DECISÃO INSTRUTÓRIA
DESPACHO QUE DESIGNA DATA PARA JULGAMENTO
IRRECORRIBILIDADE
Sumário

I - Tendo havido instrução, o conhecimento das nulidades ou irregularidades a que alude o art. 311.º, n.º 2, do CPP, exclui os vícios da acusação.
II - De acordo com o disposto no art. 311.º -A, n.º 5, do CPP, do despacho a que se refere o n.º 1 não há recurso.

Texto Integral

S………….. e M…………., arguidos nos autos, reclamam, ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP, do despacho proferido em 15/3/2024, que não admitiu o recurso que interpuseram do despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.º 1, do CPP, com fundamento na irrecorribilidade dessa decisão.
Conhecendo.
Alegam os reclamantes que se o despacho de pronúncia enferma de nulidade insanável não pode deixar de contaminar do mesmo vício o subsequente despacho que a recebe (cfr. artigo 122º do Código de Processo Penal), porquanto o reproduz integralmente (cfr. artigos 303º e 309º, nº 1 do Código de Processo Penal), sendo esse despacho recorrível, nos termos do n.º 3 do art.º 310.º e art.º 399.º do CPP, porquanto não se trata de um despacho de mero expediente, (art. 400º n.º 1 do CPP).
Carecem, porém, salvo o devido respeito, de razão.
Conforme refere o Ministério Público na sua douta promoção, que antecede o despacho reclamado e no qual se deram por reproduzidos os fundamentos invocados para rejeitar o recurso, “…tendo havido uma instrução que confirmou a validade e pertinência da acusação, não pode, nesta fase, o tribunal de julgamento tomar posição quanto a essas questões no despacho de recebimento da pronúncia, uma vez que formaram caso julgado formal. Neste sentido veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09.11.2011, processo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 449/08.0TATNV-A.C1, disponível em www.dgsi.pt em que se decidiu: “2.- Assim tendo sido apreciadas em sede de instrução as questões da suspensão do procedimento penal nos termos do artigo 47 do R.G.I.T. e da não aplicação ao caso concreto da condição objectiva de punibilidade prevista pelo artigo 105, nº 4, al. b) do RGIT - por estar em causa um crime de fraude fiscal e não de abuso de confiança fiscal - não poderá de novo submeter tais questões à apreciação do julgador, na previsão, errónea, de que se tal despacho fosse desfavorável já poderia apresentar recurso.
3.- É que sendo tais questões decididas no despacho de pronúncia, o qual transitou, há caso julgado formal e, por isso é inadmissível o recurso sobre tal matéria”.”
Tendo havido instrução, o conhecimento das nulidades ou irregularidades a que alude o art. 311.º, n.º 2, do CPP, exclui os vícios da acusação.
E de acordo com o disposto no art. 311.º -A, n.º 5, do despacho a que se refere o n.º 1 não há recurso.
Acresce que, no caso, a própria decisão instrutória não era suscetível de recurso.
Dispõe o art. 310.º, n.º 1, do CPP, que:
“A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”.
No presente caso os arguidos/reclamantes foram pronunciados pelos factos da acusação particular, acusação essa que foi acompanhada pelo Ministério Público.
Assim sendo, a decisão instrutória é irrecorrível, mesmo na parte em que aprecia nulidades, quer elas tenham sido suscitadas antes ou depois dessa decisão, a não ser na situação expressamente prevista no art. 309.º, do CPP.
O princípio geral quanto ao recurso da decisão instrutória que pronuncia o arguido é o contrário ao estabelecido no art. 399.º, do CPP.
Com efeito, este princípio especial de irrecorribilidade é firmado pelo art. 310.º, n.º 1, do CPP, ao estabelecer que a decisão instrutória que pronunciar o arguido não é recorrível, mesmo na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais, quando pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público e comporta apenas a excepção estabelecida pelo n.º 2, desse mesmo art. 310.º, por referência à nulidade da própria decisão instrutória, cominada pelo art. 309.º, n.º 1, do CPP, consistente em “…pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”.
Alegam, ainda, os reclamantes que o despacho reclamado viola as garantias de defesa ínsitas nos arts. 32.º da CRP e 6.º da CEDH
Não concretizam, porém, os reclamantes, a arguida inconstitucionalidade normativa e convencional.
Sempre se dirá, no entanto, que o Tribunal Constitucional tem entendido, por várias vezes, que a garantia concedida no n.º 1, do art. 32.º, da CRP, assegura, em matéria de processo criminal, o duplo grau de jurisdição, mas obviamente não estendido a toda e qualquer decisão, mas somente às situações mais graves e genericamente a todas as decisões que conheçam do mérito da acção penal.
No presente caso, não tendo havido qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação particular, tendo esta sido acompanhada pelo Ministério Público, a decisão instrutória era irrecorrível, assim como é irrecorrível o despacho proferido, ao abrigo do disposto no art. 311.º, n.º 1, do CPP, pela 1.ª instância. 
Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 405.º, n.º 4, do CPP.
Custas a cargo dos reclamantes.
Notifique-se.

Lisboa, 29 de Abril de 2024
Guilhermina Freitas – Presidente