INCIDENTE DE RECUSA DE JUIZ
MOTIVO SÉRIO E GRAVE
Sumário

I - Devem ser criteriosas as possibilidades de afastar o juiz natural, quer como judex inhabilis, quer como judex suspectus conquanto, pela sua importância e dignidade, a regra do juiz natural está expressamente consagrada no art.º 6.º, § 1.º, da C.E.D.H., enquanto elemento central da noção de fair trail, e só pode ser derrogada, em casos excecionais, para dar satisfação bastante e adequada, em conformação de direitos, a outros princípios de relevo semelhante, como sejam os da independência dos tribunais e da imparcialidade dos juízes.
II - Impõe-se, pela sua solenidade, importância e valor basilar, que a derrogação do princípio do juiz natural e o questionamento da sua idoneidade ou imparcialidade apenas possam ser postos em crise – como a lei exige – ante motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, não podendo, por isso, ser usado de forma desadequada, enviesada ou como expediente processual de retardamento ou entorpecimento do processo, ou como forma de diminuição da posição do julgador.
III – Não reúne esses requisitos o facto de haver designado para, no mesmo dia, a horas diferentes, realizar a audiência de julgamento do arguido em processos distintos.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Proc. n.º 28797/19.1T9VFR-A.P1




Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.

I.1
Nos autos de processo comum n.º 2897/19.1T9VFR, que corre termos no Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, veio o arguido AA propor o presente incidente de recusa de juiz pretendendo, através dele, o afastamento da juiz da causa.
Em 12.03.2024 (Ref.ª 132046851) foi proferido despacho pela Sra. Juiz do processo a ordenar a criação de apenso, autuando-o como incidente de recusa de Juiz e ordenando a sua instrução com certidão de vários elementos do processo, pronunciando-se nos termos do n.º 3 do art.º 45.º do C.P.P. e ordenou a remessa dos autos para este Tribunal da Relação.

*
I.2
Em 14.03.2024 foi aberta conclusão nesta instância, sendo colhidos os vistos legais e os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*

II.
Fundamentação
II.1
Elementos relevantes dos autos
II.1.1
Requerimento de recusa
O requerimento de recusa tem o seguinte teor:
AA, arguido no processo à margem referenciado e aí melhor identificado, vem agora junto de V.Ex.ª(s) suscitar o competente incidente de recusa de juiz, o que faz nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 – O requerente é arguido no âmbito do processo n.º 964/17.5 T9VFR - Comum Singular – que está a correr termos no Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, e tem julgamento designado para o dia 12.03.2024, pelas 15H15M, pela prática de 1 (um) crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87.º, n.º(s) 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e é arguido no âmbito do processo comum singular à margem identificado, que está a correr termos exactamente no mesmo juízo e tribunal e que tem julgamento designado para o dia 12.03.2024, pelas 14H15M, desta feita, pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social p. e p. pelos artigos 105.º, n.º(s) 4 e 5 e 107.º, n.º(s) 1 e 2 do mesmo diploma legal (RGIT).
2 – Nestes termos, e tendo agora em consideração que o aqui arguido já foi declarado contumaz no primeiro dos referidos processos,
3 – A estranheza que causa o agendamento do julgamento nos dois processos acima referidos para a mesma data e com apenas uma hora de diferença, sendo que num deles há mais de uma dezenas de testemunhas a inquirir e nada justifica este tipo de precipitação da parte do tribunal,
4 – E a natureza semelhante dos crimes e dos intervenientes envolvidos em ambos os processos,
5 – Tudo circunstâncias susceptíveis de condicionar a avaliação das declarações e/ou depoimentos que assim vierem a ser prestados nas respectivas audiências de julgamento e a própria decisão final que a Meritíssima Juiz vier a tomar, sobretudo neste último processo,
6 – Por estar mais que em tempo para o fazer e por ter legitimidade para tanto,
7 - Vem agora o arguido, junto de V.Ex.ª(s), requerer a recusa da referida Juiz, o que faz nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º, n.º(s) 1 e 2 do CPP e com todas as consequências legais daí decorrentes.
Pede respeitosamente deferimento
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II.1.2
Pronúncia da Sra. Juiz sobre o requerimento de recusa
O teor do despacho proferido ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 45º do C.P.P. é o seguinte:
Ao Venerando Tribunal da Relação do Porto / art 45º/3 do CPP
Incidente de recusa
Veio o Ilustre mandatário suscitar o incidente de recusa a que alude o art. 43º, nºs 1 e 2 do CPP alegando “– O requerente é arguido no âmbito do processo n.º 964/17.5 T9VFR - Comum Singular –, que está a correr termos no Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, e tem julgamento designado para o dia 12.03.2024, pelas 15H15M, pela prática de 1 (um) crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87.º, n.º(s) 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e é arguido no âmbito do processo comum singular à margem identificado, que está a correr termos exactamente no mesmo juízo e tribunal e que tem julgamento designado para o dia 12.03.2024, pelas 14H15M, desta feita, pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social p. e p. pelos artigos 105.º, n.º(s) 4 e 5 e 107.º, n.º(s) 1 e 2 do mesmo diploma legal (RGIT). 2 – Nestes termos, e tendo agora em consideração que o aqui arguido já foi declarado contumaz no primeiro dos referidos processos, 3 – A estranheza que causa o agendamento do julgamento nos dois processos acima referidos para a mesma data e com apenas uma hora de diferença, sendo que num deles há mais de uma dezenas de testemunhas a inquirir e nada justifica este tipo de precipitação da parte do tribunal, 4 – E a natureza semelhante dos crimes e dos intervenientes envolvidos em ambos os processos, 5 – Tudo circunstâncias susceptíveis de condicionar a avaliação das declarações e/ou depoimentos que assim vierem a ser prestados nas respectivas audiências de julgamento e a própria decisão final que a Meritíssima Juiz vier a tomar, sobretudo neste último processo,”
Ora, dispõe o artigo 43º, nº 1, do C. P. Penal, que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, ditando o seu nº 2 que pode constituir fundamento de recusa a intervenção noutro processo ou em fases anteriores (fora dos casos do art 40º do mesmo diploma.
O incidente da recusa apresenta-se, assim, como um expediente que visa impedir a intervenção de um Juiz em determinado processo quando existam razões sérias e graves suscetíveis de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, sendo que esta - a imparcialidade – é uma exigência específica de uma decisão justa, despida de quaisquer preconceitos ou pré-juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afetadas pela decisão.
Ora analisados os autos e os fundamentos aduzidos e salvo o devido respeito afigura-se-nos que o agendamento de dois processos no mesmo dia e a horas distintas (conforme descrito) – sendo que num processo apenas arroladas duas testemunhas, e por isso mesmo, aproveitando a presença do (mesmo) arguido em tribunal, em nada belisca, a meu ver, a minha idoneidade profissional, nem se nos afigura fundamento para legitimamente desconfiar da minha intervenção nos julgamentos.
Aliás, relativamente ao arguido nenhuma participação anterior ou julgamento procedi, tanto que consta dos autos ser primário.
Por entender que o agendamento do julgamentos nos dois processos relativos ao mesmo arguido (não se suscitando a conexão de processos por serem os crimes de natureza distinta) e que o requerente identifica, no mesmo dia, mas a horas distintas e em função também do número dos s intervenientes e previsibilidade dos trabalhos (tanto, conforme já referi supra, um dos autos apenas com duas testemunhas) não configura ato suspeito, nem, a meu ver, existe risco, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a minha imparcialidade, entendo, ao abrigo do disposto no art 45º/2 e 3 do CPP que carecem de validade aqueles invocados e subjacentes ao pedido de recusa.
Diga-se ainda que no mesmo dia de ontem e hora deu entrada no processo 964/17.5T9VFR requerimento invocando o Ilustre Advogado naquele outro processo não constar a contestação e rol nos autos quando a remeteu via correio, alegando problemas informáticos, tendo a secção verificado inexistir o aludido número de registo, porém questão a dirimir na hora da diligencia.
Dou sem efeito a diligência agendada atento o incidente invocado.
D.n.
(…)
*

Para além das sobreditas peças, foram os autos instruídos com o CRC do arguido/requerente, cópia da declaração enviada aos dois processos e informação prestada e cópia do agendamento eletrónico.
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III.
Apreciação do requerido
Mais do que a independência proclamada no art.º 203.º do C.R.P., na operação de aplicação da justiça ao caso concreto, é a imparcialidade do titular do órgão de soberania a principal qualidade e valor definidor de uma ideia natural de justiça. Ante um conflito, é no descomprometimento com os sujeitos intervenientes, com o objeto do litígio e na irrelevância pessoal do decidido para o decisor que se busca o desprendimento necessário à prolação de uma decisão justa e equitativa e que como tal possa ser percecionada, precisamente porque nela se nota a ausência de comunhão de interesses pessoais do Juiz com os sujeitos processuais envolvidos.
Nas palavras do muito recentemente falecido Charles Freid, o primordial dever deontológico foi, é, e continuará a ser sempre, a imparcialidade do juiz perante o objeto da causa, os seus litigantes e intervenientes e os efeitos sociais e económicos da sua decisão.
Efetivamente, a independência que o art.º 203.º da Lei Fundamental atribui, é uma condição para a imparcialidade, mas podem os tribunais ser independentes e o juiz, no caso concreto, ser parcial ou a decisão ser como tal percecionada.
Assim, para além de tudo o que o seu caráter e valia técnica lhe aportarem, a imparcialidade é a principal qualidade de um juiz.
Sendo conatural a uma verdadeira decisão judicial, a imparcialidade pode definir-se, numa primeira aproximação, como a ausência de qualquer prejuízo ou preconceito do julgador em relação à matéria a decidir ou às pessoas que possam ser afetadas pela decisão.
A imparcialidade dos tribunais, interpretada pelos seus julgadores, faz parte do conteúdo mínimo do conceito de processo equitativo e é mencionada no art.º 10.º da D.U.D.H. de 1958, no art.º 6.º n.º 1 da C.E.D.H., de 1950, no art.º 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 ou no art.º 20.º n.º 4 da C.R.P.. A idealização e o conceito naturalístico de tribunal traz ínsita a noção de imparcialidade e constitui uma garantia dos cidadãos já que estes, na sua conceptualização do ideal de Justiça, pressupõem o distanciamento do Juiz relativamente ao objeto da causa e aos intervenientes interessados, reconhecendo a legitimidade substancial do julgador nesta perceção de imparcialidade e equidistância.
Neste enfoque e retendo a máxima importância da preservação das condições para o exercício isento e imparcial da função de julgar, pode o julgador, no plano subjetivo e intimo, sentir-se apto e desinteressado para o seu múnus de julgar e a sua atuação correr o risco de ser percecionada, pelos destinatários e pela comunidade em geral, como interessada e parcial, ainda que não o seja e espelhe a aplicação exemplar do Direito.
No plano exógeno da intervenção processual a condição de juiz – precisamente em ordem a acautelar e evitar a criação de elos ou pontos de interesse ou conflito que possam contaminar ou condicionar essa ideia de imparcialidade – impõe limitações, profissionais e pessoais, que se refletem fora das portas do edifício do Tribunal e do momento da aplicação do direito ao caso concreto. Situam-se aqui, por exemplo, as limitações estatutárias à afiliação e atividade político-partidária ou à imposição do regime de exclusividade.
No plano intraprocessual, ainda que o julgador, no plano subjetivo, se julgue capacitado para julgar, se mantiver com o objeto da causa, com o sentido do seu desfecho ou com os intervenientes nesta qualquer relação de proximidade ou se, no processo, tiver tido intervenção que a lei antevê como geradora da possibilidade de antecipação do sentido da decisão ou da existência de preconceito, estará em risco a perceção externa da condição e da exigência de imparcialidade.
Assim, objetivamente, quando notados pontos de contato com o objeto do processo de caráter funcional ou organizacional, traduzidos essencialmente em decisões tomadas em fases preliminares, ou quando o juiz mantiver uma relação estreita com os interessados, então, em salvaguarda da tutela da aparência, o legislador afasta o juiz da causa que, previamente, lhe fora distribuída, preservando-o e evitando a sua exposição a quaisquer dúvidas quanto à sua efetiva equidistância e à ausência de preconceito.
Neste enfoque, estando em causa a preservação da confiança da comunidade nos seus tribunais, o legislador instituiu um regime de impedimentos, recusas e escusas visando, precisamente, garantir a imparcialidade do juiz, prevendo causas de impedimento (art.ºs 39.º a 42.º do C.P.P.) e fundamentos de recusa e escusa (art.ºs 43.º a 45.º do C.P.P.).
As causas de impedimento vedam o exercício da função no processo, gerando uma espécie de “incompatibilidade natural”, definida a priori pelo legislador, limitando-se o juiz a declarar-se impedido (ou podendo os sujeitos solicitar que o declare), elencando situações em que, objetivamente, precipuamente e sem necessidade de averiguação quanto à efetiva capacidade de influência no caso concreto, a intervenção do juiz iria ser ou correria o risco de ser percecionada como parcial. O legislador pressupõe, pois, desde logo, essa capacidade de influência sobre o julgador, impedindo-o de intervir.
Os motivos de impedimento são, pois, expressos na lei, taxativamente e a sua aferição funciona ope legis.
Por seu turno, quanto à escusa e à recusa, os seus fundamentos não são elencados de forma exaustiva, devendo ser apreciados e densificados pelo Tribunal imediatamente superior sob o crivo de constituírem motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre imparcialidade do juiz, a avaliar em concreto, sob o ponto de vista do cidadão comum, à luz de critérios de razoabilidade e que vão para além de receios de ordem subjetiva afirmados pelo requerente da escusa ou da recusa, funcionando, assim, ope judicis.
A exigência acabada de referir e o carácter restritivo imprimido pelos tribunais superiores ao seu deferimento, quando chamados a apreciar a questão da escusa ou da recusa, são reflexo da excecionalidade da concessão e da parcimónia a que apela, sob pena de esvaziamento de outro princípio com tutela constitucional: - o princípio do juiz natural ou legal (art.º 32.º, n.º 9 da C.R.P.) que constitui, também ele, garantia de defesa do próprio arguido e veda a determinação ou escolha ad hoc do juiz para a causa.
Em princípio – e é assim na esmagadora maioria dos casos - intervirá na causa o juiz que emergir do funcionamento das regras da competência legal e da distribuição aleatória anteriormente estabelecidas.
Devem, assim, ser criteriosas as possibilidades de afastar o juiz natural, quer como judex inhabilis, quer como judex suspectus conquanto, pela sua importância e dignidade, a regra do juiz natural está expressamente consagrada no art.º 6.º, § 1.º, da C.E.D.H., enquanto elemento central da noção de fair trail, e só pode ser derrogada, em casos excecionais, para dar satisfação bastante e adequada, em conformação de direitos, a outros princípios de relevo semelhante, como sejam os da independência dos tribunais e da imparcialidade dos juízes.
Impõe-se, pela sua solenidade, importância e valor basilar, que a derrogação do princípio do juiz natural e o questionamento da sua idoneidade ou imparcialidade apenas possam ser postos em crise – como a lei exige – ante motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, não podendo, por isso, ser usado de forma desadequada, enviesada ou como expediente processual de retardamento ou entorpecimento do processo, ou como forma de diminuição da posição do julgador.
Em resumo, “(…) na interpretação e preenchimento da cláusula geral de suspeição, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado um critério particularmente exigente, que acompanhados, porquanto estando em causa o princípio do juiz natural, estruturante do sistema democrático, a sua compressão apenas pode ocorrer em casos de excepcional gravidade. O pedido de recusa, na medida em que põe em causa a imparcialidade da justiça e o princípio do juiz natural, pressupõe situações excecionais, fundadas em suspeita séria e grave, objetivamente adequada a gerar desconfiança sobre a imparcialidade na administração da justiça em determinado caso concreto. Exige-se a demonstração de circunstâncias concretas, precisas e consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção. De outro modo, abrir-se-ia caminho ao pedido de afastamento de um juiz de um processo por motivos fúteis, com intuitos meramente dilatórios ou à procura de um julgador tido como mais favorável. (…)” [acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.06.2023, proc. n.º 1571/23.9YRLSB-9, Rel. Simone Abrantes de Almeida Pereira, acedido em www.dgsi.pt].
No mesmo sentido e reforçando a importância do que aqui se discute, nas palavras de Mouraz Lopes, “Despoletar uma situação de recusa de juiz deve exigir, por parte de quem a suscita, uma ponderação adequada dos motivos que a sustentam. Isto porque está em causa, em regra, quebrar regras e princípios fundamentais, como sejam o princípio do juiz natural ou mesmo a própria independência de quem julga. Por isso o legislador consagrou um mecanismo que se pretende dissuasor de motivações “arrivistas” ou pouco sustentadas (…)” [Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 1ª Ed., pág. 499].
No caso concreto, vista a argumentação do recorrente, não é invocada nenhuma situação de impedimento da Mmª Juiz requerida com assento legal, por intervenção noutras fases do processo ou ligação familiar aos sujeitos processuais, pelo que estamos no âmbito da recusa e dos seus fundamentos, referidos a título exemplificativo no art.º 43.º do C.P.P. A esta luz, desde já se afirma a mais completa e óbvia falta de fundamento para o requerido afastamento, pretensão que se nos afigura, aliás, abusiva e altamente censurável.
Para que a sua pretensão pudesse proceder, seria imprescindível, desde logo, que o requerente da recusa alegasse os eventos ou factos concretos de onde resultasse, inequivocamente, aos olhos de um comum cidadão, um estado de suspeição e de desconfiança sobre a imparcialidade da Sra. Juiz. E, note-se, que nos termos do art.º 43.º do C.P.P., para além de um motivo que possa ser encarado como fundamento, tal motivo teria que ser sério e grave e, além disso, suscetível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade da magistrada.
No caso invoca-se a “estranheza” do agendamento de dois julgamentos em dois processos distintos com apenas uma hora de diferença, o que indiciará uma “precipitação” da parte do tribunal que, aliada ao número de testemunhas e a natureza semelhante dos crimes, são “circunstâncias suscetíveis de condicionar a avaliação das declarações e/ou depoimentos”.
Ora, quanto a nós, salvo o devido respeito, não é invocado sequer um fundamento válido, ainda para mais no espectro da grandeza e importância do que aqui curamos e, por maioria de razão, muito menos sério ou, tão pouco, grave, que seja suscetível ou adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da julgadora. Esta, tão só, ter-se-á limitado a agendar as sessões de julgamento (cuja oportunidade os Srs. Advogados podem, inclusivamente, influenciar), “aproveitando” a presença do arguido - em manifesto ato de gestão de agenda e no uso dos poderes de conformação que a lei lhe confere - para, no mesmo dia, a horas diferentes, realizar a audiência de julgamento em processos distintos em que aquele intervém.
Sendo óbvia a falta de fundamento – pois que tal ato, sob o olhar do cidadão médio, não constitui fundamento, nem sério, nem grave, que ponha em causa a isenção e imparcialidade da Sra. Juiz, sendo manifestamente infundado – não pode merecer acolhimento o pedido de recusa de juiz.

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IV.
Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em recusar o pedido apresentado pelo arguido AA de recusa da Sra. Juiz titular, por ser manifestamente infundado.
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Nos termos do disposto no art.º 45.º, n.º 7 do C.P.P. vai ainda o requerente condenado numa soma equivalente a 8 UC.
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Porto, 20 de março de 2024
José Quaresma
Paulo Costa
Pedro M. Menezes