AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
LIVRANÇA
AVALISTA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO
AÇÃO EXECUTIVA
Sumário


I - A livrança constitui uma garantia cartular típica que atribui ao avalista a obrigação de responder solidariamente com o/a avalizado/a.
II – A invocada autoridade de caso julgado pressupõe uma situação de prejudicialidade impeditiva de novo pronunciamento contraditório por parte do Tribunal.
III – O que não acontece no caso vertente, uma vez que a decisão fundamento incidiu apenas quanto à possibilidade do documento apresentado, relativo à relação subjacente, poder servir de título executivo.
IV – E não comprova a extinção da obrigação pecuniária de que a livrança é garante de efectivo pagamento.

Texto Integral


ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA (2ª SECÇÃO)


Por apenso à execução instaurada pela Caixa Geral de Depósitos SA contra, AA e BB, foram por estes deduzidos embargos de executado, alegando em síntese:

- a livrança, com o valor de 213.499,80 €, dada à execução foi preenchida exclusivamente pela exequente;

- e foi-lhe entregue por força do «contrato de abertura de crédito em conta corrente» celebrado entre a exequente, a executada “R..., Lda. e os embargantes/avalistas;

- que é um contrato de adesão;

- os embargantes não se aperceberam da responsabilidade assumida por não lhes ter sido prestada informação;

- são nulas as cláusulas 21 e 24 dada a possibilidade de preenchimento e fixação de vencimento da livrança sem qualquer limite temporal;

- pelo que o aval é nulo;

- e também é nulo o aval por indeterminabilidade do seu objecto e por ser contrário à ordem pública ao não haver limite temporal para a sua validade e por ausência de limite quanto ao seu montante máximo;

- de acordo com a cláusula 23 daquele contrato, a livrança poderia ser preenchida pelo valor de 140.330,87 € pois é o que consta no extracto final junto com o requerimento executivo;

- quaisquer outros valores até ao montante de 213.499,80 € carecem da devida fundamentação;

- pelo que há preenchimento abusivo;

- na livrança estão integrados juros de período superior a 5 anos, pelo que invocam a prescrição.

A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição, alegando, em suma:

- a mutuária utilizou capital num total de 260.000 € e amortizou 160.000 €, ficando em dívida 100.000 €;

- em 12/11/2021 estava em dívida a quantia de 213.499,80 € que integra aquele capital, juros remuneratórios vencidos (33.437,78 €), juros de mora (64.394,24 €), comissões (9.839,87 €), despesas 826.49 €) e impostos (5.801,42 €);

- o valor constante do extracto reporta-se aos valores em dívida em 27/12/2018, não espelhando a dívida à data do preenchimento da livrança (12/11/2021);

- não são nulas as cláusulas 21 e 24, nem é nulo o aval;

- inexiste preenchimento abusivo;

- a invocação da prescrição de juros vencidos há mais de 5 anos é genérica, não podendo consubstanciar verdadeira alegação de prescrição dos juros;

- não decorreu o prazo de prescrição de 3 anos aplicável às livranças previsto no art. 70º § 1º ex vi do art 77º da LULL.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado.

Apelaram os embargantes, tendo o Tribunal da Relação, em acórdão, decidido o seguinte:

“-…-

Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, e em consequência, alterando-se a sentença recorrida, decide-se julgar prescritos juros de mais de 5 anos num total de 22.928,03 € incorporados no valor da livrança, pelo que a execução deverá prosseguir pelo valor remanescente.

Custas por apelantes e apelado na proporção de vencido.

-….-”

Desta decisão da Relação vieram os embargantes/executados recorrer de revista, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1º O caso julgado impõe-se “quando a concreta relação ou situação jurídica, que foi definida na primeira decisão, não coincide com o objecto da segunda acção, mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir” (cfr. Ac. do TRC de 11/06/2019, proc. 355/16.5T8PMS.C1).

2º A autoridade do caso julgado impõe-se em si mesma, como decorrência do Estado de direito, não se confundindo com a junção ou consideração de um documento como mero meio probatório, e, como tal, não é limitada pelo disposto no art. 651º, nº. 1, do CPC, e é de conhecimento oficioso.

3º Invoca-se, nesta senda, o caso julgado constituído pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo 4930/17.2T8FNC, da 2ª Secção, datado de 06/12/2018, transitado em julgado, em anexo, ao reconhecer a exequibilidade precisamente do contrato subjacente à emissão da livrança subjacente aos presentes Autos, determinando a prossecução em conformidade da execução então promovida pela Exequente contra os Executados com base no mesmo – daí resultando, apodicamente, que tal contrato já se encontrava naquela altura resolvido, ao contrário do entendido no douto Acórdão ora recorrido.

4º Assim sendo, tendo apresente execução sido apresentada em 14/01/2022 – ou seja, mais de três anos depois –, verifica-se que, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes Autos, tem plena aplicabilidade ao caso vertente o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no proc. 5046/16.4T8CBR-A.C1, datado de 11/06/2019, supra citado.

5º Ou seja, como resulta do ali doutamente entendido, a boa-fé determinava que a livrança sub judice fosse coincidentemente preenchida com a resolução do contrato, a qual necessariamente decorre da primeira execução deste e da consideração da sua efectiva exequibilidade por Acórdão de 06/12/2018; e, iniciado a partir daí a contagem do prazo de prescrição prevista no art.º 70º da LULL, o mesmo já havia integralmente decorrido à data da apresentação em juízo da presente execução, em 14/01/2022 – o que expressamente se invoca para todos os efeitos.

6º Por outro lado, mostrando-se subtraídos à livre apreciação da prova, nos termos do art.º 607º, nº. 5, do CPC, os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, verifica-se em relação à prova constituída pelo doc.2 junto ao requerimento executivo, que:

- o mesmo corresponde, nos termos da cláusula 23ªdocontratocelebrado entre a Exequente e os Executados, ao meio de prova específico e adequado dos respectivos débitos;

- é um documento emitido pela exequente, foi pelo mesmo apresentado em juízo, e não foi objecto de qualquer impugnação pelos Executados; como tal constitui prova plena.

7º Ora, do mesmo consta, expressamente, no seu início, que corresponde ao período de 01/01/2009 até 13/01/2022, e, no seu final, o conjunto dos valores discriminados no ponto 12, da matéria de facto provada, no total de €140.330,87.

8º O facto invocado pelos Recorrentes nos termos da 12ª conclusão da respetiva Apelação resulta, inequivocamente, do dito documento – sendo que a decisão em contrário do Tribunal da Relação de Lisboa viola o disposto no art. 376.º, nº. 1, do CC.

9º Para além disso, essa factualidade até já resulta, em rigor, quer do facto apurado sob o ponto 11 (onde se refere, inequivocamente, que o extracto em causa se reporta ao período de 01/01/2009 a 13/01/2022), quer do facto apurado sob o ponto 12 (onde se mostram discriminados os valores que totalizam o indicado montante de € 140.330,87).

10º Em face da prova assim patenteada pelo dito extracto, o mínimo que se pode concluir é que são os movimentos que dele constam – e não quaisquer outros – os movimentos efectivamente lançados / processados pela Exequente.

11º A cobrança de outros valores supostamente em dívida, para além do que resulta do dito extracto, que não se mostram processados / lançados, carece de fundamento, ou, quando por mera hipótese assim se não entenda, sempre configuraria manifesto abuso de direito – o que expressamente se invoca para todos os efeitos.

12º Em suma, verifica-se ser abusivo o preenchimento da livrança acima daquele valor.

Assim se pugna pela efectiva procedência do presente recurso, devendo ser revogado o douto Acórdão recorrido.

Contra-alegou a embargada/exequente, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

I) Os Recorrentes deduziram os presentes embargos de executado, os quais têm o objecto do litígio e os temas de prova que melhor constam do douto despacho saneador de 11.09.2022, o qual não foi objecto de reclamação por parte destes, nos termos do art.º 593º, n.º 3 do CPC.

II) A Exequente contestou tempestivamente os presentes embargos, tendo promovido a junção aos autos de extrato de movimentos da operação e posição de cobrança da operação, docs. 2 e 3, que atestam os valores em dívida pelos quais foi preenchida a livrança dada à execução, e que constam das cartas interpelativas remetidas aos Recorrentes em 12.11.2021, docs. 4 a 7 igualmente juntos em contestação, que não os impugnaram, no prazo supletivo legal de dez (10) dias, pelo que, tratando-se de factos pessoais, tais documentos mostram-se confessados por parte destes.

III) A douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância julgou provados e não provados os factos aí elencados, e que aqui, atento o princípio da economia processual, se dão por integralmente reproduzidos, e, em suma, julgou totalmente improcedentes os presentes embargos de executado, tendo consequentemente determinado o prosseguimento dos autos principais de execução.

IV) Por douto Acórdão de 30.03.2023 foi, em suma, julgada parcialmente procedente a apelação interposta pelos Embargantes, apenas quanto à questão da prescrição dos juros insertos na livrança, para além de cinco (5) anos, no valor total de € 22.928,03, e, em consequência, alterando a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, decide julgar prescritos os juros com mais de cinco (5) anos, no indicado valor, determinando que a execução deverá prosseguir pelo valor remanescente.

V) O douto Acórdão recorrido julgou improcedente as demais questões de Direito suscitadas pelos Recorrentes, confirmando, assim, a douta sentença de 1ª instância relativamente às mesmas.

VI) Tal douto Acórdão foi, sublinhe-se, correcta e devidamente fundamentado, pronunciou-se sobre todas as questões para as quais foi chamada a proferir decisão e tomou em consideração todos os elementos necessários para a boa decisão da causa.

VII) Ao invés, o alegado pelos Executados /Embargantes é manifestamente inidóneo para pôr em crise o decidido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa.

VIII) Desde logo, somente quanto à decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou prescritos os juros com mais de cinco (5) anos, num total de € 22.928,03, incorporados no valor da livrança, não foi criada “dupla conforme”, sendo certo que, quanto a esta decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não se insurgem os Recorrentes no presente recurso de revista.

IX) Assim, não se tratando de caso em que o recurso é sempre admissível, nos termos do disposto no art.º 629º do CPC (nem, de resto, tal foi alegado por parte dos Recorrentes), e uma vez que o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.03.2023, confirmou, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente, a douta sentença de 1ª instância, com excepção da prescrição dos juros insertos na livrança, para além de cinco (5) anos, no valor total de € 22.928,03, não deverá ser admitido o recurso de revista “normal” interposto pelo Recorrente de tal Acórdão, em tudo o que exceda tal decisão.

X) Ou seja, como o presente recurso de revista não versa sobre o segmento decisório da prescrição de juros com mais de cinco anos, não deverá o mesmo ser admitido, in totum.

XI) Por outro lado, os Recorrentes nenhuns fundamentos apresentam para a admissibilidade de um eventual recurso de revista excepcional, o que sempre determina a sua rejeição, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 672º do CPC, isto caso tivessem interposto revista excepcional, o que efectivamente não fizeram.

XII) Por tudo o que antecede, não deverá ser admitido, por inadmissível, o recurso de revista interposto pelo Recorrente do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.03.2023, o que aqui se requer a V. Ex.as se dignem declarar.

XIII) Acresce que, a Livrança dada à execução tem aposta a data de vencimento de 12.11.2021, pelo que, se a execução deu entrada em Juízo a 14.01.2022 (distribuída em 19.01.2022), não se mostra decorrido o prazo de três anos previsto no art. 70º, parágrafo 1º, da LULL aplicável às livranças ex vi art. 77º do mesmo diploma legal.

XIV) Isto porque, a data de vencimento da Livrança é efectivamente (como não podia deixar de ser) a data aposta como tal no título cambiário, e não a data do vencimento da obrigação subjacente – neste sentido Jurisprudência supra citada.

XV) A obrigação cambiária (e não a obrigação do contrato subjacente) é que corresponde à obrigação executiva – neste sentido estudo do M.mo Juiz de 1ª instância André Teixeira dos Santos, in “Excurso de jurisprudência portuguesa seleccionada respeitante à livrança enquanto título executivo”, Revista do CEJ, n.º 2 (2º Semestre 2021), págs. 39 a 41.

XVI) E uma pretensa prescrição da relação subjacente – que, em todo o caso, não existiu - não se traduziria na prescrição da obrigação cambiária – neste sentido Doutrina supracitada.

XVII) Sendo certo que, no caso dos autos, o pacto de preenchimento não estabelece qualquer prazo pelo qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, pelo que, é direito potestativo do portador preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento da subscritora, o que a CGD fez.

XVIII) E mesmo que assim não o fosse, que é, mas que aqui se coloca como mera hipótese de raciocínio, desde a data que os embargantes referiram em sede de alegações de recurso de apelação como sendo de incumprimento, 27.12.2018 (veja-se o teor da conclusão 24ª dessas alegações), e a data de vencimento aposta na livrança, 12.11.2021, também não se mostram decorridos três anos.

XIX) O facto dos Embargantes, em momento processual anterior, invocarem expressamente que “o incumprimento definitivo data de 27/12/2018”, e somente ora, em sede de alegações de recurso de revista, que tal incumprimento definitivo é de data anterior àquela, consubstancia abuso de Direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o que aqui se invoca expressamente.

XX) Sendo que, a situação dos autos não preenche o disposto nos art.º’s 651º e 425º, ambos do CPC, pelo que a junção aos autos por parte dos Recorrentes, somente ora, dos dois documentos que acompanham as alegações ora notificadas não deverá ser admitida, o que aqui se requer a V. Ex.as se dignem determinar.

XXI) Por outro lado, mesmo que a excepção de caso julgado seja de conhecimento oficioso (cfr. 578º do CPC), o certo é que sobre a mesma não incidiu qualquer decisão de 1ª instância (sem sequer, diga-se, de 2ª instância).

XXII) Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.

XXIII) Não obstante, como se disse, tal excepção ser de conhecimento oficioso, nada foi carreirado para os autos por parte dos Recorrentes para que dela pudesse o douto Tribunal a quo tomar conhecimento. É uma conduta processual que não pode deixar de configurar Abuso de Direito, que aqui se invoca também por este motivo.

XXIV) O thema decidendum do douto Acórdão citado pelos Recorrentes (proc. n.º 4930/17.2T8FNC do Juízo de Execução do Funchal - Juiz 2), como nele se refere, era de «saber se a Exequente deu à execução título executivo suficiente», tendo-se aí decidido que o contrato de abertura de crédito em conta corrente constituía título executivo. Nada mais, nada menos.

XXV) Nesse Acórdão nada se decidiu quanto ao incumprimento definitivo de tal contrato, muito menos, em que data ocorreu tal incumprimento.

XXVI) O decidido no douto Acórdão referido pelos Recorrentes não consubstancia excepção de caso julgado, porquanto não se verifica a existência da tríplice identidade de conceitos a que alude o art.º 581º do CPC (função negativa do caso julgado).

XXVII) E também não se verifica situação de caso julgado, na sua função positiva de autoridade material do mesmo, devendo o alegado por parte dos Recorrentes improceder totalmente.

XXVIII) Isto porque a questão do incumprimento definitivo da relação subjacente nos presentes autos não se encontra abrangida pelo referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2018.

XXIX) Essa questão não foi discutida na referida execução 4930/17.2T8FNC e, muito menos, ali foi objeto de decisão transitada em julgado.

XXX) O aí decidido, acerca do contrato de abertura de crédito em conta corrente constituir título executivo, em nada colide com a questão a proferir nos presentes embargos de executado, instaurados por avalistas de livrança vencida e não paga.

XXXI) O certo é que, nos presentes autos, a CGD deu à execução um título de crédito, Livrança, cujos caracteres de (i) literalidade, (ii) abstracção e (ii) autonomia, sobre os quais incidiu já vastíssima Doutrina e Jurisprudência, permitem concluir que a Livrança tem um valor próprio, maxime, valendo por si mesma – neste sentido Jurisprudência e Doutrina supra citada.

XXXII) Significa isto que, atentos os carecteres inerentes à livrança dada à execução, em particular o princípio da autonomia, a obrigação exequenda em nada se confunde com a relação subjacente (contrato de abertura de crédito em conta corrente).

XXXIII) Ora, a CGD interpelou os Recorrentes, nos termos das cartas interpelativas remetidas a estes em 12.11.2021, docs. 4 a 7 juntos em contestação, que se mostram confessadas nos autos. Por isso, em relação aos Avalistas / Recorrentes, só nessa data a Exequente considerou definitvamente vencida a totalidade do crédito exequendo, o que em nada colide com o princípio da autonomia da Livrança.

XXXIV) É totalmente desprovido de fundamento legal o alegado por parte dos Recorrentes, de que a partir da data do douto Acórdão por si citado, proferido no âmbito da execução 4930/17.2T8FNC se iniciou a contagem do prazo de prescrição, pelo que, deverá o alegado improceder.

XXXV) Desde a data que os embargantes referiram em sede de alegações de recurso de apelação como sendo de incumprimento, 27.12.2018 (data que consta do extracto junto no Requerimento Executivo como doc. 2), e a data de vencimento aposta na livrança, 12.11.2021, não se mostram decorridos três anos.

XXXVI) Como atestam os autos, a conduta da CGD respeitou o pacto de preenchimento.

XXXVII) In casu, manifestamente não se verifica a prescrição da dívida.

XXXVIII) Por outro lado, o último movimento constante do extracto junto no Requerimento Executivo como doc. 2reporta-se à data de27.12.2018, estando os valores em dívida aí referidos reportados a essa data, sendo, por isso falso, que tal extracto corresponda ao período até 13.01.2022 (como, de resto, consta expressamente do quadro transcrito no ponto 11 da matéria de facto dada como assente).

XXXIX) Os Embargantes confessam no art.º 54º da petição inicial de embargos que, a essa data, 27.12.2018, encontrava-se em dívida a quantia de € 140.330,87, vencendo-se, entretanto, juros até à data do preenchimento da livrança dada à execução, 12.11.2021, nos termos supra discriminados, pelo que, não há qualquer discrepância, ou valor excedente.

XL) Com efeito, o período indicado a pág. 1 do referido doc. 2 junto em Requerimento Executivo significa, tão somente, o período pesquisado em sistema dos movimentos efectuados relativamente àquela determinada operação. E nesse período, reafirme-se, o último movimento reporta-se à data de 27.12.2018, sendo este o “último débito efectivamente processado” relativamente a esta operação.

XLI) Ora, desde essa data e até à data do preenchimento da livrança dada à execução, 12.11.2021, venceram-se, entretanto, juros, pelo que, o valor aposto na livrança dada à execução, € 213.499,80, corresponde aos montantes acima discriminados.

XLII) Da conduta da CGD não resulta qualquer pretenso Abuso de Direito, sendo certo que uma eventual procedência da excepção de Abuso de Direito pressupõe a invocação e prova, por parte dos Embargantes (que têm esse ónus), de factos concretos que sejam reconduzíveis a tal figura jurídica, o que manifestamente não fizeram.

XLIII) A CGD, nada mais fez senão, ao abrigo do seu legítimo direito, instaurar a presente execução contra os avalistas da livrança vencida e não paga, de que é legítima portadora, tendo para o efeito observado a estrita legalidade, tanto no plano do Direito objecto, como adjectivo.

XLIV) Sendo certo que os Recorrentes não suscitaram, em sede de articulados, o pretenso Abuso de Direito, e como tal, tal matéria não foi conhecida na 1ª instância, pelo que, consubstanciando o ora alegado uma “questão nova”, o conhecimento da mesma por parte dos Tribunais superiores está vedado.

XLV) De igual forma, também não há qualquer pretenso preenchimento abusivo da livrança, ressalvada, naturalmente, a questão decidida no douto Acórdão recorrido relativamente à prescrição de juros com mais de cinco anos.

XLVI) Note-se que, ao invés do enquadramento feito pelos Recorrentes, não se trata de um pretenso erro na apreciação de provas ou sequer de fixação de factos materiais da causa, até porque o doc. 2 junto em Requerimento Executivo foi levado, e bem, à matéria de facto dada como provada nas instâncias, pelo que, tal pretensão não se subsume ao previsto no art.º 674º, n.º 3 do CPC, não sendo a mesma susceptível de ser conhecida por parte deste Colendo Tribunal.

XLVII) Os Recorrentes não cumpriram o ónus que sobre os mesmos impende de alegação e prova do preenchimento abusivo da livrança dada à execução – na parte que exceda a quantia de € 117.402,84 (neste sentido Jurisprudência supra citada).

XLVIII) Sendo certo que tal deficiência não é susceptível de ser suprida em sede de alegações.

XLIX) O decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa mostra-se absolutamente correcto, nenhuma censura merecendo.

L) O douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo foi, permita-se sublinhar, correcta e devidamente fundamentado, e tomou em consideração todos os elementos necessários para a boa decisão da causa, devendo, por esse motivo, ser mantido, in totum.

LI) Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como o fez, inexistindo causa ou fundamento que determine a revogação do douto Acórdão recorrido.

Termos em que, não se vê razão para criticar o doutamente decidido, impondo-se a confirmação do douto Acórdão recorrido e consequentemente negar provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim, como sempre, a acostumada Justiça.

DA ADMISSÃO DO RECURSO/REVISTA

Os recorrentes/embargantes interpuseram recurso de revista invocando a excepção de autoridade de caso julgado “formado no âmbito processo 4930/17.2T8FNC”.

Nas suas contra-alegações a recorrida/exequente e embargada alega haver uma situação de dupla conforme quanto à questões essenciais, uma vez que a Relação apenas concedeu recurso no que aos juros diz respeito e neste particular em benefício dos agora recorrentes.

E acrescenta a recorrida: “Assim, não se tratando de caso em que o recurso é sempre admissível, nos termos do disposto no art.º 629º do CPC (nem, de resto, tal foi alegado por parte dos Recorrentes), e uma vez que o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.03.2023, confirmou, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente, a douta sentença de 1ª instância, com excepção da prescrição dos juros insertos na livrança, para além de cinco (5) anos, no valor total de € 22.928,03, não deverá ser admitido o recurso de revista “normal” interposto pelo Recorrente de tal Acórdão, em tudo o que exceda tal decisão.”

A recurso foi admitido, de modo tabelar, como revista, tal com foi requerido: “Admito o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida nestes autos e efeito meramente devolutivo (art. 671º nº 1, 675º nº 1 e 676º nº 1 do CPC)”.

A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, não vincula o Tribunal Superior – artº 645º nº 5 do CPC.

Nos termos do artº 671º nº 3 do CPC, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a densificar o conceito geral de não aplicação pela Relação de “fundamentação essencialmente diferente”.

Hoje é pacífico que se deve desconsiderar para esse efeito “discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso; ou mesmo quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, duma das vias trilhadas pela 1ª Instância para atingir o mesmo resultado; ou o aditamento de outro fundamento jurídico; ou no reforço argumentativo; sem que se ponha em causa a fundamentação essencial usada pelo tribunal de 1ª Instância”António Abrantes Geraldes, in, “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição actualizada, em particular, pags. 424 e 425.

Exemplificando a nível jurisprudencial, e de modo paradigmático, refere-se no Acordão do STJ, de 28-5-2015, publicitado in, www.dgsi.pt.: “só se pode considerar existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª Instância.”- publicitado in, www.dgsi.pt.

Cientes de que os juros, têm a ver com a mora e posterior incumprimento da obrigação assumida – cfr. factos assentes – e ainda que, nesta parte, os recorrentes carecem de legitimidade para recorrer, uma vez que a decisão da Relação lhes foi favorável, resta saber se estamos perante um caso em que o recurso é sempre admissível.

Dispõe o artº 629º nº 2 do CPC que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso nas seguintes hipóteses: “a) violação das regras de competência internacional, das regras da competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado; b) quando ao valor da causa (…); c) decisões contra jurisprudência uniformizada do STJ (…); c) acórdão da Relação em contradição com outro (…)”.

Ora, alegando os recorrentes/embargante uma situação de caso julgado, mais precisamente de autoridade de caso julgado, admite-se a revista para conhecimento desse específico tema.

APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso e do objecto a que está circunscrita a presente revista temos que:

Os recorrentes/embargantes invocam a excepção de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado, juntando para o efeito o acórdão da Relação de Lisboa proferido no processo nº 4930/17.2T8FNC-2ª Secção, datado de 06/12/2018, transitado em julgado.

A) DOS FACTOS

Provou-se que:

1. No dia 14-1-2022, foi apresentado à execução ordinária n.º 303/22.3T8FNC, em apenso, uma livrança, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta, como data e local de emissão “...2009-5-12”, como data de vencimento “2021-11-12”, como valor “conta-corrente PT00...92”, e a seguinte menção “no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à Caixa Geral de Depósitos ou à sua ordem a quantia de Duzentos treze mil quatrocentos noventa e nove euros e oitenta cêntimos”.

2. Na parte relativa ao subscritor consta o carimbo de R..., Lda. e ainda a aposição de uma assinatura por cima desse carimbo.

3. No verso consta a assinatura de cada um dos embargantes precedida da expressão “Bom por aval ao subscritor”.

4. A livrança foi assinada sem se encontrarem preenchidos os demais campos a que se alude em 1).

5. A livrança foi assinada para garantir as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito em conta-corrente (de utilização simples) datado de 12-5-2009, que tinha como capital cem mil euros, prazo de duração seis meses, automaticamente prorrogável por períodos iguais e sucessivos se não fosse denunciado por qualquer das partes - cf. contrato junto com o requerimento executivo

6. Nesse contrato consta como contratantes “PRIMEIRA: R..., Lda.”, “SEGUNDOS” os embargantes e “TERCEIRA” a exequente e assinado por todos estes.

7. Do contrato consta clausulado: «11. COMISSÕES

“11.1 - O presente contrato fica sujeito às comissões previstas no preçário em cada momento em vigor na CAIXA, publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas agências, nomeadamente à comissão de processamento e de falta de provisionamento na conta DO, actualmente de €3,50 e de €29,00, acrescidas dos respectivos impostos.

(…)

16. MORA: Em caso de mora, a CAIXA poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na CAIXA para operações activas da mesma natureza (actualmente 11,45% ao ano), acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano e a título de cláusula penal.

(…)

21. GARANTIA – AVAL: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidos pelo aval prestado na livrança prevista no nº. 24, caso a CAIXA decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado. (…)

23. MEIOS DE PROVA

23.1 – Fica convencionado que o extracto de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CGD, e relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a existência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que delas resultem em qualquer processo.

23.2 – As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efectuados.

24. LIVRANÇA EM BRANCO

24.1 – Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança”.

8. No requerimento executivo consta descrito nos “Factos”:

«A) No âmbito da sua actividade creditícia, por instrumento datado de 04 de maio de 2009, a exequente celebrou com a sociedade R..., Lda., um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, ao qual internamente foi atribuído o número PT...............92, mediante o qual lhe disponibilizou uma linha de crédito até ao montante de € 100.000,00 (cem mil euros), a qual se destinou ao apoio de tesouraria da mutuária – cfr. doc. 1

B) O referido contrato foi celebrado para vigorar pelo prazo de 6 meses, automaticamente renovável por períodos iguais, salvo denúncia das partes.

C) Previu-se no contrato que o capital em dívida venceria juros a uma taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 3 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, com arredondamento para a milésima de ponto percentual mais próxima, acrescida de um “spread” de 3,5%, donde resultava, na ocasião, na aplicação da taxa de juro nominal de 5,135% ao ano.

D) A mutuária obrigou-se a pagar as comissões previstas na cláusula11.ª do contrato.

E) Mais se previu que, em caso de mora, o capital mutuado venceria juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estivesse em vigor na Caixa para operações activas da mesma natureza, na ocasião 11,450% ao ano, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano.

F) Conforme se verifica pelo extracto de movimentos associado à indicada operação, considerando as utilizações e as amortizações efectuadas pela mutuária permanece em dívida a título de capital a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) – cfr. doc. 2

G) Para titular as responsabilidades decorrentes do referido contrato, a R..., Lda. subscreveu e entregou à exequente uma livrança em branco avalizada por AA e BB ficando, desde logo, a exequente autorizada a preenchê-la livremente, designadamente quanto à data de vencimento, pelo valor correspondente ao total das responsabilidades, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e quaisquer encargos, incluído o imposto devido pelo preenchimento da livrança.

H) Considerando que os executados não cumpriram as obrigações emergentes do contrato, a ora exequente deu cumprimento à convenção de preenchimento, sendo, por conseguinte, nesta data, portadora de uma livrança, preenchida pelo valor de €213.499,80 (duzentos e treze mil quatrocentos e noventa e nove euros e oitenta cêntimos), com data de vencimento em 12.11.2021 – cfr. título executivo

I) O referido valor tem a seguinte composição:

- capital ……… .......................€100.000,00

- juros ……………………………€33.437,78

- juros de mora ….…….……….€64.394,24

- comissões ……………………….€9.839,87

- despesas ……………………………€26,49

- impostos ……………………… €5.801,42

J) Apesar de interpelados para regularizar a situação devedora, os executados não pagaram a quantia em dívida - cfr. docs. 3 e 4

L) Assim, o crédito da exequente, com referência a 13.01.2022, ascende ao valor de €215.008,45 (duzentos e quinze mil oito euros e quarenta e cinco cêntimos), sendo:

- Livrança no valor de ………………………………………………..€213.499,80

- juros entre 12/11/2021 e 13/01/2022 ………………………………..€1.450,63

- imposto de selo s/juros …………………………………………………..€58,03

M) Para além do referido valor, que se acha reportado a 13.01.2022, assiste legitimidade à exequente para reclamar o pagamento dos juros de mora que, entretanto, se vencerem até integral pagamento à taxa de 4%.

N) Sobre o valor dos juros a cobrar a final incidirá o imposto de selo de 4%, nos termos ao art.º 120.º-A da Tabela Geral do Imposto de Selo.».

9. As cláusulas supra reproduzidas do contrato não foram negociadas entre as partes, fazendo parte integrante dos contratos celebrados pela exequente, à data, nesse tipo de contrato, sem que pudessem ser alvo de alteração na negociação.

10. As mencionadas cláusulas não foram explicadas aos executados.

11. No extrato junto com o requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, reportado ao período 1-1-2009 a 13-1-2022, consta como últimas inscrições:


12. Concluindo: «CAPITAL 100.000,00-JUROS 24.342,36+ JUROS DE MORA 62,79+COMISSÃO 12.242,45+ IMPOSTOS 3.656,78+DIVERSOS 26,49+JUROS CAP 0,00+».

13. Os embargantes eram, à data da assinatura do contrato subjacente, os únicos sócios da sociedade subscritora da livrança.

14. O reconhecimento de assinatura aposta no contrato pelo legal representante da sociedade, efetuado a 6-5-2009, foi tratado pelo próprio, ficando, para o efeito, com o contrato na sua posse.

No Tribunal da Relação foi ainda dado como provado, ao abrigo do disposto nos artºs 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC:

«15. O legal representante da sociedade que assinou o contrato como referido no ponto 14 é o executado AA, cuja assinatura foi reconhecida na qualidade de sócio gerente com poderes para o acto.».

«16. Por cartas de 12/11/2021, a exequente comunicou aos embargantes: «Encontra-se vencida e não paga a responsabilidade emergente do contrato de Conta Corrente celebrado em 12.05.2009, com a empresa R..., Lda..

De acordo com o estabelecido no contrato datado de 12.05.2009, que se encontra em poder desta Caixa devidamente assinado por V. Exa, havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível o pagamento da totalidade do nosso crédito.

Desta forma e nos termos contratados, consideramos vencida nesta data a totalidade do nosso crédito e fixamos para o dia 12.11.2021 o vencimento da livrança em branco, subscrita por R..., Lda. e avalizada por V. Exas e por AA que preenchemos pelo valor de 213.499,80 correspondente ao valor total do crédito na data de vencimento fixado, a que acrescem juros de mora e legais acréscimos, até integral pagamento. Solicitamos que proceda à sua liquidação no prazo de 5 dias, a contra da receção da presente carta, sob pena de adequado procedimento judicial para cobrança do crédito.

Mais informamos que demos conhecimento aos demais intervenientes no título do conteúdo desta carta.

(…) ».

B) DO DIREITO

Como o título executivo em discussão é uma livrança, importa explicar a sua natureza e regime legal.

As livranças conferem ao seu portador o direito a uma prestação pecuniária, sendo o direito incorporado distinto do que resulta da relação jurídica subjacente.

Assim como as letras são documentos imprescindíveis para a própria existência do direito nelas mencionado – vide, “Manual de Letras e Livranças”, Coimbra, Almedina, 2016, estudo doutrinário de Carolina Cunha.

Nas palavras de Ferrer Correia “é a titularidade do documento que decide da titularidade do direito nele mencionado” – in, “Lições de Direito Comercial, Volume III, Universidade de Coimbra, 1975, pag. 131.

A aposição de uma assinatura no documento origina uma específica relação jurídica, fazendo surgir para o seu subscritor uma nova obrigação distinta de qualquer outra já existente.

A livrança é um título de natureza abstracta e fora das relações imediatas são inoponíveis contra o portador, todas as excepções fundadas na relação subjacente ou em qualquer situação extracartular.

Distintivamente da letra que é uma “ordem de pagamento” emitida por um sacador a um sacado, a livrança é uma “promessa de pagamento” ao beneficiário, ou à sua ordem, emitida por um subscritor.

Consubstancia um título executivo, nos termos do artigo 703º, nº 1 c) do CPC, oferecendo ao credor mais certeza e maior economia de tempo para obter a satisfação judicial do seu direito, tornando desnecessária a interposição prévia de uma acção declarativa destinada a provar a existência e validade do crédito emergente da relação jurídica fundamental.

Sem prejuízo claro está, de haver oposição/embargos à execução nos termos do artº 728º do CPC e com os fundamentos previstos no artº729º do mesmo diploma legal, nomeadamente, a existência de caso julgado anterior à sentença que se execute.

Trata-se de uma garantia cartular típica que atribui ao avalista a obrigação de responder solidariamente com o avalizado, ficando na posição de devedor de obrigação própria.

O avalista assume uma posição de responsabilidade direta e imediata para com o portador do título.

O aval visa garantir a obrigação de um obrigado cambiário, sendo, em si mesmo, um verdadeiro acto cambiário que dá origem a uma obrigação autónoma e abstracta, que se traduz na obrigação de pagar o título, pela quantia inscrita.

Estando-se na presença duma livrança em branco, carece de ser preenchida de acordo com os termos do pacto de preenchimento convencionado entre as partes, o que se verificou e foi reconhecido pelo acórdão recorrido.

O regime jurídico das “Letras e das Livranças” foi estabelecido pelas três Convenções de Genebra, de 7-6-1930, a que o Estado Português se vinculou, desde Setembro de 1934, através do DL 26556, de 30-4.

A disciplina jurídica da “Livrança” encontra-se prevista nos artigos 75º a 78.º da LULL, aplicando-se-lhes as disposições reguladoras das “Letras de Câmbio” que não sejam contrárias à sua específica natureza.

Previamente ao conhecimento da questão decidendi – a suscitada excepção de autoridade de caso julgado – impõe-se, metodologicamente, lembrar o que já foi decidido pela Relação com trânsito em julgado:

“-…-

1. Da alegada nulidade/exclusão de cláusulas deste contrato de abertura de crédito em conta corrente.

Vem já explicado na sentença recorrida que o “contrato de abertura de crédito em conta corrente” dos autos está sujeito ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais – RJCCG – aprovado pelo DL 446/85 de 25/10.

a) Sustentam os apelantes que devem ser excluídas as cláusulas contratuais transcritas no ponto 7 da matéria de facto, referentes a comissões, mora, garantia, aval e meios de prova pois, como está provado no ponto 10, não lhes foram explicadas.

b) O art. 5º do RJCCG dispõe:

«1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.».

Não está provado - nem sequer foi alegado pelos apelantes – que solicitaram esclarecimentos sobre as cláusulas transcritas no ponto 7 da matéria de facto. E nem da sua leitura resulta que se justificasse que a exequente tomasse a iniciativa de aclarar o seu conteúdo. Aliás, é de notar que o embargante AA interveio no contrato não só como avalista, mas também como legal representante/gerente da sociedade R..., Lda., de quem nessa altura, os embargantes eram os únicos sócios.

Improcede este fundamento do recurso.

b) Sustentam os apelantes que as cláusulas 21 e 24 deste contrato são nulas por dar à exequente a possibilidade de preencher e fixar a data de vencimento da livrança sem limite temporal, em infracção ao disposto no art. 18º al. j) do RJCCG. Este normativo prevê:

«São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…)

j) Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa apenas da vontade de quem as predisponha;

(…).».

Ora, o contrato tinha a duração de 6 meses, automaticamente prorrogáveis se não fosse denunciado por qualquer das partes.

Portanto, essas cláusulas não estabelecem obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa apenas da vontade da exequente.

Improcede este fundamento do recurso.

2. Sustentam os apelantes, invocando para a sua tese um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que «à data da apresentação da presente execução, 14/01/2022, o crédito cambiário e o aval, independentemente da data de vencimento fixada na livrança e do disposto no art. 70º da LULL já haviam prescrito», pois o incumprimento definitivo data de 2/12/2018.

A data de vencimento da livrança é 12/11/2021.

Os embargantes foram interpelados para proceder ao pagamento por cartas de 12/11/2021 nos termos reproduzidos no ponto 16 acima aditado à matéria de facto. Portanto, como só nessas cartas é que a exequente considerou vencida nessa data a totalidade do crédito, é evidente que anteriormente não existe incumprimento definitivo das obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito em conta corrente, mas tão só mora.

Improcede este fundamento do recurso.

3. Sustentam os apelantes que o aval por eles prestado é nulo por indeterminabilidade do respectivo objecto e por contrário à ordem pública, conforme disposto no art. 280º do CC (Código Civil) e face ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001, pois, por força das cláusulas 11, 16, 21 e 24 do contrato ficou na disponibilidade exclusiva/arbítrio da exequente a definição em cada momento do valor da livrança sem limite de valor quanto aos valores nele integrados a título de comissões, juros de mora e remuneratórios.

O art. 280º do CC estatui:

«1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. 2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.».

Porém, da leitura não truncada das cláusulas, estão objectivamente definidos os critérios para cálculo daquelas verbas, pelo que o objecto do contrato não é indeterminável, sendo certo que a qualquer momento tanto a sociedade como os embargantes/avalistas/ outorgantes no contrato, e seus únicos sócios, poderiam ter posto fim à mora.

Improcede este fundamento do recurso.

4. Sustentam os apelantes que é abusivo o preenchimento da livrança por valor superior a 140.330,87 €, dizendo que é esse que corresponde ao total de capital, juros, comissões e impostos discriminados no extracto final junto com o requerimento executivo no período de 01/01/2009 até 13/01/2022.

O preenchimento da livrança em branco deve ser feito de acordo com o convencionado no pacto de preenchimento.

Será abusivo o preenchimento se não estiver de acordo com aquele pacto, o que constitui uma excepção de direito material e por isso deve ser alegado e provado pelos executados, atento o disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil. Assim, competia aos embargantes provarem qual a quantia que alegaram estar em dívida. Porém, improcedeu a sua pretensão para que seja julgado provado que «O saldo do contrato de abertura de crédito em conta-corrente datado de 12/05/2009 é o que se mostra espelhado no respectivo extracto (doc. 2 junto ao Requerimento Executivo e a que aludem os pontos 11 e 12 dos factos dados como provados), correspondente ao período de 01/01/2009 até 13/01/2022, no valor total em dívida de € 140.330,8».

Improcede este fundamento do recurso.

5. Sustentam os embargantes que a livrança integra valores de juros com mais de 5 anos e por isso prescritos, havendo por isso, preenchimento abusivo.

Nos art. 27º e 56º da petição inicial vem alegado:

«E mais desconhecem como foram computadas as verbas identificadas a título de juros, sendo certo que seguramente integram juros para além do período de cinco anos», «Do mesmo modo, integrando-se aí juros de período superior a 5 anos, desde já se invoca, expressamente, a respectiva prescrição».

O art. 301º do CC dispõe que prescrevem no prazo de 5 anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos.

Está provado, no ponto acima aditado: «12-a) - O extrato junto com o requerimento executivo integra juros lançados em 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, no valor total de 22.928,03 ».

A livrança foi preenchida em 12/11/2021 e com essa data de vencimento, estando incluídos no seu valor esses juros de mais de 5 anos num total de 22.928,03 €, como decorre da exposição de factos no requerimento executivo.

Mas o aval tem natureza jurídica distinta da fiança, pelo que estes normativos do Código Civil lhe são inaplicáveis.

E isso tem consequências, entre as quais, a impossibilidade de o avalista não interveniente no pacto de preenchimento poder fazer valer a excepção de prescrição da obrigação extracartular/obrigação fundamental.

(…)

Porém, no caso concreto estamos no domínio nas relações imediatas, pois os avalistas/embargantes são intervenientes no pacto de preenchimento, e por isso podem invocar a excepção de prescrição dos juros incorporados na livrança (neste sentido, Ac da RP de 12/01/2023 – P. 9735/21.3T8PRT-A.P1).

Procede, pois, o recurso, no que respeita à prescrição dos juros de mais de 5 anos num total de 22.928,03 € incorporados no valor da livrança.

-…-”

Está decidido inexistirem cláusulas abusivas ou haver preenchimento abusivo da livrança em causa.

Quanto ao montante aposto no título executivo/livrança, na sequência da invocação de prescrição pelos executados/embargantes foram declarados prescritos os juros vencidos há mais de 5 anos, no montante de €22.928,03.

Não é demais lembrar que este recurso está limitado ao pronunciamento sobre o alegado caso julgado – cfr. relatório supra na parte referente ao despacho de admissão da revista e à definição do thema decidendum.

Segundo os recorrentes/embargantes: “A invocação de caso julgado tem como base o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no processo 4930/17.2T8FNC, da 2ª Secção, datado de 06/12/2018, transitado em julgado, em anexo, ao reconhecer a exequibilidade precisamente do contrato subjacente à emissão da livrança subjacente aos presentes Autos, determinando a prossecução em conformidade da execução então promovida pela Exequente contra os Executados com base no mesmo – daí resultando, apodicamente, que tal contrato já se encontrava naquela altura resolvido, ao contrário do entendido no douto Acórdão ora recorrido.”

O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e visa evitar que o Tribunal seja colocado na posição contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – artº 581º do CPC.

A autoridade de caso julgado, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é prejudicial) constitui um pressuposto ou condição de julgamento de um outro (que é dependente (…) a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale com autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente”in, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pags. 574 a 577, Lex, 2ª Edição, 1997.

Como se conclui no acórdão do STJ, de 30-11-2021, proferido no pº nº 697/10.3TBELV.E1.S1: “a autoridade de caso julgado decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos artºs. 619.º, n.º 1 e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão.”

No processo nº 4930/17.2T8FNC, a Relação revogou a decisão proferida em sede de 1ª Instância de indeferimento liminar do requerimento executivo correspondente ao acordado entre as partes e subjacente à livrança em causa, por se entender que “o artº 9º nº 4 do DL 287/93, de 1-9, é também aplicável aos contratos celebrados após o início de vigência daquele diploma, não tendo sido revogado pela Lei 41/2013, de 26-6-, que aprovou o novo Código e Processo Civil.”

Significa isto que não houve qualquer pronunciamento sobre a obrigação de que a livrança é garante.

Sendo a livrança uma garantia de pagamento da quantia em dívida, os avalistas/embargantes responsáveis solidários pela satisfação do crédito peticionado e gozando de total autonomia em relação ao contrato de abertura e crédito/conta-corrente estabelecido entre as partes, não se verifica a alegada relação de prejudicialidade, impeditiva do prosseguimento da presente execução.

E, consequentemente, inexiste o invocado caso julgado.

Concluindo e sumariando:

1 - A livrança constitui uma garantia cartular típica que atribui ao avalista a obrigação de responder solidariamente com o/a avalizado/a.

2 – A invocada autoridade de caso julgado pressupõe uma situação de prejudicialidade impeditiva de novo pronunciamento contraditório por parte do Tribunal.

3 – O que não acontece no caso vertente, uma vez que a decisão fundamento incidiu apenas quanto à possibilidade do documento apresentado, relativo à relação subjacente, poder servir de título executivo.

4 – E não comprova a extinção da obrigação pecuniária de que a livrança é garante de efectivo pagamento.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, improcede a revista.

Custas pelos recorrentes/embargantes.

Lisboa, 18-4-2024

Afonso Henrique (relator)

Maria Graça Trigo

Ana Paula Lobo