar elevado: milita em desabono d os arguidos o seu comportamento em Juízo – na precisa medida em que, abdicando de dar a conhecer a sua versão do acontecido, igualmente abdicaram de expressar interiorização do desvalor do seu feito criminoso e eventual contrição, com o que evidenciaram ausência de responsabilização das consequências decorrentes dos seus comportamentos –, assim como o facto de não se encontrarem laboralmente inseridos na comunidade, havendo, porém, no caso concreto do arguido BB, atentar na organização de rotinas familiares em torno de uma descendente; em benefício de ambos, cumpre considerar o desconhecimento de antecedentes criminais, assente o pressuposto de apenas comportarem o significado de não haverem sido condenados pela prática de factos ilícitos típicos por decisão judicial transitada em julgado.

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Analisada a moldura penal abstractamente cominada para o crime de roubo qualificado, a mesma depõe inequivocamente no sentido da sua gravidade, atestando-se que, sem embargo da preferência pelas penas não privativas da liberdade expressa no art. 70.º do Código Penal, não previu o legislador a pena de multa no âmbito desta particular incriminação, certamente pela sua insuficiência em face da protecção dos bens jurídicos e para a reintegração dos agentes na sociedade, finalidades mencionadas no n.º 1 do art. 40.º do mesmo Código. E, com efeito, o comportamento patenteado nos autos é sintomático do mais profundo desrespeito pelos ditames do Direito e pelas regras por que se deve pautar a convivência comunitária, assumindo contornos de gravidade que não podem ser escamoteados, perante o que não podemos entender, aliás em contra-senso com a própria lei, que a condenação dos arguidos em meras penas de multa reunisse as virtualidades necessárias ao nível das finalidades das penas. Não resta, pois, outra alternativa ao Tribunal, que não a da aplicação de pena de prisão, sequer sendo de cogitar o recurso à sua substituição conforme permitido pelo referido art. 45.º e 58.º do Código Penal, presente o limite mínimo da moldura penal consagrada.

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Sopesando todo o circunstancialismo previamente analisado e tendo presente o quanto se deixou dito quanto à medida da culpa e às razões de prevenção geral e especial, temos por justo aplicar aos arguidos AA e BB, pela prática de um crime de roubo qualificado, as penas, respectivamente de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e de 4 (quatro) anos de prisão.

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Resta, pois, aquilatar da bondade da suspensão da sua execução, estabelecendo o art. 50.º do mesmo diploma legal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, podendo o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordiná-la ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, por período fixado entre um e cinco anos, nada obstando a que os deveres e as regras de conduta sejam impostos cumulativamente. Acompanhando de perto os ensinamentos da que avalizamos, impõe-se a “a possibilidade de o Tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (cfr. o Ac. do TRC de 17/12/14, in www.dgsi.pt), aceitando “um risco prudencial”, afinal, “a esperança fundada e não uma certeza (…) de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito” (cfr. o Ac. do TRC de 12/07/17, in www.dgsi.pt).

Expressamente se consignando tratar-se de oportunidade concedida aos arguidos para que se alheiem de práticas criminosas, entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual, ao abrigo do preceituado pelo art. 50.º, n.º s 1 e 5 do Código Penal, se suspende a execução das referidas penas de prisão por igual período de tempo, mais se considerando, desta feita em consonância com os seus n.º s 2 e 3, ser conveniente e adequada à realização das finalidades da punição que a suspensão da execução da pena de prisão (…) seja acompanhada de regime de prova, tal como consagrado no art. 53.º do Código Penal, porquanto idónea “a facilitar a reintegração do condenado” (cfr. o Ac. do TRC de 29/10/14, in www.dgsi.pt), através da “existência de um plano de readaptação social e a submissão [dos arguidos] a uma vigilância e controlo de assistência social especializada, ou seja, a representação do Estado na vida do arguido, após a sua condenação, como forma de o responsabilizar pelos seus actos” (cfr. o Ac. do TRC de 18/01/12, in www.dgsi.pt). Incumbirá aos serviços da DGRSP a elaboração dos PRS para o efeito, bem como a posterior vigilância e apoio. Por fim, as penas concretamente preconizadas precludem a aplicação da L. n.º 38-A/2023 de 02/08.


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3.3. Da perda de vantagens

Dispõe – presentemente – o art. 110.º do Código Penal, no seu n.º 1 – concretizando a destrinça entre os produtos e as vantagens do facto ilícito típico – que são declarados perdidos a favor do Estado: os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática [al. a)] e as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem [al. b)], passando o respectivo n.º 2 a prescrever que o disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem – assim incluindo, como vantagem do facto ilícito típico, à recompensa a que aludia o anterior art. 111.º, n.º 1 e especificando a desnecessidade de consumação do ilícito. De acordo com o correspondente n.º 3, a perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado – tratando-se de inovação legislativa com vista a ampliar o âmbito da declaração de perda –, esclarecendo o n.º 4 que se lhe segue que se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A – deste modo repercutindo a anterior previsão do art. 111.º, n.º 4 e especificamente se pronunciando sobre a sua aplicabilidade a momentos processualmente ulteriores, desde que salvaguardados os prazos de prescrição sobre que versa o inovador art. 112.º-A. Em conformidade com o seu n.º 5, o disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz – consagrando, a este propósito, a regra já existente no anterior art. 109.º, n.º 2 –, especificando o subsequente n.º 6 que o disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido – corporizando o entendimento jurisprudencial já existente acerca da compatibilidade da declaração da perda com a formulação de pedido de indemnização.

Talqualmente adiantado, o actual art. 111.º do Código Penal detém-se sobre a disciplina jurídica referente aos instrumentos, produtos e vantagens pertencentes a terceiro, cujas noções constam dos dois preceitos legais antecedentes, em sentido idêntico ao já subjacente ao anterior art. 110.º, precisando a inclusão na declaração de perda do quanto haja sido transferido para terceiro, com o fito de o subtrair a essa mesma declaração, desde que esse terceiro do mesmo seja conhecedor e, por outro lado, consagrando expressamente a aplicabilidade da regra ora plasmada no art. 110.º, n.º 4, a saber a substituição, a título de perda, dos instrumentos, produtos e vantagens não susceptíveis de apropriação em espécie pelo correspectivo valor pecuniário. Vejamos, pois, qual a sua redacção vigente: no n.º 1, consigna-se que, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada; no n.º 2, que, ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: o seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios [al. a)], os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência [al. b)] ou os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida; no n.º 3, que, se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A; no n.º 4 que, se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico, não sendo isso possível, o tribunal [ordenando] a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.


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Não estando em causa uma pena acessória, porquanto destituída de conexão com a culpa e independente de uma condenação, constitui a perda de vantagens “uma medida sancionatória análoga à medida de segurança”, sendo “exclusivamente determinada por necessidades de prevenção” (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, 315). Visa-se a “(…) prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o crime» não compensa”, “ideia que se deseja reafirmar, tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível de reforço da vigência de norma (prevenção especial positiva ou de integração)” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 632). Ao conceito legal de vantagens de facto ilícito típico, subsumem-se todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem, mostrando-se ainda abrangida a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.

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Dúvidas inexistindo quanto à salvaguarda legal dos direitos do ofendido – presentemente expressa pelo legislador no n.º 6 do art. 110.º do Código Penal –, importa debruçarmo-nos sobre a compatibilidade entre a declaração de perda de vantagens e a pretensão indemnizatória de foro civilístico que venha a ser formulada por aquele, pois que se antevêem frequentes os casos concretos em que os respectivos montantes coincidam. Surpreendendo-se clarividente a distinta natureza jurídica de ambos – a primeira de escopo sancionatório, e a segunda animada de uma finalidade ressarcitória, e, assim, a irrenunciabilidade quanto à primeira –, cumpre realçar que os pressupostos legais da perda de vantagens contendem, tão-só, com “a existência de um facto antijurídico e a existência de proveitos, (…) inexistindo um qualquer “pressuposto positivo ou negativo relativo à dedução do pedido de indemnização civil por parte do lesado” (cfr. o Ac. do TRP de 31/05/17, in www.dgsi.pt), ao que acresce a disponibilidade desse direito, que poderá ou não vir a exercido, por oposição ao carácter irrenunciável de uma medida de jaez sancionatório como a ora em debate. Nesta esteira, conclui a jurisprudência maioritária que “a perda de vantagens deve ser decretada sempre que se verifiquem os seus fundamentos, não ficando dependente da reclamação do seu valor (v.g. dedução do pedido civil) ou do sucesso dessa pretensão” (cfr. o Ac. do TRP de 22/03/17, in www.dgsi.pt), considerando-se que “a vontade do ofendido a propósito da obtenção do ressarcimento devido não pode afectar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa”, enquanto “instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium, anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito” (cfr. o Ac. do TRP de 12/07/17, in www.dgsi.pt). Em suma, “o direito ao pedido de indemnização civil não pode contender ou substituir o direito de o Estado ser de imediato reintegrado na sua esfera patrimonial com os bens / direitos / vantagens que lhe foram subtraídos com a prática do crime” (cfr. o Ac. do TRP de 18/06/19, in www.dgsi.pt).

Concretizando a compatibilidade vinda de explicitar, assente a melhor doutrina que “à primeira vista, a consagração da perda das vantagens como providência de carácter criminal pode parecer absurda”, já que “em princípio, com efeito, ela resulta automaticamente das regras da responsabilidade civil”; salienta, porém, justificar-se duplamente tal providência, uma vez que “o lesado pode prescindir da reparação”, do mesmo passo que “casos haverá em que as vantagens vão além daquilo em que a vítima foi prejudicada”, situações em que “também (…) há lugar e justificação autónomos para a perda”, reconhecendo-se, não obstante, que “sempre que tenha havido pedido civil conexo com o processo penal, poucas serão as hipóteses em que a perda de vantagens poderá vir a ser decretada utilmente” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 633). Assim, e nessas hipóteses, “concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens, prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens” (cfr. o Ac. do TRP de 22/02/17, cujo entendimento é retomado, entre outros, no Ac. do TRP de 17/01/18, ambos in www.dgsi.pt).


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In casu, pretende o Digno Magistrado do Ministério Público a condenação solidária dos arguidos no pagamento ao Estado da quantia de € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros), por ser esse o valor da vantagem que obtiveram com a prática do ilícito criminal. Ora, presente a factualidade que logrou a adesão da prova do ponto de vista jurídico-penal, neste conspecto se salientando o comprometimento dos arguidos com a tipicidade por que vinham acusados, mais se atesta que, à conta de uma tal comissão criminosa, aqueles necessariamente obtiveram o referido benefício patrimonial, pelo que resta deferir nesta exacta medida o requerido em sede de acusação pública igualmente nestoutro segmento.

4. Do arbitramento oficioso de indemnização

Dispõe o art. 67.º-A, n.º 3 do Código de Processo Penal que as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. Percorrido o elenco do respectivo art. 1.º, verificamos estar em causa crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a oito anos; não obstante, as condutas a considerar são as que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública, inserindo-se o crime de roubo nas incriminações contra a propriedade. Nestes termos, não há lugar ao arbitramento oficioso de uma qualquer compensação.

5. Decisão (…)”


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Cumpre apreciar.

Primeiramente caberá apreciar os temas que compõe o recurso do Arguido AA concretamente a nulidade invocada de falta de fundamentação com o exame crítico que serviu para formar a convicção do tribunal, referindo que “o Tribunal recorrido, pese embora tenha dado como provado que ocorreu um roubo com recurso a uma aparente arma e ter condenado o arguido nesse sentido, não fundamentou minimamente tal convicção” conforme os arts.374º nº2 e art.379º nº1 alínea a) ambos do CPP, porém, se o que constitui a verificação da nulidade é omissão de pronúncia na análise crítica da prova, manifestamente, da sentença não ocorre a nulidade em causa, dado que o Tribunal “A Quo” apresentou fundamentos críticos da prova sobre a participação apurada dos arguidos recorrentes. O Tribunal “a quo” explicou com detalhe a razão de ser da convicção que formou quando se referiu ao depoimento da testemunha CC em julgamento, sublinhando de perto os pontos mais críticos desse depoimento, analisando-os como se depreende dos seguintes trechos “, foi inquirido como testemunha CC. Não descurando que denotou algum nervosismo, tivemo-lo como inteiramente compreensível quando concatenado com os factos em discussão, tendo este Tribunal, ademais, tido por adequado que prestasse depoimento na ausência dos arguidos e, bem assim, de público. Do mesmo passo, e vendo-se constantemente confrontado com a natureza do objecto caracterizado na acusação pública como algo semelhante a uma pistola, manteve que “era efectivamente uma pistola” (sic), desta forma inculcando em Juízo a sua percepção, reportada ao momento do evento, de que, com efeito, de uma arma se trataria, o que, de resto, se coadunou com o barulho que afirmou ter escutado, que ajuizou como sendo o “de uma arma de fogo” (sic) e caracterizou como sendo “mesmo alto” (sic). Mereceu, pois, credibilidade por parte deste Tribunal. Revelou que conhecia os arguidos de vista por todos residirem nas imediações do estabelecimento de cafetaria para onde se dirigia e que os mesmos o chamaram desde um quelho – para cuja apreensão espacial se assumiu de axial relevo a reportagem fotográfica constante do auto de diligências iniciais junto aos autos –,tendo-lhe solicitado que lhes entregasse o dinheiro que tinha consigo. Disse que não acedeu, que lhe foi exibida “uma pistola” (sic) pelo arguido AA que a retirou da cintura e que fugiu, apenas ouvindo o seu disparo e, olhando para trás, vendo o arguido BB a recolher o telemóvel que lhe caíra quando encetou fuga. Arrogou-se receoso, na ocasião e no presente.

E finalmente quando considera “Assim apreciada criticamente a prova produzida, dúvidas não nos restaram quanto ao comprometimento dos arguidos com a factualidade que lhes vinha imputada. Na verdade, e concluindo-se que pessoa alguma presenciou o evento, o excurso protagonizado pela testemunha CC revelou-se-nos congruente com as regras da experiência, da lógica e da normalidade do acontecer, assim como idóneo a reduzi-lo aos seus contornos essenciais, o que tivemos por sobejamente relevante na sua capacidade de convencimento, uma vez que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o libelo acusatório se espraiou em pormenores anódinos. Assim: foi chamado pelos arguidos, seus conhecidos, num quelho a caminho do estabelecimento de cafetaria para onde se deslocava; solicitaram-lhe que lhes entregasse os seus pertences; perante a sua recusa, foi-lhe exibida o que considerou então ser uma pistola; encetou fuga, vendo cair-lhe o telemóvel e escutando um disparo que mais o convenceu quanto à natureza do objecto que viu mostrado.”, improcedendo manifestamente a nulidade invocada. Se essa análise crítica enferma de algum erro que ofenda as regras da experiência comum, ou se traduz, nos seus próprios termos numa insuficiência, constituem vícios que têm outra tradução normativa.

Mas se não ocorre a nulidade em questão, o recorrente AA centra o objeto do recurso na decisão da matéria de facto, embora em sede das nulidades da decisão previstas no nº2 do art.410º do CPP.

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Apreciando o restante objeto do recurso interposto pelo referido arguido, sendo a impugnação centrada na decisão da matéria de facto, primeiramente cabe considerar a demarcação dos conceitos de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e  a decisão; e o erro notório, traçando os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha, embora o recorrente faça coincidir o objeto de análise em ambas as nulidades invocadas.

Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.” Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 ( concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão [artigo 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal] traduz-se numa “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão ”(Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002, pág. 63), podendo configurar-se de três modos distintos:

- “(…) contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrá­ria àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclare­cedora, face à colisão entre os fundamentos invocados;

 -“(…) contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja opo­sição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada.

- “(…) contradição entre os fac­tos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente” (Recursos, op. cit., pág. 64).

"Por contradição, entende-se o facto de se afirmar ou negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se por proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na qualidade ou na quantidade.

Para os fins do preceito (…) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todos por si ou com o auxílio das regras da experiência.

Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados" - Leal Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, Vol.2º, 2ª ed., 2000., p. 739.

Por sua vez, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio. Ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou, ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.

De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, relator Conselheiro Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.

Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”, “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.

Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.

Quanto às contradições invocadas  nos termos do art.410 nº2 alínea b) do CPP entre os factos dados como provados nos pontos 3, 4 e 7 e os não provados nos pontos D e E, não só, não vale o recurso a elementos externos à própria decisão (como o depoimento da testemunha de acusação, convocando-se indevidamente declarações prestadas em inquérito que não pode ser tidas em conta, por não terem sido reproduzidas em audiência de julgamento), como do próprio texto da decisão não resulta manifestamente essa contradição, dado que, a perceção da testemunha CC sobre a aparência de uma arma, aliás consolidada com o disparo que ouviu, é compatível com a falta de precisão da memória sobre as características específicas dessa arma quanto à sua cor, e como seriam os lados ou a textura das arestas laterais dessa arma, sendo que quanto ao tiro audível, simplesmente não se apurou que o mesmo silvasse aos seus ouvidos, circunstância que nada tem de contraditório, não se situando esta impugnação no plano das regras da lógica, tanto mais que o recorrente apela à falta de credibilidade do depoimento da testemunha, impugnação esta , que confere antes com o território jurídico demarcado pelo art.412º nº3 do CPP, aqui improcedendo as conclusões do recurso.

No invocado vício de erro notório que o recorrente pretende associar à violação do “in dúbio pro reo”, a impugnação do recorrente, no essencial, não se baseia apenas no texto da sentença, antes, é “contaminado” pelas asserções que derivam da análise dos meios de prova, os quais como elementos externos à decisão em si, não podem ser aferidos no âmbito do invocado vício, sobretudo quando sustenta que o Tribunal “A Quo” conferiu erradamente credibilidade à única testemunha de acusação, designadamente com o que a mesma terá declarado em fase de inquérito (depoimento não atendível por não ter sido reproduzido em audiência), pelo que, como se referiu, tão pouco, estamos no domínio do erro notório, pois na fundamentação do Tribunal “A Quo”, a pesagem dos meios de prova foi feita de forma congruente, com boa localização das regras da experiência comum. Depois, concretamente na nulidade invocada, o recorrente, à semelhança do que havia feito no vício anteriormente invocado, torna a convocar os mesmos pontos 3, 4 e 7 dos factos provados, no confronto das alíneas D) e E) dos factos não provados, associado às mesmas passagens da fundamentação da decisão de facto, para agora considerar estar subsumido o erro notório, concluído existirem ofensas no uso das regras da experiência comum, quando, como já foi referido, não existe incoerência crítica na análise do Tribunal, dado que a perceção da testemunha sobre o objeto que lhe fora apontado, como sendo uma arma de fogo (concretamente uma pistola), não implica que a mesma se recordasse das características específicas da arma, como a cor e como seria a geometria dos seus lados; acresce que dentro daquele contexto de espaço e de momento, o disparo nas suas imediações, quase imediato ao tempo da sua fuga, coloca a arma como a fonte desse disparo, no campo das probabilidades elevadas, que a testemunha acabara de visualizar, devendo frisar-se a falta de razão do recorrente quando pretende desligar a coerência do disparo com a vítima em fuga, porque é nessa sequência quase imediata, que os arguidos se apoderam do telemóvel que a testemunha acabara de deixar cair. Por outro lado, como é consabido, o arquivamento do inquérito quando ao subsequente não apuramento de uma arma de que o arguido pudesse ser detentor, não infirma um único ponto de facto que o Tribunal “A Quo” apurou, reiterando-se que, como se referiu, impropriamente convocam-se elementos externos ao contexto, ultrapassando os limites do que foi verbalizado pelo texto da decisão.

O recorrente quando pretende atacar a credibilidade da testemunha, afinal, quereria suscitar a reapreciação ampla da prova, embora para tal não cuide de cumprir os ónus de especificação previstos no artigo 412.º, n.º3 e 4, do C.P.P.

Portanto, não padecendo a sentença de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso. 


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Neste ponto deve igualmente improceder a pretendida renovação da prova prevista no art.430º nº1 do CPP, dado que não ocorrem as nulidades da decisão nos termos do art.410º nº2 do CPP.

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A restante pretensão do arguido AA quanto à medida da pena será aferida conjuntamente com o objeto de recurso do arguido BB

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Aferindo agora o recurso do arguido BB cumpre apreciar a impugnação da matéria de facto nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objeto do recurso, cabendo estabelecer os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior

Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;

- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).

Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha de fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.

O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].

Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]

O Tribunal de recurso apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões  e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.

Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.

Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.

Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.

Quanto às concretas divergências enfatizadas pelo recorrente, o recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada, que a lei obriga com indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);  a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal); a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal) e a indicação das provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto e não, apenas, as provas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto. Assim, a mera impugnação que algumas referências de declarações, sem as aludidas especificações tornam a impugnação inoperante nos termos do art.412º do CPP.

Os Tribunais quando aferem a importância probatória dos meios de prova sobre os factos probandos, devem usar sempre as regras da lógica, sob a coerência ditada pelas regras da experiência comum/técnica ou científicas, e sobre este ponto, o Tribunal “A Quo” nada mais fez do que essa ponderação, no âmbito destes limites.

O Tribunal “A Quo” atribuiu credibilidade ao depoimento da testemunha ofendida que especificou, pela razão de ciência direta demonstrada e pela coerência desse depoimento, beneficiando de um confronto positivo com as regras da experiência comum. Portanto o Tribunal “a quo” explicou criticamente a razão da sua convicção. Nem sequer foi validamente questionada a credibilidade da ofendida.

Não vislumbramos que haja sido formulado qualquer juízo destituído de razoabilidade e que contrarie os ditames da experiência comum, devendo deste modo improceder a impugnação movida à decisão a matéria de facto.


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Sobre os trâmites da convicção do Tribunal “A Quo”, para além de não se identificar qualquer perspetiva de dúvida, o que por si só, determina o afastamento do “in dúbio pro reo”, também, não se evidenciam quebras no seu raciocínio lógico, nem o uso indevido das regras da experiência comum de que possam emergir parâmetros de dúvida.

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Apreciando o recurso interposto pelo arguido BB, na parte em que diverge da decisão da matéria de direito, concretamente na subsunção ao crime de roubo quando considera que tipicamente o delito deve ser dirigido contra a vida do ofendido, está essa análise desligada dos fundamentos típicos do crime de roubo, dado quer a ação violenta ou intimidatória pode igualmente se dirigir à integridade física da vítima, também aqui improcedendo as conclusões do recurso.

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No recurso interposto pelo arguido AA e sobre a medida da pena, pretende o recorrente que se lhe aplique o regime dos jovens delinquentes nos termos do art.4º do Dec.Lei nº401/82, contudo, e diferentemente do que sustenta, assiste inteira razão ao Tribunal “A Quo” quando ponderou o peso da ilicitude dos factos praticados pelo ora recorrente, com a eficácia cometida no delito e que decorre da co-autoria, no período noturno (pois a hora do ocaso no dia 15/11/2022 ocorreu às 17.23 horas), exibindo o mesmo uma arma aparente, com a qual efetuou um disparo, onde ressalta o grau de censura, combinado com a densidade elevada da ilicitude e desacompanhada de qualquer arrependimento ou  ressarcimento e reparação (aqui se divergindo do juízo feito pelo Tribunal “A Quo” quanto à não reparação oficiosa, embora sem consequências nesse domínio, por não integrar o objeto de recurso), assim como a densidade das exigências de prevenção geral, quadro que não consente uma atenuação especial, sobre condutas que foram contundentes no confronto com a vítima.

Embora o regime penal dos jovens não dependa de uma menor ilicitude (mas também não admita uma ilicitude elevada) ou da culpa, antes visa adequar o excesso de juventude do agente que “imponderadamente”, impreparação ou por impulso, o tenha levado ao cometimento do delito que se crê tendencialmente isolado, merecendo o jovem nessas circunstâncias, que se minimizem os efeitos estigmatizantes da prisão, através da atenuação especial. Mas a relativa candura da imaturidade na génese de um delito, não é manifestamente não é o caso dos autos. Na operação de ponderação da aplicação do regime dos jovens, as exigências de prevenção geral e especial continuam a contar nas operações de escolha e medida, e se as exigências de prevenção especial assumem aqui um relevo singular por força do citado art.4º, o que se compreende, face à condição “juvenil” do arguido, essa circunstância não exclui, e menos neutraliza, a importância das exigências de prevenção geral, no caso, elevadas. 

Com a mesma análise o douto acórdão da RelP de 6/05/2015 (Relator Dr.Maria Dolores) sustentou “A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se v.g. com a aplicação do regime de jovens; mas, quando essa aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a aplicação do regime penal especial para jovens cedem, devendo aplicar-se a pena de prisão - No mesmo sentido Anabela Rodrigues, Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal, 1988, pág. 22 e 23.”

Na ponderação das exigências de prevenção especial, a falta de arrependimento pelo ato cometido, incrementa estas exigências, assim, como o grau de desvalor da atitude, como aliás foi bem expresso pelo Tribunal “A Quo” quando sustentou “Assim, e revendo-nos, uma vez mais, nas lições do nosso mais alto Tribunal, concordando que “a aplicação do regime especial encontrará dificuldades nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade” (cfr. o aresto supra citado), entendemos não deverem os arguidos beneficiar da atenuação especial de pena prevista no art. 4.º do DL n.º 401/82 de 23/09.”.

Perante a gravidade da ilicitude, não obstante alguns parâmetros de inserção social, o quadro deste conjunto de circunstâncias é totalmente desfavorável à aplicação do regime penal dos jovens in casu, não havendo lugar à atenuação especial da pena cominada, a qual deverá operar ajustada às elevadas exigências de prevenção, assim improcedendo as conclusões do recorrente a este respeito.


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Os recorrentes discordam da medida das penas, que consideram excessivas, visando a sua redução.

Entendem que as penas fixadas pelo Tribunal “A Quo” são desproporcionais e excessivas na ponderação das condicionantes do art.71º do CP, designadamente e quanto ao arguido AA a primariedade, enfatizando a sua inserção social profissional e familiar.

Contudo, a medida ótima de cada uma das penas concretas encontrada para cada um dos arguidos, são resultado de uma equilibrada ponderação pelo Tribunal “A Quo” dos parâmetros do limite da culpa e das exigências de prevenção geral e especial (cfr.art.71º do Cód.Penal).

Apesar do recorrente AA sustentar que o Tribunal A Quo não atendeu na devida proporção aos índices de inserção social e profissional, que assim não fez refletir na pena, que afirma situar-se perto do limite máximo, essa aferição, não corresponde à verdade, porquanto, diversamente, o Tribunal “A Quo”, sem esquecer aquela realidade, referiu “Consideramos ser elevada a ilicitude dos factos, atentos o grau de violação dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora e a natureza dos mesmos, relevando, do mesmo passo, o modo de execução do crime, o mesmo é dizer, a absoluta subjugação da pessoa de outrem, animada de desideratos meramente patrimoniais, o mesmo é dizer, como forma e garantia de apossamento de coisa alheia, e o elevado grau de violação dos deveres impostos aos arguidos, tendo os mesmos feito vítima do seu comportamento um seu conhecido, que não hesitaram em interpelar na via pública, ademais sendo de notar a sua superioridade numérica face ao ofendido. Neste seguimento, há que reputar a culpa como elevada, por força do dolo directo que presidiu à conduta em apreço, denotando a mais completa indiferença, por parte dos arguidos, com respeito ao que lhe é alheio, desta maneira ascendendo ao patamar da culpa jurídico-penal mais gravoso, por outro lado não tendo sobrevindo demostrados quaisquer factos susceptíveis de mitigar o juízo de censurabilidade de que aqueles se evidenciam merecedores. As necessidades de prevenção geral são elevadas, visto vivermos presentemente tempos em que se afigura cada vez mais difícil a convivência comunitária de acordo com os ditames do respeito que a cada um é devido, primando o desentendimento e a desordem, e, neste contexto, o alheamento aos haveres dos outros, justificando que dos mesmos sejam desapossados por motivos iníquos, assim se impondo uma reposição da confiança comunitária na norma jurídica violada e na administração da Justiça. Quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas apresentam-se-nos como medianas, ainda que lhes reconheçamos propensão para o patamar elevado: milita em desabono d os arguidos o seu comportamento em Juízo – na precisa medida em que, abdicando de dar a conhecer a sua versão do acontecido, igualmente abdicaram de expressar interiorização do desvalor do seu feito criminoso e eventual contrição, com o que evidenciaram ausência de responsabilização das consequências decorrentes dos seus comportamentos –, assim como o facto de não se encontrarem laboralmente inseridos na comunidade, havendo, porém, no caso concreto do arguido BB, atentar na organização de rotinas familiares em torno de uma descendente; em benefício de ambos, cumpre considerar o desconhecimento de antecedentes criminais, assente o pressuposto de apenas comportarem o significado de não haverem sido condenados pela prática de factos ilícitos típicos por decisão judicial transitada em julgado.


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Analisada a moldura penal abstractamente cominada para o crime de roubo qualificado, a mesma depõe inequivocamente no sentido da sua gravidade, atestando-se que, sem embargo da preferência pelas penas não privativas da liberdade expressa no art. 70.º do Código Penal, não previu o legislador a pena de multa no âmbito desta particular incriminação, certamente pela sua insuficiência em face da protecção dos bens jurídicos e para a reintegração dos agentes na sociedade, finalidades mencionadas no n.º 1 do art. 40.º do mesmo Código. E, com efeito, o comportamento patenteado nos autos é sintomático do mais profundo desrespeito pelos ditames do Direito e pelas regras por que se deve pautar a convivência comunitária, assumindo contornos de gravidade que não podem ser escamoteados, perante o que não podemos entender, aliás em contra-senso com a própria lei, que a condenação dos arguidos em meras penas de multa reunisse as virtualidades necessárias ao nível das finalidades das penas. Não resta, pois, outra alternativa ao Tribunal, que não a da aplicação de pena de prisão, sequer sendo de cogitar o recurso à sua substituição conforme permitido pelo referido art. 45.º e 58.º do Código Penal, presente o limite mínimo da moldura penal consagrada.”,

Pois, esse Tribunal, obrigatoriamente, teve de ponderar a expressividade das elevadas exigências de prevenção geral, associadas à natureza do delito e à forma como foi cometido, de noite, em contexto de delinquência juvenil cometida em co-autoria, com parâmetros de confronto expressivos, tendo o arguido AA feito uso de um objeto que se assemelhava a uma arma que mostrou e disparou, sem olvidar que o crime de roubo é sempre causador de relevante intranquilidade para a vítima e comunidade. O grau de censura é igualmente expressivo, onde, se sublinha a falta de arrependimento ou de reparação (sobre estes comportamentos [como genuínas atitudes de reconciliação com o direito e com as vítimas], nada foi feito no sentido de uma espontânea reparação, não obstante o tempo decorrido até à audiência de julgamento). Favoravelmente resulta apurado que os arguidos, a par da sua primariedade, apresentam parâmetros de inserção social e alguns de natureza profissional, embora aqui insuficientes, e relativamente volúveis.

Portanto, todo esse quadro obrigou o Tribunal “A Quo”, a ponderar todas as condicionantes agravantes e atenuantes, vindo a medida concreta da pena a situar-se num ponto equilibrado, ou seja, no caso do arguido AA fixando-se em 4 anos de prisão no delito de roubo qualificado, o que, na moldura de 15 anos de prisão como limite máximo e 3 anos de prisão como limite mínimo, marca como amplitude entre aqueles limites o tempo de 12 anos, e a pena fixada para o crime de roubo, corresponde ao uso de 1 ano dessa amplitude de 12 anos, ou seja, claramente próximo do limite mínimo da moldura dessa amplitude, correspondendo a 1/12 da mesma[1]. E depois, porque não se verificam outras atenuantes mais eficazes, como seria a autocrítica de uma confissão que não existiu, nem tão pouco arrependimento (comportamentos genuínos de reconciliação com o direito e com as vítimas), pelo que, face à ponderação dos parâmetros do limite da culpa e das exigências de prevenção geral e especial (cfr.art.71º do Cód.Penal), sem perder de vista o peso da ilicitude, as penas que o Tribunal “A Quo” fixou, fê-lo com ponderação e equilíbrio, não merecendo por isso censura, permanecendo a pena no seu “quantum”.

Por sua vez, no caso do arguido BB a pena concreta situada nos 3 anos e  4 meses de prisão no delito de roubo qualificado, na moldura de 15 anos de prisão como limite máximo e 3 anos de prisão como limite mínimo, representando a amplitude entre aqueles limites o tempo de 12 anos,  a pena concreta fixada para este crime de roubo corresponde ao uso de 4 meses do primeiro ano dessa amplitude de 12 anos, ou seja, claramente próximo do limite mínimo da moldura dessa amplitude. E depois, porque também aqui não se verificam outras atenuantes mais eficazes (como seria o caso de uma atitude de autocrítica de uma confissão que não existiu, nem tão pouco arrependimento), pelo que, face à ponderação dos parâmetros do limite da culpa e das exigências de prevenção geral e especial (cfr.art.71º do Cód.Penal), sem perder de vista o peso da ilicitude, as penas que o Tribunal “A Quo” fixou, fê-lo com ponderação e equilíbrio, não merecendo por isso censura, permanecendo a pena no seu “quantum”.

Deve igualmente manter-se o regime da suspensão da pena que lhe fora fixado nos termos do art.50º do CP, com a duração do tempo fixado e cumprimento da condição determinada, improcedendo as restantes conclusões dos recursos de ambos os arguidos.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento a ambos os recursos, mantendo-se a douta decisão do Tribunal a quo nos seus termos.

Custas de ambos os recursos pelos arguidos, fixando a cada um a taxa de justiça em cinco unidades de conta.

Notifique.

Sumário.

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Porto, 20 de março de 2024.

(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Pedro Afonso Lucas
Donas Botto


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[1] Na operação de mensuração da pena concreta, o prévio fracionamento da amplitude moldura da pena permite tornar compreensível a medida da proporcionalidade da pena e a sua distribuição pelas exigências de prevenção geral e especial, contribuindo para a clareza e racionalidade do ato de julgar na fixação da pena, podendo visualizar-se o peso específico da fração ou parte afeta à proteção da norma no restabelecimento da confiança comunitária, assim como o doseamento das frações para tutela do risco do agente na prevenção especial. A aritmética sempre contribuiu para tornar compreensível e simplificar um conjunto de variáveis por vezes complexas, tornando acessível a proporcionalidade aplicada, sob pena de se confrontar o destinatário da justiça com um juízo conclusivo e abstrato e por isso incompreensível.