CRIME DE ROUBO
DIREITO À IMAGEM
PROVA POR RECONHECIMENTO
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO EM AUDIÊNCIA
Sumário

I - No caso de captação de fotografias dos arguidos pelo ofendido, logo após a prática de um crime, com o fim de prossecução criminal, o direito à imagem previsto no artº 26º da CRP terá de ceder, nos termos do artº 18º nº 2 da CRP perante o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, artº 20º CRP.
II - A identificação de um arguido, feita por uma testemunha em audiência, pode ser livremente apreciada em conjugação com a percepção do próprio tribunal adquirida através do princípio da imediação.

Texto Integral

Proc. nº 250/20.3PJPRT.P1
1ª secção criminal


Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

         No processo comum (tribunal singular), do Juízo Local Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, os arguidos AA, a 11-12-2002, BB nascido a ../../1995 e CC nascido a ../../2003, foram submetidos a julgamento e a final foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:

(…)

Face a tudo o exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada e, em consequência:

A) Condeno o arguido AA pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts.º 22º, n.º1, 23º, n.º1, 210º nº 1 e 2 al. b) com referência ao artº 204º, nº 2 al. f), todos do C.Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

B) Condeno o arguido BB pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts.º 22º, n.º1, 23º, n.º1, 210º nº 1 e 2 al. b) com referência ao artº 204º, nº 2 al. f), todos do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

C) Condeno o arguido CC pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts.º 22º, n.º1, 23º, n.º1, 210º nº 1 e 2 al. b) com referência ao artº 204º, nº 2 al. f), todos do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

D) Mais condeno os arguidos no pagamento das custas processuais e demais encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 2 UC’s. (nos termos do disposto nos art.ºs 513º e 514º do CPP e n.º9 do art.º8º do RCP e tabela anexa).

(…)


*

         Inconformado, o arguido AA  interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

(…)

Na nossa humilde opinião o tribunal “A Quo” ignorou na sua severa sentença os princípios fundamentais do arguido.

II. A decisão proferida contraria toda a lógica penal, toda a base e princípios basilares do nosso processo penal, bem como, contraria todo o conceito de justiça.

III. Mal andou o Tribunal “A Quo” condenado o aqui Recorrente.

IV. O Recorrente não se conforma com tal condenação, por entender que a mesma é manifestamente injusta.

V. A matéria de facto dada como provada encontra-se, a nosso ver, incorretamente julgada, motivo pelo qual se pretende aqui impugnar a mesma.

porquanto inexistem nos autos elementos probatórios bastantes que fundamentem a decisão ora recorrida.

VII. O Tribunal formou a sua convicção essencialmente nos depoimentos das testemunhas.

VIII. Porém, tais depoimentos, foram unanimes no que toca à não identificação e reconhecimento dos arguidos.

IX. A testemunha/ofendido DD, questionado pela Meritissima Srª Juiz referiu no seu depoimento que não conhecia os arguidos. (minuto 4:00)

X. As regras de experiência comum não podem considerar verosímil que alguém que tivesse cometido um assalto, com violência e com recurso a arma branca, posasse tranquilamente a 100 metros do local do crime à mercê de ser fotografado.

XI. O ofendido assumiu ter tirado a fotografia cerca de 4 minutos depois do ataque que sofreu, mais que suficientes para que os quatro indivíduos que efetivamente atacaram o ofendido, se tenham evadido para bem mais longe do que os singelos 100 metros que o ofendido refere no seu depoimento.

XII. Pela análise das fotografias, verifica-se que a qualidade por si só é insuficiente para nelas se reconhecer seja quem for.

XIII. A testemunha EE, inquirida por videoconferência com o ofendido ao lado, prestou um depoimento pouco claro, impreciso, incoerente e respondendo sempre sob sugestão do ofendido.

XIV. Questionada pelo ilustre defensor do Arguido AA acerca da participação deste no ataque de que o ofendido, seu marido, havia sofrido, indicou não reconhecer ninguém.

XV. Mais disse que “não conseguia ter a certeza absoluta”

XVI. Questionada pela Ilustre Defensora do arguido CC, novamente acerca do reconhecimento dos arguidos a testemunha respondeu não conhecer ninguém. (minuto 16:00)

XVII. A testemunha FF, agente da PSP, disse não conhecer os arguidos, referindo ter recebido e tratado umas fotografias de um telemóvel (minuto 3:30) e não conseguiu identificar os arguidos, sentados ao lado deste, na sala de audiências a instâncias da Meritíssima Srª Juíz.

XVIII. A testemunha GG, Chefe da PSP a instâncias da Digníssima Srª Procuradora, referiu que as referidas fotografias foram juntas ao processo via email pelo ofendido, dias depois da infeliz ocorrência. Mais disse ter “feito tratamento das fotografias tiradas pela vítima. Disse ainda ter feito “difusão pelos colegas da investigação criminal e sugeriram que seriam estes os suspeitos possíveis”.

XIX. Questionado se reconhecia os arguidos respondeu: “Parecem-me ser estes senhores que aqui estão”.

XX. Questionado se reconhecia o arguido nas fotografias que assumiu ter tratado respondeu: “Parece-me que é ele”

XXI. Não se compreende a identificação realizada pela testemunha GG, Chefe da PSP. Efetivamente os arguidos eram à altura referenciados por crimes semelhantes, conforme referiu a testemunha e disse conhecê-los por causa desses processos.

XXII .Do fotograma e a fotografia tirada pelo ofendido juntas aos autos, é impossível realizar uma identificação segura.

XXIII. Foi esta a única testemunha que conseguiu identificar e reconhecer os arguidos, sem a certeza absoluta.

XXIV. A associação dos arguidos ao evento criminoso de que o ofendido foi alvo, por parte da testemunha, aquando do inquérito, através de uma rude fotografia, digamos que foi um “caminho atalhado à identificação de suspeitos”

XXV. O Ofendido, a testemunha EE, bem como as testemunhas OPCs assumiram que a fotografia tirada pelo ofendido junta ao processo, foi enviada por este, via email e dias depois da participação policial.

XXVI .Tal prova, junta ao processo de forma irregular, pois deveria ter sido extraída por OPC através do aparelho do ofendido por forma a garantir a sua autenticidade e conferir-lhe a força probatória necessária para a condenação dos arguidos.

XXVII. Sendo enviada por mail, dias depois, nada garante que a mesma seja efetivamente a tirada pelo ofendido, que tenha sido tirada pela máquina fotográfica do ofendido ou pelo telemóvel, ou quem tenha tirado a fotografia, se foi manipulada, adulterada e desfocada.

XXVIII. A prova documental, designadamente a fotografia junta aos autos pelo ofendido, é fraca e de nenhuma credibilidade.

XXIX. Toda a prova testemunhal foi incerta, imprecisa e confusa.

XXX. Sendo unanime na não identificação e reconhecimento dos arguidos.

XXXI .E consequentemente suscita a dúvida, dúvida essa que só poderá beneficiar o arguido.

XXXII. Resultou provado na audiência de julgamento que o ofendido foi alvo de um ataque, dele resultando os ferimentos que constam dos relatórios juntos aos autos, o que se lamenta.

XXXIII. Porém não foi provado que foram efetivamente os arguidos a cometer tal delito.

XXXIVPelo que em abono da justiça e obedecendo ao princípio da presunção de inocência e in dúbio pro reo, constitucionalmente protegidos, deverá a sentença em crise ser substituída por outra sendo o arguido absolvido.

XXXV.  Os factos identificados no artº 1, 2, 3, 4, 8, 9, 10 e 11, do elenco dos factos provados da sentença condenatória devem constar do elenco dos factos não provados da sentença condenatória, visto que não foi produzida prova cabal e manifesta da sua existência, quanto muito para fundamentar a prática do crime de que o Recorrente foi condenado e com o qual não se conforma.

Pela abelação dos factos 1, 2, 3, 4, 8, 9, 10 e 11 do elenco dos factos provados da Douta sentença recorrida e inscrição dos mesmos no elenco dos factos não provados, julgado provado e procedente o recurso interposto revogando-se a sentença condenatória recorrida, e absolvendo o arguido do crime de roubo agravado, em co-autoria e na forma tentada em que foi condenado, fazendo-se a inteira e acostumada e sã justiça.

(…)

         A Magistrada do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

         Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.


*

         Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

*

A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:

 (…)

A -FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1- No dia 2 de Março de 2020, cerca das 15h50, os três arguidos e ainda o HH, à data menor de 16 anos, encontravam-se no ..., no Porto, quando avistaram o ofendido DD e logo articularam entre si o propósito de, conjunta e concertadamente, o desapossarem de bens de valor que consigo trouxesse.

2- Com tal desiderato, ao que todos anuíram, os arguidos acercaram-se do ofendido pelas suas costas, rodeando-o, ao mesmo tempo que lhe diziam “Money Money”.

3- Como o ofendido não acedeu de imediato a tal pretensão, pelo menos um dos arguidos, sem que se tenha apurado qual, munido de um instrumento em tudo semelhante a uma faca, mas com demais características desconhecidas, desferiu-lhe três facadas na zona das costas.

4- Após e perante a resistência do ofendido, que começou a gritar e a gesticular de maneira afastá-los de si, sem lograrem retirar qualquer objecto, os arguidos fugiram do local.

5- Na sequência da agressão sofrida, foi o ofendido de imediato transportado ao Hospital de Santo António, onde deu entrada às 16h29, tendo sido sujeito a uma intervenção cirúrgica.

6- Aquando da sua entrada no estabelecimento hospitalar o ofendido apresentava as seguintes lesões:

- ferida penetrante na linha médio axilar direita ao nível do 5/6 espaço intercostal, com volumoso hematoma associado a hemorragia ativa visível;

- ferida no flanco direito aparentemente mais superficial com cerca de 2 cm de incisão e hematoma de pequenas dimensões associado;

- ferida penetrante com superfície de 2 cm na região crista ilíaca direita.

7- O ofendido veio a ter alta hospitalar no dia seguinte, pela tarde.

8- Da conduta dos arguidos resultaram lesões para o ofendido que lhe ofenderam o seu corpo, mas cuja extensão não foi possível determinar, uma vez que o mesmo abandonou o nosso país e logo regressou ao seu país de origem, traumatizado com o que lhe havia sucedido.

9 – Agiram os arguidos AA, CC, BB livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços para execução de plano previamente acordado entre todos, com o intuito de se apoderarem, com o recurso à violência e uso de um instrumento com as características de uma faca, de bens de valor do ofendido, querendo assim impor-lhe o respetivo prejuízo patrimonial.

10 - Os arguidos não lograram atingir os seus intentos por motivos alheios às suas vontades.

11 - Mais sabiam todos os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou, quanto a antecedentes criminais, que:

12 – O arguido AA já foi condenado:

i) nos autos de proc comum coletivo n.º 275/20.9PJPRT d JC criminal do Porto – Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 05.01.2021, transitado em julgado em 04.02.2021, pela prática, em 09.03.2020, de 2 crimes de roubo qualificado, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova orientado para a sua reinserção social e profissional, suspensão essa, entretanto, revogada;

ii) nos autos de proc comum coletivo n.º 979/19.9PJPRT do JC criminal do Porto – Juiz 14 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 26.09.2022, transitado em julgado em 26.10.2022, pela prática, em 02.04.2021, de um crime de furto qualificado, em 01.04.2021, de um crime de roubo qualificado, e em 26.02.2020, de um crime de roubo qualificado, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

iii) nos autos de proc comum coletivo n.º 27/20.6PFPRT do JC criminal do Porto – Juiz 13 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 14.11.2022, transitado em julgado em 14.12.2022, pela prática, em 12.02.2020, de 2 crimes de roubo, e 1 crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 3 anos de prisão.

13 – O arguido BB já foi condenado:

i) nos autos de proc comum coletivo n.º 979/19.9PJPRT do JC Criminal  do Porto – Juiz 14 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 26.09.2022, transitado em julgado em 02.03.2023, pela prática, em 04.03.2020, de 2 crimes de roubo e 1 crime de passagem de moeda falsa, na pena de 2 anos de prisão.

14 – O arguido CC já foi condenado:

i) nos autos de proc comum coletivo n.º 275/20.9PJPRT do JC Criminal do Porto – Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 05.01.2021, transitado em julgado em 04.02.2021, pela prática, em 09.03.2020, de 3 crimes de roubo qualificado, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova orientado para a sua reinserção social e profissional, suspensão essa, entretanto, revogada;

ii) nos autos de proc comum singular n.º 960/20.5PIVNG do JL Criminal de V.N.Gaia – Juiz 4 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença de 04.11.2021, transitada em julgado em 13.06.2022, pela prática, em 17.11.2020, de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 3 anos, com regime de prova direcionado para a responsabilização dos seus comportamentos

iii) nos autos de proc comum coletivo n.º 1632/21.9JAPRT do JC criminal de V.N.Gaia – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 31.05.2022, transitado em julgado em 30.06.2022, pela prática, em 01.05.2021, de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 4 anos de prisão.

Provou-se ainda, quanto ao percurso e condições socioeconómicas, que:

15- O arguido AA, à data dos factos de que vem acusado, residia com a mãe, 59 anos, empregada de limpeza empresa no hospital da luz, e o irmão de 21 anoas de idade mais velho, técnico multimédia. Desde o inicio da prisão preventiva do arguido, regista-se uma evolução no relacionamento familiar. A mãe revela disponibilidade para manter o apoio e suporte afetivo e material ao arguido. O processo de desenvolvimento de AA e do irmão II mais velho decorreu em agregado monoparental desde a nascença, mas o pai manteve-se presente na vida dos filhos. Tem ainda um irmão consanguíneo com mais de 30 anos com que não se relaciona. A morte do pai em 2015, vítima de doença oncológica, originou um impacto negativo no arguido, pelos sentimentos de perda e luto, com os quais AA, na altura com 12 anos, não conseguiu lidar funcionalmente. A relação com a mãe tornou-se mais difícil e a mesma revelou dificuldades de influenciar o comportamento do arguido e de exercer sobre este a sua autoridade e ascendência.

A família reside em apartamento T1 arrendado inserida na freguesia ..., em ..., com condições de habitualidade, numa zona sem problemáticas sociais específicas, segundo a mãe.

Habilitado com o 9º ano de escolaridade, concluido durante o cumprimento da medida de coação de OPHVE, o percurso escolar foi marcado pelo fraco investimento pessoal. O arguido não apresenta quaisquer experiências profissionais.

Numa determinada fase, AA passou a privilegiar o convívio com pares que apresentavam problemas de integração escolar e consumos de drogas (haxixe) que iniciou por volta dos 13 anos. Nesta fase, acentuaram-se as dificuldades de integração escolar, nomeadamente o desinteresse e o absentismo. Este contexto originou a intervenção dos serviços da Ação Social e da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, tendo em 2016 sido institucionalizado na Casa da Criança em .... Durante a institucionalização retomou o percurso escolar com evolução positiva. Em fevereiro de 2020 regressou a casa da mãe mediante o acordo dos técnicos de acompanhamento. As dificuldades económicas vivenciadas pela família originaram alguma desilusão no arguido e facilitaram a influência de pares conotados com práticas desviantes.

Atualmente, a situação económica da família baseia-se nos vencimentos da mãe (entre 850 a 900 euros) e do irmão no valor próximo do salário mínimo nacional acrescido de subsídio de refeição. A despesa fixa mensal mais significativa corresponde à renda de casa no valor de 408 euros mensais, acrescidas dos consumos de água (25 euros) e eletricidade (50 euros). A situação económica permite a satisfação das necessidades básicas da família.

AA foi preso preventivamente 03-04-2021 à ordem do processo nº 979/19.9PJPRT. A privação de liberdade tem proporcionado uma reflexão do arguido sobre o seu modo de vida anterior, nomeadamente a influência do grupo de pares na tomada de decisões, o desvalor do comportamento criminal e a importância da família na sua vida. A dinâmica familiar melhorou no último ano, na perspetiva do arguido, porque o afastamento físico gerado pela prisão forçou uma reflexão sobre a importância da família na sua vida que antes não conseguia fazer. Existem contactos telefónicos, mas a mãe e o irmão não o visitam no estabelecimento prisional por dificuldades económicas. Em contexto prisional apresentou, em 2022, algumas infrações, tendo sido sancionado com repreensão escrita por facto ocorrido em 27/02/2022 e com permanência Obrigatória no alojamento durante 13 dias por factos ocorridos em 28/04/2022. Da sua ficha biográfica constam ainda registos de ocorrências em 08/08/2022, 02/09/2022 e 27/12/2022 que se encontram em fase de averiguações.

Na última entrevista realizada com o arguido, referiu não ter ocupação, laboral ou escolar por opção própria alegando desentendimentos com outros reclusos.

Relativamente à problemática aditiva, negou consumos atuais e beneficia de apoio psicológico em contexto prisional.

Apresenta antecedentes criminais, nomeadamente no âmbito do processo nº 275/20.0PJPRT. Nestes autos foi determinada a OPHVE entre 08-03-2020 a 15-12-2020, vindo a ser condenado na pena de prisão de um ano e sete meses, suspensa com regime de prova.

16 – O arguido BB nasceu em ..., Vila Nova de Gaia, onde decorreu o seu processo de desenvolvimento psicossocial, junto do agregado familiar de origem, composto pelos pais, avós paternos e por 2 irmãos mais novos. Aos 5 meses de vida, os pais emigraram para França e BB ficou entregue aos cuidados dos avós paternos durante cerca de um ano. O seu processo de socialização ficou marcado por lacunas ao nível da imposição de regras de conduta e da consistência na supervisão do seu quotidiano, com os pais e os avós a revelarem dificuldades na gestão da sua instabilidade pessoal e comportamental.

Frequentou o sistema de ensino até à conclusão do 9º ano, com 17 anos, tendo o seu percurso escolar sido irregular, pautado por absentismo e desinteresse pelas atividades letivas. Após o término, emigrou para a Holanda, para junto de uma tia materna, onde iniciou atividade laboral como operário numa empresa de distribuição de compras online.

Ao nível afetivo, BB mantinha um relacionamento amoroso, tendo o casal habitado durante cerca de 2 anos e meio em casa da falecida avó da companheira, sita em ..., Vila Nova de Gaia, ainda que esta permanência tenha sido intercalada com o período de emigração do arguido.

Em 2014, BB regressou a Portugal em definitivo para o nascimento da sua filha, atualmente com 9 anos de idade. Foi nessa altura que começou o consumo abusivo de estupefacientes, o que culminou com o termo da relação afetiva em 2017. Ulteriormente, BB passou a residir na habitação dos pais, em ..., Vila Nova de Gaia.

Em 2016, os pais do arguido separaram-se, fruto da toxicodependência do pai, tendo a mãe emigrado para França, em busca de melhores condições sócio-económicas. Atualmente, a mãe trabalha como cozinheira numa empresa do setor da construção civil, atividade que tem vindo a manter de forma regular, realizando deslocações a Portugal várias vezes por ano.

BB foi intensificando o consumo de drogas, passando a conviver preferencialmente com pares conotados com comportamentos disruptivos e associados ao consumo de substâncias aditivas. Dadas as circunstâncias, por incentivo materno, ensaiou uma primeira tentativa de integração numa clínica de tratamento à toxicodependência, sem adesão, mas refere ter concretizado tratamento no CRI de Vila Nova de Gaia, com inclusão em programa de metadona.

Entre 2017 e o início do ano de 2023, BB deslocava-se a França, em períodos incertos, sendo o maior período de 1 ano e 6 meses, exercendo atividade laboral na área da construção civil, pintura e renovação de interiores e exteriores.

À data dos factos que deram origem ao presente processo, BB residia com o pai, naquela que sempre se constituiu como a morada do seu agregado de origem, localizada na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia. Trata-se de uma habitação de tipologia 2, contígua à dos avós paternos e com satisfatórias condições de habitabilidade, inserida em zona não conotada com problemáticas sociais relevantes. O pai de BB trabalha como operário da construção civil, auferindo mensalmente cerca de 1000€, tendo a seu cargo as despesas inerentes à habitação, nomeadamente água, luz e telecomunicações, sinalizadas na ordem dos 100€ mensais. A situação económica é descrita como estável e equilibrada, não sendo mencionado o pagamento de renda, uma vez que a habitação é pertencente aos avós paternos. Este grupo familiar merece aceitação social, não se perspetivando sentimentos de rejeição quanto à presença do arguido.

Anteriormente à sua reclusão, o arguido vivia, contudo, em situação de sem-abrigo, devido à dificuldade na imposição de regras de conduta por parte do pai e dos avós paternos.

Até à data atual, a filha de BB encontra-se aos cuidados da avó materna, sendo que o arguido apenas mantém contactos esporádicos com a filha.

Como projeto futuro, BB apresenta-se disponível e motivado para trabalhar, referindo que tem capacidade para se manter estável no exterior, porquanto se afirma abstinente.

Os pais expressam apoio ao arguido e desassociam-no de quaisquer condutas agressivas e violentas. Beneficia igualmente do apoio dos avós paternos, com os quais mantinha convivência próxima.

BB deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 05/04/2023, para cumprir a pena de 2 anos de prisão, à ordem do proc. 979/19.9PJPRT do Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 14, pela prática dos crimes de roubo e passagem de moeda falsa, por decisão transitada em julgado em 02/03/2023. O termo da pena está previsto ocorrer em 02/04/2025. Em meio prisional, BB assume uma conduta de adequação às regras de funcionamento, não existindo registo de sanções disciplinares. A nível ocupacional, manifesta propósitos de ocupação útil do seu tempo, tendo realizado solicitações nesse sentido, no entanto, até ao presente ainda não logrou a sua colocação. A nível clínico, efetua acompanhamento direcionado à problemática aditiva, integrando programa de substituição com metadona.

17 – O arguido CC, à data dos factos que originaram o presente processo, encontrava-se sujeito a uma medida Tutelar Educativa, tendo sido decretado internamento em Centro Educativo por um período de 18 meses, que cumpria no Centro Educativo ..., em .... Durante o cumprimento da medida registaram-se diversos incidentes, nomeadamente fugas da instituição, agressões a colegas, entre outros. Nos períodos de ausência ilegítima, refere que contava com o apoio de amigos e, por vezes, deslocava-se a casa da tia - JJ - para fazer as refeições ou para fazer a sua higiene. Salienta que nunca pernoitou em casa da tia, com receio que esta informasse as autoridades do seu paradeiro. CC reconhece que neste período adotava um modo de vida errante, assente numa conduta antissocial.

Num dos períodos em que se ausentou da instituição terá sido acompanhado por KK, também ela institucionalizada, com quem iniciou uma relação de namoro. CC, refere que esta relação sempre se pautou pela instabilidade e conflito, devido ao facto de ambos serem muito jovens e imaturos, e que se terá agudizado quando KK ficou grávida. Deste relacionamento, que já terminou, o casal tem um filho, atualmente com 4 anos de idade. Devido à falta de competências parentais de ambos os progenitores, a criança encontra-se aos cuidados do avô materno.

Após o término do internamento no Centro Educativo, o arguido integrou o agregado familiar da mãe, de 37 anos de idade, constituído por esta e por um dos irmãos uterinos, agora com 3 anos de idade. Em outubro de 2020, passou a fazer também parte do agregado, o novo companheiro da mãe, com quem esta viria a casar um mês depois. A dinâmica familiar foi caracterizada pelo arguido como instável e complexa, principalmente após a integração do padrasto no seio familiar. Refere que mantinha discórdias com este, porque o mesmo apresentava uma postura hostil e agressiva tanto para com o arguido, como para com a mãe deste. Foram os desentendimentos com a mãe e com o padrasto que deram origem à sua prisão preventiva em 03/05/2021. LL, sua mãe, corrobora esta afirmação, e admite que o arguido mantinha dificuldades de entendimento tanto com ela, como com o padrasto, salientando que o filho mantinha uma postura ofensiva no seio familiar. Aquela refere ainda que após a prisão do arguido passou a ter dificuldades de entendimento com o marido, pelo que, se divorciou.

A mãe reside numa casa de renda, de tipologia 3, que apresenta adequadas condições de habitabilidade. O imóvel está inserido num bairro habitacional onde subsistem algumas problemáticas sociais, mas o arguido perceciona a zona onde reside como calma e pouco conotada com comportamentos desviantes. A economia familiar é percecionada pelo arguido, que nunca contribuiu para as despesas domésticas, como suficiente. Alicerçava-se nos rendimentos auferidos pela mãe, que trabalhava num restaurante a auferir um salário de cerca de 700€ mensais. A este valor acrescia a pensão de alimentos e o abono de família para crianças e jovens, atribuído ao irmão do arguido, num valor mensal de 130€. Presentemente, a mãe encontra-se desempregada e beneficia do Rendimento Social de Inserção (RSI). As despesas domésticas relacionam-se com a renda da casa num valor mensal de 225€, ao que acrescem as restantes despesas familiares cujos valores não foram quantificados. CC salienta que contava com algum apoio monetário por parte da mãe e da tia para fazer face aos seus gastos pessoais.

A nível laboral, o arguido apenas trabalhou durante um mês num restaurante. Alega que se despediu passado esse tempo porque o trabalho era muito cansativo. Depois, e até ter sido preso preventivamente, não manteve qualquer atividade laboral.

CC nasceu de um relacionamento ocasional mantido pela mãe, sendo o mais velho de cinco irmãos uterinos nascidos de relações distintas mantidas pela mãe. Nunca conheceu o pai. Presentemente, apenas o irmão mais novo vive no agregado materno, uma irmã encontra-se institucionalizada e os outros dois irmãos foram entregues aos cuidados dos respetivos progenitores. O arguido recorda que cresceu num agregado monoparental, onde persistiam inumeradas dificuldades económicas e lacunas por parte da mãe a nível das práticas educativas. Esta, terá apresentado uma postura negligente e permissiva e dificuldade na imposição de regras. JJ (tia) destaca que o arguido se encontrava numa situação de desproteção e carência afetiva e alimentar, pelo que, diversas vezes, o acolheu e alimentou. CC salienta que mantem forte relação afetiva com a tia, porque ela sempre o acarinhou e apoiou.

Na sequência de práticas educativas negligentes houve intervenção da CPCJ de Vila Nova de Gaia, com aplicação de medida de acolhimento residencial, quando o arguido contava 13 anos de idade. CC salienta que apresentou dificuldades de adaptação ao contexto institucional, tendo protagonizado várias fugas e consequentes mudanças de instituição.

Devido às frequentes alterações de comportamento e uma postura emocional instável, chegou a ser acompanhado no Hospital Magalhães Lemos, no Porto em consultas de pedopsiquiatria, tendo-lhe sido prescrita medicação médico-psiquiátrica para controlo de impulsos e estabilização emocional. Após o término do internamento não manteve o acompanhamento médico e descurou a medicação prescrita.

CC efetuou um percurso escolar pautado pelo desinteresse pelas atividades letivas, problemas de assiduidade e de comportamento, pelo que, reprovou várias vezes. No ano letivo 2019/2020, já no Centro Educativo, frequentou um curso de Educação e Formação de Adultos (EFA B3) de Restauração e Bar, com equivalência ao 9º ano de escolaridade. Não o concluiu em virtude de ter estado numa situação de ausência ilegítima do Centro Educativo durante cerca de 6 meses.

O arguido assume consumos esporádicos de estupefacientes (haxixe) desde o final da adolescência. Não considera esses consumos como um facto problemático na sua vida e alega que se encontra abstinente desde que foi preso.

Ao nível de ocupação de tempos livres, não tinha nenhuma atividade organizada. Reconhece ligações privilegiadas e preferenciais a pares e grupos com características pró-criminais, com quem passava a maior parte do seu tempo.

A atual situação jurídico-penal é vivida pelo arguido com alguma ansiedade e receio do desfecho que poderá ter o presente processo, principalmente pelo facto de ter antecedentes criminais pela mesma tipologia de crime. No entanto, tende a adotar atitudes de minimização e desvalorização perante práticas similares às que lhe são imputadas, consideradas no abstrato, desconsiderando também a esse nível, os danos nas eventuais vítimas. Quando confrontado com anteriores comportamentos desadequados, reconhece-os, mas assume uma postura de minimização/vitimização, atribuindo-os à postura nervosa e impulsiva que admite apresentar, à fraca vinculação que tem com a família e à ausência de apoio dos mesmos.

CC encontra-se preso desde 03/05/2021, à ordem do processo nº 1632/21.9JAPRT, a cumprir uma pena 4 anos de prisão, pela prática de crime homicídio qualificado na forma tentada. No âmbito do processo nº 275/20.9PJPRT, pela prática de crime de roubo, foi condenado na pena de 1 ano de 10 meses de prisão. No processo 960/20.5PIVNG, pela prática de crime de violência doméstica foi condenado numa pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período de tempo, subordinada a regime de prova. A medida encontra-se com acompanhamento nos Serviços de Reinserção Social e decorre de forma adequada. Encontra-se ainda a aguardar julgamento no âmbito do processo nº 1083/20.2PIVNG, no qual está indiciado da prática de crime de ameaça e no processo nº 53/20.5PSPRT, no qual está indiciado da prática de crime furto.

Em meio prisional tem mantido um comportamento nem sempre adequado às regras institucionais. Apresenta duas sanções disciplinares, por não cumprir com os deveres impostos e desobedecer de forma notória a ordens dos funcionários do E.P. Para ocupar o tempo de reclusão de forma útil frequenta em curso EFAB3 de hotelaria que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade. No Estabelecimento Prisional mantém acompanhamento psicológico, mas não faz qualquer tipo de medicação. Presentemente, refere que se encontra estável, apesar de demonstrar uma postura apática e sofrida. No E. P., CC beneficia do apoio dos tios maternos (JJ e MM), que o visitam sempre que podem. Estes mostram-se disponíveis para futuramente o receber e apoiar. JJ (tia materna) salienta que a mãe do arguido reúne fracas competências para se constituir uma fonte de apoio e orientação para o mesmo. LL (mãe) visita-o esporadicamente. Esta refere que se encontra ofendida com as atitudes que o arguido adotou no seio familiar e, de futuro, apresenta algumas reservas em prestar-lhe apoio.


**

B – FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a boa decisão da causa não resultaram quaisquer factos como não provados.


**

C - MOTIVAÇÃO

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e global, de toda a prova produzida em audiência, bem como da que consta dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal.

Relevaram o auto de denúncia de fls. 3; o auto de notícia de fls. 6; o aditamento de fls. 8; as fotos de fls. 10 a 14 (captadas pelo ofendido), cujo CD se encontra a fls. 16; a declaração de fls. 15; o email de fls. 41 e 42; os fotogramas de fls. 45 e 46 (ferimentos do ofendido); o aditamento de fls. 48; a reportagem fotográfica de fls. 51 a 59; os registos clínicos do Hospital de Santos António no CD de fls. 88; os registos clínicos do INEM de fls. 90 a 94

Os arguidos não prestaram declarações.

O ofendido DD, descreveu o ocorrido, o que fez de forma circunstanciada e descritiva, explicando que os suspeitos se aproximaram pelas suas costas, um deles agarrando-o e os outros rodeando-o, tendo o ofendido começado a gritar e a gesticular de maneira afastá-los de si, e também com receio pela esposa, que se encontrava consigo, que também começou a gritar, tendo então, aqueles, fugido do local. Pensou que lhe queriam furtar a câmara fotográfica, que trazia consigo, o que não aconteceu, ainda conseguindo o ofendido, momentos após, fotografado os arguidos, quando já se encontravam algo afastados. Só depois daquele momento se apercebeu de que tinha sangue no corpo e que havia sido esfaqueado, sendo de imediato transportado para o Hospital, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica. Mais atestou que após o ocorrido logo saíram da cidade do Porto, abalados com a situação e receosos, indo para outra cidade, e depois regressado a casa – o que se encontra documentado nos autos – não mais voltando e ainda se encontrando abalados com toda a situação. Prestou um depoimento vivenciado, descritivo e muito esclarecedor, o qual foi corroborado pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente as fotos dos arguidos, captadas pelo próprio, as fotos das lesões sofridas e os documentos hospitalares.

A testemunha EE, esposa do ofendido e que o acompanhava aquando do sucedido, confirmou, na íntegra, as declarações prestadas pelo ofendido, pois encontrava-se ao seu lado, tendo ela própria, começado a gritar, assustada, e após tendo ambos constatado que aquele se encontrava a sangrar. Confirmou que o marido, momentos depois de os arguidos se afastarem ainda os conseguiu fotografar, após o que alguém chamou uma ambulância e o levou para o hospital. Os ficheiros das fotos captadas foram entregues às autoridades policiais – como consta dos autos – e a testemunha relatou, perante as mesmas, o sucedido. De referir que, mesmo que esta testemunha - cujo depoimento foi difícil de obter, quer porque, tal como o marido, já não se encontravam em Portugal, quer pela barreira linguística – não tivesse prestado declarações, tal em nada alteraria o apuramento dos factos, pois as declarações do ofendido foram circunstanciadas, descritivas, pormenorizadas e explicativas, tendo-se revelado deveras ilustrativas do sucedido, esclarecedoras e merecedoras de total credibilidade.

A testemunha HH, irmão do arguido BB, não quis prestar declarações quanto ao irmão e, relativamente aos demais, disse não os conhecer. Mais disse não se recordar de estar, no dia 02 de março de 2020, no ..., com os outros dois arguidos nem de ter acontecido alguma coisa, não sendo expectável que dissesse outra coisa, sendo, aliás, bem visível, em audiência de julgamento, o incómodo e constrangimento com que estava a prestar as suas declarações.

A testemunha FF, agente da PSP, disse não conhecer os arguidos. Esclareceu que quando chegou ao local encontrou uma Srª no ..., de dia, à tarde, e ela transmitiu-lhe que tinha sido vítima de um assalto e o marido tinha sido esfaqueado, por um grupo de jovens. O ofendido encontrava-se na ambulância, ferido.  Mostrou-lhe as fotos que tinha na câmara ou no telemóvel, não recorda, que a testemunhas visionou. Após, a testemunha passou a informação aos colegas. Confrontado com as fotos de fls 10 e ss afirmou poderem ter sido estas as fotos que, na altura, viu, mas não reconhece os arguidos.

A testemunha NN, agente da PSP, não conhece os arguidos e não foi ao local. Recebeu a denúncia e relatou o que a esposa da vitima referiu, tendo a mesma descrito uma tentativa de roubo, no ..., confirmando, no auto de denúncia, confirmado o que constava do auto de noticia. A testemunha falou com ela em Francês e traduziu.

A testemunha OO, agente da PSP, elaborou o aditamento n.º2,  de 2 de março de 2020, cujo teor confirmou. Esclareceu que estava de serviço e foram chamados ao Hospital de Stº António em virtude de um casal estrangeiro ter sido vítima de roubo. O ofendido ia ser submetido a uma cirurgia. Depois, a Senhora foi para a esquadra e aí explicou a situação: eram quatro indivíduos, com faca, que queriam roubá-los. Quando fugiram, o ofendido conseguiu fotografá-los e juntou as fotos aos autos.

A testemunha GG, agente da PSP, afirmou conhecer os arguidos – que identificou, individualmente, em audiência de julgamento – pelo exercício das suas funções, neste processo e noutros, onde a forma de atuação é sempre a mesma. Esclareceu ter tratado das imagens fornecidas pela esposa da vítima. Elaborou o aditamento n.º3, de fls. 39, e reportou-se aos elementos que lhe foram enviados, esclarecendo que recebeu ficheiros, por email, com documentos e fotografias, cfr. fls. 40 e ss . Elaborou o aditamento n.º6, de fls. 48, no qual consignou a identificação dos suspeitos, o que fez com a colaboração dos colegas que têm intervenção na rua, diretamente com os indivíduos, e pela comparação dos fotogramas captados pelo ofendido com fotos técnico-policiais, cfr. fls. 51 e ss. e 10 e ss., afirmando não ter dúvidas de que quem aparece nos fotogramas são os arguidos. Concretizando, identificou o arguido BB a fls 52, o arguido AA a fls. 53 e o arguido CC a fls. 54.

Todas estas testemunhas prestaram depoimentos isentos, serenos, coerentes e esclarecedores, atestando a intervenção de cada um, e merecendo total credibilidade.

Importa referir, quanto à identificação dos arguidos, o entendimento exarado em inúmeros acórdãos que versaram sobre situações similares, como o Acórdão do TRC de 24.05.2023, no proc 564/22.8PCCBR.C1, relator o Sr Desembargador Luis Teixeira, disponível in www.dgsi.pt, onde se pode ler, quanto à valoração da prova por reconhecimento através do visionamento de imagens de videovigilância e respetivas consequências na matéria provada, em que os agentes da PSP em causa foram inquiridos na qualidade de testemunhas, não por terem presenciado a prática dos factos por qualquer um dos arguidos mas por terem visionado, enquanto investigadores, as imagens e fotogramas que se encontram nos autos e, desse visionamento, terem identificado os arguidos, que já conheciam, não se lhes tendo suscitado qualquer dúvida quanto à respetiva identificação, que “esta prova não constitui a modalidade de prova por reconhecimento tal como é regulada pelo indicado artigo 147º do Código de Processo Penal, com observação de todo o formalismo aí exigido. Estamos, outrossim, perante valoração de prova pelo julgador, juntamente com outra já referida, apreciada segundo o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal. (…) E não se diga que o tribunal recorrido não poderia ter valorado a dita identificação ou reconhecimento impróprio ou atípico feito pelas testemunhas agentes da PSP, pois (…) «Trata-se, pois, de prova testemunhal prestada por OPC atinente às diligências efectuadas tendentes à identificação dos suspeitos e à descoberta da verdade material»”. Da mesma forma, também o Acórdão do Tribunal da Relação de 16.03.2022, proferido no processo n.º 9106/18.9T9PRT.P1, lavrado pelo Senhor Desembargador Pedro Afonso Lucas, disponível in www.dgsi.pt, se pronuncia no sentido de que “O facto de não se estar perante uma prova por reconhecimento nos termos do art.º 147º do CPP não impede que o depoimento de uma testemunha, no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos, possa valer como meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal.”

O depoimento da testemunha GG, agente da PSP, quanto à identificação dos arguidos, face ao enquadramento e explicação fornecidos pelo próprio, afigurou-se, portanto, esclarecedor e relevante, tendo merecido total credibilidade.

Além disso, importa salientar que as fotos captadas pelo ofendido encontram-se juntas aos autos e os arguidos estiveram presentes em audiência, o que permitiu também confirmar a sua identificação, não restando dúvidas ao tribunal sobre a autoria dos factos apurados.

A existência de antecedentes criminais resultou dos CRCs juntos aos autos.

O percurso de vida e situação sócioeconómica dos arguidos resultou dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP e também juntos aos autos.

(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:

- Impugnação da matéria de facto provada;

- Violação do princípio in dubio pro reo;


*

II - FUNDAMENTAÇÃO:

O recorrente impugna a matéria de facto provada sob os pontos 1, 2, 3, 4, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados.

Para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a lei prevê a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência – cfr. artº 363º e 364º, ambos do CPP.

Neste caso, o recorrente tem o ónus de especificar, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, cfr. artº 412º nº 1 e 3, als.a) e b) do CPP,  sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, havendo que ter em conta a interpretação afirmada no Acórdão de Fixação de jurisprudência nº 3/2012, 8 de Março de 2012 publicado no DR 1º série de 18 de Abril de 2012, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artº 412ºº nº3 alínea b),do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.

Além disso, o Recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, [1]«o cerne do dever de especificação», com o que se visa impor-lhe «que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado».

Como vem sendo salientado na Jurisprudência dos Tribunais Superiores e tem merecido geral aceitação: para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta a existência de provas que, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o Tribunal proferiu.

Por outro lado, duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo - a segundo - julgamento no Tribunal de Recurso.

O Recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para tanto, deve o Tribunal de Recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa [2].

Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º do CP, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados. Com efeito, no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”. No sentido apontado, veja-se o Acórdão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.

Como provas que imporiam uma diferente convicção, o recorrente indica os depoimentos das testemunhas, DD, FF,  e GG, nas passagens que transcreve com vista à demonstração da alegação de que tais depoimentos “foram unanimes no que toca à não identificação e reconhecimento dos arguidos.”

Ora, tem razão o recorrente quando alega que o ofendido testemunha DD  em audiência disse não reconhecer os arguidos, tal como a testemunha EE. Porém ouvido por nós integralmente o depoimento do ofendido DD nos termos do artº 412º nº6 do CPP, resulta inequívoco que as pessoas que o mesmo fotografou, foram os indivíduos que naquele mesmo dia, 2/3/2020, actuando conjuntamente o assaltaram.

Tendo o mesmo referido que tais pessoas “primeiro correm e depois vão a caminhar” e que “tirou a foto eles já estavam longe na parte de baixo e usou o zoom no máximo” cf. minuto 4.37 do depoimento.

Das declarações do ofendido resulta que quando tirou as fotos os indivíduos intervenientes no assalto já se tinham afastado, mas resulta também que a testemunha não perdeu o contacto visual e até usou o zoom no máximo.

Improcede pois a alegação do recorrente sustentada no raciocínio de não ser verosímil e que o arguido “posasse tranquilamente a 100 metros do local do crime à mercê de ser fotografado” e de que 4 minutos  “mais que suficientes para que os quatro indivíduos que efetivamente atacaram o ofendido, se tenham evadido para bem mais longe do que os singelos 100 metros que o ofendido refere no seu depoimento” sendo que a referência feita pela vítima ao  tempo de 4 minutos no contexto de um assalto, não pode ser aceite como rigorosa, mas antes elástica, fruto da pressão psicológica dos momentos vivenciados.

Ainda na senda de colocar em causa a fidedignidade dos fotogramas juntos aos autos, alega o recorrente resultar do depoimento da testemunha GG, “que as referidas fotografias foram juntas ao processo via email pelo ofendido, dias depois da infeliz ocorrência,” conclusão XVIII, alegando que os fotogramas, foram juntos aos autos “de forma irregular” pois “ nada garante que tenha sido tirada pela câmara fotográfica do ofendido”.

Não lhe assiste razão, com o devido respeito. Na verdade muito embora a testemunha DD, ainda que sem certezas tenha referido ter enviado por correio electrónico as fotos à polícia, como resulta dos autos,  tal envio ocorreu em 5 de Março de 2020 e respeita ao registo clínico, nota de alta e lesões, cf 43 a 47.

Contudo, as fotos em que constam os indivíduos que participaram no assalto ao ofendido, encontravam-se já impressas a fls.10 a 14, e conforme resulta das declarações da mesma testemunha ao minuto 29.55, tais fotografias foram extraídas pela própria polícia, da câmara.

Nesta parte estando o referido depoimento em consonância com o aditamento nº2 de fls 8 datado do próprio dia 2/3/2020, data dos factos imputados aos arguidos, subscrito pela testemunha PP, agente da PSP, que dá conta da efectivação da extracção dos registos fotográficos, documentação em papel e junção do suporte em CD-R. Esta extracção e junção aos autos foi também confirmada pela testemunha PP, que em audiência referiu terem feito a extracção das imagens, o que foi feito com a autorização de acesso a dados electrónicos, dada pela testemunha EE mulher do ofendido, que consta a fls 15, também datada de 2//3/2023.

De todo o modo, ainda que assim não tivesse sido, e a junção tivesse sido feita por acto do ofendido, daí não decorreria só por si a irregularidade da mesma, uma vez que se trata de prova documental, cujo valor probatório e encontra estabelecido no artº 167º do CPP.

Afirmada pois a autenticidade das fotos como sendo aquelas que o ofendido tirou aos indivíduos que o assaltaram, nada impede a valoração das mesmas, em conjugação com os depoimentos das testemunhas ao abrigo do artº 127º do CPP.

No caso, a captação de imagem fotográfica feita pelo ofendido, ocorreu na via pública, não captando qualquer imagem privada dos arguidos, e foi efectuada para identificar os autores do assalto, logo após a prática de um crime ou seja com um fim lícito, o de prossecução criminal, pelo que o direito à imagem previsto no artº 26º da CRP, terá de ceder nos termos do artº 18º nº2 da CRP perante o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, artº 20º CRP. Este tem sido também o entendimento que pensamos ser maioritário na jurisprudência, seja em relação à captação de imagens em vídeo ou fotografias.

Assim escreveu-se no ac do STJ de 28/9/2011 “É criminalmente atípica a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente, constituindo único limite a esta justa causa a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral do visado. (…)Na verdade, quando os valores jurídicos protegidos pela estatuição do art. 199.º do CP – relativos à imagem ou à palavra – estão a ser instrumentalizados na defesa de outros direitos, ou quando a não protecção concreta do direito à imagem ou à palavra é condição de eficácia da actuação do Estado na protecção de outros valores, eventualmente situados num patamar qualitativo superior, não se vislumbrando a possibilidade de afirmação da prevalência daquela protecção contra tudo e contra todos.[3]

Assim, sendo lícita a conduta do ofendido, a captação das fotografias e a sua posterior utilização não seria punida nos termos do artº 199º do CP, e como tal é prova valorável nos termos do artº 167º do CPP.

Nota-se que como se afirmou no acórdão desta rel. de 13/3/2022, [4]não se trata de prova por reconhecimento, que apenas é válida se efectuada de acordo com requisitos e pressupostos previstos no artº 147º do CPP, mas antes uma identificação dos arguidos através do depoimento de uma testemunha e das fotografias dos mesmos tiradas pelo ofendido nos momentos sequenciais à prática dos factos.

Na verdade o formalismo do reconhecimento parte do cuidado de adquirir a certeza sobre a fidelidade da memória da testemunha, que visionou o autor dos factos no momento da sua prática. E porque a memória é fugaz e muitas vezes atraiçoada designadamente pelo decurso do tempo, ou pelas próprias condições de visualização, a lei revestiu o reconhecimento de especiais cautelas processuais para que mesmo possa ser válido.

Como escreve o Prof Germano Marques da Silva, “O reconhecimento é um meio de prova que consiste na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial e outra actual da pessoa que procede ao acto.”[5]

No caso dos autos, a imagem dos autores dos factos ficou fixada nas fotografias tiradas pelo ofendido, sem que nessa fixação tenha intervindo a memória humana como percepção sensorial, e uma vez impressas, enquanto prova documental podem ser livremente apreciadas em conjugação com a prova testemunhal produzida em audiência e com a percepção do próprio tribunal adquirida através do princípio da imediação. 

Ora, foi precisamente com base nas fotografias juntas aos autos que a testemunha GG agente da PSP, afirmou em tribunal que conhecendo pessoalmente os arguidos, por contacto que teve noutros processos, que não tinha dúvida em identifica-los como as pessoas que estão  nos fotogramas junto aos autos, designadamente o arguido AA ora recorrente. Sendo que ao minuto 11.50, respondendo expressamente à pergunta do ilustre defensor, “Mas dá a certeza absoluta?” aquela testemunha responde, “Eu dou a certeza,” para à frente dizer “Eu não tenho dúvidas que as pessoas que estão naqueles fotogramas são estes”.

Podemos pois afirmar que as passagens indicadas pelo recorrente não impõem diferente convicção, nem demostram a existência de erro de julgamento.

Acresce que tendo os arguidos comparecido em audiência, tendo o tribunal beneficiado do princípio da imediação, escreveu-se na fundamentação da sentença que “.Além disso, importa salientar que as fotos captadas pelo ofendido encontram-se juntas aos autos e os arguidos estiveram presentes em audiência, o que permitiu também confirmar a sua identificação, não restando dúvidas ao tribunal sobre a autoria dos factos apurados..”, pelo que não pode este tribunal apenas com base na visualização e observação das fotografias colocar em causa a percepção do tribunal que assistiu à prova.

Por outro lado e diferentemente do que alega o recorrente, nos autos foram denunciados 4 indivíduos, número de pessoas captadas nos fotogramas, sendo que a investigação apenas logrou identificar três indivíduos, os ora arguidos.

Por fim, não se vê como possa ter sido violado princípio in dubio pro reo, uma vez que do texto da decisão recorrida não ressalta que o tribunal a quo tivesse tido dúvidas sobre a existência dos factos impugnados.

O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.-cfr. Figueiredo Dias- Dtº Processual Penal, pág 213.

Daí que a violação deste princípio só ocorra quando resulta da decisão que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Ora, a decisão impugnada não revela, em momento algum, que o tribunal recorrido tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto dado como provado. Com o que não tem fundamento invocar a violação de tal princípio [nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-07-2008, Processo n.º 1787/08 - 5.ª Secção (Cons. Souto Moura): I - A invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal a quo reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um non liquet decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido. Mas já não assim se, depois de ultrapassadas as dúvidas que o pudessem ter assaltado, perfilhasse uma determinada convicção e decidisse coerentemente – in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, http://www.stj.pt acedido em Janeiro de 2009].

Como tal, não relevam as dúvidas suscitadas pelo recorrente no recurso, com base na leitura pessoal que faz das provas, é antes necessário que demonstre a sua efectiva e concreta existência no texto da decisão recorrida, não sendo função do tribunal superior dar resposta a todas as dúvidas e hipóteses que os recorrentes coloquem, mas sim verificar se o percurso cognitivo seguido na sentença, que no caso expressa os motivos da decisão e não tem distorções lógicas ou violadoras das regras da experiência comum.

Improcede pois esta questão

Assim, e não se detectando algum erro notório na apreciação da prova ou qualquer outro dos vícios previstos no art 410º nº2 do CPP, não tendo sido valoradas provas proibidas e não impondo as passagens indicadas pelo recorrente, outra decisão, inexiste motivo para censurar a convicção exposta pelo tribunal. 

Mantendo-se inalterada a matéria de facto, improcede também naturalmente o pedido de absolvição formulado no recurso.


*

*


III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC


Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 20/3/2024.
Lígia Figueiredo
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas

_________________
[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário Código de Processo Penal à luz da Constituição da Republica e da Convenção Europeia dos direitos do Homem, 3ª ed. Pág. 1122.
[2] Sobre este ponto vg os Acórdãos do STJ de 14-03-2007 no processo 07P21, 23-05-2007 no processo 07P1498 e de 03-07-2008 no processo 08P1312 todos in www. dgsi.pt.
[3] Ac, STJ 28/9/2011 proferido no proc. 22/09.6YGLSB.S2 (relator Conselheiro Santos Cabral.) Em sentido idêntico Ac Rel Évora 29/3/2016, (então Desembargador António Latas).
[4] Ac. Rel Porto 16/3/2022, proferido no proc. 9106/18.9T9PRT.P1, em que foi relator o desembargador Pedro Lucas.
[5] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal,II, Verbo 2008 pág.211.