ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PODERES DA RELAÇÃO
LEI PROCESSUAL
VIOLAÇÃO DE LEI
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS INSTRUMENTAIS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I. Não se verifica dupla conforme quanto às situações que correspondam à violação de disposição processual no exercício dos poderes do Tribunal da Relação relativamente à reapreciação da decisão da matéria de facto.
II. O recurso de revista não pode ter por objeto o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos provados, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de provas para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, estando vedado ao STJ a utilização de presunções judiciais ou a apreciação da bondade das ilações que devam , ou não, ser extraídas pelas instâncias de factos instrumentais.
III. Na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, deverá a Relação proceder a uma avaliação global da prova produzida, tendo em conta, também, nessa avaliação, a existência dos factos instrumentais e fundamentar a correspondente convicção quanto às ilações a extrair, ou não, dos mesmos.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. O então exequente, Banco Espirito Santo, SA, entretanto habilitado pela ora Exequente/Recorrida Ares Lusitani – Stc, SA (conforme sentença de habilitação de 06.02.2020 - Apenso D), aos 14.10.2006 intentou contra os executados, AA, F..., Lda, BB e CC (este o ora oponente/Recorrente), ação executiva para pagamento de quantia certa de €106.434,49, dos quais €103.651,18 (€84.942,00, capital em dívida e €18.708,90 de juros devidos até 14.12.2005) correspondentes ao valor da livrança subscrita por F..., Lda, Ldª, da qual o executado foi avalista, e que juntou como título executivo, quantia aquela acrescida de €2.783,31 de juros de mora vencidos desde 09.10.2006.

Para tanto, alegou no requerimento executivo, em síntese, que:

- Por escritura pública de 12.02.2001, o Exequente e os executados AA, F..., Lda (de ora diante apenas designada de F..., Lda”) e a BB, celebraram um contrato de mútuo com hipoteca, pelo qual emprestou a F..., Lda” a quantia de €46.288,44;

- Por escritura pública de 08.06.2001, o Exequente e a F..., Lda” e DD celebraram contrato de mútuo com hipoteca, pelo qual emprestou à F..., Lda” a quantia de €39.903,83;

- Por documento particular de 09.04.2003 (doc. 3 junto com o requerimento executivo), celebrou com a F..., Lda” contrato de abertura de crédito em conta corrente, pelo qual disponibilizou €86.193,00, cujo produto já havia sido transferido por conta dos dois contratos acima mencionados, contrato esse que, por falta de pagamento pelos executados, apesar de interpelados, a exequente denunciou aos 28.02.2005, encontrando-se por liquidar a quantia de €86.192,28;

- Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas, o exequente sacou uma livrança em branco destinada a caucionar a referida operação de abertura de crédito em conta corrente, subscrita pela F..., Lda” e avalizada, entre outros, pelo executado CC para que o exequente a preenchesse com o valor correspondente ao saldo devedor da referida conta (incluindo juros remuneratórios e de mora), o que fez, com vencimento em 14.12.2005, pelo valor de €103.6512,18 (€84.942,28, relativo ao montante em dívida + €18.708,90 de juros até 14.12.2005), livrança essa que junta como título executivo e que não foi paga, apesar de a isso instados os executados.

2. O executado CC, ora oponente e Recorrente, aos 06.06.2007, veio deduzir oposição à execução (e à penhora), em síntese e no que àquela (oposição à execução) se reporta:

- Invocou a incompetência territorial do Tribunal;

- Arguiu a falsidade das assinaturas, que lhe são atribuídas, no “contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito” de 09.04.2003 e na livrança, não tendo sido por ele apostas, nunca tendo sido, nem pretendido ser, avalista da sociedade F..., Lda” e não esteve, nem se deslocou aos escritórios do exequente para assinar o referido contrato, nem o mesmo jamais lhe foi apresentado por outrem para que o assinasse, assim como nunca a livrança lhe foi apresentada para assinar.

- Invocou, “sem prescindir, mas à cautela”, a sua ilegitimidade, alegando que nunca aceitou ser fiador ou avalista e, se estivesse disponível para tal, tê-lo-ia feito na escritura de 12.02.2001;

- Invocou excesso de nomeação de bens à penhora.

Terminou concluindo, no que poderá relevar ao recuso de revista, que deve: “b) ser julgado procedente o incidente de falsidade e o ora oponente absolvido do pedido executivo, com as legais consequências”.

3. O exequente contestou a oposição, alegando, em síntese e no que poderá relevar ao recurso de revista, que: o oponente subscreveu, na qualidade de avalista, o contrato celebrado entre o exequente e a executada F..., Lda” em 09.04.2003 e a livrança exequenda, pelo que é responsável pela dívida em causa nos autos, solicitando a realização de exame pericial à letra e concluindo no sentido da improcedência da oposição.

4. Foi, aos 03.12.207, proferido despacho saneador no qual se decidiu: julgar improcedentes as exceções da incompetência territorial e da ilegitimidade do oponente; não admitir a oposição à penhora. Consignaram-se ainda os factos assentes e elaborou-se base instrutória, de que a exequente reclamou, à qual o oponente respondeu, reclamação essa indeferida por despacho de 07.03.2008.

Foi também determinado exame pericial à letra tendo por objeto os quesitos 1º e 3º da Base Instrutória.

5. Realizou-se, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, tal exame pericial, cujo relatório foi junto aos 02.07.2012 (fls. 177 a 188), no qual se concluiu que se considera “como provável” “a verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas de CC, aposta no documento identificado como C1 e C2, ser do seu punho 1.

6. Realizada a audiência de julgamento (aos 07.02.2020), foi, aos 14.03.2020, proferida sentença que julgou a oposição à execução totalmente improcedente.

7. O oponente interpôs recurso de apelação, o qual, por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.10.2020, foi julgado “improcedente, confirmando-se a sentença recorrida”.

8. Inconformado, o oponente veio interpor recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões 2:

I. O recurso é admissível:

i. Ao abrigo do art.671º. nºs 1 e 3 do CPC pois o Acórdão da Relação alterou a matéria de facto e fundamentou apreciando novas questões (e novas questões se levantam ante a nova matéria de facto que veio a ser fixada).

ii. Ao abrigo do art. 672º, nº 1, al. c), do CPC pois o Acórdão recorrido contradiz a doutrina constante do STJ sobre o ónus da prova e também sobre o direito aplicável aos factos que veio a fixar.

II. O Acórdão recorrido não observou o disposto no art. 607º, nº 4, aplicável por via do art. 663º, n 2, ambos do CPC, pois ao retirar do elenco dos factos dados como provados pela 1ª instância uma parte importante do seu segmento e ao deixar inalterado o elenco dos factos não provados, deixou de declarar de forma expressa, como se impunha, que se decidia dar como não provados esses factos, pelo que deve o mesmo ser anulado.

III. O Acórdão recorrido não aplicou o regime decorrente dos arts. 374º, 376º do CC e 414º do CPC e da sua fundamentação sobre a decisão da matéria de facto decorre, logicamente, o contrário daquilo que veio a decidir:

i. Embargada pelo executado, como foi o caso, a execução de uma livrança com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbia ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (v.g. Acórdão do STJ de 16.06.2005, processo 04B660);

ii. Da fundamentação invocada, que relata a existência de uma dúvida sobre a autenticidade da assinatura (dizendo-se que: “não foram detetadas diferenças que permitissem concluir que as assinaturas contestadas sejam falsas, mas reconhece-se que, atenta a natureza das assinaturas em causa, não se podia ir mais longe no juízo sobre a autenticidade das mesmas assinaturas”), só poderia resultar o contrário do que se veio a decidir;

iii. Da fundamentação invocada resulta que a Relação só não alterou a resposta à matéria de facto dada pela 1ª instância porque o embargante não provou a falsificação da sua assinatura, o que viola as normas legais invocadas.

iv. Da fundamentação invocada resulta, se tivesse sido bem aplicado o regime dos arts. 374 e 346º do CC e 414º do CPC, a conclusão deveria ter sido a contrária à que foi tomada, pelo que deve o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que julgue a matéria de facto de acordo com os comandos legais daqueles artigos.

IV. ao elencar os factos provados, o Acórdão recorrido não tomou em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos e violou o art. 607º, nº 4, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, ambos do CPC:

i. Sem conceder, pois que o recorrente não outorgou tal contrato, nunca poderia ter resultado integralmente provados o nº 2 do elenco dos factos provados tal como ele foi fixado, pois a parte em que se diz que nesse acordo foi concedido empréstimo ao ora recorrente não foi alegada pela exequente nem no requerimento executivo, nem na contestação à oposição, nem resulta do documento de 09.04.2003;

ii. Em face dos factos que poderia usar e perante a clareza do documento em causa, não poderia o Tribunal a quo ter ultrapassado os limites legais para ar como provado um facto que não foi alegado nem resultou da prova analisada, pelo que o Acórdão recorrido deve ser anulado.

V. O Acórdão recorrido violou os arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, pois não procedeu à análise crítica dos concretos meios probatórios convocados pelo apelante, ora recorrente, designadamente das incongruências dos documentos nos quais foram apostas assinaturas (nos quais foram falsificadas as assinaturas do ora recorrente) de modo a ajuizar o erro de valoração das provas e a formar a sua própria convicção sobre os factos impugnados nem considerou os factos instrumentais que resultaram da instrução da causa:

a. Invocando o recorrente que é falso que o contrato a que alude o ponto 2 dos factos provados tenha sido outorgado na presença de todos os outorgantes em 9/04/2003, assume clara importância saber que um dos outorgantes, afinal, só o outorgou em 4/06/2003;

i. O contrato em causa está datado de 9/04/2003 e ali se consignou que a outorga foi feita na presença de todos nessa mesma data;

ii. Resulta do documento que os representantes do banco só o assinaram em 4/06/2003;

iii. Deste facto (data da assinatura do contrato pelo banco) retira-se que o que se declarou no contrato (que foi assinado na presença de todos) é falso;

iv. E dessa falsidade se pode retirar que o recorrente não estava presente quando o banco assinou o contrato, o que é muito relevante para se chegar à prova do facto principal invocado pelo recorrente (a falsidade da assinatura: o documento foi apresentado no banco com uma assinatura falsificada) ou para contraprova do facto invocado pelo exequente;

v. A Relação não fundamena a razão pela qual esse importante facto instrumental não pode constar do elenco dos factos provados nem fundamena se tal facto não resultou provado nem a razão de tal facto não permitir uma ilação racional para a prova (ou contraprova) do facto principal, assim violando o disposto nos arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, pelo que deve o Acórdão ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre esse facto instrumental;

b. Invocando o recorrente que o contrato a que se refere o ponto 2 dos factos provados não está por si rubricado, tal facto assume especial importância para a prova do facto principal:

i. Discutindo-se se a assinatura atribuída ao recorrente é verdadeira ou não, é relevante saber que o escrito tem várias rúbricas, mas nenhuma delas é a do recorrente;

ii. À luz das mais elementares regras da normalidade e prudência bancária, se um cidadão assina pelo seu punho um contrato em que os restantes contraente rubricam todas as folhas do contrato, pelo menos os representantes do banco não deixariam de exigir que, tal como os outros contraentes, também esse outorgante rubricasse todas as folhas do contrato;

iii. iii. A falta da rúbrica do ora recorrente no escrito em causa, ao contrário da rúbrica dos restantes intervenientes, basta para colocar em dúvida que estivesse presente na assinatura do contrato e, sobretudo, coloca a dúvida sobre se a assinatura que lá consta é sua;

iv. A matéria é, por isso, não só relevante como resulta clara da simples análise do documento que foi considerado pela Relação (que não pode tomar por boa parte do documento para formar a sua convicção e deixar de fora todo o restante) e ao não ter considerado esse facto instrumental e as ilações racionais que poderia tirar do mesmo, violou os arts. 5º, nº 2, al. ) e 607º, nº 4, do CPC, pelo que deve o Acórdão ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre esse facto instrumental.

c. O Recorrente invocou factos que estão provados por documentos autênticos (escrituras públicas juntas com o requerimento executivo) :

i. Desses factos resulta que nunca prestou qualquer garantia pessoal e estão esses mútuos garantidos por hipotecas voluntárias sobre prédios que não são, nem nunca foram, seus;

ii. Não constitui o escrito denominado “contrato de abertura de crédito” um novo empréstimo (basta ler o requerimento executivo).

iii. A conjugação desses factos (que resultam de escritura pública e da leitura do requerimento executivo) com a demais prova e factos indiciários permitiria chegar à conclusão de que nunca o ora recorrente quis ser garante ou avalista da sociedade como na realidade não foi.

iv. A Relação tinha o dever se, na fundamentação do Acórdão, considerar estes factos instrumentais e as ilações racionais que poderia retirar dos mesmos e, não o tendo feito, violou os arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, pelo que deve o mesmo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre esse facto instrumental.

VI. Sem conceder, pois que a assinatura do recorrente foi falsificada, a manter-se inalterada a matéria de facto, da mesma não pode resultar a conclusão jurídica que a Relação consignou no Acórdão recorrido, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a oposição à execução e extinga a execução contra o recorrente:

a. Não estão provados factos que possam fundamentar a vinculação pessoal do recorrente:

i. Não é possível afirmar-se juridicamente, em face da ausência de factos de onde se retirem os requisitos dos art. 75º e 76º da LULL, que o escrito denominado “livrança” pode produzir efeitos como tal, pelo que não existe título executivo.

ii. Do elenco dos factos provados não é possível extrair elementos essenciais (local da assinatura) que permitam concluir que a assinatura atribuída ao ora recorrente tem o valor jurídico de o vincular a uma promessa de pagamento da quantia inscrita no escrito denominado “livrança”, pelo que não pode constituir título executivo contra o mesmo.

b. Não resulta dos factos provados que a livrança tenha entrado em circulação, pelo que não é detida por alguém estranho às relações extra-cartulares e qualquer invalidade, ineficácia ou causa de extinção da obrigação causal poderia e pode ser utilizada como meio de defesa; tratando-se de contrato de abertura de crédito, só surge a obrigação de restituição do crédito no momento em que o crédito é concedido e só nasce a dívida quando se levanta o dinheiro e, não constando estes factos na matéria provada, inexiste obrigação de restituir e, como tal, inexiste qualquer obrigação cambiária.

c. Não resulta dos factos provados que a recusa de pagamento da livrança tenha sido comprovada por protesto por falta de pagamento nem resulta dos factos provados que a livrança tenha sido apresentada a pagamento:

1. Decorre da conjugação dos arts. 50º da LULL com os arts. 787º, nº 2 e 788º, nº 3, do CC, que a obrigação do avalista não é exigível enquanto a livrança com o protesto e um recibo (o direito à quitação) e, como não resulta dos factos provados que o exequente estivesse dispensado do protesto e igualmente não se provou que tenha apresentado a livrança a protesto por falta de pagamento, não existem motivos para prosseguir a execução por não ser exigível a obrigação de pagamento;

2. Não se provando, como não se provou, que a livrança foi apresentada a pagamento antes de ser intentada a execução, nunca seria devidos juros de mora desde a data do vencimento (como se decidiu no Acórdão do STJ de 19/06/2018).

Conclui no sentido de se julgar o recurso de revista nos termos em que referiu.

9. A recorrida, Ares Lusitani – STC, SA contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“I. Afigura-se à Recorrida que o douto acórdão recorrido deve manter-se, pois consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes.

II. A deliberação não violou qualquer preceito legal, sendo inteiramente certa a argumentação e as considerações em que se baseia.

III. O douto acórdão recorrido deve manter-se na totalidade, carecendo de total fundamento o presente recurso de revista.

IV. Verifica-se a dupla conformidade de decisões, quando o acórdão proferido na Relação, sem voto de vencido, secundou a motivação fáctica e jurídica da sentença da 1.ª instância, resultando dessa convergência a coincidência de fundamentação quanto à essencialidade da questão a decidir.

V. Havendo dupla conforme, a admissibilidade da revista excecional depende da verificação dos pressupostos enunciados nas alíneas do n.º 1 do art. 672.º do Código de Proc. Civil (que devem ser alegados pelo recorrente), bem como do preenchimento dos requisitos gerais de recorribilidade exigidos pelo art. 629.º, n.º 1, do mesmo Código, ou seja, ter a causa um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

VI. No presente caso, estamos perante a denominada “dupla conforme”, não havendo fundamento para o Recorrido interpor o recurso de revista, como fez.

VII. Por outro lado, não estão verificados os requisitos para a admissibilidade do presente recurso de revista, previstos nos artigos 671.º e 672.º, n.º 1 al. c) do Cód. de Proc. Civil, razão pela qual terá a mesma que ser negada.

VIII. Como uma das exceções à regra da dupla conforme, a revista é admissível quando: c) o Acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência come ele conforme.

IX. Não é junto qualquer acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição,

X. Apenas uma série de acórdãos, a que o Recorrido, indiscriminadamente, faz referência, procurando que os mesmos fundamentem a sua pretensão.

XI. A questão sub judice não se enquadra em alguma das exceções à dupla conforme, pelo que deverá a revista ser negada.

XII. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não se encontra ferida de qualquer nulidade, porquanto descreve e enuncia claramente os factos provados, enuncia o direito aplicável e decide de acordo com aqueles factos e aquele direito.

XII. A alegada falsidade da assinatura do Recorrente aposta no verso da livrança também é um argumento que não colhe.

XIII. O Recorrente tenta desconsiderar e desacreditar a força legal que é conferida ao exame pericial que foi realizado à letra do Recorrente, junto a fls. dos autos, no âmbito do qual foi expressamente admitido como “provável” - numa escala que se inicia probabilidade próxima da certeza científica não e termina em probabilidade próxima da certeza científica.

XIV. Do referido relatório consta a seguinte explicação: “(…) somos levados a concluir que as características exibidas por CC, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na das assinaturas contestadas, pelo que se considera como provável (1) a verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas ser do punho de CC.

XV. Nos termos dos artigos 388º e 389º do Código Civil, “a força probatória das respostas dos peritos é fixada pelo tribunal”.

XVI. O Recorrido não reclamou, no prazo que dispunha para o efeito, do resultado do relatório pericial, nem requereu a realização de nova perícia à sua letra e assinatura.

XVII. A força probatória da perícia não foi contestada em momento e lugar próprios, por qualquer outra via, sendo certo que esta se encontra confinada à livre convicção do juiz.

XVIII. E se a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, é no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador) que a prova há-de ser apreciada, como muito bem o foi.

XIX. O grau de certeza de um relatório pericial elaborado por esta entidade, com tamanha dignidade e profissionalismo, é incontestável, não podendo ser desconsiderado.

XX. Da prova documental (nomeadamente a livrança e a cópia do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito, através do qual foi concedido um financiamento até ao montante de 86.193,00 €, em conjunto com o resultado do relatório pericial, bem como com a prova testemunhal – “(…) nenhuma das referidas testemunhas demonstrou ter um conhecimento directo, cabal e suficiente dos factos, que permitisse colocar em crise as conclusões vertidas no referido relatório pericial.” – não se poderia retirar outra conclusão, que não a consequente procedência da ação executiva. (negrito e sublinhado nossos)

XXI. Resulta também demonstrado nos autos que o Recorrente subscreveu o contrato de mútuo, onde expressamente consta clausulado o pacto de preenchimento da livrança, em termos que o responsabilizar pessoalmente, designadamente enquanto avalista.

XXII. Motivo pelo qual não é necessário, sequer, lançar mão da presunção de pacto de preenchimento, decorrente da assinatura da livrança não integralmente preenchida no ato de entrega – cfr. cláusula 7ª do contrato de mútuo junto a fls. dos autos.

XXIII. A livrança foi preenchida nos precisos e exatos termos acordados e avalizada pelo Recorrente, destinando-se a garantir as responsabilidades que os subscritores assumiram perante a Exequente derivadas do supra mencionado contrato de mútuo junto a fls. dos autos.

XXIV. O Recorrente assinou, repita-se, não só a livrança, mas ainda o contrato junto a fls. dos autos, autorizando expressamente a Exequente a preencher a livrança dada de caução pelo montante das responsabilidades devidas pela proponente, acrescidas dos juros, bem como outros encargos e despesas devidas, apondo-lhe a data de emissão, a data de vencimento e local de pagamento.

XXV. Tanto a extensão como o conteúdo das obrigações dos avalistas são aferidos, como é sabido, pelas obrigações dos subscritores, pelo que o Recorrente é solidariamente responsável pelo pagamento da livrança dada à execução nos mesmos termos acordados pela subscritora da mesma.

XXVI. Acresce referir que o Recorrente foi interpelado para regularizar a responsabilidade há muito vencida, não tendo procedido ao pagamento da dívida existente e da qual se constituiu solidariamente devedor.

XXVII. O Recorrente mais não fez do que tentar aproveitar-se da antiguidade da dívida para tentar gerar uma eventual dúvida razoável no douto Tribunal a quo.

XXVIII. No entanto, não viu a sua pretensão surtir quaisquer efeitos, já que a prova produzida não deixou no douto Tribunal a quo qualquer espaço para dúvidas.

XXIX. Segue-se bem de perto todo o exposto na douta sentença recorrida.

XXX. Bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela total improcedência da execução, bem como o Tribunal “ad quem” ao confirmar a referida decisão, julgando o recurso improcedente.

XXXI. Por tudo quanto foi exposto, o recurso interposto pelo Recorrente deve ser julgado totalmente improcedente, por infundado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada na íntegra a deliberação recorrida, com todas as consequências legais.”

10. O Tribunal da Relação de Évora proferiu despacho a admitir o recurso de revista, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

11. Subido o recurso de revista a este Supremo Tribunal de Justiça, veio o processo a ser redistribuído, por sorteio, à ora relatora aos 27.02.2024.

12. Por despacho da ora relatora de 06.03.2024 foi solicitado à 1ª instância o envio de cópia de documentos anexos ao requerimento executivo que não constavam dos autos de oposição à execução, nem se encontravam digitalizados no histórico informático da execução, documentos esses que vieram a ser remetidos a este STJ (entre os quais as escrituras de mútuo com hipoteca celebradas aos 12.02.201 e 08.06.2001), do que as partes foram notificadas.

13. Foi dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte, do CPC.

***

II. Fundamentação de facto

No acórdão recorrido, foi a seguinte a decisão da matéria de facto, já com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação (na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto aduzida na apelação):

Factos provados:

1. Nos autos de execução a que os presentes autos correm por apenso a exequente deu à execução uma livrança, da mesma constando o valor de € 103.651,18, a data de emissão de 9 de Abril de 2003 e a data de vencimento de 14 de Dezembro de 2005;

2. Por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2003, denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, a exequente concedeu um financiamento a F..., Lda, a AA, a BB e a CC até ao montante máximo de € 86.193,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente – Retificado pelo Tribunal da Relação3

3. A assinatura referente a CC na livrança referida em 1 é do oponente e foi aposta pelo mesmo – Alterado pelo Tribunal da Relação4;

4. A assinatura referente a CC no contrato referido em 2 é do oponente e foi aposta pelo mesmo - Alterado pelo Tribunal da Relação 5.

Não provado:

Que o oponente nunca quis ser garante ou avalista da sociedade F..., Lda

***

III. Objeto do recurso

1. Do recurso interposto como revista normal (art. 671º, nº 1, do CPC):

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, ex vi do art. 679º, todos do CPC6).

Assim, no recurso, interposto como revista normal (arts. 671º, nºs 1 e 3, 1ª parte, do CPC) são as seguintes as questões suscitadas pelo Recorrente:

a) Se a Relação, ao retirar dos nºs 3 e 4 dos factos provados, que a letra na livrança referida em 1) dos factos provados e a letra no contrato referido em 2) dos mesmos, é do oponente e foi por ele aposta e ao deixar inalterado o elenco dos factos não provados, deixou de declarar de forma expressa, como se impunha, que se decidia dá-los como não provados, pelo que devem os mesmos ser anulados;

b) Da violação dos arts. 374º e 346º do CC e 414º do CPC, decorrendo da fundamentação da decisão da matéria de facto, logicamente, o contrário do que foi decidido, em consequência do que deve o acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que decida de acordo com tais preceitos, argumentando que: tendo sido invocada a falsidade da assinatura da livrança, incumbia ao exequente o ónus da prova da veracidade de tal assinatura; resultando da fundamentação invocada a existência de dúvida sobre a autenticidade da assinatura, as mencionadas regras impunham que os factos (ainda que não expressamente referidos nas conclusões, presume-se que sejam os nºs 3 e 4 dos factos provados) tivessem sido dados como não provados; da fundamentação da decisão da matéria de facto resulta que a Relação entendeu que foi o Recorrente que não provou a falsificação das assinaturas;

c) O nº 2 dos factos provados, na parte em que se diz que nesse acordo foi concedido empréstimo ao recorrente, não poderia ter sido dado como provado pois que não foi alegado pela exequente (nem no requerimento executivo, nem na oposição à execução), nem resulta do documento de 09.04.2003, não se tendo, assim e violando o art. 607º, nº 4, do CPC, atendido aos factos admitidos por acordo e provados por documentos, pelo que o Acórdão recorrido deve ser anulado;

d) O Acórdão recorrido violou os arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, devendo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre os factos instrumentais que havia alegado, argumentando que:

d.1. Não procedeu a uma análise crítica da prova e incongruências dela decorrentes, nem considerou os factos instrumentais, a saber: o contrato de 09.04.2003 (mencionado em 2 dos factos provados) só foi outorgado pela exequente aos 04.06.2003, não correspondendo, pois, à verdade que a outorga tenha tido lugar na presença de todos, como nele se afirma, donde se conclui que o recorrente não estava presente quando a exequente o assinou; a Relação não fundamenta a razão pela qual este facto instrumental não pode constar dos factos provados, nem se tal facto não resultou provado, nem a razão por que não permite ele a ilação no sentido da prova (ou contraprova) do facto principal, pelo que deve o Acórdão ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre este facto instrumental;

d.2. O mencionado documento (contrato de 09.04.2003) tem várias rubricas, não tendo porém a do Recorrente, pelo que, correspondendo às regras da normalidade e prudência bancária, a exequente não deixaria de o exigir, o que basta para colocar em dúvida que o Recorrente estivesse presente aquando da assinatura do contrato e que a assinatura fosse a sua, pelo que deve o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre tal facto instrumental;

d.3. Das escrituras públicas juntas com o requerimento executivo resulta que o Recorrente nunca quis ser garante ou avalista da sociedade (pois os mútuos foram garantidos por hipotecas sobre prédios que não são seus, não sendo o “contrato de abertura de crédito” um novo empréstimo como resulta do requerimento executivo).

e) Mesmo que se mantenha inalterada a matéria de facto:

e.1.) Se a livrança não pode produzir efeitos como tal, não consubstanciando título executivo, face à ausência de factos de onde se retirem os requisitos dos arts. 75º e 76º da LULL, mormente o local da assinatura;

e.2.) Da inexistência da obrigação de restituir e, como tal, da inexistência da obrigação cambiária (por, tratando-se de contrato de abertura de crédito, a dívida só nascer quando é levantado o dinheiro, o que não resulta dos factos provados), o que é invocável uma vez que, não resultando dos factos provados que a livrança tenha entrado em circulação, qualquer invalidade, ineficácia ou causa de extinção da obrigação causal pode ser utilizada como meio de defesa;

e.3.) Se a obrigação de pagamento do avalista não é exigível por não resultar dos factos provados que a recusa de pagamento da livrança tenha sido comprovada por protesto por falta de pagamento, nem que tenha sido apresentada a pagamento;

e.4.) Se não são devidos juros de mora desde a data do vencimento (dado não se ter provado que a livrança foi apresentada a pagamento antes de ser intentada a execução).

2. O recurso foi também, subsidiariamente, interposto como revista excecional (ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, al. c), do CPC), invocando como acórdãos fundamento:

- o Acórdão do STJ de 16.06.2005, de acordo com o qual “Embargada pelo executado a execução de uma livrança, com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma;

- O Acórdão da RL de 30.10.2018, nos termos do qual, em síntese, nas relações imediatas o executado, subscritor da livrança dada à execução, pode livremente deduzir contra o credor qualquer meio de defesa, incluindo os decorrentes da invalidade, ineficácia ou extinção da obrigação causal”;

- O Acórdão da RL de 21.03.2013, de acordo com o qual nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente de utilização simples, surgindo a obrigação do creditado no momento em que é levantado o dinheiro;

- O Acórdão de 19.06.2018, de acordo com o qual, em síntese: está-se perante duas livranças emitida em branco quanto à data do vencimento e ao montante para ser ulteriormente preenchida de modo a garantir, se necessário, o reembolso das quantias mutuadas, apresentando simultaneamente as assinaturas de avalista e avalizado; foi dado como provado que o exequente não deu conhecimento aos executados de que iria proceder ao preenchimento das livranças, nem posteriormente os interpelou para efetuarem o pagamento das quantias que nelas foram inscritas, pelo que foi o credor quem se constituiu em mora (art. 813º do CC), os juros moratório não são devidos desde a data do vencimento, mas apenas a partir da citação para a ação executiva, que tem a função da apresentação a pagamento;

***

IV. Questão prévia

1. É de referir que o recurso foi tempestivamente interposto, por quem com legitimidade, sendo o valor da ação (de €106.434,49 7), e da sucumbência do Recorrente (em igual montante), superior ao da alçada da Relação. E, por outro lado, o recurso é interposto do acórdão da Relação, proferido sobre a sentença da 1ª instância, que conheceu do mérito da oposição à execução, pondo-lhe termo. Encontram-se, pois, verificados os requisitos gerais de recorribilidade para o STJ conforme arts. 671º, nº 1, e 854º, ambos do CPC.

2. Da admissibilidade do recurso interposto como revista normal (art. 671º, nº 1, do CPC)

Importa, seguidamente, apreciar da questão da admissibilidade, ou não, do recurso interposto como revista normal face à limitação, decorrente de eventual dupla conformidade, prevista no art. 671º, nº 3 , e tendo ainda em conta, também, o disposto no art. 674º, nºs 1, al. b). E, bem assim, face ao disposto no art. 674º, nº 3, 1ª parte, nos termos do qual o “erro da apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Alega o Recorrente que a Acórdão recorrido não se limitou a confirmar a sentença da 1ª instância, antes tendo alterado a decisão da matéria de facto e fundamentou e apreciou novas questões, pelo que, perante a nova matéria de facto, novas questões se levantam (embora sem concretização das novas questões que se levantariam em consequência da alteração da decisão da matéria de facto).

Põe também em causa a decisão da matéria de facto proferida pela Relação com os fundamentos indicados nos pontos III.1, als. a), b), c) e d) [als. d.1., d.2. e d.3] do presente acórdão

Quanto à Recorrida, pugna no sentido da existência de dupla conforme, impeditiva do recurso.

2.1. Os nºs 1 e 3 do art. 671º do CPC dispõem que: “ 1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. (…); 3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. (…)”.

De harmonia com o art. 674º: “ 1 - A revista pode ter por fundamento: a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; b) A violação ou errada aplicação da lei de processo; c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º 2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se como lei substantiva as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais. 3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

O nº 3 do citado art. 671º veio estabelecer a irrecorribilidade do acórdão da Relação em caso de dupla conforme entre a decisão desta e a da 1ª instância, estabelecendo assim uma limitação ao 3º grau de jurisdição.

A dupla conforme pressupõe a apreciação, pela 1ª instância e pela Relação, da mesma questão, sendo a decisão daquela confirmada, sem voto de vencido, por esta e sem fundamentação essencialmente diferente, nela não se incluindo as situações em que, pese embora hajam chegado ao mesmo resultado, seguiram todavia um percurso jurídico diferente revelador de duas decisões substancialmente diversas – cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, p.425.

Como diz o mencionado autor, local cit., da alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação decorre que não descaracterizam a existência de dupla conforme, designadamente: “discrepâncias marginas, secundárias, periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso; recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas pela 1ª instância para atingir o mesmo resultado ou aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem por em causa a fundamentação essencial usada pelo tribunal de 1ª instância.”

Também a alteração da decisão da matéria de facto, por si só, não descaracteriza a existência de dupla conforme, descaracterização que apenas ocorrerá se, tal alteração, implicar uma alteração da motivação jurídica essencial -autor e ob. citados, p. 426 – e, por todos, Acórdão do STJ de 29.09.2022, Proc. 19864/15.7T8LSB.L1-A.S1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que:

“II. O Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada. III. Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das Instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões.”

Quanto à relação entre a dupla conforme e a utilização, pela Relação, dos seus poderes próprios na reapreciação da decisão da matéria de facto, aquela não se verifica na medida em que esteja em causa uma decisão nova, respeitante ao exercício desses mesmos poderes, como ocorre, designadamente, em caso de rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento em alegada violação do art. 640º do CPC.

Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, desta 2ª Secção, de 14.09.2023, Processo 1/20.2T8AVR.P1-A.S1, publicado em www.dgsi.pt, as situações que correspondem à violação de disposição processual no exercício dos poderes do Tribunal da Relação relativamente à reapreciação da decisão de facto, descaracterizam a dupla conforme entre as decisões das instâncias. E tal é também transponível a outras “situações similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual que não corresponda a uma mera confirmação do que tenha sido decidido a tal respeito pela 1ª instância” em que “a confirmação da sentença recorrida no segmento referente à reapreciação do mérito da apelação não traduz uma efetiva situação de dupla conforme relativamente a tais aspetos de ordem formal, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no recurso de apelação. (…). Por isso, em tal eventualidade, a impugnação do acórdão recorrido, na parte respeitante à decisão da matéria de facto, deve fazer-se através de revista nos termos normais (…)” – autor e ob. cit., p. 428.

Assim também o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2015 (Proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1), em cujo sumário se afirma:

I - A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

II - Quando o tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º do NCPC (2013), move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1.ª instância sobre a mesma matéria.

III - Embora haja uma decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes”.

Importa, todavia, realçar que o que está subjacente à admissibilidade do recurso de revista tendo por objeto a matéria de facto, é a violação de normas de direito adjetivo com ela relacionadas, já que, como referido no art. 674º, n º 3, o recurso de revista não pode ter por objeto o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos provados, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de provas para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, pelo que, como diz António Santos Abrantes Geraldes, que temos vindo a citar, em nota 66 ao mencionado preceito, pp. 427/428, “[j]amais poderá invocar-se para o efeito uma divergência relativamente ao julgamento feito pela Relação, agindo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova relativamente a prova testemunhal ou pericial, atuação que, nos termos do nº 4 do art. 662º, é insindicável através do recurso de revista”.

Diga-se que, nos termos do art. 682º, nº 2, e 674º, nº 3, a possibilidade de apreciação pelo STJ da matéria de facto está confinada às situações em que o facto esteja admitido por acordo das partes nos articulados ou plenamente provado por confissão ou por prova documental, ambas com força probatória plena, ou quando a matéria de facto seja decidida em contradição com meio de prova vinculada ou seja, quando a lei exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (quando, por exemplo, sendo exigível prova por documento, o facto seja dado como provado por prova testemunhal).

E tem sido, também, entendimento do Supremo Tribunal de Justiça8 o de que não cabe no âmbito do recurso de revista sindicar a decisão das instâncias de dar como provado factos com recurso a presunções judiciais (arts. 349º e 351º do Cód. Civil) salvo quando se mostrem desprovidas de qualquer base factual ou patenteiem manifesta ilogicidade. As presunções judicias estão sujeitas à livre apreciação do julgador, pelo que, fora das mencionadas situações, o facto que haja sido provado com base em presunção, não é sindicável pelo STJ, estando-lhe vedada a indagação de erro intrínseco à própria apreciação e valoração da prova sujeita à livre apreciação do julgador. E se assim é, também e por maioria de razão, o é quanto ao uso de presunções judiciais para dar como assentes factos deduzidos de outros que tenham sido ou que, sendo instrumentais, pudessem ter sido dados como provados – cfr. Acórdãos do STJ de 09.07.2014, Proc. 299709/11.0YIPRT.L1S1 e de 30.09.2010, Proc. 414/06.2TBPBL.C1.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

2.2. Revertendo ao caso em apreço:

2.2.1. Está em causa a obrigação exequenda de o Recorrente, na qualidade de avalista, pagar a quantia constante da livrança (título executivo) dado nela ter aposto (como avalista) a sua assinatura. E invocava-se também, na execução, a celebração, aos 09.04.2003, entre o exequente e a sociedade F..., Lda de contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizada em conta crédito, para garantia da qual foi subscrita a livrança com “aval e acordo de preenchimento” [cfr. Clª 7ª do referido contrato], contrato esse assinado pelo ora Recorrente e no âmbito do qual o mesmo deu o mencionado aval após o escrito “Por aval ao subscritor”.

Na sentença proferida pela 1ª instância, em sede de decisão da matéria de facto:

- Foi dado como provado que:

“1. Nos autos de execução a que os presentes autos correm por apenso a exequente deu à execução uma livrança, da mesma contando o valor o valor de € 103.651,18, a data de emissão de 9 de Abril de 2003 e a data de vencimento de 14 de Dezembro de 2005;

2. Por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2004, denominado Contrato de Abertura de Credito em Conta corrente Disponibilizado em Conta Crédito, a exequente concedeu um financiamento a F..., Lda, a AA, a BB e a CC até ao montante máximo de € 86.193,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente;

3. A letra e a assinatura referente a CC na livrança referida em 1 são do oponente e foram apostas pelo mesmo;

4. A letra e a assinatura referente a CC no contrato referido em 2 são do oponente e foram apostas pelo mesmo.”

E, como não provado, que: “o oponente nunca quis ser garante ou avalista da sociedade F..., Lda”

- Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, a 1ª instância referiu o seguinte:

Análise crítica da prova

Para formar a sua convicção o Tribunal levou em consideração desde logo a prova documental junta aos autos, designadamente a livrança e a cópia do contrato indicado em 2.

A audiência de julgamento decorreu com registo da prova. Essa circunstância reveste nesta fase de utilidade, já que dispensa o relatório detalhado das declarações, depoimentos e esclarecimentos nela prestados.

Os factos 3 e 4 resultam do relatório pericial junto aos autos. Não as testemunhas EE, FF e GG terem sido unânimes ao afirmar que da observação das assinaturas em causa concluíam que as mesmas não foram da autoria do embargante, tratando-se de imitações, o certo é que nenhuma das referidas testemunhas demonstrou ter um conhecimento directo, cabal e suficiente dos factos, que permitisse colocar em crise as conclusões vertidas no referido relatório pericial.

Por seu turno a testemunha EE relatou uma conversa tida com o alegado autor da falsificação, entretanto falecido, igualmente insuficiente para pôr em causa o vertido no referido relatório pericial.

Ora assim sendo só pode concluir-se que foi o embargante quem apôs a sua assinatura nos documentos em causa, sendo igualmente sua a letra referente a CC.

O facto não provado consubstancia uma decorrência dos factos provados. Com efeito, não obstante as testemunhas EE, FF e GG terem relatado a relutância do embargante em constituir-se avalista ou fiador, o certo é que também referiram que este tinha perfeito conhecimento do significado de tais actos, por via das suas funções profissionais, actuais e passadas. Assim, concluindo-se que as assinaturas apostas na livrança e no contrato são da autoria do embargante tem forçosamente que concluir-se que o mesmo tinha pela consciência das consequências que dai advinham.

Quanto aos depoimentos das testemunhas HH e II, os mesmos em nada contribuíram para a formação da convicção do Tribunal já que nenhuma das referidas testemunhas revelou ter conhecimento concreto dos factos em causa na acção, tendo descrito apenas os procedimentos que poderão ter sido adoptados quando da assinatura da livrança e do contrato.[fim de transcrição]

- E, em sede de aplicação do direito, foi referido o seguinte:

Na presente oposição à execução peticionava o embargante:

Que o Tribunal Judicial de Beja (à data) se julgasse territorialmente incompetente;

Que fosse julgado procedente o incidente de falsidade e o oponente absolvido do pedido executivo;

Que o oponente fosse julgado parte ilegítima na execução.

O primeiro e o terceiro dos referidos pedidos foram decididos no despacho saneador, nada mais havendo a acrescentar nesta sede.

Assim, trata-se agora apenas de decidir se o autor das assinaturas apostas na livrança e no contrato que servem de base à execução foi o embargante.

Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.

São títulos executivos designadamente os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.

A livrança é um título de crédito, que consubstancia uma promessa de pagamento de uma quantia determinada.

Dispunham as alíneas b) e c) do art.º 46º do CPC vigente à data da propositura da execução que à execução podiam servir de base quer os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação quer os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

Decorre do art.º 374º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil que a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras; se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.

Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras; se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade (art.º 375º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil).

Quanto à respectiva força probatória dispõe o art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos – art.º 378º do Cód. Civil.

No caso dos autos, considerando os factos provados, resta-nos concluir que a execução se funda em títulos executivos perfeitamente válidos, razão pela qual a oposição à execução é improcedente.

No acórdão recorrido, em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto (na sequência da impugnação aduzida pelo Recorrente), foram alterados os nºs 3 e 4 dos factos provados (mantendo-se os demais, salvo uma retificação ao nome do Recorrente, tendo sido eliminado o apelido “Mendes” e, outra, no nº 2 dos factos provados, retificando-se o ano de “2004”, que dele constava, para “2003”), que passaram a ter a seguinte redação:

“3. A assinatura referente a CC na livrança referida em 1 é do oponente e foi aposta pelo mesmo.

4. A assinatura referente a CC no contrato referido em 2 é do oponente e foi aposta pelo mesmo.

- Em sede de fundamentação da reapreciação da decisão da matéria de facto, o Tribunal da Relação referiu o seguinte:

3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

O recorrente pretende que:

- A matéria de facto constante dos pontos 1 e 3 da base instrutória, correspondente aos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, seja julgada não provada;

- A matéria de facto constante do ponto 2 da base instrutória, correspondente ao ponto único da matéria de facto julgada não provada na sentença recorrida, seja julgada provada.

O argumento central do recorrente é o de que, ao contrário do entendimento do tribunal a quo, a prova testemunhal e documental, que considera corroborarem a versão factual por si sustentada, deverá prevalecer sobre a prova pericial. Analisemos as suas razões.

O recorrente censura a sentença recorrida por a mesma, a seu ver, ter valorado a prova pericial como se a mesma “tivesse valor absoluto total”. Esta crítica não procede.

Como resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo apreciou criticamente a totalidade da prova atinente à questão da autoria das assinaturas atribuídas ao recorrente e por este contestadas e explicitou devidamente as razões que o levaram a dar prevalência ao resultado da prova pericial. Nunca o tribunal a quo afirmou que o resultado da prova pericial é insusceptível de ser afastado por outros meios de prova e, por essa via, inatacável. Trata-se, pois, de uma falsa questão.

Aquilo que deve ser sindicado neste recurso é se a prevalência, determinante da decisão proferida, dada pelo tribunal a quo à prova pericial sobre os restantes meios de prova, tem razão de ser. É neste campo que a análise da argumentação desenvolvida pelo recorrente prosseguirá.

O recorrente põe em causa o resultado da prova pericial afirmando, sucintamente, que as peritas não se pronunciaram sobre a caligrafia da frase “por aval ao subscritor”, os algarismos manuscritos na livrança e as rubricas existentes no contrato de abertura de crédito e, por outro lado, concluíram ser meramente “provável” que as assinaturas examinadas sejam da sua autoria, o que não pode ser considerado como uma “certeza absoluta científica inquestionável”.

É verdade que as peritas se pronunciaram apenas sobre as assinaturas atribuídas ao recorrente e por este contestadas, mas tal aconteceu porque era esse o objecto da perícia.

Esta última foi requerida pelo recorrente logo na petição inicial, visando exclusivamente apurar se as assinaturas constantes do “contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito” e da livrança correspondem à sua assinatura. Na contestação, a recorrida requereu a realização da perícia com esse mesmo objecto. Em momento algum o recorrente requereu a ampliação deste último aos elementos cuja falta de análise agora censura, sendo certo que teve oportunidade para o fazer. Carece, pois, de fundamento a crítica que o recorrente agora dirige à perícia efectuada e ao tribunal a quo por a ter valorado como valorou. O âmbito da pronúncia das peritas foi exactamente aquele que o tribunal a quo ordenou em perfeita conformidade com aquilo que lhe foi requerido pelas partes. Se o recorrente considerava relevante a realização de perícia sobre outros elementos dos documentos em causa, tinha o ónus de a requerer, em devido tempo, com esse âmbito.

Quanto ao argumento de que, tendo as peritas concluído ser meramente “provável” que as assinaturas examinadas sejam da autoria do recorrente, não é possível, com base na prova pericial, o tribunal adquirir uma “certeza absoluta científica inquestionável”, importa lembrar que a prova de factos em tribunal não depende de tão exigente grau de certeza, bastando uma demonstração que permita ao julgador concluir com segurança, de acordo com um critério de razoabilidade e tendo em consideração a experiência comum, que determinado facto ocorreu 1. Se assim não fosse, nem sequer seria admissível, logo à partida, a prova testemunhal e por declarações de parte, por natureza insusceptível de proporcionar a referida “certeza absoluta científica inquestionável”.

1 Leia-se, sobre este tema, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85, p. 435-436.

Clarificados estes aspectos, analisemos o relatório pericial. Interessa-nos, não apenas o resultado final, mas também a sua fundamentação.

Afirma-se, na fundamentação do relatório pericial, algo que é confirmado pela mera observação e comparação dos documentos que serviram de suporte à perícia: não estamos perante falsificações grosseiras da assinatura do recorrente. As assinaturas contestadas são suficientemente parecidas com as comprovadamente feitas pelo recorrente para excluir a referida qualificação das primeiras como falsificações grosseiras.

Este aspecto é da maior importância, pois descredibiliza os depoimentos das testemunhas EE, FF e GG. Estas testemunhas, ao serem confrontadas com as assinaturas contestadas, afirmaram, pronta e peremptoriamente, que as mesmas não podiam ter sido feitas pelo recorrente. Merecem destaque, obviamente pela negativa, os depoimentos de FF e de GG. FF afirmou peremptoriamente, em relação a uma das assinaturas, que “esta assinatura (…) é uma imitação grosseira da assinatura do Dr. CC”; relativamente à outra, afirmou que, embora “mais aperfeiçoada”, de certeza não tinha sido feita pelo recorrente. Reforçou FF que, a fls. 65 do processo principal, não há nada que se pareça com a rubrica do recorrente, antes se verificando uma “diferença abissal” em relação a esta. GG prestou um depoimento na mesma linha do de FF, afirmando que as assinaturas contestadas nem sequer são parecidas com a do recorrente.

É manifesta a falta de credibilidade destes depoimentos. Duas peritas, fazendo uso dos seus conhecimentos técnicos e dos meios tecnológicos ao seu dispor, excluem que se esteja perante falsificações grosseiras da assinatura do recorrente. Procedendo, nós próprios, a uma comparação detida e serena, com todos os documentos relevantes à nossa frente e em condições de luminosidade que consideramos ideais, entre as assinaturas contestadas e as comprovadamente feitas pelo recorrente, chegamos a idêntica conclusão.

No mínimo, as assinaturas são parecidas. Claro que existem diferenças, como existem diferenças entre as próprias assinaturas comprovadamente feitas pelo recorrente. Compare-se, por exemplo, a de fls. 127 com a de fls. 128, que são parecidas, mas não iguais. Ao longo das folhas seguintes, registam-se ligeiras oscilações de assinatura para assinatura.

Cremos que ninguém consegue fazer sucessivas assinaturas rigorosamente iguais, por sermos humanos e não máquinas. Daí a importância dos peritos para, sopesando as semelhanças e as diferenças que, com os seus conhecimentos e a tecnologia ao seu dispor, detectarem, fornecerem ao tribunal um parecer cientificamente fundado e não uma mera opinião de leigo baseada numa observação de folhas de papel a olho nu.

Perante isto, não podemos deixar de concluir que as referidas três testemunhas, todas elas destituídas de conhecimentos técnicos para o efeito, ao excluírem, na audiência final, pronta e peremptoriamente, a hipótese de as assinaturas contestadas serem da autoria do recorrente, como se as mesmas assinaturas fossem ostensivamente diferentes da verdadeira assinatura do recorrente, prestaram depoimentos a que não pode ser atribuída credibilidade.

Regressemos ao relatório pericial. Aí se conclui que “as características exibidas por CC, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na das assinaturas contestadas, pelo que se considera como provável a verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas ser do punho de CC”.

Realça-se que tal conclusão teve em conta “todas as limitações que este exame apresenta, já referidas anteriormente”, ou seja, que “As assinaturas contestadas (…) são assinaturas reduzidas, que envolvem apenas a escrita de um grafismo inicial ilegível e do nome “Marques”, e as assinaturas genuínas são do mesmo tipo”, facto que “coloca limitações ao exame comparativo, uma vez que, na escrita de assinaturas reduzidas parcialmente ilegíveis, a quantidade de elementos personalizantes da escrita disponíveis para análise é menor”. Daí, concluímos nós, a conclusão das peritas ser cautelosa. Não foram detectadas diferenças que permitissem concluir que as assinaturas contestadas sejam falsas, mas reconhece-se que, atenta a natureza das assinaturas em causa, não se podia ir mais longe no juízo sobre a autenticidade das mesmas assinaturas.

Perante tudo isto, entendemos, como o tribunal a quo, que a prova pericial tem de prevalecer sobre os depoimentos das testemunhas EE, FF e GG. Aquela prova permite concluir, com a segurança necessária, que as assinaturas constantes do contrato e da livrança foram feitas pelo recorrente, não sendo abalada pelos três referidos depoimentos.

Sobre prova testemunhal, resta analisar o depoimento de EE. Esta testemunha relatou que, em meados de 2007, na companhia de um amigo comum, foi visitar AA, então internado num hospital, e, durante a conversa que mantiveram, este último admitiu ter imitado a assinatura do recorrente. A referida testemunha não disse, porém, em que circunstâncias e em que documentos tal imitação teria sido feita. Concretamente, não disse que AA admitiu ter imitado a assinatura do recorrente no contrato e na livrança dos autos, quatro anos antes. Por outro lado, o depoimento de EE não foi corroborado por qualquer outro meio de prova.

Daí que tal depoimento não proporcione uma convicção segura de que as palavras atribuídas a AA tenham sido efectivamente proferidas e que este último estivesse a referir-se às assinaturas em discussão nestes autos. Acompanhamos, pois, o tribunal a quo ao desconsiderar este depoimento na formação da convicção sobre a matéria de facto.

O recorrente apresenta vários argumentos sem qualquer sustentação factual e que, por essa razão, nada demonstram em seu benefício.

Assim, não constam dos autos as escrituras referidas na 1.ª conclusão. Ainda que constassem, não parece que delas resultasse algum facto com utilidade para a decisão da causa, atenta a descrição que o recorrente faz do seu conteúdo.

O facto de o recorrente ter, ou não, sido interpelado para pagar a dívida antes da instauração da acção executiva (conclusão 4.ª), é irrelevante. Ainda que tal interpelação não tenha ocorrido, daí não pode inferir-se a inexistência da dívida.

Não consideramos “público e notório” que os bancos exijam sempre o aval dos cônjuges (conclusão 5.ª). No que toca à alegada confirmação desse facto “pelas testemunhas”, o recorrente não cumpriu os ónus previstos no artigo 640.º do CPC, pelo que tal referência à prova testemunhal é inócua.

Em face do referido no parágrafo anterior, o conteúdo da conclusão 6.ª é irrelevante. 9

Também o conteúdo da conclusão 10.ª carece, em absoluto, de suporte factual. 10

Nada daquilo que aí se afirma está demonstrado nos autos.

Não obstante tudo aquilo que anteriormente referimos, os n.ºs 3 e 4 da matéria de facto julgada provada não poderão manter a sua actual redacção. Como resulta da exposição anterior, apenas ficou demonstrado que a assinatura do recorrente constante de cada um dos documentos em causa foi escrita por este. Não ficou provado que qualquer outra palavra que conste dos mesmos documentos tenha sido escrita pelo recorrente.

Tenha-se em mente aquilo que discorremos a propósito do objecto da perícia. Sendo assim, em rigor, os referidos n.ºs 3 e 4 deverão mencionar apenas a assinatura.

Pelo exposto, os n.ºs 3 e 4 da matéria de facto julgada provada passam a ter a seguinte redacção:

3. A assinatura referente a CC na livrança referida em 1 é do oponente e foi aposta pelo mesmo;

4. A assinatura referente a CC no contrato referido em 2 é do oponente e foi aposta pelo mesmo.

Em tudo o mais, mantém-se a matéria de facto julgada provada e não provada pelo tribunal a quo.[Fim de transcrição; o sublinhado é da nossa autoria].

- E, em sede de fundamentação jurídica, referiu-se no Acórdão Recorrido o seguinte:

“Não obstante a alteração, a que procedemos, do n.º 3 da matéria de facto provada, subsiste, como provado, o facto de ter sido o recorrente a escrever a sua assinatura na livrança dada à execução. Por outro lado, tendo em conta aquilo que afirmámos acerca do contrato referido nos n.ºs 2 e 4 da matéria de facto, não se verifica qualquer excepção decorrente da relação subjacente. Sendo assim, a referida livrança constitui título executivo contra o recorrente, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, al. c), do CPC anterior, vigente à data da instauração da acção executiva.

Concluindo, o tribunal a quo decidiu bem ao julgar improcedentes os embargos de executado, pelo que deverá ser mantida a sentença recorrida, ainda que com as correcções acima introduzidas, que em nada alteram o sentido da decisão.”

E decidiu-se “julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Como decorre do referido, ambas as instâncias julgaram a oposição improcedente, sem voto de vencido. E, por outro lado, fizeram-no com base em fundamentação essencialmente idêntica, qual seja a assinatura, pelo Recorrente, do aval aposto na livrança, este o fundamento principal, e, para além disso, mais coincidindo as instâncias quanto à assinatura, pelo Recorrente, também do contrato datado de 09.04.2003, assim verificando-se dupla conformidade entre as decisões, à qual não obsta a alteração introduzida à matéria de facto pela Relação, não procedendo o alegado, em contrário, pelo Recorrente ao dizer que o acórdão recorrido “alterou a matéria de facto e fundamentou apreciando novas questões (e novas questões se levantavam ante a nova matéria de facto que veio a ser fixada)”.

A questão essencial determinante da improcedência da oposição, em ambas as decisões, foi a assinatura do aval pelo Recorrente, sendo que, nessa parte (assim como na parte relativa à assinatura, pelo Recorrente, do contrato datado de 09.04.2003), a matéria de facto não foi alterada pela Relação, não pondo esta em causa a fundamentação essencial usada pelo tribunal de 1ª instância, nem implicando, a alteração da matéria de facto operada pela Relação, uma alteração da motivação jurídica essencial (a alteração da matéria de facto quanto à letra dos dizeres que constam da livrança e do contrato em nada alterou o fundamento essencial – a assinatura da livrança e do contrato- considerado em ambas as decisões).

Verificando-se, assim, a dupla conforme, é ela impeditiva do recurso de revista ao abrigo do art. 671º, nº 1, tendo por objeto, no que à matéria de direito respeita, as questões elencada nas als. e.1.), e.2), e.3) e e.4) do ponto III.1., questões que, diga-se também, consubstanciam questões novas apenas suscitadas em sede de recurso de revista.

2.2.2. Mas importa, ainda, apreciar da admissibilidade da revista quanto ao referido nas als. a) a d) [d.1., d.2. e d.3.] do ponto III.1. do presente acórdão, que se prende com a decisão da matéria de facto e com invocação de normas de direito probatório e processual:

2.2.2.1. Da questão referida no ponto III.1. a) do presente acórdão: a) Se a Relação, ao retirar dos nºs 3 e 4 dos factos provados, que, respetivamente, a letra na livrança referida em 1) dos factos provados e a letra no contrato referido em 2) dos mesmos, é do opoente e foi por ele aposta e ao deixar inalterado o elenco dos factos não provados, deixou de declarar de forma expressa, como se impunha, que se decidia dá-los como não provados, pelo que devem os mesmos ser anulados.

Sobre tal questão não existe dupla conformidade, uma vez que se coloca ex novo, decorrendo da alegada violação, cometida pelo Acórdão recorrido, de norma processual (uma vez que, tendo o Acórdão eliminado determinados segmentos dos factos provados, considerando que não poderiam ser dados como provados, não os levou contudo, de modo expresso, aos factos não provados), mais cabendo na al. b) do nº 2 do art. 674º, pelo que a revista é, quanto a ela, admissível.

2.2.2.2. Da questão referida no ponto III.1. b) do presente acórdão: b) Da violação dos arts. 374º e 346º do Cód. Civil e 414º do CPC.

Recordando, alega para tanto o Recorrente que: decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto constante do Acórdão, logicamente, o contrário do que foi decidido, em consequência do que deve o acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que decida de acordo com tais preceitos; tendo sido invocada a falsidade da assinatura da livrança, incumbia ao exequente o ónus da prova da veracidade de tal assinatura; resultando da fundamentação invocada a existência de dúvida sobre a autenticidade da assinatura, as mencionadas regras impunham que os factos (ainda que não expressamente referidos nas conclusões, presume-se que sejam os nºs 3 e 4 dos factos provados) tivessem sido dados como não provados; da fundamentação da decisão da matéria de facto resulta que Relação entendeu que foi o Recorrente que não provou a falsificação das assinaturas.

A questão, no essencial, tem por objeto uma (eventual) contradição entre a fundamentação (o ónus da prova da falsificação estaria a cargo do exequente) e a decisão da matéria de facto (na medida em que, não obstante, perante a dúvida manifestada pela Relação na verificação do facto, deveria esta ter decidido de acordo com o mencionado ónus da prova). Está-se, pois e ainda, no campo da aplicação, na decisão da matéria de facto, de normas de direito probatório e da sua violação ( arts. 374º e 346º do Cód. Civil e 414º do CPC, sem prejuízo do que adiante se dirá quanto a este) alegadamente cometido pela Relação. E, daí, que entendamos que a questão não esteja abrangida pela dupla conformidade.

2.2.2.3. Da questão referida no ponto III.1. c) do presente acórdão: Se o nº 2 dos factos provados, na parte em que se diz que nesse acordo foi concedido empréstimo ao recorrente, não poderia ter sido dado como provado pois que não foi alegado pela exequente (nem no requerimento executivo, nem na oposição à execução), nem resulta do documento de 09.04.2003, não tendo, assim e violando o art. 607º, nº 4, do CPC, atendido aos factos admitidos por acordo e provados por documentos, pelo que o Acórdão recorrido deve ser anulado.

Tal questão prende-se também com a decisão da matéria de facto, enquadrando-se na al. b) do nº 1 do art. 674º (não alegação do facto e violação de norma processual - 607º, nº 4, - conjugado com a posição das partes nos articulados e com a força probatória plena de documento – contrato de 09.04.2003). Estendemos, pois, que tal questão não está abrangida pela dupla conforme, sendo que, caso porventura se trate de facto admitido por acordo das partes nos articulados ou provado por documento com força probatória plena, sempre poderá/deverá ser alterado pelo Supremo.

2.2.2.4. Da questão referida no ponto III.1.d) do presente acórdão: Se o Acórdão recorrido violou os arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, devendo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre os factos instrumentais que o Recorrente havia alegado.

Relembrando, a esse propósito, referiu o Recorrente que:

d.1. O Acórdão recorrido não procedeu a uma análise crítica da prova e incongruências dela decorrentes, nem considerou os factos instrumentais, a saber: o contrato de 09.04.2003 ( mencionado em 2 dos factos provados) só foi outorgado pela exequente aos 04.06.2003, não correspondendo, pois, à verdade que a outorga tenha tido lugar na presença de todos, como nele se afirma, donde se conclui que o recorrente não estava presente quando a exequente o assinou; a Relação não fundamenta a razão pela qual este facto instrumental não pode constar dos factos provados, nem se tal facto não resultou provado, nem a razão por que não permite ele a ilação no sentido da prova (ou contraprova) do facto principal, pelo que deve o Acórdão ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre este facto instrumental;

d.2. O mencionado documento (contrato de 09.04.2003) tem várias rubricas, não tendo porém a do Recorrente, pelo que, correspondendo às regras da normalidade e prudência bancária, a exequente não deixaria de o exigir, o que basta para colocar em dúvida que o Recorrente estivesse presente aquando da assinatura do contrato e que a assinatura fosse a sua, pelo que deve o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre tal facto instrumental;

d.3. Das escrituras públicas juntas com o requerimento executivo resulta que o Recorrente nunca quis ser garante ou avalista da sociedade, pois os mútuos foram garantidos por hipotecas sobre prédios que não são seus, não sendo o “contrato de abertura de crédito” um novo empréstimo como resulta do requerimento executivo.

O referido foi abordado pelo Recorrente no recurso de apelação11, tendo sido conhecido pelo Acórdão recorrido nos termos que adiante se analisarão.

O invocado nas mencionadas als. d.1), d.2) e d.3), prende-se com a alegada falta de análise crítica da prova pela Relação, como o determina o art. 607º, nº 4 (aplicável à Relação ex vi do art. 663º, nº 2), com a não atendibilidade de factos instrumentais e com a falta de fundamentação dessa inatendibilidade, o que escapa também à dupla conformidade, enquadrando-se no nº 1, al. b), do art. 674º e, na medida do que não se consubstancie ou interfira com a reapreciação da prova assente na livre convicção do julgador (tendo em conta que, nos termos do art. 674º, nº 3, não cabe ao Supremo julgar em matéria de facto, salvo as exceções previstas) e o mais que adiante se dirá, é passível do recurso de revista.

2.3. Assim, e em conclusão, admite-se o recurso, interposto como revista normal, porém restrito à matéria do ponto III.1., als. a), b) c) e d) [d.1., d.2. e d.3] do presente acórdão, nos termos já referidos.

Quanto às questões mencionadas no ponto III. 1., als. e.1.), e.2.), e.3) e e.4.) do presente acórdão, é excluída, dada a dupla conforme (art. 671º, nº 3), do conhecimento em sede de recurso interposto como revista normal, cabendo tal conhecimento, se não vier a ficar prejudicado, à Formação a que se reporta o art. 672º, nº 3.

***

V. Fundamentação jurídica

1. Da questão referida no ponto III.1. a) do presente acórdão relativa:

Recordando, tem tal questão por objeto: saber se a Relação, ao retirar dos nºs 3 e 4 dos factos provados, que, respetivamente, a letra na livrança referida em 1) dos factos provados e a letra no contrato referido em 2) dos mesmos, é do oponente e foi por ele aposta e ao deixar inalterado o elenco dos factos não provados, deixou de declarar de forma expressa, como se impunha, que se decidia dá-los como não provados, pelo que devem os mesmos ser anulados.

Não assiste razão ao Recorrente.

O que está em causa são os nºs 3 e 4 dos factos dados como provados pela 1ª instância, na parte em que a Relação, reapreciando a impugnação aduzida pelo Recorrente na apelação (e que pretendia que fossem dados como não provados), entendeu, apenas, ser de eliminar os segmentos em que se dizia que a letra constante dos documentos mencionados nos mesmos era do Recorrente, por entender não ter sido feita prova dos mesmos (uma vez que a perícia à letra não o corroborava). Entende-se, pois, perfeitamente que, nessa parte, os factos foram dados como não provados, o que está subjacente e é pressuposto da decisão quanto a eles, assim se deduzindo tácita, mas inequivocamente. E, conquanto pudessem ter sido, nessa parte, levados expressamente aos factos não provados, não se trata, todavia, de omissão que suscite qualquer dúvida quanto ao sentido da decisão.

Carece, pois, de fundamento, com tal argumentação, a pretensão de “anular” os nºs 3 e 4 dos factos dados como provados, na redação que lhes foi dada pelo Tribunal da Relação, improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.

2. Da questão referida no ponto III.1. b) do presente acórdão relativa à alegada violação dos arts. 374º e 346º do Cód. Civil e 414º do CPC.

Recordando, alega para tanto o Recorrente que: decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto constante do Acórdão, logicamente, o contrário do que foi decidido, em consequência do que deve o acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que decida de acordo com tais preceitos; tendo sido invocada a falsidade da assinatura da livrança, incumbia ao exequente o ónus da prova da veracidade de tal assinatura; resultando da fundamentação invocada a existência de dúvida sobre a autenticidade da assinatura, as mencionadas regras impunham que os factos (ainda que não expressamente referidos nas conclusões, presume-se que sejam os nºs 3 e 4 dos factos provados) tivessem sido dados como não provados; da fundamentação da decisão da matéria de facto resulta que a Relação entendeu que foi o Recorrente que não provou a falsificação das assinaturas.

As regras relativas à repartição do ónus da prova colocam-se em duas vertentes: numa vertente factual, em sede de decisão da matéria de facto, e a que agora está em causa no recurso de revista, para o que releva o art. 414º do CPC, nos termos do qual a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte em que o facto aproveita; e na vertente jurídica, de aplicação do direito aos factos provados (e não provados), que se prende com a aplicação do disposto no art. 342º do Cód. Civil, do qual resulta, sinteticamente, que, perante a falta de prova de facto relevante à decisão da causa, esta deverá ser decidida contra a parte onerada com o respetivo ónus da prova (contra o autor, se se tratar de facto constitutivo do direito que invoca ou contra o réu se se tratar de facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado).

Por outro lado: a quem tem o ónus da prova cabe fazer a prova do mesmo, dispondo o art. 346º do Cód. Civil que “ Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” A contraprova destina-se a isso mesmo, ou seja, a abalar a prova feita em sentido contrário. E, da circunstância de o Tribunal entender que a contraprova não se mostra suficiente no sentido de abalar a prova feita pelo onerado com o ónus da prova e a convicção formada com base nesta, não resulta, como é evidente, que haja sido invertido o ónus da prova, colocando-o a cargo da parte não onerada.

No caso:

Há que referir que o Recorrente não especifica, expressamente, a que factos se reporta, concluindo-se, no entanto, do seu inconformismo e do que alega, que se estará a reportar aos nºs 3 e 4 dos factos provados, na parte em que foram mantidos pela Relação [3. A assinatura referente a CC na livrança referida em 1 é do oponente e foi aposta pelo mesmo. 4. A assinatura referente a CC no contrato referido em 2 é do oponente e foi aposta pelo mesmo].

O Recorrente parte de um equívoco assente na leitura que faz ou que entende ser de fazer da fundamentação da decisão da matéria de facto, mas que não corresponde ao que dela se retira, equívoco esse que radica no pressuposto de que o Tribunal da Relação teria ficado na dúvida quanto à verificação dos factos (nºs 3 e 4, na versão por ele alterada).

Mas não assiste razão ao Recorrente, uma vez que não é isso o que se retira da fundamentação da decisão da matéria de facto, não permitindo ela a conclusão de que a Relação, partindo embora do pressuposto de que o ónus da prova incumbia ao Exequente, acabou por os dar como provados como se, tal ónus, coubesse ao Recorrente.

Desde logo, há que relembrar que eram os seguintes os quesitos correspondentes aos nºs 3 e 4 dos factos provados constantes da base instrutória: 3. A letra e a assinatura referente a CC na livrança referida em 1 são do oponente e foram apostas pelo mesmo; 4. A letra e a assinatura referente a CC no contrato referido em 2 são do oponente e foram apostas pelo mesmo.

Ou seja, estavam formulados na versão dos factos invocada pelo Exequente, carecendo, por isso, de prova nesse sentido e não, para que fossem dados como provados, de falta de contraprova (ou de prova do contrário) pelo oponente, ora Recorrente. Ou, dito de outro modo, a contraprova por este destinava-se a abalar a convicção formada ou que pudesse ser formada com base nos meios probatórios que sustentariam o facto.

E, como decorre da leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto, o que o Tribunal da Relação referiu e entendeu foi, em síntese, que a prova dos factos assentou e decorreu da prova pericial (perícia à assinatura dos documentos imputada ao opoente, que afirmou o grau de “provável” de o ser) e que, essa prova ou, rectius, a convicção formada com base nela, não era, pelas razões que invocou, abalada pela contraprova feita pelo Recorrente, mormente pela prova testemunhal produzida por este, que foi desconsiderada e/ou considerada insuficiente.

Ou seja, a Relação não teve dúvidas quanto à verificação do facto, nem colocou a cargo do Recorrente a prova do facto contrário. Considerou, sim, que foi feita prova do facto (com base na perícia à letra), cuja prova cabia à Recorrida e que a convicção, nesse sentido, não foi abalada pela contraprova do facto feita pelo Recorrente.

As conclusões do recurso, nesta parte, carecem pois de fundamento.

3. Da questão referida no ponto III.1. c) do presente acórdão:

Tem a questão por objeto saber se o nº 2 dos factos provados, na parte em que se diz que nesse acordo foi concedido empréstimo ao recorrente, não poderia ter sido dado como provado pois que não foi alegado pela exequente (nem no requerimento executivo, nem na oposição à execução), nem resulta do documento de 09.04.2003, não se tendo, assim e violando o art. 607º, nº 4, do CPC, atendido aos factos admitidos por acordo e provados por documentos, pelo que o Acórdão recorrido deve ser anulado.

Do facto em causa consta o seguinte: 2. Por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2004, denominado Contrato de Abertura de Credito em Conta corrente Disponibilizado em Conta Crédito, a exequente concedeu um financiamento a F..., Lda, a AA, a BB e a CC até ao montante máximo de € 86.193,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente” [sublinhado da nossa autoria, correspondendo à parte ora impugnada pelo Recorrente].

Consigna-se que o facto foi dado como assente na seleção da matéria de facto levada a cabo aquando do despacho saneador, não tendo sido objeto de reclamação pelas partes.

De todo o modo, tal não impede que se aprecie da impugnação aduzida, ora em apreço – cfr. Assento nº 14/94, atualmente com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, de acordo com o qual a inexistência de reclamação não obsta a que o facto considerado como assente seja considerado como controvertido.

No requerimento executivo, o exequente alegou que:

“1 - O ora Exequente é uma instituição de crédito.

2 - Por escritura pública, outorgada em 12/02/2001, no 14º Cartório Notarial de ..., celebrou o ora Exequente com os Executados AA, F..., Lda e BB, um contrato de mútuo com hipoteca, conforme escritura de Mútuo com Hipoteca, que se junta como título executivo.

3 - Pelo referido contrato, o Exequente emprestou à Executada F..., Lda, a quantia de, àquela data, Esc.9.280.000,00, contravalor de € 46.288,44 (cfr., escritura).

(…)

11 – Acresce que, por escritura pública, outorgada em 08/06/2001, no 14º Cartório Notarial de ..., celebrou o ora Exequente com o Executados F..., Lda e DD, um contrato de mútuo com hipoteca, conforme escritura de Mútuo com Hipoteca, que se junta como título executivo.

12 - Pelo referido contrato, o Exequente emprestou à Executada F..., Lda, a quantia de, àquela data, Esc. 8.000.000,00, contravalor de € 39.903,83 (cfr. escritura).

(…)

22 – Por documento particular, datado de 09/04/2003 (doc.3), o Exequente acedeu à celebração de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, disponibilizado em conta crédito, caucionado com livrança e hipotecas, no valor de € 86.193,00, destinado a apoio de tesouraria, cujo produto já havia sido anteriormente transferido por força dos contratos de mútuo acima discriminados, passando a englobar a totalidade do crédito concedido e que àquela data ascendia aos referidos € 86.193,00, estipulando-se porém novas cláusulas contratuais:

a) o contrato é válido pelo prazo de 61 dias, sendo renovável por iguais períodos, salvo denúncia (cfr., doc. 3, cláusula 2ª);

b) o financiamento foi movimentado através da conta n.º ..........18 (Conta Crédito), aberta para o efeito em nome da Executada F..., Lda, junto do Exequente, mediante transferências previamente ordenadas para a conta à ordem n.º ..........07 (conta DO), em nome da referida, igualmente aberta junto do Exequente (cfr., doc. 3, cláusula 3ª),

(…)

23– A executada F..., Lda utilizou por conta da facilidade de crédito acima mencionada a quantia de Esc. 17.280.000,00, contravalor de € 86.192,27, que o Exequente lançou na correspondente conta empréstimo, conforme decorre do extracto de conta cuja cópia se junta (doc. 4).

Como decorre do transcrito, o exequente, no requerimento executivo, não alegou que o financiamento tivesse sido concedido ao Recorrente, mas sim à F..., Lda, nem o alegou na resposta à oposição à execução. Nem tal foi alegado pelo oponente na oposição à execução.

E, por outro lado, do “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizada em Conta Crédito” datado de 09.04.2003, não consta que o financiamento haja sido concedido ao Recorrente, mas sim à empresa F..., Lda” .

Assiste, pois e nesta parte, razão ao Recorrente uma vez que não só tal não foi alegado, como se retira da posição das partes nos articulados (requerimento executivo, oposição à execução e resposta à mesma, de onde resulta que o financiamento foi concedido à “F..., Lda” e que o Recorrente apenas interveio como avalista) e está documentalmente provado (o conteúdo do contrato de 09.04.2003 não foi posto em causa, apenas tendo sido impugnado pelo Recorrente a aposição da sua assinatura), que o financiamento não foi concedido ao Recorrente, sendo que a intervenção deste, a ter ocorrido e segundo a própria exequente, foi na qualidade de avalista.

Assim, elimina-se a parte ora impugnada (em que se refere que o financiamento foi concedido ao Recorrente), passando o nº 2 dos factos provados a ter a seguinte redação:

2. Por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2004, denominado Contrato de Abertura de Credito em Conta corrente Disponibilizado em Conta Crédito, a exequente concedeu um financiamento a F..., Lda, a AA e a BB até ao montante máximo de € 86.193,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente.

E, em consequência, elimina-se, por não provado (o que aliás, e como referido, não havia sido alegado), o segmento em que se dizia que esse financiamento havia sido concedido ao Recorrente.

Assim e nesta parte procedem as conclusões do recurso.

4. Da questão referida no ponto III.1.d) [als. d.1., d.2 e d.3.] do presente acórdão:

Tem esta questão por objeto saber se o Acórdão recorrido violou os arts. 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4, do CPC, devendo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie sobre os “factos instrumentais” mencionados pelo Recorrente.

A questão em apreço nos mencionados pontos consiste, segundo o Recorrente e em síntese, no seguinte:

Do contrato datado de 09.04.2003, resulta que ele foi assinado pelo Banco Exequente apenas aos 04.06.2003 e que as folhas do mesmo não se encontram rubricadas pelo Executado, ora Recorrente, e, bem assim que, das escrituras públicas dos contratos de concessão de mútuo com hipoteca celebrados aos 12.02.2001 e 08.06.2001, resulta que o Recorrente não deu qualquer garantia (seja hipoteca ou aval), assim demonstrando que nunca quis garantir qualquer empréstimo. Deste modo, tal factualidade instrumental demonstra, diz o Recorrente, que este não assinou o contrato datado de 09.04.2003, nem o aval aposto na livrança, factualidade essa que, sem que a Relação o tivesse justificado, não foi levada à decisão da matéria de facto por ela proferida, assim como não justificou por que razão não a teve em consideração nas respostas que deu aos nºs 3 e 4 dos factos provados e que, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, conduziria a que estes pontos fossem dados como não provados.

Relembrando, no acórdão recorrido referiu-se, no que ora poderá relevar, o seguinte:

- “ O recorrente põe em causa o resultado da prova pericial afirmando, sucintamente, que as peritas não se pronunciaram sobre a caligrafia da frase “por aval ao subscritor”, os algarismos manuscritos na livrança e as rubricas existentes no contrato de abertura de crédito e, por outro lado, concluíram ser meramente “provável” que as assinaturas examinadas sejam da sua autoria, o que não pode ser considerado como uma “certeza absoluta científica inquestionável”, após o que realçou que a perícia teve como objeto as questões que foram colocadas pelas partes e teceu algumas considerações de ordem geral, procedendo à análise crítica de tal perícia, bem como à análise crítica da prova testemunhal produzida pelo Recorrente, prova esta que, pelas razões que refere, não teve como suscetível de abalar a convicção decorrente do exame pericial,

- Mais referindo o seguinte:

O recorrente apresenta vários argumentos sem qualquer sustentação factual e que, por essa razão, nada demonstram em seu benefício.

Assim, não constam dos autos as escrituras referidas na 1.ª conclusão. Ainda que constassem, não parece que delas resultasse algum facto com utilidade para a decisão da causa, atenta a descrição que o recorrente faz do seu conteúdo.”

Já em sede de fundamentação jurídica refere que “a afirmação de que o banco só assinou o contrato em 04.06.2003 carece de suporte factual”.

Conforme nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC, preceito aplicável à Relação ex vi do art. 663º, nº 2: “ 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”

E o art. 5º do CPC/ 2013 dispõe: “1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocada. 2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3. (…)”.

António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina, p. 32, referem que: “16. Quanto aos factos instrumentais (aqueles que permitem a formação, por indução, de outros factos de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção), não há ónus de alegação nem sequer qualquer tipo de preclusão, pelo que poderá ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova atinentes aos temas da prova que tenham sido enunciados. Sobre os mesmos não tem de existir necessariamente uma pronúncia judicial, na medida em que apenas sirvam de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, máxime quando, a partir deles, se possam inferir factos mediante presunções judiciais (arts. 604º, nº 4, e 5º nºs 2, al. a)), situações em que basta que sejam enunciados na motivação da sentença”. E, ainda António Santos Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, p. 360, que [é] na motivação que devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e os correspondentes factos instrumentais em que se apoiam nos termos do art. 607º, nº 4. [sublinhados nossos].

Os factos alegadamente instrumentais que o Recorrente invoca destinar-se-iam à contraprova dos factos essenciais constantes dos nºs 3 e 4 dos factos provados (de que a assinatura da livrança título executivo e do contrato datado de 09.04.2003 foram por ele apostas), de modo a torná-los duvidosos e, assim, serem dados como não provados.

O Acórdão recorrido não os levou à decisão da matéria de facto provada ou não provada e, diga-se, não teria que os levar, mas desde que da fundamentação da decisão da matéria de facto se pudesse concluir que teriam sido ponderados na avaliação global da prova mas que, não obstante, não permitiriam, ainda assim, abalar a convicção no sentido do que foi dado como provado e o porquê de assim o entender.

Ora, também não resulta da fundamentação aduzida no Acórdão recorrido que essa ponderação tenha sido feita.

Com efeito:

Constando embora do nº 2 dos factos provados que o acordo escrito aí mencionado se encontra datado de 09.04.2003, desse mesmo acordo, que consta de fls. 108 a 115, resulta que: o mesmo se encontra, efetivamente, datado de 09.04.2003, seguindo-se-lhe as assinaturas do “Cliente”, dos “Garantes” e, após, a “Assinatura do BES e Data”, mas, quanto a esta, consta escrito “..., 04 de Junho de 2003” [sublinhado nosso]. Ou seja, faz esse documento, que foi junto pela própria Exequente, prova plena de que tal acordo, pese embora se encontre datado de 09.04.2003, foi contudo assinado pelo Banco Exequente a 04.06.2003 [o Recorrente, tendo embora impugnado a sua assinatura, dizendo que não foi por ele aposta, não põe, contudo, em causa a assinatura do mesmo pelo Banco e a data, de “04 de Junho de 2003”, em que foi por este assinado].

Ora, no acórdão recorrido, mormente em sede de decisão e/ou fundamentação da decisão da matéria de facto, nada se refere no sentido de que tal tenha sido tomado em consideração. Aliás, e pelo contrário, o que parece resultar é que o não terá sido na medida em que, (apenas) em sede de fundamentação jurídica, consta que “A afirmação de que o banco só assinou o contrato em 04.06.2003 carece de apoio factual”. E, como se viu, assim não é, uma vez que se encontra documental e plenamente provado (o que, relembrando, é até de conhecimento oficioso pelo Supremo na medida em que assente por documento que, nessa parte, tem força probatória plena) que foi assinado pelo Banco Exequente a 04.06.2003.

Por outro lado, quanto à falta de rubrica das folhas do citado contrato, nas alegações da apelação o Recorrente havia alegado que “nenhuma das suas laudas está rubricada pelo oponente, como confirmaram as testemunhas”, nada constando, porém e em concreto, da fundamentação do acórdão (nem dos factos provados ou não provados), sendo que, pese embora de tal documento constem várias rubricas, desconhece-se a quem pertencem, não permitindo o documento a este Supremo ter como documentalmente provado que nenhuma delas pertence ao Recorrente.

Quanto aos contratos de mútuo celebrados aos 12.02.2001 e de 08.06.2001, refere-se no acórdão o seguinte:

O recorrente apresenta vários argumentos sem qualquer sustentação factual e que, por essa razão, nada demonstram em seu benefício.

Assim, não constam dos autos as escrituras referidas na 1.ª conclusão. Ainda que constassem, não parece que delas resultasse algum facto com utilidade para a decisão da causa, atenta a descrição que o recorrente faz do seu conteúdo.

Não é correto dizer-se, como se diz no Acórdão recorrido, que as escrituras dos mencionados contratos não constam dos autos, pois que elas, embora não constando dos autos de oposição à execução, constam todavia do processo de execução (do qual a oposição é apenso), tendo sido juntas pelo Exequente com o requerimento executivo e, assim, podendo ter sido atendidas. Diga-se que desses documentos, que não foram impugnados e que têm força probatória plena, resulta que: quanto à escritura de 12.02.2001, foi concedido um empréstimo à sociedade F..., Lda”, no qual o Recorrente nela interveio, não constando porém qualquer cláusula no sentido de ter assumido qualquer garantia a tal mútuo (garantia que o Exequente também não alega). E, quando à escritura de 08.06.2001, por via da qual foi celebrado contrato de mútuo concedendo empréstimo à mencionada sociedade, resulta que o Recorrente nela não interveio (não tendo, assim e também, concedido qualquer garantia que, aliás, o Exequente não invoca).

Acresce que na fundamentação do Acórdão faz-se uma breve e genérica alusão à irrelevância de tal factualidade para a contraprova dos factos 3 e 4 (e prova do facto dado como não provado), o que careceria e carecerá de melhor explicitação, tanto mais tendo em conta que, como referido, o Acórdão parte de um pressuposto de facto errado, qual seja o de não ter sido feita prova de que o contrato, embora datado de 09.04.2003, foi contudo assinado pelo Exequente aos 04.06.2003, a que acresce a circunstância de nada se dizer quanto à rubrica das folhas do citado contrato.

A data da assinatura do contrato, pelo Exequente, aos 04.06.2003, bem como a não intervenção do Recorrente nos contratos de 12.02.2001 e de 08.06.2001 são factos instrumentais que se encontram provados documentalmente e de que este Supremo pode conhecer (art. 674º, nº 3) . Não pode, todavia, este Tribunal apreciar da bondade, ou não, de presunção, extraída desses factos, de que nem o contrato de 09.04.2003, nem a livrança, foram assinados pelo Recorrente.

Com efeito, a ilação de factos por via de presunções judiciais nos termos dos arts. 349º e 351º do Cód. Civil, não consubstanciando prova vinculada, antes assentando na livre apreciação da prova e convicção do julgador, está vedada ao Supremo Tribunal de Justiça, muito menos podendo este substituir-se às instâncias na formulação, ou não, desse juízo presuntivo. Na verdade, e como tem sido entendido, este Tribunal não poderá sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação, a menos que ela padeça de manifesta ilogicidade ou parta de factos não provados (Acórdão do STJ de 30.11.21, Proc. 212/15, in www.gdsi.pt, também citado por António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, p. 479 e demais aí citados). Assim como não cabe no âmbito do recurso de revista apreciar se a prova produzida por uma das partes foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgador no âmbito da contraprova (Acórdão do STJ de 26.02.2015, Proc. 738/12, www.dgsi.pt e também citado na ob. indicada, p. 482).

Para além dos poderes do STJ previstos no art. 682º, nº 3 [de determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação quando “entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito”], tem também sido entendido por este STJ que cabe nos poderes do mesmo sindicar da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto pela Relação como decorre, designadamente, do Acórdão do STJ de 21.06.2022, Proc. 558/15.0T8AGH.L1.S1, in www.dgsi.pt que se sufraga e de cujo sumário consta que: “I. - A falta ou deficiente de motivação do julgamento da matéria de facto prevista no art. 607 nº 4 do CPC, traduzido na fixação dos factos provados e não provados não constitui uma nulidade da sentença nos termos do art. 615 nº 1 em qualquer uma das suas alíneas. II. - A falta ou deficiente fundamentação do julgamento da matéria de facto prevista no art. 607 nº 4 do CPC admite recurso de revista na previsão do art. 674 nº 1 al. b), tendo-se em atenção que não existe qualquer disposição que permita ao STJ remeter os autos à Relação para que indique ou complete os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido pela 1.ª instância. III. - A Relação sendo chamada a controlar a decisão sobre a matéria de facto, reaprecia o julgado da instância recorrida e para fixação dos factos provados e não provados impugnados necessita de dar a conhecer os fundamentos da decisão que reaprecia. IV. - O STJ não tem poder de controlo sobre a decisão da Relação que modifique ou mantenha a matéria de facto, em consequência da valoração de depoimento ou outros elementos de prova sujeitos à livre apreciação em que tenha fundado a sua convicção porque esta não pode ser objeto de recurso fora do âmbito do art. 640 e 674 nº 3 do CPC. V. - A lei processual não previu a remessa dos autos por parte do STJ à Relação quando exista omissão ou deficiência da motivação do julgamento da matéria de facto, no entanto, a exigência de o tribunal de recurso estribar a formação da sua convicção sobre o invocado erro de julgamento através dos fatores decisivos para tal, inscreve a questão da omissão de motivação no domínio da sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada.” [sublinhados nossos].

Mais constando, do texto do Acórdão, que:

“ (…)

Em qualquer caso, impondo-se a motivação do julgamento de reapreciação também à Relação, esta exigência evidencia que o CPC de 2013 não regulou completamente a intervenção da Relação no julgamento do recurso de facto, nas várias implicações que esta intervenção pode ter, quer com a primeira instância, quer com o STJ. Limitou-se a colocar na sentença o que antes estava no julgamento de facto sem cuidar de questões como a da apreciação crítica das provas por parte da relação no conhecimento da impugnação. É neste contexto que no caso em decisão julgamos ser de admitir que esta matéria se inscreva no âmbito do não uso indevido versus do mau uso dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto e, como assim, na previsão do art. 674 nº 2 al. b) do CPC como conhecimento da violação ou errada aplicação da lei de processo.

Em verdade, em face das diretrizes prescritas no artigo 607 n.º 4, 1.ª parte, do CPC, a exigência de o tribunal de recurso estribar a formação da sua convicção sobre o invocado erro de julgamento através dos fatores decisivos para tal, coloca-nos no domínio da “sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada» - ac. do STJ de 30-11-2021, Proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, Rel. Tomé Gomes, in dgsi.pt – e, assim, se o STJ entender que os poderes da Relação não foram devidamente exercidos, remete o processo para que seja dado cumprimento a esses deveres – Abrantes Geraldes, “Recursos…”, 6ª ed., p. 359. Esta interpretação elucida e tem presente as constrições legais que apontam para a regra da soberania da Relação relativamente à matéria de facto, ainda que com os limites enunciados.

(…)”.

E António Santos Abrantes Geraldes, “ Recursos…cit., p. 363/364, a propósito da limitação do art. 662º, nº 4, e dos poderes do STJ, refere que: “[t]odavia, esta delimitação não é totalmente rígida. Com efeito, é admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjetivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, máxime quando seja invocado pelo Recorrente o incumprimento dos deveres previstos no art. 662º.

(…)

c) O Supremo reiteradamente vem assumindo o entendimento de que, embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662º, nºs 1 e 2, já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer. Por isso, quando no âmbito da revista em que tal questão seja suscitada, se constate o incumprimento dos deveres legais nessa área, o processo deve ser remetido à Relação, a fim de lhes ser dado cumprimento.” E, salientamos nós, que o dever de fundamentação da decisão da matéria de facto por parte da Relação decorre do art. 607º, nº 4, que lhe é aplicável ex vi do art. 663º, nº 2.

Cabe, pois, nos poderes do STJ aferir da falta de fundamentação por parte da Relação da utilização, ou não, de presunções judiciais (que não da bondade do que extraiu, ou não, dos factos instrumentais base dessas presunções), tanto mais quando a existência do facto instrumental não foi, por erro de conhecimento oficioso pelo STJ, tido como verificado (no caso, o errado pressuposto de facto, provado por documento com força probatória plena, de que a assinatura do Banco Exequente do contrato datado de 09.04.2003 ter tido lugar aos 06.04.2003 “carecer de base factual”).

Por outro lado, tendo também sido alegado resultar do depoimento das testemunhas que as folhas do contrato datado de 09.04.2003 não se encontram rubricadas pelo Recorrente, a fundamentação da decisão da matéria de facto é também omissa.

E quanto à não concessão, pelo Recorrente, de garantias no contrato de mútuo de 12.02.2001 e da sua não intervenção no contrato de mútuo de 08.06.2001, e que vieram ao cabo e ao resto a “preencher” o denominado “contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito” datado de 09.04.2003, o Acórdão da Relação não se encontra, também, devidamente fundamentado, ficando-se sem perceber por que razão “não parece que delas [escrituras] resultasse algum facto com utilidade para a decisão da causa, atenta a descrição que o recorrente faz do seu conteúdo”.

Impõe-se, assim, anular as respostas à decisão da matéria de facto contida nos nºs 3 e 4 dos factos provados e o facto que foi dado como não provado, devendo o Tribunal da Relação proceder a uma avaliação global da prova produzida que tenha, também, em conta os factos, provados documentalmente - de que o Recorrente, nos termos dos contratos de mútuo celebrados aos 12.02.2001 e de 08.06.2002, não ofereceu garantias e que o contrato datado de 09.04.2003 foi assinado pelo Exequente aos 04.06.2003 -, bem como apreciar se, tal como alegado pelo Recorrente no recurso de apelação, as folhas de tal contrato foram (ou não) rubricadas pelo Recorrente, e daí (e, repete-se, numa ponderação e avaliação global da prova) extraindo, ou não, presunção quanto às assinaturas do aval constante da livrança e de tal contrato pelo Recorrente, com a devida fundamentação, e concluindo pela prova, ou não, de tais assinaturas pelo Recorrente e, após, decidir em conformidade.

5. Quanto ao recurso de revista interposto como revista excecional (art. 672º) fica o mesmo prejudicado.

***

VI. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

A. Não admitir o recurso de revista, interposto como revista normal (art. 671º, nº 1, do CPC), por dupla conformidade entre as decisões da 1ª instância e do Tribunal da Relação, quanto às questões referidas na conclusão VI, als . a), b) e c) do recurso de revista [e elencadas no ponto III.1. als. e.1.), e.2.), e.3.) e e.4.) do presente acórdão]

B. Admitir o recurso de revista, interposto como revista normal (art. 671º, nº 1, do CPC), quanto às questões mencionadas nos pontos III.1.a), 1.b), 1.c) e 1.d) do presente acórdão, julgando-o parcialmente procedente nos termos a seguir decididos:

B.1. Julgando-o procedente quanto à questão referida no ponto III. 1.c) do presente acórdão, altera-se, em consequência, o nº 2 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:

“2. Por acordo escrito datado de 9 de Abril de 2004, denominado Contrato de Abertura de Credito em Conta Corrente Disponibilizado em Conta Crédito, a exequente concedeu um financiamento a F..., Lda, a AA e a BB até ao montante máximo de € 86.193,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente.”

B.2. Julgando-o procedente quanto às questões referidas no ponto III. 1.d. [d.1, d.2. e d.3] do presente acórdão, anulam-se, em consequência, as respostas à decisão da matéria de facto contida nos nºs 3 e 4 dos factos provados e no facto que foi dado como não provado pelo Tribunal da Relação, devendo este proceder a uma avaliação global da prova produzida que tenha, também, em conta os factos, provados documentalmente - de que o Recorrente, nos termos dos contratos de mútuo celebrados em 12.02.2001 e em 08.06.2002, não ofereceu garantias e que o contrato datado de 09.04.2003 foi assinado pelo Exequente aos 04.06.2003 -, bem como apreciar se as folhas de tal contrato foram ou não rubricadas pelo Recorrente, e daí extraindo, ou não, de forma fundamentada, presunção quanto à assinatura da livrança e de tal contrato pelo Recorrente e concluindo pela prova, ou não, de tais assinaturas pelo Recorrente, julgando, após, a oposição à execução em conformidade.

B.3. No mais [questões referidas no ponto III. 1.a) e 1.b) do presente acórdão] julgá-lo improcedente

C. Julgar prejudicado o conhecimento do recurso de revista interposto, ao abrigo do art. 672º, como revista excecional.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 18.04.2024

Paula Leal de Carvalho (relatora)

Afonso Henrique

Maria da Graça Trigo

______


1. O documento identificado como C1 reporta-se ao quesito 1º da BI, relativo à letra e assinatura atribuída ao oponente, aposta no verso da livrança; o documento identificado como C2 reporta-se ao quesito 3º da BI, relativo à assinatura imputada ao oponente, aposta no local destinado às assinaturas dos Garantes constantes do “contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito” datado de 09.04.2003.

2. O Recorrente apresentou as alegações em formato que não permite a utilização da funcionalidade informática de “copy/paste”, pelo que se transcreveram, “manuscrevendo”, as mesmas substituindo a referência aos textos legais pelas abreviaturas CPC (Código de Processo Civil) e CC (Código Civil) e omitiram-se, por economia, palavras ou expressões desnecessárias, designadamente “Veneranda Relação”, “douto” e outras similares.

3. Foi retificado o nome do oponente, eliminando-se o nome “Mendes” que dele constava, bem como o ano, passando a constar o de 2003 e não o de 2004 que se referia na sentença.

4. Para além da retificação do nome, foi o seu teor alterado, constando, então, da sentença que “3. A letra e a assinatura referente a CC na livrança referida em 1 são do oponente e foram apostas pelo mesmo”.

5. Para além da retificação do nome, foi o seu teor alterado, constando, então, da sentença que: “4. A letra e a assinatura referente a CC no contrato referido em 2 são do oponente e foram apostas pelo mesmo.”

6. Aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, ao qual, de ora em diante, se reportarão os artigos sem menção de origem.

7. À data do despacho saneador estava em vigor o CPC/1961, pelo que o valor se considera fixado nos termos do art. 315º, nºs 1 e 2, do mesmo, já que corresponde ao indicado pelas partes e que não foi alterado pela 1ª instância.

8. Cfr., designadamente, Acórdãos do STJ de 17-10-2019, Proc. 1703/16.3T8PNF.P1.S1, de 19.10.2021, Proc. 295/20.3T8VRL.G1.S1 e de 17.01.2023, Proc. 286/09.5TBSTS.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

  E António Santos Abrantes Geraldes, ob. citada, pp. 477 e segs; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil, Vol I, 3ª Edição, Almedina, p.879.

9. Da mencionada conclusão 6ª consta o seguinte: “6ª- o BES bem sabia que o oponente era casado, pois esse dado consta da escritura de mútuo com hipoteca de 12.02.2001 que o BES outorgou;

10. Da mencionada conclusão 10ª consta o seguinte: “10ª- sendo AA empregado do BES, é legítimo deduzir ter havido conluio com outros empregados, pois a sociedade F..., Lda - sem património, sem actividade e sem projectos - não tinha fundamento para três financiamentos tão avultados, que terão sido destinados a outros fins;

11. Cfr. designadamente as seguintes passagens das alegações do recurso de apelação:

  - fls.256 e 257: “ (…)

  2º -nenhuma das suas laudas está rubricada pelo oponente, como confirmaram as testemunhas pelo que resulta claro que não esteve presente nem nele interveio;

 3º - alegadamente foi outorgado em 09/04/2003, mas o BES só o assinou em 04 de Junho de 2003, quando do mesmo consta a declaração de que os representantes do BES o assinaram “neste acto”, ou seja declara-se que a outorga foi feita na presença de todos os outorgantes em 09/04/2003, o que é falso;

  (…)

  11º - o oponente, e o outro sócio JJ, nunca quiseram ser garantes dos mútuos de AA ou da sociedade, como resulta evidente das escrituras de 12/02/2001 e de 08.06.2001 juntas aos autos;

  (…)”

  - Fls. 258vº e 259: “É, também, o caso dos autos:- para além de lhe ser aposta no dito “contrato” uma assinatura como sendo do oponente, que AA afirmou tê-la feito, também não estão as suas laudas rubricadas pelo oponente. Além disso o BES e AA declaram que o contrato foi outorgado, por todos, neste acto, em 09/04/2003 e só foi assinado pelo Banco em 04/Junho/2003; isto resulta, claramente, da simples análise do documento junto pela exequente.

  - Fls. 261 vº: “(…) a) – o oponente - e o outro sócio da F..., Lda – não negociou nem quis ser responsável pelo pagamento dos financiamentos que AA logrou obter, como decorre das escrituras de 12.02.2001 e de 08.06.2001;

  b) – o oponente não esteve presente na assinatura do contrato cuja 2º via está em causa nos autos, pois o banco não o assinou na data nele aposta e as laudas do mesmo não se encontram rubricadas pelo oponente, como, com segurança, confirmaram as testemunhas e resulte bem clara de um simples vislumbre do documento;

  - fls. 262: “Assim, a resposta à matéria de facto deve ser dada nos seguintes termos:

  a) – o oponente não esteve presente na assinatura do contrato dos autos, não rubricou as suas laudas e a assinatura nele aposta não foi executada pelo oponente; (…) d) – quer o oponente, quer o outro sócio da sociedade, sempre se recusaram a assumir qualquer responsabilidade pelos financiamentos que o sócio gerente AA negociou com o exequente;”

  - Fls. 262vº: “VIII – em conclusão

  1ª – o oponente e o outro sócio de F..., Lda, ao outorgar, em 12/02/2001, uma escritura de mútuo e hipoteca de um alegado financiamento prestado à sociedade pelo BES, sem oferecerem garantias reais ou pessoais, manifestaram, claramente, que não queriam ser responsáveis pelos financiamentos que o sócio gerente AA logrou obter, pelo que não outorgaram, nem tiveram conhecimento da escritura de 08.06.2001;

  (…)

  b) –é falso, como dele consta, que tenha sido outorgado na presença de todos os outorgantes, em 09/04/2003, uma vez que o banco só o assinou em 04/06/2003;

  c) – nenhuma das suas folhas foi rubricada pelo oponente, pelo que não esteve presente;”