JUNÇÃO DE DOCUMENTO
SIMULAÇÃO
NULIDADE
TERCEIROS DE BOA-FÉ
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I - De acordo com o disposto nos art.º 425º e 651º, do NCPC, as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência objectiva ou subjectiva do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância.
II – Na primeira hipótese, cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva.
III - Os herdeiros do simulador são terceiros quando visem satisfazer interesses específicos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela subsistência do acto simulado e, desta forma, estão arredados das limitações de prova a que ficam sujeitos os simuladores previstas no art.º 394º, nº 2, do CC.
IV - Existindo também um princípio de prova escrito do acordo simulatório nada impede que o tribunal se socorra de outros elementos de prova complementares (vg., prova por testemunhas ou declarações de parte) para formar ou suportar a sua convicção.
V - O documento autêntico apenas prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art.º 371º, nº 1, 2ª parte, do CC); não atesta a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador, mas somente que eles as fizeram, podendo, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele.
VI - Sendo a prova da simulação quase sempre indirecta, por se reportar a eventos do foro interno dos simuladores (nomeadamente, à divergência entre a sua vontade real e a sua vontade declarada, ao acordo havido entre eles, e à sua intenção de enganar terceiros), importa fazer uso de presunções judiciais, alicerçadas em indícios condensados pela uniforme prática jurisprudencial.
VII - Nos casos de invalidade sequencial ou derivada, quando se verifica a conclusão de um negócio nulo (ou anulável) pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, este é afectado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido, conforme decorre do art.º 289º do CC.
VIII - O art.º 291º, do CC protege, porém, os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroactivos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico, operando como uma excepção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos.
IX - Quando os segundos adquirentes também tenham tido participação no conluio que motivou as simulações, agem de má-fé, tal como os vendedores, pelo que não podem beneficiar da protecção conferida pelo referido art.º 291º, do CC.
X – O abuso de direito na modalidade da supressio abarca as hipóteses em que, devido ao titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inação criaram na contraparte a confiança que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a proteção da ordem jurídica através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador.
XI - Em caso de simulação, não poderá haver, em regra, usucapião, pois o simulado adquirente é um possuidor em nome alheio ou, na terminologia da lei, um detentor ou possuidor precário (art.º 1253°, al. c) do CC), não podendo adquirir por aquele modo, salvo achando-se invertido o título da posse (art.º 1290°, do mesmo diploma), mas começando o tempo necessário para a usucapião, neste caso, a correr desde a inversão do título.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA,
veio intentar a presente acção de condenação, sob a forma de processo comum contra:
BB e mulher CC (adiante designados como 1ºs réus);
DD e mulher EE (adiante designados como 2ºs réus); e
FF e GG (adiante designados como 3ºs réus), pedindo que:

- sejam declarados nulos, porque simulados, os contratos de compra e venda celebrados entre a falecida HH e os 1ºs réus, por escrituras públicas de 20.08.2002 e 25.10.2002;
- sejam declarados nulos os contratos de compra e venda celebrados entre os 1ºs réus e os 2ºs réus, por escrituras públicas de 28.03.2003 e de 07.05.2003 e;
- sejam declaradas nulas as doações celebradas entre os 2ºs réus e os 3ºs réus, por escritura pública de 27.12.2018;
- seja ordenado o cancelamento dos actos de registo predial e de inscrição matricial que incidem sobre os imóveis declarados vender pela falecida HH aos réus, realizados com base nas impugnadas escrituras;
- seja ordenado o cancelamento dos actos de registo predial e de inscrição matricial que incidem sobre os imóveis aqui em crise, realizados com base nas impugnadas escrituras.

Na sua contestação, os réus DD e mulher EE, FF e GG, suscitaram a ilegitimidade do autor para estar na acção desacompanhado dos demais herdeiros, impugnaram a factualidade invocada pelo autor e deduziram pedido reconvencional, tendo concluído, pedindo que:

i) os réus sejam absolvidos da instância por ilegitimidade do autor;
ii) se assim não se entender, a presente acção seja julgada improcedente por não provada e, por outro lado,
iii) seja julgado procedente por provado o abuso de direito.
iv) seja julgado provado e procedente o pedido reconvencional, declarando-se que os réus são donos e legítimos possuidores dos imóveis melhor identificados nos artigos 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da petição inicial;
v) se assim não se entender e para a possibilidade da acção ser julgada procedente, seja restituído aos 2ºs réus o preço pago pela compra dos referidos imóveis e que é aquele que consta das respectivas escrituras.

O autor replicou, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade activa, mas requereu, para o caso de assim não se entender, a intervenção principal provocada da co-herdeira II. No mais, impugnou a factualidade atinente à excepção de abuso de direito e ao pedido reconvencional, tendo ainda alegado ocorrer a excepção de ilegitimidade do autor quanto ao ultimo pedido reconvencional (restituição do preço pago) ou, caso assim não se entenda, a ineptidão do referido pedido reconvencional.
Os réus, no exercício do contraditório, pugnaram pela improcedência das excepções deduzidas pelo autor.
Foi admitido o incidente de intervenção principal provocada da co-herdeira II, a qual apesar de citada, não apresentou articulado.
Foi então realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi fixado o valor da causa, admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, tendo de seguida sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que, no final, julgou totalmente procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional.

Inconformados com tal sentença, dela apelaram os réus/reconvintes, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

“1. O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença proferida pela Mª Juiz “a quo”, a fls.. do processo, que julgou totalmente procedente os pedidos formulados pelo Autor.
2. A sentença recorrida é nula, por ausência ou fundamentação insuficiente, em virtude da omissão da indicação dos motivos e razões pelas quais o Tribunal a quo decidiu afastar a aplicação do artigo 291.º do CC, vício conducente à aplicação da cominação prevista no artigo 615, n.º 1, alínea b) do CPC.
3. A decisão recorrida não está, no que concerne a alguns pontos da matéria de facto, conforme os elementos de prova do processo e não faz uma adequada aplicação do direito, pelo que este recurso versa sobre matéria de facto e direito.
4. Nesta data, os Recorrentes tiveram conhecimento da declaração emitida pelo Banco 1... datada de 22 de Setembro de 2023 e do extrato bancário, de 11/08/2000 e 13/09/2001, emitido pelo, à data, Banco 2..., hoje Banco 1... (superveniência objetiva e subjetiva) sendo que, atenta a importância e essencialidade na demonstração dos factos controvertidos nestes autos (sobretudo os referentes ao pagamento do preço), devem ser admitidos neste recurso, em aplicação dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC.
5. O Tribunal a quo incorreu em violação do direito probatório formal (artigo 394.º do CPC).
6. Os Réus não juntaram aos autos qualquer documento com a virtualidade de consubstanciar princípio de prova quanto aos acordos simulatórios, pelo que deve concluir-se pela inadmissibilidade da produção e valoração da prova testemunhal, declarações de parte e presunções judiciais que tenham por objeto convenções contrárias ou adicionais ao teor das escrituras em causa nos presentes autos.
7. Assim, e tendo em consideração a factualidade assente nos autos com base em tal fundamentação, deve considerar-se como não provados os pontos 5, 9, 13, 16 a 26, 27 (na parte em que se lê “assim estribado”, 29) na parte em que se lê “prosseguindo os intentos supra referidos”, 30 a 39 e 41 dos factos provados, o que, por sua vez, é conducente à inexistência de matéria de facto probatória dos pedidos formulados pelos Autores.
8. Os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto e consideram incorretamente julgados os factos provados 5.º, 9.º (na parte em que se refere com conhecimento dos Réus) , 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27,º (na parte em que se escreveu “assim estribados”), 29.º (na parte em que se lê “prosseguindo os intentos supra referidos)“ 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 41.º e os factos não provados 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º e 60.º.
9. Atenta a prova produzida e a sua relevância tendo presente as várias soluções de direito plausíveis, os Recorrentes pretendem, ainda, ver aditados ao elenco dos factos provados os pontos 61) a 63).
10. Os autos oferecem concretos meios probatórios que impõem decisão diferente quanto à matéria de facto e que permitem afastar a existência de qualquer acordo simulatório.
11. Quanto à prova documental, as escrituras de compra e venda e doação outorgadas em 20.08.2002, 25.10.2002, 28.03.2003, 07.05.2003 e 27.12.2018 – porque não foram objecto de qualquer impugnação e por consubstanciarem documentos autênticos - são prova bastante e plena dos negócios.
12. Estes concretos documentos suportam a impugnação da decisão quanto aos factos 5.º, 13.º, 16, 17.º, 18.º, 19.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 38.º, 39.º, 41.º que deverão ser julgados como não provados e quanto aos factos 54.º, 55.º e 60.º como provados.
13. Ainda na prova documental, as cópias dos cheques (fls 260 a 264 e 265), a declaração e extrato bancário (docs. ... e ... deste recurso) demonstram, inequivocamente, o pagamento do preço, o depósito e a movimentação a débito das quantias na conta dos 2.ºs. Réus bem como a liquidez, à data do negócio, dos 2.ºs. Réus para o referido negócio.
14. Estes concretos documentos, também, suportam a impugnação da decisão quanto ao facto 55 que deve ser dado como facto provado.
15. As declarações de IRS dos 2.ºs Réus, DD e EE, referentes aos anos de 2005 a 2018 atestam a declaração dos rendimentos provenientes das rendas pagas pelos arrendatários dos imóveis (documento ... juntos à contestação).
16. A declaração datada de 07 de Julho de 2003 - documento ...6 da contestação – atesta as comunicações feitas pelos 2.ºs Réus aos arrendatários dos imóveis a informar a sua titularidade dos bens na sequência dos negócios realizados com os 1.ºs Réus.
17. Estes concretos documentos afastam qualquer indício de simulação nos negócios, pelo que devem ser valorados e considerados na alteração da decisão quanto aos factos 5.º, 13.º, 16, 17.º, 18.º, 19.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 38.º, 39.º, 41.º, que devem ser julgados como não provados e a alteração do julgamento dos factos 54.º e 60.º para factos provados.
18. A cópia da sentença proferida no processo 196/04...., ... Vara Mista de Guimarães de onde resulta a inexistência de factos integradores da simulação na compra e venda realizada pelos 1.ºs Réus aos 2.º Réus (cfr. facto provado n.º 51), é bastante na sustentação da alteração da decisão quanto aos factos 5.º, 13.º, 16, 17.º, 18.º, 19.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 38.º, 39.º, 41.º para factos não provados e quanto aos factos 54.º e 60.º para factos provados.
19. Quanto à prova gravada, os depoimentos das testemunhas JJ e KK, as declarações dos Réus, BB, CC e DD e as declarações do Autor AA, todos disponíveis e gravados em sistema áudio do citius, são, igualmente, idóneos a fundamentar a alteração e aditamento da matéria de facto.
20. A testemunha JJ é sócio do 2.º Réu DD numa empresa imobiliária e tem conhecimento direto sobre (i) a intenção de compra por parte de DD, (ii) a efetiva concretização do negócio por parte deste 2.º Réu e (iii) a confirmação da existência de liquidez do sócio para realizar o negócio.
21. O depoimento desta testemunha sustenta a alteração da decisão sobre os pontos 26, 27, 30, 31, 32 e 33 que devem ser julgados como factos não provados e dos factos 54 e 60 como factos provados.
22. O depoimento da testemunha JJ está gravado no sistema áudio do citius, foi prestado em audiência de julgamento dia 18 de Abril de 2023 (início do depoimento às 10:19 e fim às 10:31) e as concretas passagens da gravação encontram-se nos minutos 4:20 a 5:05 e 7:08 a 7:53.
23. A testemunha KK é contabilista dos 2.ºs Réus e depôs sobre o conhecimento, que lhe adveio do exercício da sua atividade profissional, sobre o recebimento e declaração dos dividendos dos imóveis (rendas) efetivamente adquiridos pelos 2.ºs Réus.
24. Este depoimento sustenta, na nossa opinião, a alteração da decisão sobre os pontos 26, 27, 30, 31, 32 e 33 que devem ser julgados como factos não provados e dos factos 54 e 60 como factos provados.
25. O depoimento de KK encontra-se gravado no sistema áudio do citius, foi prestado em audiência de julgamento dia 18 de Abril de 2023 (início 10:32 fim 10:51) e as concretas passagens encontram-se aos minutos 02:40 a 3:38, 03:50 a 04:01, 09:57 a 10:15 e 11:00 a 11:18.
26. O depoimento de DD é idóneo a demonstrar a real intenção e vontade na realização dos negócios (compra e venda com os 1.ºs Réus e doação aos 3.ºs Réus), o cumprimento de pagamento do preço referente à compra e venda entre os 1.ºs e 2.ºs Réus , o tipo de relação entre HH e os 2.º Réus, o alheamento dos 2.ºs Réus quanto à situação financeira da D HH e da empresa, bem como dos contornos em que terá ocorrido o negócio entre esta e os 1.ºs Réus e o recebimento das rendas e dividendos pelos 2.ºs Réus provenientes dos imóveis adquiridos aos 1.ºs réus, (vi) do pagamento dos impostos e demais obrigações decorrentes da titularidade destes bens e (vii) a realização pelos 2.ºs Réus de obras nos imóveis.
27. Este depoimento mostra-se credível, coerente e idóneo a demonstrar a veracidade dos factos e, por consequência, a alteração da matéria identificada nos pontos 9, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41 para factos julgados não provados e os factos 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59 e 60 como provados.
28. O Réu DD prestou depoimento, gravado no sistema áudio do citius, em audiência de 15 de Junho de 2023 (início pelas 11:07 fim 11:34) e as concretas passagens encontram-se nos minutos 0:39 a 01:49,1.50 a 04:15, 04:15 a 7.18, 8:50 a 10:20, 10:36 a 11:38 e 14:07 a 17:28.
29. As declarações prestadas em audiência pelos Réus LL e CC permitem provar a real intenção e vontade na realização dos negócios (compra e venda entre a HH e os 1.ºs Réus, bem como a compra e venda entre os 1.ºs e 2.ºs Réus), a origem do dinheiro e o pagamento do preço (numerário) referente ao negócio entre a HH e os 1.ºs Réus, a forma (numerário) e pagamento do preço no negócio entre os 1.ºs e 2.ºs Réus, o destino do produto da venda e o desconhecimento da situação financeira da D HH à data da compra e da venda dos imóveis.
30. O depoimento do 1.º Réu BB permite, salvo melhor opinião, sustentar a alteração dos factos 5, 9, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 32, 33, para factos julgados não provados e os factos 54, 55 e 57 como provados.
31. O Réu BB prestou depoimento, gravado no sistema áudio do Citius, na audiência de 18 de Abril de 2023 (início pelas 10:55 fim pelas 11:49) e as passagens encontram-se nos minutos 2:30 a 2:58, 3:25 a 7:45, 9:32 a 12:46.
32. O depoimento da 1.ª Ré CC permite, salvo melhor opinião, sustentar a alteração dos factos 5, 9, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 32, 33, para factos julgados não provados e os factos 54, 55 e 57 como provados.
33. A Ré CC prestou depoimento, gravado no Citius, em audiência de 18 de Abril de 2023 (início pelas 11:50 fim pelas 12:30) e as passagens encontram-se nos minutos 2:08 a 3:40, 10:10 a 10:47 e 12:54 a 13:26.
34. Os factos 61 a 63 – cujo aditamento ora se requer – resultam da confissão do próprio Autor que admite que sempre teve conhecimento sobre os negócios – tendo-os consentido – celebrados entre a mãe, HH e os 1.ºs Réus e entre estes e os 2.ºs Réus.
35. O Autor AA prestou depoimento, gravado no sistema áudio do Citius, na audiência de 15 de Junho de 2023 (início pelas 11:35 fim pelas 12:20) e as concretas passagens encontram-se nos minutos 9:00 a 12:11.
36. A valoração destes meios de prova permite, para além do mais, afirmar que as partes quiseram comprar, vender e doar os mencionados imóveis, que foi pago o respectivo preço, que os intervenientes desconheciam a situação financeira quer de HH quer da família MM, que pagaram impostos referentes ao património adquirido, receberam rendas e fizeram obras nos imóveis, em pleno exercício de todos os direitos e deveres enquanto plenos proprietários dos bens.
37. Os referidos documentos, declarações das testemunhas e depoimentos das partes, são idóneos a afastar a existência de qualquer acordo simulatório nos negócios em causa nestes autos.
38. Os meios probatórios e as concretas provas elencadas pelo Tribunal são manifestamente insuficientes para formar a convicção no sentido contido na matéria de facto.
39. Não merece credibilidade a narrativa preconizada pelo Autor e pela esposa, aqui testemunha NN, porquanto é uma história arquitetada com o claro propósito de retaliação em virtude do afastamento dos dois irmãos e não se mostra corroborada por qualquer documento idóneo a demonstrar a simulação.
40. O Autor e a testemunha NN sempre tiveram conhecimento destes negócios, com eles tendo concordado, pelo que não são terceiros desinteressados, alheios e de boa-fé em relação aos referidos negócios.
41. A testemunha OO (arrendatário) prestou um depoimento confuso e inexato e que em nada contribuiu para a descoberta da verdade material.
42. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que foi a irmã do Autor, II, que custeou o preço da compra e venda entre os 1.ºs e 2.ºs Réus, porquanto inexiste prova que ateste esta tese.
43. Andou mal o Tribunal a quo ao não considerar o pagamento do preço referente ao negócio outorgado entre a HH e os 1.ºs Réus, porquanto BB e CC explicaram, de forma credível e suficiente, o pagamento do preço em numerário com recurso a fundos emprestados.
44. Andou mal o Tribunal a quo ao valorizar a carta, datada de 17 de Setembro de 2014, alegadamente remetida por II, como início de simulação, porquanto esta carta refere-se ao imóvel com o número de polícia ...5 que não corresponde a nenhum dos imóveis em causa nos autos.
45. Este facto foi esclarecido pelo Réu DD, prestado em audiência, registado no sistema áudio do Citius, 15 de Junho de 2023 (início pelas 11:07 fim pelas 11:34) – localização das passagens do depoimento pelos minutos 23:50 a 26:51.
46. Nenhuma das partes confessou ter conhecimento da situação patrimonial de HH ou das empresas nem qualquer outra prova séria, credível e idónea foi produzida neste sentido, pelo que andou mal o Tribunal a quo na decisão que tomou sobre estes concretos pontos factuais.
47. O Tribunal a quo cometeu erros grosseiros na apreciação da prova.
48. A melhor atenção e valoração dos meios probatórios levados a cabo nos autos, teria conduzido o Tribunal a quo a uma decisão diversa dos referidos pontos da matéria de facto.
49. A decisão a proferir sobre as questões de facto impugnadas terá, necessariamente, que conduzir ao afastamento da existência de qualquer acordo simulatório nos negócios.
50. Os factos 5.º, 9.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º,30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º,35.º,36.º,37.º,38.º,41.º, devem, na sua exata redação, ser julgados não provados por absoluta falta de demonstração probatória desta realidade.
51. Os factos não provados 53.º, 54.º, 55.º, 57.º, 59 e 60.º devem transitar, com a mesma redação, para os factos provados nos seguintes termos:
(facto 53.º)
“Os 2.ºs Réus desconheciam que a HH tinha avultadas dívidas”
(facto 54.º)
“Os 2.ºs Réus quiseram comprar e efetivamente compraram os imóveis aos 1.ºs Réus e estes quiseram vender-lhes e efetivamente venderam”
 (facto 55.º)
“Os 2.ºs Réus pagaram o correspondente preço”
(facto 57.º)
“Aquando da transmissão para os 2.ºs Réus, jamais os 1.ºs Réus exteriorizaram informação relativa à vida financeira da HH “
(facto 59.º):
“Que apenas se encontravam em cerimónias familiares como batizados e casamentos
(facto 60):
Que os 2.ºs Réus tiveram posse sobre os prédios que adquiriam, que comunicaram aos inquilinos a transmissão da propriedade a seu favor, emitiram os competentes recibos de rendas e pagaram os impostos, através das respectivas declarações fiscais, ocupando-os, fruindo-os e benfeitorizando-os há mais de 15 anos, posse essa adquirida sem violência na convicção de não serem lesados direitos de outrem e sempre exercida dia a dia, ano a ano, sem soluções de continuidade, à vista de toda a gente incluindo o próprio A., sem oposição de ninguém, bem como com ânimo de quem usa e frui coisas próprias e no próprio nome dos exercitantes;
52. Os factos não provados 56 e 58 devem transitar, parcialmente alterados, para os factos provados nos seguintes termos:
(facto 56)
“Os 2.ºs e 3.ºs Réus não conhecem os hábitos e rotinas da D. HH “
(facto 58)
“os 2.ºs e 3.ºs Réus não tinham qualquer tipo de relacionamento com a HH, não frequentavam a casa, não passeavam, não tomavam refeições juntos, nem nunca privavam sozinhos”
53. Devem, ainda, aditar-se aos factos provados os seguintes pontos, resultantes da confissão do Autor:
Facto 61): O Autor sempre teve conhecimento dos negócios celebrados pela Mãe e com eles concordou.
Facto 62) O Autor sempre soube da posterior venda aos 2º réus e nenhuma oposição manifestou.
Facto 63) A atuação do Autor foi sempre no sentido de criar, razoavelmente nos 2ºs réus, uma expetativa factual e sólida da existência e validade dos negócios, nunca os colocando em causa, consentindo até, numa posse passível de conduzir à usucapião.
54. Tendo presente a factualidade já considerada assente e aquela que decorrerá da procedência da impugnação aduzida neste recurso, bem como as soluções de direito plausíveis no caso em concreto, impõe-se a prolação de decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal a quo.
55. Na simulação absoluta, são três os requisitos cumulativos: o pactum simulationis (acordo entre declarante e declaratário), divergência entre a declaração negocial e a vontade real e o intuito de enganar terceiros (artigo 240.º do CC).
56. Da factualidade provada resulta que as declarações manifestadas nas escrituras correspondem às vontades reais dos declarantes: as partes quiseram, efetivamente, comprar, vender, doar e receber em doação os imóveis em apreço nestes autos.
57. Não se provou a existência de qualquer acordo simulatório quer no negócio celebrado entre os 1.ºs e 2.ºs réus, quer entre estes e os 3.ºs Réus.
58. Não se mostram preenchidos os requisitos legais previstos no aludido artigo 240.º do Código Civil, pelo que são válidos e regulares os contratos objecto dos autos.
59. Caso assim não proceda, o Autor sempre soube da existência dos negócios e, sempre, aceitou os contornos, pressupostos e circunstâncias sobre os quais os mesmos foram outorgados entre as partes.
60. Tendo presente os factos e fundamentos invocados, mostram-se preenchidos os requisitos legais, previstos no artigo 334.º do CC, para se considerar verificada qualquer uma das modalidades de abuso de direito (Venire contra factum proprio, Supressio e “Tu Quoque”).
61. Caso assim não proceda, os 2.ºs Réus devem ser considerados terceiros de boa-fé.
62. Os referidos Réus outorgaram as escrituras, pagaram o preço, os respetivos impostos e cumpriram todas as obrigações legais decorrentes da titularidade dos mencionados bens.
63. Os 2.ºs Réus desconheciam qualquer vício dos negócios.
64. Os Réus registaram os imóveis a seu favor antes do registo desta acção e esta não foi proposta nem registada nos três anos subsequentes à conclusão do negócio, sendo do absoluto conhecimento do Autor.
65. Encontram-se reunidos os requisitos legais impostos para que os 2.ºs Réus beneficiem da proteção conferida pelo artigo 291.º do CC.
66. Caso assim não proceda, os 2.ºs Réus exercem, em seu nome, sobre os imóveis, uma posse titulada, pacífica e pública, sem oposição de ninguém, há mais de 15 anos (corpus) praticando, nesta condição e na qualidade de seus legítimos proprietários, todos os atos de disposição inerentes ao exercício do direito de propriedade – tais como apresentação e comunicação com os arrendatários enquanto proprietários, recebimento de rendas de contratos de arrendamento em vigor sobre os imóveis, emissão de recibos de renda, pagamento de impostos, declaração nas respectiva declarações fiscais de IRS de proventos, lucros e frutos provenientes deste património - (animus), sem violação de direitos de outrem.
67. A referida posse – por força do instituto da acessão previsto no artigo 1256º do CC – estende-se aos 3ºs réus.
68. Assim, dúvidas não há que, atento o supra exposto, e por se mostrarem verificados os elementos essenciais dessa forma originária de aquisição, deverá ser julgada como verificada a aquisição, por usucapião, dos imóveis adquiridos pelos 2.ºs Réus, decretando-se que estes são os donos e legítimos possuidores dos imóveis objecto das escrituras públicas outorgadas em 28.03.2003 e 07.05.2003.
69. Verifica-se que o Tribunal a quo, não decidiu bem, sendo que a sentença proferida nos autos deve ser revogada por outra que julgue totalmente improcedente os pedidos do Autor.
70. Pelo que, ao assim não ter procedido, a decisão em crise fez uma desadequada aplicação do Direito, designadamente, para além do mais, dos artigos 240.º, 291.º, 334.º, 369.º, 1287.º, todos do Código Civil e, ainda, dos artigos 394.º e 615.º do Código de Processo Civil que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos do Autor.”.
O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“I. Não se conformando os Recorrentes com a douta Sentença que julgou procedente a ação apresentada, dela interpuseram recurso.
II. No entanto, entende o Recorrido que a Decisão aqui em crise não merece qualquer reparo, pelo que carece de fundamento, salvo devido respeito por melhor entendimento, a motivação aduzida pelos Recorrentes na sua alegação, como adiante se logrará demonstrar.
III. Isto porque não só o Insigne Tribunal a quo efectuou uma correcta avaliação dos factos provados e não provados, como aplicou correctamente o direito, como, de resto se impunha!
IV. Em todo o caso não se deverá olvidar o recurso apresentado pelo aqui Recorrido em 20.06.2023, do Despacho proferido a 01.06.2023, relativo ao desentranhamento de documentos juntos aos autos, com elementos essenciais para manutenção da Decisão aqui em crise, do qual não se prescinde.
V. Quanto à alegada nulidade por falta de fundamentação, não se aceita porque com o segmento decisório: “Todos agiram de comum acordo, declarando uma vontade de vender e de doar que não existiu, porque não houve intenção de lhes transferir o direito de propriedade relativo às referidas habitações, nem os 2ºs e 3ºs réus tiveram intenção de aceitar tal transferência, tendo acordado em protagonizar declarações divergentes das suas reais intenções(…). Os 1ºs. 2ºs e 3º réus agiram com o claro propósito de evitar a execução dos imoveis declarados vender e doar, pelos credores da HH.” (sic Sentença) resulta claro que o indicado artigo 291.º do CC nunca poderia ser aplicável, por inexistência da boa-fé, estando assim devidamente fundamentada, ainda que não expressamente, devendo improceder a nulidade arguida.
VI. Quanto à junção de dois documentos apenas agora requerida pelos Recorrentes, tal não poderá ser aceite pois inexiste sustentação legal para o efeito.
VII. É absolutamente inverosímil que só nesta data tenham chegado ao conhecimento dos Recorrentes e, por outro lado, são irrelevantes para a boa decisão da causa, sendo, em todo o caso, insuscetíveis de provarem o alegado por aqueles.
VIII. Assim, por consubstanciar a sua junção ato nulo por não admitido legalmente, nulidade que expressamente se argui e espera ver deferida, deverão os mesmos ser desentranhados e devolvidos à parte.
IX. Quanto aos negócios sub judice, não poderá olvidar-se que também em 2004 correu termos processo judicial em que foram, uma vez mais os aqui 2º RR. condenados em ação de simulação, precisamente pelos mesmos factos, mas com intervenientes e imóveis diferentes, não obstante pertencentes ao mesmo bairro e com o mesmo objetivo.
X. Não se poderá perder de vista que os 1º RR. não contestaram qualquer das ações de simulação – pelo que quanto a estes, em relação aos dois imóveis registados a seu favor a Decisão recorrida deverá manter-se inalterada – em que foram parte e que todos os intervenientes têm relações familiares com a falecida HH.
XI. Daí que se possa ler na douta Sentença recorrida:
“Ora, no que respeita às 8 casas que a HH, vendeu ao PP e, este por sua vez, vendeu ao DD, por força da ação intentada, tais vendas foram declaradas nulas por simulação e tais casas integram atualmente a herança aberta pelo óbito de HH; No que respeita às 8 casas vendidas pela HH ao QQ e CC, e por estes ao DD e mulher, como a HH entretanto faleceu e não foram notificados os herdeiros, a ação foi considerada deserta.”
XII. Os Recorrentes começam por discordar da interpretação efetuada pelo Insigne Tribunal a quo quanto à aplicação do art.º 394.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e valoração da prova testemunhal produzida: todavia o elenco dos documentos suscetíveis de indiciar que esta prova é a demonstração cabal de que os acordos simulatórios existiram é devidamente identificada na douta Sentença.
XIII. E em todo o caso, o Recorrido é, neste caso, herdeiro legitimário pelo que, em qualquer dos casos, a prova testemunhal teria de ser aceite para julgamento dos presentes autos.
XIV. Quanto à alteração da matéria de facto preconizada pelos Recorrentes, esta não poderá proceder pois a prova invocada para o efeito não apresenta tal virtualidade probatória.
XV. O que os Recorrentes pretendem é um segundo julgamento sobre a matéria de facto. Todavia, o recurso não visa um novo julgamento, mas sim a legalidade da decisão recorrida na forma como apreciou a prova e nos segmentos concretos indicados pelos Recorrentes – e nada há a apontar ao teor da Sentença.
XVI. Resulta inequívoco que, de acordo com os documentos juntos aos autos e dos depoimentos e declarações produzidos em sede de audiência de julgamento, acima transcritos, bem andou o Insigne Tribunal a quo.
XVII. Quanto ao valor das escrituras aqui em crise, diga-se “o documento autêntico apenas faz prova plena que as partes fizeram essa declaração” pelo que não pode ser aceite a tese dos Recorrentes.
XVIII. A convicção vertida na Sentença é inabalável considerando o princípio da imediação da prova:
“O Tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto ao caracter simulado das escrituras datadas de 20/08/2002 e de 25/10/2002, relativa aos negócios celebrados entre HH e os 1ºs réus QQ e BB.” (…)
“O Tribunal também não teve dúvidas sobre o caracter simulado das escrituras datadas de 28/03/2003, 07/05/2003 e 15/05/2003, por via das quais os 1ºs réus declararam vender aos 2ºs réus os prédios nºs ...47, ...48, ...51, ...52 e ...53. (…)
“Tudo ponderado, importa concluir que os documentos acima aludidos, conjugados entre si e com os depoimentos de parte do autor e dos Réus e das testemunhas, permitem um princípio de prova dos acordos simulatórios, no sentido de que torna verosímil a sua existência. Dito de outro modo, os documentos permitem, “como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação”, para usar os termos de Luís A. Carvalho Fernandes, no estudo citado, pág. 60.” (sic Sentença)
XIX. Os testemunhos de JJ e KK não são também suscetíveis de fundamentar a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada nos presentes autos.
XX. Na verdade, não é plausível que os 2º Réus, de uma forma inadvertida, comprem coincidentemente um conjunto de mais de uma dezena de imóveis, a vendedores diferentes (coincidentemente ambos sobrinhos de HH), poucos meses depois destes terem também adquirido à mãe do Autor, por montantes avultados, para receber rendas manifestamente baixas, num negócio perfeitamente ruinoso para os 2ºRéus.
XXI. Recorde-se que, em simultâneo, os 2º Réus alegadamente compraram também ao outro sobrinho da falecida HH, conforme se pode aferir dos documentos juntos aos autos em 18.05.2023 pelo Recorrido – cujo desentranhamento foi objeto de recurso ainda a decidir –, RR outras casas, do mesmo bairro, daí que não seja verosímil as coincidências que aparentemente os RR. pretendem diluir nas “coincidências” que apresentam.
XXII. Conforme resulta dos documentos antes referidos, OO era inquilino do 2º Réu mas recebia comunicações da irmã do Recorrido para depositar a renda numa conta que não era daquele.
XXIII. Dos depoimentos de NN e OO e das declarações do Recorrido, conjugados com os documentos juntos, nomeadamente as Decisões anteriores, em que estiveram em crise os negócios sub judice, resulta inequívoco o acordo simulatório.
XXIV. De igual modo, nunca o Recorrido agiu de forma a aceitar – nem expressa nem tacitamente -que fossem os Recorrentes a beneficiar dos imóveis, tanto que, no inventário que corre termos por morte de HH, o Recorrido sempre defendeu a partilha de todos os bens imóveis, nomeadamente os aqui em crise, que a sua irmã pretende salvaguardar apenas para os 3º Réus – netos daquela e dos 2º Réus.
XXV. Neste conspecto deverá manter-se inalterada a douta Sentença quanto à matéria de facto dada provada, não tendo os Recorrentes conseguido apresentar argumentação e suporte para a alteração pretendida, considerando, nomeadamente, a prova documental e testemunhal produzida.
XXVI. Assim, mantendo-se inalterada a matéria de facto provada na douta Sentença aqui em crise, bem andou a MM.ª Juiz ao decidir:
“Ora, considerando os factos provados, é inelutável concluir que, quando HH celebrou com os 1ºs réus, QQ e mulher, as escrituras publicas de 20/08/2002 e 25/10/2002, agiram de comum acordo, declarando uma compra e venda que não existiu, porque não teve intenção de lhes transferir o direito de propriedade relativo às referidas habitações, nem os 1ºs réus tiveram intenção de aceitar tal transferência, tendo acordado em protagonizar declarações divergentes das suas reais intenções, o que fizeram para evitar que tais imoveis fossem objeto de penhora ou outras diligencias executivas ou cautelares ou de apreensões pelos credores daquela vendedora HH. Assim, ficou demonstrado que os 1ºs réus sabiam, na data em que outorgaram as escrituras, que o património seria atacado pelas diligencias judiciais promovidas pelo principal credor (Banco 3...) e sabiam que a vendedora era devedora de avultadas quantias ao credor. Também HH sabia que, por força dos avais que tinha prestado, havia prejuízo para o seu património e que este seria atacado em virtude da insuficiência do património dos demais avalistas. A HH e os 1ºs réus agiram com o claro propósito de evitar a execuçãodos imoveis declarados vender, pelos credores da HH.
O mesmo se diga quanto aos contratos de compra e venda celebrados entre os 1ºs réus e 2ºs réus, por escrituras publicas de 28/03/2003 e 07/05/2003, bem como quanto às doações celebradas entre os 2ºs e 3ºs réus, por escritura publica de 27/12/2018.
Todos agiram de comum acordo, declarando uma vontade de vender e de doar que não existiu, porque não houve intenção de lhes transferir o direito de propriedade relativo às referidas habitações, nem os 2ºs e 3ºs réus tiveram intenção de aceitar tal transferência, tendo acordado em protagonizar declarações divergentes das suas reais intenções, o que fizeram para evitar que tais imoveis fossem objeto de penhora ou outras diligencias executivas ou cautelares ou de apreensões pelos credores daquela vendedora HH. Assim, ficou demonstrado que quer os 2ºs réus, quer os 3ºs réus sabiam, na data em que outorgaram as escrituras, que o património de HH, não fosse aquela cadeia de transmissões, seria atacado pelas diligencias judiciais promovidas pelo principal credor (Banco 3...) e sabiam que a vendedora era devedora de avultadas quantias ao credor. Também os vendedores e doadores sabiam que, por força dos avais que HH tinha prestado, havia prejuízo para o seu património e que, não fosse a cadeia de transmissões, este seria atacado em virtude da insuficiência do património dos demais avalistas. Os 1ºs. 2ºs e 3º réus agiram com o claro propósito de evitar a execução dos imoveis declarados vender e doar, pelos credores da HH.” (sic Sentença)
XXVII. A manutenção da matéria de facto nos termos preconizados no Aresto recorrido, só por si, faria soçobrar o invocado abuso de direito; todavia, nunca o Recorrido alimentou qualquer expectativa aos RR. de que não viria defender o património de que é herdeiro, até porque, eram os herdeiros que iam cobrando as rendas dos imóveis.
XXVIII. Como bem resulta da certidão junta pelos RR., o Banco iniciou tal demanda em 2004 e apenas em 2016 foi declarada a deserção da instância; apenas no final de 2018, foi efetuada a doação aos 3º RR; tendo apenas depois de tal negócio se iniciado o inventário em que o Recorrido percebe o destino final que pretendiam as partes destinar os imóveis sub judice; pelo que, atentas as circunstâncias descritas, foi o Recorrido obrigado a lançar mão dos presentes autos.
XXIX. Considerando a matéria de facto dada como provada, inexiste qualquer aplicabilidade do artigo 291.º, do CC, não se tratando de negócio oneroso nem celebrado por terceiro de boa fé.
XXX. Na verdade, em qualquer caso, adestra o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/10/2004, Revista n.º 1054/04, Relator: SS: “De facto, tendo o simulado alienante 'adquirido' os prédios por acto nulo, nulas são também as vendas subsequentes, já que, nada tendo adquirido validamente (dada a nulidade do acto de aquisição) nada pode transmitir.”. (com negrito nosso)
XXXI. E já quanto à invocada usucapião pelos Recorrentes, nunca a mesma poderia proceder atenta a matéria de facto dada como provada, pois os Recorrentes sempre souberam que tais imóveis não lhes pertenciam nem pertencem.
XXXII. Pelo que, uma vez mais, bem andou o insigne Tribunal a quo quando decide:
“Também não se pode concluir pela aquisição por usucapião dos 2ºs e 3ºs réus, por falta do animus e corpus da posse, atento o caracter simulado dos negócios que titulariam a posse, pelo que improcede o pedido principal formulado pelos réus reconvintes.
Igual improcedência deve merecer o pedido subsidiário, no sentido de que a nulidade dos negócios celebrados entre os 1ºs e 2ºs réus deveria ser acompanhada da condenação do transmitente a devolver o preço. Nessa parte o pedido reconvencional nunca poderia proceder porque o sujeito passivo da obrigação de devolver o preço aos 2ºs réus seriam os 1ºs réus, sendo que o processo não comporta a possibilidade dos réus deduzirem pedidos entre si, não fazendo sentido condenar o autor a devolver algo que nunca recebeu.
Julgo, pois, totalmente improcedente o pedido reconvencional.” (sic Sentença)
XXXIII. Portanto, não merece a Decisão recorrida qualquer reparo, devendo manter-se inalterada, nomeadamente quanto à matéria dada como provada e não provada, julgando-se o recurso apresentado pelos Recorrentes improcedente.”.
O tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, não se tendo pronunciado sobre a nulidade arguida pelos apelantes.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

*
*
III. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e a sua precedência lógica, são as seguintes:

a) da admissibilidade da junção de documentos com o presente recurso [art.ºs 425º e 651º, do NCPC];
b) da nulidade da sentença por falta de fundamentação, quanto à inaplicabilidade ao caso do disposto no art.º 291º, do CC [cfr. art.º 615º, nº 1, al. b), do NCPC];
c) da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
i. por violação do direito probatório material, mormente, por errada interpretação do regime previsto no art.º 394º, do CC;
ii. por erro de julgamento quanto aos pontos 5, 9, 13, 16 a 26, 30 a 39, 41 e 53 a 60, da matéria de facto, atendendo aos concretos meios de prova elencados pelo tribunal recorrido; e,
iii. por omissão de factos relevantes para a decisão da causa [designadamente, os relativos à excepção peremptória de direito material - abuso de direito – e confessados pelo autor]; 
d) da reapreciação da decisão de direito, quanto:
i. à verificação dos pressupostos da simulação quanto aos negócios celebrados entre os réus [art.º 240º, do CC];
ii. ao preenchimento dos requisitos legais para que os 2ºs réus sejam considerados terceiros de boa fé e beneficiem da protecção conferida pelo art.º 291º, do CC;
iii. ao preenchimento dos pressupostos do abuso de direito [nas modalidades venire contra factum proprio, supressio e tu quoque]; e
iv. caso assim não se entenda, à verificação dos requisitos da aquisição dos bens imóveis objecto dos negócios em questão, por usucapião.
*
*
III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a sublinhado a matéria de facto ora impugnada):

A) FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DA P.I.
1.º No dia ../../2008 faleceu HH, mãe do A., ficando como seus herdeiros o A. e a irmã II.
2.º A mãe do A. era proprietária de um vasto património imobiliário.
3.º Todavia, HH contraiu, em vida, diversas obrigações, de montante avultado em instituições de crédito, nomeadamente junto do Banco 3..., Banco 3..., S.A.
4.º Assim, por volta do ano de 2002, as dívidas de HH ascendiam a mais de € 478.916,87 de capital, mormente contraídas por avais prestados a livranças subscritas por empresas detidas por seus familiares.
5.º Ora, para evitar a perda de todo o património imobiliário para os credores, a referida mãe do A. simulou a realização de diversos negócios dissipando assim todos os seus bens.
6.º Foi neste conspecto que o Banco 3..., Banco 3..., S.A., apresentou ação judicial contra HH e os aqui 1ºs e 2º Réus, que correu termos sob o nº de processo 196/04...., na extinta ... Vara Mista do Tribunal Judicial de ..., em que peticionava, além do mais, a declaração de nulidade das escrituras públicas de 20/08/2002 e 25/10/2002, 28/03/2003 e 07/05/2003, em virtude de simulação, ação esta julgada procedente por provada e confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
7.º Assim, como resulta da Douta Sentença, confirmada por também Douto Acórdão, no dia 03/02/1999, a falecida prestou o seu aval a uma livrança subscrita por EMP01..., Lda. e emitida a favor do Banco 3..., Banco 3..., S.A., com data de vencimento 29/07/2002, no valor de € 101.840,27 (cento e um mil oitocentos e quarenta euros e vinte e sete cêntimos).
8.º Resulta ainda que, a ../../1999, a falecida prestou novo aval a duas livranças, uma subscrita pela sociedade EMP02..., Lda. e a outra por EMP01..., Lda., ambas emitidas a favor do Banco 3..., com data de vencimento 29/07/2002, no valor de € 57.212,13 (cinquenta e sete mil duzentos e doze euros e treze cêntimos) e € 206.296,40 (duzentos e seis mil duzentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos), respetivamente.
9.º Ambas as sociedades que subscreveram as livranças avalizadas pela falecida – EMP02..., Lda. e EMP01..., Lda., de que eram sócios o filho de HH, aqui A., e TT – encontravam-se descapitalizadas e sem capacidade para liquidar as obrigações contraídas junto das instituições de crédito – facto que, naturalmente, era do conhecimento da falecida mãe do A. e dos Réus –, tendo ocorrido o registo do encerramento da liquidação de ambas em 2009.
10.º Acresce que, o aqui A., a sua irmã II e a mãe de ambos, a falecida HH, por um lado, e o Banco 3..., S.A., por outro, declararam, por escrito particular, no dia 20/11/2001, que para garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco 3..., derivadas de um financiamento por livrança no valor de 25.000.000$00, equivalente a € 124.699,47, suas prorrogações, renovações ou substituições, até à sua completa liquidação, incluindo os correspondentes juros e demais encargos legais e ainda todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco 3... venha a fazer para a cobrança do seu crédito, os primeiros dão como penhor ao Banco 3... as seguintes obrigações: 125 Obrigações de Caixa subordinadas Banco 3... 2001-2011, no valor nominal de 200.482$00 emitidas pelo Banco 3... existente no dossier dos primeiros outorgantes n.º 79/...39, o que o último declarou aceitar.
11.º Considerando as dívidas em questão, na antiga ....ª secção da ... Vara Cível do Tribunal Judicial do Porto, correu termos o processo de execução n.º 184/2002 em que era exequente o Banco 3..., S.A. e executados a sociedade EMP01..., Lda., HH e TT (neta de HH e filha de II).
12.º Nas antigas Varas Cíveis da Comarca do Porto, entre outros, correu também termos um processo executivo em que figurava como exequente o Banco 3..., S.A. e executados a sociedade EMP03..., Lda. e novamente HH e TT (neta de HH e filha de II).
13.º Numa tentativa de se furtar às obrigações contraídas e dissipar o seu património, obstando a que, sobre ele, fossem encetadas diligências executivas, a falecida HH, contrariamente ao que era a sua vontade real, declarou vender imóveis de que era proprietária aos seus sobrinhos, os aqui 1.ºs RR., que, em acordo e comunhão de esforços com aquela e com o intuito de enganar os credores da putativa vendedora, declararam aceitar comprá-los, apesar de não o pretenderem.
14.º Assim, a 20/08/2002, por escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial ..., HH declarou vender a BB – casado no regime de comunhão de adquiridos com CC (1.ºs RR.) – que declarou aceitar, pelo preço de € 247.500,00 (duzentos e quarenta e sete mil e quinhentos euros), os seguintes prédios:
a) Por € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) um prédio composto por casa de ..., com uma dependência e logradouro, n.º 21 de polícia, inscrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...47 – ..., definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...20, com o valor patrimonial de € 1.187,03 (mil cento e oitenta e sete euros e três cêntimos) – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002 na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
b) Por € 40.000,00 (quarenta mil euros), um prédio composto por casa de ..., com uma dependência e logradouro, n.º 22 de polícia, inscrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...48 – ..., definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...21, com o valor patrimonial de € 1.890,84 (mil oitocentos e noventa euros e oitenta e quatro cêntimos) – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002 na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
c) Por € 50.000,00 (cinquenta mil euros), um prédio composto por casa de ... e ... andar, com uma dependência e logradouro, n.º 44/55 de polícia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...51 – ..., definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...75, com o valor patrimonial de € 2.521,12 (dois mil quinhentos e vinte e um euros e doze cêntimos).
d) Por € 50.000 (cinquenta mil euros), um prédio composto por casa de ... e ... andar, com uma dependência e logradouro, n.º 45/56 de polícia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...52 – ..., definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76, com o valor patrimonial de € 1.659,74 (mil seiscentos e cinquenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos) – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002 na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
e) Por € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), um prédio composto por casa de ... e ... andar, com uma dependência e logradouro, n.º 63/73 de polícia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...53 – ..., definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-3, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...84, com o valor patrimonial de € 1.302,58 (mil trezentos e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002 na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
15.º Acresce ainda que e com o mesmo desiderato, a 25/10/2002, por escritura pública outorgada ... Cartório Notarial ..., HH, por um lado, e UU – na qualidade de representante do 1.º R. marido – por outro, declararam a primeira vender ao 1º Réu, que declarou aceitar, pelo preço de € 80.000 (oitenta mil euros), os seguintes prédios:
f) Por € 40.000,00 (quarenta mil euros), o prédio urbano composto de ..., ..., dependência e logradouro, situado no Lugar ..., n.ºs 5/15 de polícia, freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...45, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12, com o valor patrimonial de € 1.239,55 (mil duzentos e trinta e nova euros e cinquenta e cinco cêntimos) – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002, na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
g) Por € 40.000,00 (quarenta mil euros), o prédio urbano composto de ..., ..., dependência e logradouro, situado no Lugar ..., n.ºs 6/16 de polícia, freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...46, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...13 – aquisição que se encontra inscrita, desde ../../2002 na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 1.ºs RR.
16.º A falecida mãe do A. HH não teve a intenção de transferir para os 1.ºs RR. o direito de propriedade dos bens imóveis acima descritos,
17.º E os 1.ºs RR. também não tiveram qualquer intenção de aceitar tal transferência e de os alienar.
18.º Acontece que, acordaram em declarar os negócios melhor identificados nos artigos 14º e 15º desta Petição Inicial, em completa desconformidade com a sua vontade real e apenas com a intenção de enganar terceiros, i. é, os credores de HH, tudo não passando de uma encenação.
19.º Fazendo-o apenas com o intuito de obstar a que os prédios declarados vender integrassem o património da falecida e, consequentemente, fossem objeto de penhora ou outras diligências executivas ou cautelares ou de apreensão pelos credores da mesma.
20.º Até porque os 1ºs RR não tinham capacidade financeira, tanto quanto se sabe, para adquirir tais imóveis, por um preço muito acima do valor de mercado, considerando a sua situação económica.
21.ºÀ data da outorga das escrituras, a HH e os aqui 1ºs RR. sabiam que sobre ela impendiam avultadas dívidas e que contra ela se encontravam já processos executivos em curso.
22.º Sabiam que o seu património seria, inevitavelmente, atacado pelas diligências judiciais dos credores, em virtude das livranças que avalizara.
23.º Tal como conheciam os 1ºs RR. a insuficiência do património dos demais avalistas de tais livranças, que eram seus familiares,
24.º Bem como a incapacidade das empresas subscritoras das livranças que avalizou HH em liquidar as obrigações contraídas junto das instituições de crédito.
25.º Factos estes que eram do conhecimento de todos, pois são todos familiares da falecida HH: os 1ºs RR. são sobrinhos; os 2ºs RR. são sogros da neta; e os 3º RR. são bisnetos.
26.º Após os negócios realizados em 2002, os RR. prosseguiram os seus intentos e simularam a venda, logo em 2003 – com o claro objetivo de tentar dificultar a declaração de nulidade dos negócios em questão com uma extensa cadeia de transmissões -, tendo os 1ºs RR simulado a venda de alguns dos imóveis supra referidos aos 2ºs RR.
27.º Assim estribados, posteriormente, por escritura pública outorgada a 28/03/2003 no ... Cartório Notarial ..., os 1.ºs RR. declararam vender a DD, casado no regime de comunhão de adquiridos com VV (sogros da neta da falecida designados 2.ºs RR.), que declarou aceitar, pelo preço de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), o prédio urbano composto por casa de ..., com dependência e logradouro, n.º 21 de polícia, destinado a habitação, situado no Lugar ..., Bairro ..., freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...47, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...20 – aquisição que se encontra registada desde 11/04/2003 a favor dos 2.ºs RR.
28.º A 07/05/2003, os 1.ºs RR. declararam vender aos 2.ºs RR., que declararam aceitar, por escritura pública, pelo preço de € 92.500,00 (noventa e dois mil e quinhentos euros), os seguintes prédios:
a) Por € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) o prédio urbano composto por casa de ..., com dependência e logradouro, destinado a habitação, situado no lugar ..., ... de polícia, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...48, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...21, com o valor patrimonial de € 1.890,84 (mil oitocentos e noventa euros e oitenta e quatro cêntimos) – aquisição que se encontra registada desde ../../2003 a favor dos 3.ºs RR.
b) Por € 50.000,00 (cinquenta mil euros) o prédio urbano composto por casa de ... e ... andar, com dependência e logradouro, destinado a habitação, situado no Lugar ..., Bairro ..., n.º 44/55 de polícia, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...51, definitivamente registado a seu favor, pela inscrição G-4, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...75 – aquisição que se encontra registada desde ../../2003 a favor dos 3.ºs RR.
29.º Prosseguindo os intentos supra referidos, por escritura pública outorgada a 15/05/2003, os 1.ºs RR. declararam vender aos 2.ºs RR., que por sua vez declararam aceitar, pelo preço de € 120.500,00 (cento e vinte mil e quinhentos euros), os seguintes prédios:
c) Por € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), o prédio urbano composto por casa de ... e ... andar, com dependência e logradouro, destinado a habitação, situado no Lugar ..., Bairro ..., n.º 45/56 de polícia, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...52, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76, com o valor patrimonial de € 1.659,74 (mil seiscentos e cinquenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos) – aquisição que se encontra registada desde ../../2003 a favor dos 3.ºs RR.
d) Por € 68.000,00 (sessenta e oito mil euros), o prédio urbano composto por casa de ... e ... andar, com dependência e logradouro, destinado a habitação, situado no Lugar ..., Bairro ..., n.º 63/73 de polícia, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...53, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...84, com o valor patrimonial de € 1.302,58 (mil trezentos e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) – aquisição que se encontra registada desde ../../2003 a favor dos 3.ºs RR.
30.º E uma vez mais, na verdade, nem os 1ºs RR tiveram a intenção real de transferir para os 2.ºs RR. o direito de propriedade dos bens imóveis acima descritos, que sabiam não lhes pertencer,
31.º Nem os 2.ºs RR. tiveram qualquer intenção de aceitar tal transferência – transferência - a quem sabiam não ser proprietário - e de os alienar.
32.º Acontece que, acordaram em declarar os negócios melhor identificados nos artigos 27.º a 29.º desta Petição Inicial, em completa desconformidade com a sua vontade real e apenas com a intenção de enganar terceiros, i. é, os credores de HH, tudo não passando de uma maior encenação.
33.º Fazendo-o apenas com o intuito de obstar a que os prédios declarados vender integrassem o património da falecida e, consequentemente, fossem objeto de penhora ou outras diligências executivas ou cautelares ou de apreensão pelos credores da mesma.
34.º Sublinhe-se, à data da outorga das escrituras, os aqui 2ºs RR. sabiam que sobre HH impendiam avultadas dívidas e que contra ela se encontravam já processos executivos em curso,
35.º Assim sendo, sabiam que o seu património seria, inevitavelmente, atacado pelas diligências judiciais dos credores, em virtude das livranças que avalizara,
36.º Tal como conheciam os 2ºs RR. a insuficiência do património dos demais avalistas de tais livranças, que eram seus familiares,
37.º Bem como a incapacidade das empresas subscritoras das livranças que HH avalisou, em liquidar as obrigações contraídas junto das instituições de crédito.
38.º Para encerrar o ciclo e afastar credores e agora também os herdeiros da falecida HH, in casu, o aqui A., os 2.ºs RR., doaram o que sabiam não ser seu, aos 3ºs RR., bisnetos daquela, voltando agora parte dos imóveis à família em linha reta de HH!
39.º Todavia, desta feita, também em detrimento dos herdeiros da de cuiús!
40.º Assim, por escritura pública outorgada a 27/12/2018 no ... Cartório Notarial ..., os 2.ºs RR. declararam doar aos 3ºs RR, que declaram aceitar os seguintes imóveis:
a) O prédio urbano, composto de casa de ..., dependência e logradouro, situado no Lugar ..., ... de polícia, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...47 – ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...20;
b) O prédio urbano, composto por casa de ..., com uma dependência e logradouro, situado no Lugar ..., ... de polícia, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...48, da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...21.
c) O prédio urbano, composto de casa de ..., ... andar, dependência e logradouro, por € 50.000,00 (cinquenta mil euros), um prédio composto por casa de ... e ... andar, com uma dependência e logradouro, situado no Lugar ..., n.º 44/55 de polícia, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...51, da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...75.
d) O prédio urbano, composto por casa de ... e ... andar, com uma dependência e logradouro, n.º 45/56 de polícia, situado no Lugar ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...52 – ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76;
e) O prédio urbano, composto de casa de ..., ... andar, dependência e logradouro, situado no Lugar ..., n.º 63/73 de polícia, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...84.
41.º Tudo novamente em detrimento dos herdeiros da de cuiús.

B. FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DA CONTESTAÇÃO DE FLS. 92 E SS

42.º No processo 196/04...., da extinta ... Vara Mista de Guimarães, em que foi Autor o Banco 3... e Réus, HH, BB e Mulher (os aqui 1ºs RR) e DD e Mulher (os aqui 2ºs RR), foi proferida sentença em primeira instância e acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
43.º Desse acórdão do TRG, recorreram os RR., DD e Mulher, para o Supremo Tribunal de Justiça.
44.º Na pendência desse processo, em ../../2008, faleceu a HH, tendo a instância, por esse facto, sido interrompida.
45.º Interrupção que se manteve, já que o Banco 3..., nunca procedeu ao incidente da habilitação do sucessor.
46.º Tal processo terminou com a decisão de julgar deserta a instância, com extinção da mesma.
47.º E com base nesta decisão, requereu o 2º Réu, na competente conservatória, o cancelamento dos registos prediais de ação judicial efetuada em virtude da pendencia do processo atrás referido e que incidiam sobre os prédios descritos sob os números ...47, ...48, ...51, ...52 e ...53.
48.º Tendo a conservatória procedido ao respetivo cancelamento.
49.º Quer a decisão em 1ª instância, quer o acórdão da 2ª instância nunca transitaram em julgado.
50.º Apesar disso, dessas decisões ressalta que o Tribunal considerou provada a existência de simulação, no que respeita aos negócios celebrados entre a então falecida HH e os aqui 1ºs Réus.
51.º Já a venda posterior dos imóveis descritos nos artigos 15º, 16º, 17º, 18 e 19º da pi, efetuada pelos aqui 1ºs RR., aos 2ºs RR., considerou a sentença que não se provou a existência de factos alegados e integradores da simulação.
52.º Os 2ºs RR residem e vivem na freguesia ..., concelho ..., diferente daquele que vivia a HH e seu filho, o ora A., que era no concelho ....

C. FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provou:

53.º Que os 2ºs RR desconhecessem que a HH tinha avultadas dividas:
54.º Que os 2ºs RR quisessem comprar e efetivamente compraram os imóveis aí melhor descritos aos 1ºs RR e estes quiseram vender-lhes, e efetivamente venderam.
55.º Que os 2ºs RR tenham pago o correspondente preço.
56.º Que os RR não conhecessem os hábitos e rotinas da HH.
57.º Que, aquando da transmissão para os 2ºs RR, jamais os 1ºs RR exteriorizaram qualquer informação relativa à vida financeira da HH.
58.º Que os RR não tivessem qualquer tipo de relacionamento com a HH, não frequentassem as respetivas casas, não passeavam, não tomavam refeições juntos, enfim não tinham qualquer tipo de relação, nem nunca privavam sozinhos ou com outras famílias.
59.º Que apenas se encontrassem em cerimónias familiares como batizados e casamentos
60.º Que os 2º réus tivessem tido posse sobre os prédios que adquiriram comunicando aos inquilinos a transmissão da propriedade a seu favor, emitindo os competentes recibos de rendas e pagando os respetivos impostos, através das respetivas declarações fiscais, ocupando-os, fruindo-os, e benfeitorizando-os, desde 2003, há mais de 15 anos, posse essa adquirida sem violência na convicção de não serem lesados direitos de outrem e sempre exercida dia a dia, ano a ano, sem soluções de continuidade, à vista de toda a gente incluindo o próprio A., sem oposição de ninguém, bem como com ânimo de quem usa e frui coisas próprias e no próprio nome dos exercitantes.”.
*
3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Da admissibilidade da junção de documentos com o recurso

Vieram os recorrentes requerer a admissão neste recurso, em aplicação dos art.ºs 651º, nº 1 e 425º do NCPC de dois documentos, como sejam:
- uma declaração emitida pelo Banco 1..., datada de 22.09.2023 [alegadamente demonstrativa que os cheques entregues pelos 2ºs réus aos 1ºs réus para pagamento do preço foram liquidados em 3, 15, 21 e 30.05.2003]; e
- o extrato bancário, de 11.08.2000 e 13.09.2001, emitido pelo, à data, Banco 2..., hoje Banco 1... [alegadamente demonstrativa da liquidez financeira dos 2ºs réus].
Invocam, para tanto, que apenas naquela data chegaram à posse e conhecimento daqueles dois documentos que reputam de essenciais ao esclarecimento e prova da veracidade dos factos, defendendo a sua superveniência objectiva - porquanto a declaração do banco é posterior ao encerramento da discussão da causa - e subjectiva - pois, apesar do extracto bancário ter data anterior, só adveio ao conhecimento dos réus depois do encerramento da discussão da causa - (cfr. conclusão 4).
O recorrido, em resposta, pugnou pela falta de fundamento para a junção de tais documentos apenas nesta sede.
Vejamos.
Determina o art.º 651º, nº 1, do NCPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”.
Por sua vez, dispõe-se no ali aludido o art.º 425º do NCPC que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.
Da leitura conjugada destes preceitos decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses:
i. superveniência do documento; ou
ii. necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância.
Como de forma esclarecida se diz no ac. da RC de 8.11.2011, processo 39/10.8TBMDA.C1 e disponível in www.dgsi.pt, relativamente à primeira hipótese, há que distinguir ainda entre os casos de:
. superveniência objectiva: que se reportam às situações de produção posterior do documento; e
. superveniência subjectiva: que se reportam às situações de conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito.
Ora, “[o]bjectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado.” – vide, neste sentido os acs. da RC de 18.11.2014, relatado por Teles Pereira e desta RG de 24.04.2019, relatado por António Barroca Penha, ambos acessíveis in www.dgsi.pt
Como afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531 a 537 [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].”.
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva. Cfr., neste sentido, Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2018, p. 313.
Ademais e conforme adverte Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.º instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento (cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, cit., p. 314).
Diga-se, pois, que o desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
No caso, e não obstante os recorrentes alegarem a superveniência objectiva da declaração emitida pelo Banco 1..., em 22.09.2023, - por ter sido emitido em data posterior a 15.06.2023 (data do encerramento da discussão da causa) -, não podemos olvidar que a declaração em causa se reporta a factos ocorridos em 2003.
Deste modo, os apelantes teriam que alegar e demonstrar, também quanto a este documento, que não tiveram acesso ao mesmo em data anterior, por motivo que não lhes seja imputável.
No caso, e salvo o devido respeito, os recorrentes não demonstram que só agora tiveram acesso aos documentos ou que a falta de acesso aos ditos não se deve a culpa sua.
Note-se que os recorrentes, quanto ao extracto bancário, nem sequer adiantam qualquer razão para só terem tido conhecimento ou acedido a tal documento em data posterior ao encerramento da discussão da causa.
Por outro lado, e quanto à declaração emitida pelo Banco 1..., é certo que os recorrentes não deixaram de referir que só neste momento é que a instituição bancária disponibilizou tal informação, por os factos terem ocorrido há mais de 10 anos e não se encontrar disponível no arquivo; porém, analisada a dita declaração, constata-se que da mesma não resulta que os recorrentes tivessem requerido a informação em data anterior, nem que não foi possível àquela entidade bancária disponibilizar a informação solicitada quanto ao pagamento dos cheques em data anterior (cfr. documento nº ... junto com as alegações de recurso). Ou seja, não demonstram que procuraram obter tal informação atempadamente. 
E sabendo – e não podendo deixar de saber – os recorrentes, ou pelo menos, os 2ºs réus, que os documentos comprovativos do pagamento do preço dos negócios impugnados e da sua liquidez financeira, eram importantes para a decisão da causa, deveriam ter diligenciado pela sua obtenção atempada, tanto mais, que são os próprios recorrentes que, na contestação, protestam juntar documentos comprovativos do pagamento.
Os apelantes limitaram-se a juntar cópias de cinco cheques (alegadamente comprovativos do pagamento) no decurso da audiência final - e somente após os 1ºs réus terem informado os autos não lhes ter sido disponibilizada informação sobre o depósito dos valores que alegadamente lhes foram pagos -; sendo que, nessa altura, os ora apelantes não alegaram, como podiam e deviam, terem solicitado informação bancária adicional e que esta não lhes foi disponibilizada; nem sequer solicitaram a colaboração do tribunal para a remoção de qualquer eventual obstáculo à sua obtenção (cfr. art.º 7º, nº 4, do NCPC).
Na presente situação, conclui-se, pois, que os documentos e/ou informações bancárias existiam muito antes de ter sido proposta a acção, pelo que a sua apresentação, ou requerimento de notificação de terceiros para os apresentar deveria constar da contestação, e não consta, nem foi apresentado motivo justificativo bastante para assim não suceder.
Afastada fica assim a hipótese de superveniência objectiva e subjectiva dos documentos ora apresentados.
Acresce que também não se vislumbra que a junção dos documentos se tenha tornado necessária em resultado do julgamento proferido na 1ª instância, circunstância, aliás, que também não é alegada pelos recorrentes.
Com efeito, os casos fundados no argumento da necessidade admissíveis estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” [cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242].
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, [in, Código de Processo Civil Anotado, vol. I - Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786], comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que “[a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. E continuam: “[n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É, justamente, este o caso da documentação que os recorrentes pretenderam juntar no presente recurso de apelação.
Os documentos relacionam-se com factos que já antes da decisão da 1ª instância os recorrentes tinham consciência de que estavam sujeitos a prova.
Por conseguinte, impõe-se concluir pela inadmissibilidade da junção dos aludidos documentos nesta sede.
Não será despiciendo acrescentar, contudo, que – como bem salienta o recorrido nas contra-alegações – a informação bancária ora trazida aos autos e datada de 22.09.2023 nada acrescenta à prova anteriormente produzida nos autos. Na verdade, tal declaração apenas refere a data em que determinados cheques foram pagos, não identificando sequer os títulos de crédito em questão e muito menos a favor de quem os mesmos foram pagos e/ou a titularidade da conta onde foram depositados.
Ante todo o exposto, no caso, a junção dos documentos em causa não se mostra justificada à luz dos ensinamentos supra expendidos, pelo que se determina o seu desentranhamento.
*
3.2.2. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto à inaplicabilidade do disposto no art.º 291º, do CC

Conforme decorre do acima exposto, os recorrentes vieram arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC (conclusão 2).
O tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, nº 1 e 617º, nº 1 do NCPC.
A omissão de despacho do tribunal a quo sobre a nulidade arguida no recurso não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito (cfr. nº 5, do referido art.º 617º), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, p. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.

Vejamos, então.

Dispõe o art.º 615º, nº 1 do NCPC o seguinte:

“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.

Importa salientar que as decisões judiciais se podem encontrar viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas no art.º 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Segundo o invocado pelos recorrentes está em causa a nulidade prevista na al. b) do referido preceito.
A nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC é reconduzida à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito ou a sua ininteligibilidade, o que tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência como abrangendo apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente ou o desacerto da decisão.
«As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º […] ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)). O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos […] Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada.» – cfr. ac. do STJ de 2.06.2016, relatora Fernanda Isabel Pereira, disponível in www.dgsi.pt.
A figura da nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui, assim, uma figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deve considerar a fundamentação deficiente.
Já Alberto dos Reis esclarecia que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.” - cfr. Código de Processo Civil Anotado, V Volume, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 140.
Significa isto que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final – cfr. ac. do STJ de 15.12.2011, relator Pereira Rodrigues, também acessível in www.dgsi.pt.
O dever de fundamentação insere-se no dever constitucional e infraconstitucional de fundamentação de decisões judiciais – cfr. art.º 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e art.º 154º do NCPC -, sendo apenas dispensável no caso de decisões de mero expediente, de modo que, ainda que a questão não suscite especiais dúvidas, a respectiva decisão deve ser fundamentada nos termos que se apresentem ajustados ao caso.
O grau máximo da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais é representado pela sentença em acção contestada (cfr. art.º 607º, nºs 3 e 4 do NCPC), sendo a lei processual menos exigente, por exemplo, no caso das acções não contestadas (cf. art.º 567º, nº 3 do NCPC), nas decisões relativas aos incidentes da instância e procedimentos cautelares (art.ºs 295º e 365º, nº 2 do NCPC), e nos despachos interlocutórios em que não tenha sido deduzida oposição e a questão a proferir seja manifestamente simples (art.º 154º, nº 2 do NCPC).
A qualidade da fundamentação há-de, pois, ser aferida em função do seu conteúdo substancial e não por via da sua extensão.
No presente caso, apenas está em causa a fundamentação quanto a uma questão de direito – a relativa à aplicabilidade ou não ao caso do disposto no art.º 291º, do CC.
Sendo que, quanto à mesma, o tribunal recorrido limitou-se a dizer:
Diga-se que, ao contrário do que sustentam na contestação, os 2ºs e 3ºs réus não beneficiam da proteção do art. 291º, do C.C.”.
Ora, a decisão sobre tal questão, ainda que pudesse dispensar uma fundamentação mais aprofundada atenta a factualidade considerada provada e não provada, não podia deixar de revelar mínima e expressamente as razões pelas quais o tribunal a quo decidiu pela inaplicabilidade no caso de tal preceito legal, sobretudo quando os réus, ora recorrentes, defenderam expressamente estarem preenchidos os requisitos para beneficiarem do regime de protecção previsto no mencionado art.º 291º, do CC.
Assim e muito embora, como se referiu, apenas a absoluta falta de fundamentação conduza à nulidade da decisão, não se pode deixar de reconhecer que, neste caso, a total ausência de enunciados de facto ou de direito impossibilita o conhecimento e análise das razões subjacentes à decisão proferida, daí que a decisão padeça do vício de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos previstos nos art.ºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, b) do NCPC.
De todo o modo, e não obstante se conclua pela verificação da nulidade da sentença recorrida nesse particular, não há que determinar, de imediato, o reenvio do processo para o tribunal a quo.
Com efeito, e conforme decorre do estatuído no art.º 665º, nº 1 do NCPC, deve a Relação prosseguir com a apreciação das demais questões suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, salvo se não dispuser dos elementos necessários para o efeito – cfr. Abrantes Geraldes, obra cit., p. 289.
Assim, prossegue-se na apreciação do objecto do recurso conhecendo das questões suscitadas, em face dos elementos que os autos fornecem, sendo que infra se apreciará da suscitada aplicabilidade do preceituado no art.º 291º, do CC.
*
3.2.3. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Conforme decorre do acima exposto, os recorrentes vieram impugnar a sentença recorrida, quanto à decisão da matéria de facto, invocando existir:

- violação do direito probatório material, mormente, por errada interpretação do regime previsto no art.º 394º, do CC (conclusões 5 a 7);
- erro de julgamento quanto pontos 5, 9, 13, 16 a 26, 30 a 39, 41 e 53 a 60 da matéria de facto, atendendo à prova documental e testemunhal produzida e tida em consideração pelo tribunal recorrido (conclusões 8, 10 a 33, 36 a 52); e,
- omissão de factos relevantes para a decisão da causa [designadamente, os relativos à excepção peremptória de direito material do abuso de direito e confessados pelo autor] – (conclusões 34, 35 e 53).
Cumpre, pois, apreciar os erros de julgamento imputados à decisão de facto.
E, nesta senda, se os recorrentes observaram os ónus de impugnação que sobre si recaem.
Ora, para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:
A modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão (art.º 662º, nº 1 do NCPC).

Impugnando a decisão da matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição (vide, art.º 640º nº 1 do NCPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
No caso de prova gravada, incumbe ainda ao recorrente [vide nº 2, al. a) deste art.º 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ónus do mesmo apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art.º 639º nº 1 do NCPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objecto do recurso conforme se extrai do nº 3 do art.º 635º do NCPC.
Pelo que é exigível no mínimo que das conclusões conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; podendo os demais requisitos serem extraídos das motivações do recurso [vide, neste sentido o recentíssimo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 12/2023, publicado no DR nº 220/2023, Série I, de 14.11.2023].
Porém, e com interesse para o caso em apreciação, salienta-se que merece tratamento diverso o vício imputado à decisão de facto por ter sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente ou proibido. Com efeito, neste caso, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve alterar a decisão de facto, mesmo oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC [vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed. actualizada, em anotação ao aludido preceito, p. 333 e ainda o ac. da RG de 19.01.2017, relatado por Isabel Silva e acessível in www.dgsi.pt].
O mesmo sucede relativamente ao vício baseado em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida que, quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar - quando dos autos não constem todos os elementos necessários - a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto, nos termos do art.º 662º, nº 2 al. c) do NCPC.
Estes vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no art.º 640º nº 1 do NCPC.
Requisitos impugnativos esses que “condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados” e que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso” [cfr. ac. STJ de 22.03.2018, processo nº 290/12.6TCFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt].
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada, tal como resulta do supra citado art.º 640º do NCPC.
Em todo o caso, sendo de admitir a impugnação da matéria de facto, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in ob. cit., em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes e que aqui seguimos de perto]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” [cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 655]; o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” [vide, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325].
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Deste modo, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes [in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609] que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”.
Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC.
Isto posto e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões do recurso quais os pontos da decisão de facto sobre os quais recai a crítica dos recorrentes, imputando erro de julgamento, encontrando-se suficientemente cumpridos - relativamente a cada um dos diversos vícios da decisão da matéria de facto invocados e já acima elencados – os necessários ónus de impugnação, importando passar sindicar a decisão da matéria de facto, começando por averiguar se os pontos de facto impugnados foram decididos de acordo com as regras e princípios do direito probatório; se encontram o devido suporte na prova produzida e, finalmente, se existem factos alegados e confessados que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

3.2.3.1. Da violação do direito probatório material por errada interpretação do disposto no art.º 394º, do CC

Como decorre do acima exposto, os apelantes vieram invocar primordialmente que o tribunal a quo incorreu em violação do direito probatório material, porquanto, segundo os mesmos, não foi junto aos autos qualquer documento com a virtualidade de consubstanciar princípio de prova quanto aos acordos simulatórios, devendo concluir-se pela inadmissibilidade da produção e valoração da prova testemunhal, declarações de parte e presunções judiciais que tenham por objecto convenções contrárias ou adicionais ao teor das escrituras em causa nos presentes autos, em obediência ao disposto no art.º 394º do CC.
E concluem que, assim sendo, se deverá considerar como não provados os pontos 5, 9, 13, 16 a 26, 27 (na parte em que se lê “assim estribado”, 29) na parte em que se lê “prosseguindo os intentos supra referidos”, 30 a 39 e 41 dos factos provados, dado que o tribunal recorrido socorreu-se de meios de prova inadmissíveis para fundamentar a sua demonstração.
Importa, assim, saber se o tribunal recorrido violou a lei ao admitir e fundar a sua convicção probatória em prova testemunhal e nas declarações de parte quanto aos acordos simulatórios.
E, na afirmativa, ter julgado ao arrepio do disposto no art.º 394º do CC.
Os negócios jurídicos postos em crise nestes autos foram celebrados por escritura pública, ou seja, através de documento autêntico – cfr. art.º 369º e seguintes, do CC.
O autor defende que tais negócios são nulos, por simulação, oferecendo, e produzindo, prova testemunhal e declarações de parte para demonstração do vício.
O nº 1 do art.º 394º do CC excepciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha “por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.”.
Cabem no âmbito do preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado.
Mas o legislador foi mais longe, ao detalhar no nº 2 que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.
Pretendeu, assim, deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja apenas aquela divergência entre a vontade e a declaração, que não as outras.
Dispõe, contudo, o nº 3 daquele normativo que estas restrições não são aplicáveis a terceiros.
Assim, é de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja, quando for invocada por terceiros, excepção que se justifica pela dificuldade que teriam terceiros de obter documentos probatórios das convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento ou do acordo simulatório [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, p. 320], ou, nas palavras de Carvalho Fernandes, pela circunstância de os terceiros não terem na sua disponibilidade a existência de prova documental [in, Estudos Sobre a Simulação, p. 85].
No caso, impõe-se, pois, antes de mais averiguar se o autor pode ser considerado terceiro para tal efeito, tanto mais que o mesmo veio defender ter essa qualidade nas contra-alegações.
O Supremo Tribunal de Justiça, em geral, tem considerado que, terceiro, para efeitos de arguição da nulidade de negócio simulado, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem nele participou (a título de exemplo, veja-se os acs. de 4.05.2010, relatado por Cardoso Albuquerque e de 27.05.2021, relatado por Rosa Tching, ambos acessíveis in www.dgsi.pt).
Manuel de Andrade [in, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. 2º, p. 198] considera “terceiros, para efeitos de simulação, quaisquer pessoas que não sejam os simuladores, nem os seus herdeiros (ou legatários), a menos que (quanto a estes) se trate de herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas.”.
Sabendo-se que os herdeiros de alguém sucedem globalmente na precisa situação jurídica de natureza não pessoal que tinha o autor da herança, faz, à partida, sentido que lhe sejam aplicáveis as restrições de prova que impendiam sobre o simulador.
Mas se, em geral, quanto ao acto simulado, os herdeiros são colocados na posição do simulador a que sucedem, não é excluir que possam ser tratados como terceiros quando visem satisfazer interesses específicos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela subsistência de tal acto e, desta forma, arredá-los das limitações de prova a que ficam sujeitos os simuladores – assim, Carvalho Fernandes, obra citada, p. 98.
É, sem dúvida, como terceiro que após a morte do autor da simulação, actua o herdeiro legitimário que, por exemplo, pretende demonstrar que certo acto de compra e venda praticado pelo seu progenitor encobre, na realidade, uma doação” - idem, p. 99.
No caso de falecimento de um ou de ambos os simuladores, em princípio, a simples lógica jurídica imporia que, enquanto sucessores, deveriam assumir a mesma posição dos simuladores a quem sucediam. No entanto, este regime era fonte de injustiça, enquanto a simulação tivesse sido feita para prejudicar na sucessão esses mesmos herdeiros.
Por tal motivo, o nº 2 do art.º 242º do CC veio permitir a invocação da simulação pelos herdeiros legitimários quando ainda em vida do autor da sucessão pretendam agir contra negócios por eles simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Isto significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva legítima, ainda que não com esse intuito” – cfr. ac. do STJ, de 04.05.2010, acima citado (o sublinhado é nosso).
Do mesmo modo se escreveu no ac. desta Relação de Guimarães de 21.11.2019, relatado por Jorge Teixeira e consultável in www.dgsi.pt: “Os herdeiros do simulador são terceiros quando visem satisfazer interesses específicos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela subsistência do acto simulado e, desta forma, estão arredados das limitações de prova a que ficam sujeitos os simuladores”.
No caso em apreciação, o autor não interveio nos negócios de compra e venda e de doação que impugna, apresentando-se nestes autos, quer na qualidade de sucessor de um dos simuladores, quer na qualidade de herdeiro legitimário que ficou prejudicado com os relatados negócios.
Portanto, enquanto herdeiro legitimário de um dos apontados simuladores e eventual prejudicado com os negócios impugnados, o autor apresenta-se como terceiro e pode usar de quaisquer meios de prova com vista à demonstração da(s) alegada(s) simulação(ões).
Mas, mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria de se considerar, ao contrário do defendido pelos recorrentes, que foi junta aos autos prova documental passível de constituir um princípio de prova dos acordos simulatórios, no sentido de que torna verosímil a sua existência, ou, dito de outro modo, foram carreados para os autos documentos que permitem, como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação, o que sem mais, tornaria legítimo o recurso a prova testemunhal (cfr. ac. da RG de 21.11.2019, acima citado).
Com efeito, vem sendo defendido de forma uniforme, quer na doutrina, quer na jurisprudência que existindo um princípio de prova escrito do acordo simulatório nada impede que o tribunal se socorra de outros elementos de prova complementares para formar ou suportar a sua convicção.

Tal como Mota Pinto, "Por razões de justiça, entendemos que a existência dum princípio de prova por escrito, tal como é definido e aplicado nos sistemas jurídicos francês e italiano, poderá permitir o recurso à prova testemunhal. Com menos hesitação afirmamos ainda que, existindo já prova documental, susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova de testemunhas, a fim de:
1º) Interpretar o contexto dos documentos, conforme expressamente prescreve o nº 3 do art. 393º do Código Civil (...);
2º) Completar a prova documental, desde que esta, a existir (...), constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação, a qual poderá ser plenamente comprovada não só com a audição de testemunhas juxta scripturam - pelos esclarecimentos e precisões que venha a fornecer à interpretação dos documentos - mas também como modo de integração, complementar da prova documental" – in, Arguição da simulação pelos simuladores, Prova Testemunhal, Parecer, CJ 1985-III, p. 9 a 15.

Na mesma senda, Carvalho Fernandes escreve que: “Pode, (…) dar-se o caso de haver um ou mais documentos escritos, sem que, contudo, qualquer deles, isoladamente ou no seu conjunto, possa ser visto como título suficiente de uma contradeclaração. Se, ainda assim, esse documento ou esse conjunto valer como começo de prova da simulação, o recurso ao depoimento de testemunhas afigura-se-nos admissível. (…) O que se exige é que o documento ou o conjunto de documentos disponíveis no processo torne plausível ou razoável admitir a verosimilhança dos factos que segundo a parte que os alega, qualificam a simulação. Por outras palavras, esses documentos têm de permitir, como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação.” – in, Estudos sobre Simulação, 2004, p. 59.
Veja-se ainda na jurisprudência o ac. do STJ, de 20.02.2020, relatado no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S3 e acessível in www.dgsi, no qual se pode ler: “a proibição contida no nº 2 do citado art. 394º não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado mediante um princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial, pois quando há um começo de prova por escrito, que torne verossímil o facto alegado, a prova testemunhal não é já o único meio de prova do facto, justificando-se a exceção por, nestes casos, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada com base num documento”.
Assim, o começo da prova por escrito pode ser constituído por um só escrito ou por vários, sendo de exigir o escrito torne verosímil o facto alegado. Entre o facto indicado pelo escrito e aquele que deveria ser objecto de prova testemunhal deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade [cfr. Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, p. 223].
O conceito tem, assim, correspondência com o de fumus bonni iuris ou prova indiciária (vide, neste sentido, o esclarecedor ac. da RP de 21.06.2021, relatado por Fernanda Almeida e consultável in www.dgsi.pt).
No caso dos autos, afigura-se-nos, conforme já adiantamos, que existem documentos que constituem princípio de prova ou prova indiciária dos acordos simulatórios.
Referimo-nos, desde logo, aos documentos juntos com a petição inicial, mormente:
- a cópia da sentença e do acórdão proferidos no âmbito do processo intentado pelo Banco 3..., SA contra os aqui 1ºs e 2ºs réus e ainda contra HH (mãe do aqui autor) e que correu termos sob o nº 196/04.... na extinta ... Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães [processo este no qual foi pedido, a título principal, a declaração de nulidade dos negócios de compra e venda que também foram impugnados nos presentes autos, com fundamento na simulação de tais negócios com vista a obstar à cobrança coerciva dos créditos que aquela entidade bancária detinha sobre a dita HH, na qualidade de avalista de livranças subscritas pelas sociedades EMP01..., Lda e EMP02..., Lda] - cfr. fls. 16 a 41v.);
- as certidões do registo comercial relativas às sociedades EMP01..., Lda e EMP02..., Lda comprovativas da declaração de insolvência e subsequente liquidação das mesmas (cfr. fls. 42 a 44 v.); e
- as certidões do registo predial relativas aos prédios objecto dos negócios ora impugnados e que inicialmente pertenciam à referida HH [nas quais se verifica o registo, ainda que provisório, das penhoras realizadas no âmbito das execuções intentadas pelo aludido Banco 3..., para além do mais, contra a referida HH] – cfr. fls. 58 a 71.
Estes documentos tornam verosímil a alegação pelo autor de que os negócios tiveram por finalidade a de defraudar o credor das identificadas empresas e da sua mãe.
Acresce que o autor juntou ainda aos autos, já no decurso da audiência final, vários documentos a que, segundo o mesmo, acedeu após ter sido nomeado cabeça de casal – em 1.04.2022 - no processo de inventário que corre termos sob o nº 1470/20.... para partilha dos bens da herança aberta por óbito de HH (cfr. cópia de despacho proferido naqueles autos e constante de fls. 192) e que alegadamente retratam a realização de diversas despesas pela anterior cabeça de casal atinentes aos prédios objecto dos negócios impugnados nestes autos e ainda aos processos nºs 196/04.... e 197/04.... [sendo de realçar, nomeadamente, o documento constante de fls. 251 v, dos quais se retira que foi a aludida cabeça de casal - e não os adquirentes dos prédios - quem liquidou as despesas relativas aos honorários de advogado cobrados pela “compra, venda e Registo do Bairro ... e registo”, bem como o documento de fls. 194 do qual resulta que é também aquela quem, como cabeça de casal, procedeu ao pagamento de IMI relativo aos prédios declarados vender aos 1ºs réus em 25.10.2002 e que ainda se encontram registados em nome daqueles – cfr. certidões prediais de fls. 70 a 71 e 76 a 77 dos presentes autos].
Concluindo, julga-se ser apodítico que improcede o recurso neste segmento, não tendo ocorrido qualquer violação pelo tribunal recorrido das regras de direito probatório material, designadamente, as previstas no art.º 394º, do CC.
*

3.2.3.2. Do erro de julgamento da decisão de facto, quanto aos pontos 5, 9, 13, 16 a 26, 30 a 39, 41 e 53 a 60

Afastada que ficou, como vimos, a proibição de produção de prova testemunhal (e/ou das declarações de parte) e o recurso às presunções judiciais para a demonstração dos factos relativos aos acordos simulatórios invocados pelo autor/recorrido, impõe-se analisar, nesse pressuposto, a pretensão de reapreciação da prova produzida, com vista a aquilatar do invocado erro de julgamento sobre os pontos da matéria de facto acima elencada.
Ou seja, urge verificar se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.
Desde já, importa que se diga que carece de fundamento o invocado pelos apelantes quanto ao valor probatório das escrituras de compra e venda e doação outorgadas em 20.08.2002, 25.10.2002, 28.03.2003, 07.05.2003 e 27.12.2018.
Com efeito, defendem os apelantes que não tendo tais documentos sido objecto de qualquer impugnação e por consubstanciarem documentos autênticos são prova bastante e plena dos negócios em apreciação (cfr. conclusões 11 e 12 do recurso).
Ora, as aludidas escrituras, como já vimos, pertencem indiscutivelmente à categoria dos documentos autênticos (art.º 369º nºs 1 e 2 do CC) e fazem, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art.º 371º, nº 1 do CC).
Mas este ponto merece cuidada ponderação.
O documento autêntico apenas faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto (art.º 371º, nº 1, 1ª parte, do CC).
Depois, o documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art.º 371º, nº 1, 2ª parte, do CC).
Isto é, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram. Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele [cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 111, p. 302; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., p. 327 e 328; Almeida e Costa, RLJ, ano 129º, p. 350 a 352 e 360 a 362; Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, p. 34 a 39].
Este é o entendimento há muito sustentado no direito português e na jurisprudência dos tribunais superiores [cfr., a título de exemplo, o ac. da RP de 6.02.2020, relatado por Judite Pires; ac. da RC de 9.01.2018, relatado por Falcão Magalhães; ac. da RE de 9.03.2017, relatado por Tomé Ramião; ac. da RG de 1.10.2013, relatado por Filipe Caroço e acs. do STJ de 19.02.2004, relatado por Neves Ribeiro, de 9.07.2014, relatado por Paulo Sá e de 7.10.2020, relatado por Tomé Gomes, todos acessíveis in www.dgsi.pt].
Daí que, não se possa concordar com os recorrentes, quando dizem que os referidos documentos são suficientes, por si só, para alterar a decisão da matéria de facto.
Por outro lado, defendem ainda os recorrentes que a cópia da sentença proferida no processo 196/04...., que correu termos na ... Vara Mista de Guimarães, de onde resulta a inexistência de factos integradores da simulação na compra e venda realizada pelos 1ºs réus ao 2º réu, é bastante para a propugnada alteração da decisão da matéria de facto (conclusão 18).
Também assim não se pode entender, porquanto e desde logo, a aludida decisão nem sequer chegou a transitar em julgado (cfr. ponto 49 da sentença recorrida), dado a instância ter sido declarada após a prolação do acórdão da Relação (circunstância a que não terá ido indiferente o facto do banco que interpôs a dita acção também ter entretanto sido declarado insolvente e ter entrado em liquidação).
De todo o modo, como é consabido, os factos que resultem provados em determinada decisão, só por si, não estão abrangidos pelo caso julgado nem pela autoridade do caso julgado (cfr. a propósito desta temática, entre muitos outros, o ac. do STJ de 12.10.2023, relatado por Catarina Serra e acessível in www.dgsi.pt). Ou seja, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem impor-se para além dessa mesma decisão.
Acresce que os meios de prova produzidos noutro processo, só por si, não valem mais do que os meios semelhantes produzidos nos autos do julgamento e hão de ser necessariamente submetidos à necessária e livre apreciação crítica do julgador no conjunto das provas atendíveis (cfr. art.º 421º, do NCPC).
Em suma, muito embora seja de tomar em consideração o que consta da aludida prova documental – ou seja, o teor da aludida sentença e acórdão -, tal prova tem de ser ponderada no conjunto e no confronto de todas as demais provas produzidas na presente acção, havendo que formar agora a nossa convicção.
Aliás, que, para se poder concluir pelo julgamento errado de um facto não basta indicar de forma cirúrgica, partes isoladas da prova produzida que aparentam sustentar a pretensão dos recorrentes; a prova tem de ser analisada na sua globalidade e de forma crítica. É necessário que as declarações prestadas pelas testemunhas ou pelas partes, bem como o conteúdo dos documentos sejam efectivamente contextualizados, circunstanciados e analisados no confronto entre si e dos demais meios de prova, desde logo para aferir a sua credibilidade e a sua relevância ou alcance probatório. Cfr, ac. desta RG de 14.10.2021, relatado por Raquel Baptista Tavares e acessível in www.dgsi.pt.
O que acabamos de dizer, embora valendo para a generalidade das situações, assume particular acuidade em situações como a presente, em que está em causa a prova de negócios simulados.
Com efeito, a prova da simulação nunca é tarefa fácil, sendo a mais das vezes é feita à custa de meros indícios levando à consideração de presunções naturais ou judiciais. Apuram-se indícios, hipóteses ou aparências, valorizam-se máximas da experiência, juízos de probabilidade e de lógica (cfr. ac. da RL de 3.11.2022, relatado por Ana Paula Olivença e acessível in www.dgsi.pt).
Seguindo os ensinamentos de Luís Filipe Pires de Sousa, “Na prova directa, o procedimento probatório consiste na contrastação empírica directa do enunciado fáctico que se prova. Diversamente, na prova indirecta o procedimento probatório permite alcançar o facto que se prova a partir de outro ou outros factos mediante um processo inferencial.” (cfr. Prova por Presunção no Direito Civil, 2ª ed., p. 23).
Haverá, pois, que considerar aqui o expendido no ac. STJ, de 19.01.2017, relatado por António Joaquim Piçarra e disponível in www.dgsi.pt:aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam” (...) “há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados.”.
Assim, tendo presente tais dificuldades de prova em matéria de simulação, vêm sendo condensadas pela doutrina e pela uniforme prática jurisprudencial diversas e relevantes presunções judiciais que permitem de forma segura a dita prova indirecta de alguns dos respectivos requisitos, sobretudo, os atinentes à intenção dos simuladores.
Tais indícios encontram-se condensados no ac. desta RG de 10.01.2019, relatado por Maria João Matos e disponível in www.dgsi.pt, aresto que pela sua profundidade e clareza de exposição passamos a citar:
Assim, quer «na simulação quer na impugnação pauliana, impõe-se a indagação de condutas humanas em que a motivação tem um papel essencial como elemento propulsor. O simulador actua de forma planeada com o intuito de se esquivar a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos. O motivo ou interesse que determinam a actuação do simulador constitui a causa simulandi, a qual corresponde assim ao interesse que leva as partes a celebrar um contrato simulado ou o motivo que as induz a dar aparência a um negócio jurídico que não existe ou a apresentá-lo de forma diversa da que genuinamente lhe corresponde» (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, p. 265).
Por outras palavras, há que procurar em primeira linha a causa simulandi (o motivo da simulação), para, sobre esse fundamento, se erigir e consolidar a prova (conforme ac. do STJ, de 05.04.2005, disponível in www.dgsi.pt).
Precisa-se, porém, que para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi. A causa simulandi constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento».
Estabelecido, dir-se-á que um dos indícios seguintes a descortinar será o «indício necessitas», que, «na sua vertente positiva, procura demonstrar a veracidade do negócio simulado, a qual decorrerá, v.g., do actuar do homo aeconomicus que pretende obter o máximo rendimentos dos bens, o seu sustento ou aumentar a sua riqueza»; e, por isso, «se o simulador alega a existência de uma motivação atendível para a celebração do negócio, esta não deve ser admitida como válida sem que venha acompanhada da sua oportuna demonstração».
Outro «dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objectivo final que preside à sua actuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência».
Acresce, neste percurso indagativo, o indício subfortuna, isto é, a «incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado», devendo por isso exigir-se a apresentação e prova das razões que o justifiquem (v.g. prévios empréstimos contraídos para viabilizarem o negócio, existência de poupanças próprias).
Muitas vezes relacionado com o anterior (e cada vez mais justificado nas nossas sociedades, de progressiva diminuição da guarda própria e subsequente transmissão física de dinheiro vivo) surge o indício movimento bancário, segundo o qual o que é normal «é que o pagamento e movimento de dinheiro deixe um rasto documental e bancário, sendo fácil ao titular de uma conta bancária fazer a prova dos movimentos da mesma».
Dir-se-á, igualmente, que um «preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado constitui outro indício frequente da simulação (indício pretium vilis). Este indício abrange não só o preço em sentido estrito como a toda a contraprestação susceptível de valorar-se em dinheiro, v.g. permuta».
Reconhece-se, a propósito, que, e tal «como ocorre nos negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (indício pretium confessus). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço.
Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc».
Incumbe, porém, «aos simuladores provar o efectivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador».
Ainda relacionado com o pagamento do preço, surge o indício investimento, segundo o qual «a circulação fiduciária não apresenta páginas em banco»: «o accipiens normalmente fará ingressar o dinheiro numa conta bancária ou de aforro ou dar-lhe-á outro destino em conformidade com a necessidade que pretendeu provar ao efectuar a alienação». Logo, a «não demonstração do destino efectivamente dado ao dinheiro, depois de ingressar no património do accipiens, despoleta, de pleno, este indício».
Prosseguindo, dir-se-á que «um dos indícios mais emblemáticos da simulação é o indício retentio possessionis (retenção da posse) que se traduz no facto de o simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar sobre a coisa qualquer conduta possessória, sucumbindo por parte deste qualquer actividade reconduzível ao jus utendi, fruendi, disponendi e vindicandi.
Assim, apesar da transmissão formal de bens, o vendedor continua na posse do imóvel ou aí a residir, ou seja, o contrato não é executado.
No que tange ao jus fruendi, a inexistência deste decorre, v.g. do vendedor continuar a receber as rendas, continuar a aproveitar os frutos, prosseguir o cultivo do terreno.
Quanto à inexistência do ius utendi, a mesma pode demonstrar-se, v.g. pelo facto do vendedor fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, pelo facto de o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou electricidade. (…).
Naturalmente que os simuladores tentarão infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida. Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento porquanto o fisco proprietário é quem precisamente figura como tal no título propriedade, mas sim quem efectivamente pagou tais encargos. Ou seja, mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa».
Por fim, ainda «dentro dos indícios que visam manter oculto o negócio simulado, encontramos o indício sigillum que se traduz na adopção das condutas que visam ocultar ou disfarçar a existência do negócio simulado. No fundo, trata-se de máxima de experiência Qui male agit odiat lucem (Quem age mal, odeia a luz).
Este indício pode apresentar várias formas, nomeadamente: uma conduta silenciadora do simulador perante pessoas que, em virtude da sua relação afectiva ou jurídica com aquele, não poderiam ter ignorado o negócio se este prosseguisse fins lícitos, v.g. o filho só tem conhecimento que o pai vendeu um imóvel a outro filho aquando da morte do pai» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, p. 265 a 285).”.
Isto posto, voltando ao caso que nos ocupa, analisada a prova documental carreada para os autos e ouvida a prova gravada na íntegra, podemos concluir, com toda a segurança, que os negócios celebrados entre a falecida HH e os 1ºs réus e entre estes e os 2ºs réus pretenderam claramente salvaguardar o património da falecida mãe do autor da cobrança coerciva das suas dívidas.
Ou seja, concluiu-se pela existência de uma verosímil causa simulandi.
Veja-se que, conjugando o teor da cópia da sentença proferida no processo nº 196/04...., com o teor das certidões do registo comercial relativas às sociedades EMP01..., Lda (esta declarada insolvente 24.09.2003 por insuficiência do activo para cumprimento do passivo e encerramento de instalações e posteriormente liquidada) e EMP04..., Lda (declarada insolvente em 16.12.2002 por insuficiência do activo para cumprimento do passivo e posteriormente liquidada) e ainda o teor das certidões prediais relativas aos prédios ora em questão – as quais evidenciam a pendência de várias execuções contra a falecida mãe do autor e as tentativas de penhora que o “Banco 3...” tentou efectuar sobre os ditos bens -, ressalta à evidência que as aludidas sociedades não tiveram capacidade de liquidar as obrigações contraídas junto daquelas entidades bancárias, o que inevitavelmente terá conduzido à tentativa do banco se cobrar junto dos garantes das dívidas.
Tal situação não podia deixar de ser do conhecimento da falecida mãe do autor, que tendo garantido as ditas responsabilidades, não terá deixado de ser informada do incumprimento das devedoras principais. Mas mais, analisada a composição societária das ditas empresas resulta claro que se tratavam de empresas familiares – os sócios de ambas era o autor e TT, sobrinha do autor e neta da aludida HH.
Os aludidos constrangimentos financeiros não podiam ainda deixar de ser do conhecimento dos 1ºs réus, sobrinhos da aludida HH e com quem a mesma mantinha uma relação particularmente próxima, sendo visita assídua da casa daqueles e madrinha do seu filho, como acabou por espontaneamente confirmar a ré CC.
Por outro lado, e no que respeita a este particular, o depoimento do 2º réu marido também não nos mereceu qualquer credibilidade, não sendo verosímil que sendo o mesmo igualmente empresário e na mesma cidade, não tenha tido conhecimento sobre a situação difícil das empresas em causa, sobretudo quando a sócia maioritária dessas sociedades era TT, mulher do seu filho DD (e com quem o 2º réu afirmou estar diariamente) que também veio a ser demandada nas acções executivas intentadas pelo Banco 3... contra a falecida mãe do autor.
De todo o modo, os referidos réus não deixaram de confirmar que os aludidos problemas financeiros das empresas efectivamente ocorreram, tendo vindo a gerar graves problemas e conflitos familiares, muito embora tivessem procurado fazer crer que só vieram a tomar conhecimento dessa situação após a celebração dos negócios ora postos em causa.
Por conseguinte, não podemos deixar de concluir, como fez o tribunal recorrido, que os negócios celebrados em 2002 e 2003 tiveram em vista a salvaguarda do património da falecida HH, sendo claramente essa a motivação da realização dos negócios em discussão.
No caso, também se verifica a relação/motivação afectiva (indício affectio) subjacente e presente em todos os negócios - isto é, pretendendo a HH subtrair o seu património pessoal à garantia dos respectivos credores, transferindo-o aparentemente para terceiro, escolheu para o efeito primeiro os sobrinhos e logo após o sogro de uma neta – a TT, também ela onerada com as mesmas dívidas. Sendo que aquele (o 2º réu), acabou por transferir a titularidade dos bens precisamente para os dois filhos da referida TT, seus netos e bisnetos da aludida HH.
Aliás, o 2º réu admitiu expressamente que beneficiou aqueles netos com o referido património pelo facto do mesmo ter pertencido à bisavó e querer resolver tal situação antes da morte; não tendo, quando questionado, apresentado qualquer razão plausível para não ter adoptado entretanto o mesmo procedimento quanto aos restantes netos ou familiares, apesar de ser proprietário de vários imóveis.
Veja-se ainda que os 1ºs réus e o 2º réu marido não conseguiram apresentar qualquer motivação atendível para a realização dos negócios em questão (indicio necessitas). Com efeito, os réus, a este propósito, prestaram um depoimento notoriamente defensivo e concertado, não merecendo qualquer credibilidade.
Os 1ºs réus afirmaram que realizaram a compra dos imóveis em 2002 a pedido da sua tia, solicitação a que acederam de imediato dada a consideração que a mesma lhes merecia e sem sequer terem indagado qual a razão pela qual a mesma necessitava de alienar o património.
Por outro lado, afirmaram ainda desconhecer que os imóveis declarados vender em Outubro de 2002 ainda se encontram registados em seu nome, acrescentando o 1º réu marido nunca ter pago impostos relativamente a tais imóveis, revelando um desconhecimento absoluto sobre o que se passou com tais bens.
Ora, tal alheamento é incompreensível e completamente desconforme com a normalidade das coisas, tanto mais que o preço declarado da dita venda de Outubro de 2002 ascendeu à quantia de € 80.000,00. Se os ditos réus tivessem efectivamente querido adquirir tais imóveis e suportado tal valor com a suposta aquisição certamente que teriam reagido e procurado reverter o negócio, o que manifestamente não fizeram. 
Acresce que, quer os 1ºs réus, quer o 2º réu marido procuraram justificar a realização dos negócios, dizendo que se tratou de um investimento, mas acabaram por admitir que os prédios em causa estavam integrados num bairro antigo, estavam locados e por rendas muito baixas. Não se nos afigura, pois, curial que os réus tenham acedido a comprar os ditos imóveis por um preço muito acima do valor patrimonial tributário (cfr. segundo o declarado na escritura pública de doação celebrada em 2018, o valor tributário dos cinco imóveis ascendia a cerca de € 180.000,00, quando os mesmos foram declarados vender em 2003, ou seja, cerca de 15 anos, por cerca de € 260.000,00), sem qualquer contrapartida imediata e palpável, ou seja, em condições manifestamente desfavoráveis para si.
Acresce que o 2º réu marido admitiu que não adquiriu apenas estes bens, mas também outros oito imóveis situados no mesmo bairro, os quais também tinham sido alienados na mesma altura pela HH a outro sobrinho (RR) - negócios esses que foram declarados simulados noutro processo também intentado pelo banco.
Daí também a irracionalidade dos negócios em causa (indício pretium vilis) – a realização das compras e vendas, nas condições descritas pelas partes não faz sentido. Ou seja, os referidos contratos não têm racionalidade económica, nem proporcionaram qualquer rendimento relevante aos réus.
Veja-se que o que deixamos agora dito não fica minimamente beliscado pelo depoimento vago e inconsistente da testemunha JJ, que apesar de ser primo do 2º réu e seu sócio numa empresa imobiliária, só soube dizer que o 2º réu propôs aos sócios da imobiliária, por uma questão de cordialidade, que esta adquirisse os prédios, acrescentando, contudo, que o mesmo sabia que a mesma não tinha disponibilidade financeira para tal, pelo que nem sequer chegaram a falar sobre o preço do suposto negócio que, como tal, não soube minimamente concretizar. 
A realização de tais negócios menos sentido faz, no contexto de incapacidade financeira dos 1ºs réus para pagarem o preço declarado, como estes últimos admitiram (indício subfortuna), referindo que tiveram que pedir emprestado a maior parte do dinheiro ao pai da 1ª ré mulher (que supostamente este teria guardado num cofre em casa) e que acabaram por ter que vender rapidamente porquanto este lhes solicitou repetidamente a devolução do dinheiro.
Por sua vez, também não se nos afigura normal que, não obstante o declarado pelas testemunhas JJ e KK acerca da capacidade financeira do 2º réu, este pudesse ou mesmo estivesse disposto a desembolsar quase meio milhão de euros para a aquisição de cinco dos imóveis em questão e dos outros oito a que já fizemos referência, sem procurar obter de imediato qualquer retorno palpável de tal avultado investimento, acabando mesmo por doar parte dos bens.
Igualmente irrazoável e sem qualquer respaldo na normalidade das coisas é o que foi afirmado pelos 1ºs réus quanto ao pagamento do preço das compras e vendas efectuadas em 2002. Estes demandados afirmaram que pagaram o preço acordado em numerário e por tranches, por exigência da tia, não tendo aparentemente exibido qualquer comprovativo de tal pagamento (indício movimento bancário).
Na verdade, e como muito bem refere Luís Filipe de Sousa (in, Prova da Simulação, Revista Julgar, Número Especial, 2013, p. 71 a 88) o indício movimento bancário assume frequentemente um papel decisivo para prova da simulação. O argumento do simulador que tinha o dinheiro em casa não é verosímil, sobretudo se tal situação se prolongou no tempo. O normal é que o pagamento e movimento de dinheiro deixe um rasto documental e bancário, sendo fácil ao titular de uma conta bancária fazer a prova dos movimentos da mesma. Esta prova pode ser dificultada pela pré-constituição de contas e transferência de quantias entre sucessivas contas, o que exige um trabalho acrescido na descoberta do rasto do dinheiro para descobrir se, afinal, o pretenso comprador não depositou o dinheiro com uma mão e o retirou com outra. Note-se que a mera existência de um depósito bancário não é auto-explicativa quanto à origem desse dinheiro.”.
E, assim sendo, também se julga manifestamente insuficiente para a demonstração do efectivo pagamento do preço das compras e vendas celebradas entre os 1ºs réus e os 2ºs réus a junção dos cheques constantes de fls. 260 a 264, pois muito embora os montantes neles apostos correspondam aos valores declarados nas escrituras e estejam emitidos pelo 2º réu à ordem do 1º réu, a verdade é que não foi junto, pelos 1ºs réus, apesar de o tribunal os ter notificado para tal, de qualquer comprovativo do recebimento de tais valores. Nem sequer fizeram prova que a conta bancária identificada no verso dos ditos cheques lhes pertence. 
E, assim sendo, temos por certo que os referidos títulos terão sido emitidos com o objectivo de criar uma mera aparência.
Acresce que, como já aludimos acima, o autor logrou juntar aos autos vários documentos comprovativos de despesas suportadas pela irmã do autor e interveniente principal provocada nos presentes autos, em seu nome e/ou em representação da herança aberta por óbito da aludida HH, sendo particularmente eloquente o facto de resultar inequívoco de tal documentação ter sido a alienante e não os adquirentes a suportar os honorários do advogado que tratou das compras e vendas e respectivo registo, bem como que tenha sido sempre a dita herança a suportar os impostos relativos a alguns dos imóveis aparentemente vendidos, tudo nos levando a crer que foi sempre a mesma que se comportou como beneficiária dos prédios alegadamente transferidos primeiro para os 1ºs réus e depois para os segundos réus (indicio possessionis).
Deste modo, a suposta comunicação aos arrendatários de que a propriedade dos prédios tinha sido transferida e a declaração do recebimento das rendas nas declarações de rendimentos por parte do 2º réu (cfr. documentos juntos com a contestação) não pode deixar de ser considerado como outra tentativa de criar uma mera aparência.
Não será despiciendo acrescentar que, questionado o réu DD, o mesmo confirmou que as rendas foram inicialmente recolhidas pela mesma pessoa que as recolhia para a HH que depois as entregava ao seu filho e que depois da morte dessa pessoa as rendas passaram a ser depositadas numa conta sua. Mas mais uma vez nenhuma evidência existe nos autos de que tal assim efectivamente sucedeu.
Não podemos deixar, no entanto, de dar razão aos recorrentes quando afirmam que o depoimento da testemunha OO não foi devidamente valorado pelo tribunal recorrido, dado o mesmo não ser arrendatário dos imóveis em questão nestes autos, mas antes - como o mesmo afirmou - de um dos que foi inicialmente vendido a PP. Porém, também não podemos deixar de observar que os próprios recorrentes incorreram no mesmo equívoco, porquanto o documento que juntaram à contestação com vista a comprovar a comunicação aos arrendatários de transferência de propriedade também não diz respeito aos imóveis ora em questão, mas a um que inicialmente terá sido vendido a RR – cfr. fls. 168v.
Tudo para dizer ser por demais evidente que todos os negócios celebrados pela HH quer com os aqui réus, quer com o aludido RR visaram servir o mesmo propósito.
O depoimento prestado pela testemunha KK, também não logrou nos elucidar quanto às incoerências, acima postas em evidência. Com efeito, esta testemunha afirmou ser contabilista das empresas do 2º réu marido e tratar das declarações de rendimentos pessoais dos 2ºs réus e que, por esse motivo, a partir de determinada altura, passou a incluir nas ditas declarações de rendimentos as rendas dos prédios em questão, mas que para tanto o 2º réu apenas lhe fornecia uma folha A4 com a identificação dos prédios, dos arrendatários e dos valores percebidos, nunca lhe tendo sido apresentado qualquer outro documento de suporte contabilístico, nem pedido que tratasse do pagamento dos respectivos impostos (embora já o fizesse quanto a uma viatura do 2º réu).
Diga-se, ainda, que não obstante o 2º réu também tenha asseverado que realizou obras nos prédios em questão, a solicitação dos arrendatários, tal afirmação não teve qualquer respaldo na restante prova produzida.
Ora, ainda que pudéssemos entender poder ser difícil aos réus recolher junto das respectivas instituições bancárias prova dos pagamentos supostamente por si efectuados, atento o tempo decorrido, julga-se absolutamente incompreensível que, a ser verdade que o 2º réu tivesse efectivamente recebido rendas, pago impostos e efectuado obras durante 15 anos, o mesmo não tenha junto aos autos, como podia e lhe era exigível um único documento comprovativo do depósito das rendas, do pagamento dos impostos e da realização das ditas obras.  
Por conseguinte, todas as circunstâncias externas e coenvolventes da celebração dos aludidos negócios apontam para a simulação dos mesmos.
Neste conspecto, conclui-se, pois, inexistir qualquer fundamento relevante e útil para alterar a resposta dada à factualidade inserta nos pontos 5.º, 9.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º,30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º,35.º,36.º,37.º,38.º,41.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56º, 57.º, 58º, 59 e 60.º, improcedendo nesta parte o recurso.
*
3.2.3.3. Da omissão de factos relevantes para a decisão da causa

Vieram finalmente os recorrentes defender que deve ser aditada à matéria de facto provada os seguintes factos, os quais resultaram demonstrados através da confissão do próprio autor:
“O Autor sempre teve conhecimento dos negócios celebrados pela Mãe e com eles concordou.”
“O Autor sempre soube da posterior venda aos 2º réus e nenhuma oposição manifestou.”
“A atuação do Autor foi sempre no sentido de criar, razoavelmente nos 2ºs réus, uma expetativa factual e sólida da existência e validade dos negócios, nunca os colocando em causa, consentindo até, numa posse passível de conduzir à usucapião.”.
Ora, ainda que não constitua uma impugnação de matéria de facto no sentido típico, tem sido entendido pacificamente que o recorrente pode entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso e pedindo a ampliação da matéria de facto. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento – cfr. ac. do STJ de 19.10.2021, relatado por Fátima Gomes e acessível in www.dgsi.pt.
Os factos ora em questão, apesar de não constarem nem do elenco dos factos provados, nem do elenco dos não provados, encontram-se efectivamente alegados na contestação deduzida pelos réus/recorrentes (designadamente nos artigos 60º, 61º e 63º do referido articulado), sendo que tal alegação visava suportar a invocação da excepção de abuso de direito.
Acresce que foi requerido e deferido que o autor prestasse depoimento de parte relativamente a tal factualidade, o que veio a ocorrer.
Porém, e muito embora os apelantes digam que o autor, no decurso do respectivo depoimento, confessou a aludida factualidade, não foi exarada em acta qualquer assentada, como obriga o disposto no art.º 463º, nº 1, do NCPC.
Com efeito, o aludido preceito continua a impor a redução a escrito do depoimento de parte na sua vertente confessória. Porém, a lei apenas exige a redução a escrito do depoimento de parte, nas circunstâncias descritas no indicado normativo: o depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente ou quando este narrar factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.
Assim, verificada a natureza confessória do depoimento ou declarações da parte, a redacção dos termos da confissão incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazerem as reclamações que entendam, e, concluída a assentada, é lida ao depoente, que confirma ou faz as rectificações necessárias (nºs 2 e 3 do citado art.º 463º).
Deste modo, compaginando o que vimos de referir, a parte do depoimento, ou dos esclarecimentos do sujeito processual, que não assuma a natureza de confissão, com a amplitude referida, não tem que ser reduzida a escrito por não ser prova tarifada, sendo um meio de prova livremente apreciado pelo tribunal. De harmonia com o referido, o art.º 466º, nº 3 do NCPC, estabelece precisamente que as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não representem confissão.
Na verdade, a formalidade da assentada na acta da audiência de discussão e julgamento encontra-se reservada para a confissão judicial provocada, a qual, de acordo com o disposto no nº 2 do art.º 356.º do Código Civil, pode ser feita tanto em depoimento de parte como em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.
Mas, havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal, mesmo que se encontre gravada. É o que, a nosso ver, inequivocamente decorre da leitura conjugada do preceituado nos nºs 1 e 4 do art.º 358º do CC.
Por isso que, embora não desconhecendo existir jurisprudência em sentido contrário (ex: o ac. da RG de 15.09.2014, proferido no processo 1190/12.5TBGMR.G1, e acessível in www.dgsi.pt), no sentido de que “a falta de redução a escrito do depoimento de parte confessório só constituiria nulidade caso tivesse influência no exame e na decisão da causa, o que não sucede quando este é integralmente gravado”, e com todo o respeito devido - que é muito -, entendemos na esteira do ac. desta Relação de Guimarães de 31.10.2019, relatado por Alcides Rodrigues (e em que interveio igualmente Joaquim Boavida, aqui 2º adjunto) que a desconsideração da indicada formalidade da assentada implica que a declaração da parte, mesmo que se encontre gravada, e ainda que seja confessória, ao invés de ter o valor probatório de prova plena contra o confitente, que lhe atribui o nº 1 do art.º 358º do CC, passa a ser livremente apreciada pelo tribunal, nos termos do nº 4 do mesmo normativo.
De todo o modo, ouvido o depoimento prestado pelo autor, bem como o depoimento prestado pela testemunha WW dúvidas não restam que o demandante, ora recorrido, teve efectivamente conhecimento da realização das compras e vendas realizadas em 2002, bem como das subsequentes, ocorridas em 2003, nada tendo oposto à sua concretização, tendo antes concordado com as mesmas e inclusive com o seu propósito.
Porém dos aludidos depoimentos não resultou minimamente evidenciado que o recorrido tenha reconhecido tais negócios como válidos ou tenha sido confrontado com quaisquer actos materiais de posse concretamente praticados pelos 2ºs réus e a eles não se tenha oposto. Note-se que quer o autor, quer a testemunha NN, sua mulher, enfatizaram que logo que tiveram conhecimento das doações realizadas pelos 2ºs réus interpuseram a presente acção, por entender que com esses negócios se procurava afastar definitivamente tais bens imóveis da herança da mãe do demandante e assim prejudicar este enquanto herdeiro.    
Nestes termos, procede apenas parcialmente a pretensão recursória dos réus neste particular, impondo-se aditar à matéria de facto provada a seguinte factualidade:
“52.a) O Autor sempre teve conhecimento dos negócios celebrados pela mãe e com eles concordou.”
“52.b) O Autor sempre soube da posterior venda aos 2º réus e nenhuma oposição manifestou.”.
E à matéria de facto não provada:
61. A atuação do Autor foi sempre no sentido de criar, razoavelmente nos 2ºs réus, uma expetativa factual e sólida da existência e validade dos negócios, nunca os colocando em causa, consentindo até, numa posse passível de conduzir à usucapião.”.
*
*
3.2.4. Reapreciação da decisão de mérito da acção

3.2.4.1. Dos pressupostos da simulação quanto aos negócios celebrados entre os réus

Nesta sede, os recorrentes começaram por invocar que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento no respeita ao decidido quanto ao preenchimento dos pressupostos da simulação dos negócios celebrados entre os réus.
Como vimos, nos presentes autos, o autor invocou, a simulação das compras e vendas celebradas entre a falecida mãe e os 1ºs réus, por um lado, e dos contratos de compra e venda celebrado entre a 1ºs e os 2ºs réus, por outro, alegando que se verificou um acordo entre a falecida e os réus com o intuito de enganar os credores daquela e posteriormente que os 2ºs réus doaram os prédios assim adquiridos aos 3ºs réus com vista a prejudicar o autor.
Com efeito, invoca o autor que os referidos negócios visaram não só libertar os prédios objecto daqueles negócios de penhoras indesejáveis, como posteriormente afastar definitivamente o autor dos direitos que lhe assistem, enquanto herdeiro legitimário da aludida HH.
Ora, o art.º 240º do CC define negócio simulado como aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Desta noção tem a doutrina defendido a necessidade da verificação simultânea de três requisitos para que haja um negócio simulado:
- um acordo entre o declarante e o declaratário;
- no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
- com o intuito de enganar terceiros.
O acordo entre as partes é importante para prevenir a confusão com o erro ou a reserva mental; a divergência entre a vontade e a declaração surge como dado existencial da simulação; o intuito de enganar terceiros prende-se com a actuação, logo, voluntária, de criar uma aparência.
Com efeito, o acordo simulatório traduz-se em que a divergência entre a vontade e a declaração deve proceder de acordo entre o declarante e o declaratário (pactum simulationis).
A divergência entre a vontade real e a vontade declarada traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real.
Quanto ao intuito de enganar terceiros, conforme referiu a respeito deste requisito Manuel Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume, p. 170, “não se deve confundi-lo com o intuito de prejudicar. Enganar quer dizer iludir. E pode ter-se em vista enganar terceiro não para prejudicá-lo, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar terceiro.”.
O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade, que pode ser arguida, a todo o tempo e por qualquer interessado, sendo até, do conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 286º e 292º do CC).
Convém salientar ainda que interessado para tal efeito é, como se tem entendido sem divergências, qualquer sujeito de uma relação jurídica que de algum modo possa ser afectada pela simulação, isto é, a nulidade pode ser invocada “(…) pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática, seja afectada pelo negócio” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil anotado – nota a. ao art.º 287º).
Ainda com interesse para o caso em apreciação, não será despiciendo fazer notar que no direito anterior ao actual código, era duvidoso que a simulação pudesse ser arguida pelos próprios simuladores e isto com o argumento de que a ninguém deve ser permitido invocar ou aproveitar a sua própria torpeza ou a torpeza do seu acto.
No entanto, no Assento de 10 de Maio de 1950 a questão foi resolvida no sentido de que a simulação podia ser invocada pelos próprios simuladores entre si, ainda que fraudulenta e o actual Código manteve essa doutrina – art.º 242º nº 1, do CC.
Como observa Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed.: “A nulidade emergente da simulação pode ser arguida, segundo o art.º 242º do CCivil pelos próprios simuladores entre sim, entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta, mas não contra terceiros de boa fé. Nas relações dos simuladores um contra o outro, não há razão para proteger um em detrimento do outro.”.
Trata-se, assim, de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, p. 845) dado que os simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art.º 243º, nº 1, do CC).
Como é sabido, distingue-se entre a simulação inocente e fraudulenta.
No primeiro caso existe apenas a intenção de enganar terceiros, sem os prejudicar (animus decipiendi). No segundo existe animus decipiendi, isto é, pretende-se prejudicar os terceiros.
Por outro lado, a simulação pode ser absoluta ou relativa.
É absoluta quando o negócio declarado não foi querido pelas partes que apenas fingiram celebrá-lo para enganar ou prejudicar terceiros.
Existe, portanto, um único negócio aparente.
O negócio é nulo, nada se aproveitando, pois nada há para aproveitar.
Diferentemente, na simulação relativa existe um negócio disfarçado ou dissimulado (que as partes quiseram realmente) sob a capa de negócio simulado (que é o fingido, que as partes não quiseram).
Dito isto, vejamos então se, no caso, se verificam os requisitos da simulação dos negócios em discussão nos presentes autos, nomeadamente, os celebrados em 2002 e 2003.
Resultou provada a divergência intencional entre a vontade e a declaração dos outorgantes/intervenientes nas escrituras de compra e venda em causa, quer as realizadas em 2002, quer as celebradas em 2003, com o objectivo de ocultar de terceiros, nomeadamente, dos credores da falecida mãe do autor, a titularidade da propriedade dos prédios referenciados e de evitar a sua penhora.
Deste modo, da factualidade apurada resulta inequivocamente apurado um acordo entre a falecida mãe do autor e os 1ºs réus e entre estes e os 2ºs réus. Concerto esse fraudulento, pois que agiram com o intuito de enganar eventuais credores e subtrair a estes a possibilidade de executarem o património da falecida HH.
Tudo posto, temos forçosamente que concluir que as todas as referidas compras e vendas são negócios nulos, não produzindo qualquer efeito (cfr. art.º 289º, do CC).
Sendo tais negócios nulos, impõe-se ainda o cancelamento dos registos prediais de aquisição efectuados com base nesses negócios, conforme determinado na decisão recorrida.
Com efeito, é sabido que a nulidade é a sanção que o ordenamento jurídico liga às operações contratuais contrárias aos valores ou aos objectivos de interesse público por ele prosseguidos ou aos que o direito, por razões desse interesse, não considera justo e oportuno prestar reconhecimento e conceder tutela.
Por isso é que tal vício opera ipso jure, podendo e devendo, como vimos, a nulidade ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Acresce que, declarada a nulidade de um negócio, todos os negócios subsequentes e dele emergentes caiem por força do vício que inquinou o primeiro (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, tomo I, 2ª ed., p. 660).
Com efeito, nos casos de invalidade sequencial ou derivada,  quando se verifica a conclusão de um negócio nulo (ou anulável) pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, este é afectado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido, conforme decorre do art.º 289º do CC. Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido (assim, Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito, p. 605, nº 1003).
Por conseguinte, haverá que concluir inexorável e igualmente pela nulidade das doações efectuadas pelos 2ºs réus a favor dos 3ºs réus.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
*
3.2.4.2. Do preenchimento dos requisitos legais para que os 2ºs réus sejam considerados terceiros de boa fé e beneficiem da protecção conferida pelo art.º 291º, do CC

Insistem, porém, os recorrentes que os 2ºs réus devem beneficiar da protecção conferida pelo art.º 291º, do CC.
Sem razão, adianta-se.
Dispõe o nº 1, daquele art.º 291º, que: “A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.”.
Acrescentando o nº2, do mesmo artigo, que: “Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.”.
Deste modo, os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação do contrato mantêm-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada.
Ou seja, passado esse período, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou da anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente.
Para tal bastará que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé.
O referido art.º 291º protege os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroactivos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico, operando como uma excepção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos (cfr. Hörster, ob. cit., p. 601 e seguintes).

Os requisitos desta norma são os seguintes:

1. Declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo;
2. Aquisição onerosa;
3. Por um terceiro de boa fé;
4. Registo da aquisição do terceiro;
5. Anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação.

Esta norma jurídica visa resolver um problema de conflito de direitos entre o primeiro alienante, o verdadeiro proprietário, e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível no tráfico jurídico e registou a sua aquisição.
O momento relevante para aferir da boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, mas a boa fé exigida pela lei é uma boa fé em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé.
E mesmo mediante a verificação destes requisitos, a protecção do terceiro não funcionará se a acção for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, entendendo-se que este prazo de caducidade se começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia (cfr. Hörster, ob. cit., p. 140 e 143; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 151).
No caso, foram efectuados os registos de aquisição dos prédios a favor dos 2ºs réus e a presente acção foi proposta após um período de tempo superior a três anos (não havendo notícia do respectivo registo), considerando as datas de conclusão dos negócios. Porém, não está provado que, nos momentos da aquisição dos prédios em 2003, os 2ºs réus desconhecessem a simulação negocial; isto é, que tais réus tivessem agido de boa fé.
Pelo contrário, tendo sido parte no conluio que motivou aquelas ficções negociais, as simulações, os 2ºs réus adquirentes, assim como também os vendedores, agiram de má fé.
Manifestamente, não estão preenchidos os pressupostos da aplicação do mecanismo previsto no art.º 291º do CC, improcedendo também esta questão da apelação.
*
3.2.4.3. Do preenchimento dos pressupostos do abuso de direito

Vieram, defender, contudo, os réus que o autor teve conhecimento dos negócios e consentiu-os, nada opondo durante largo período de tempo, criando a convicção nos réus de que considerava os negócios válidos, pelo que age em abuso de direito.
Nos termos do art.º 334º do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
Trata-se de uma cláusula geral, que constitui um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos – age em abuso de direito aquele que ultrapassa os limites normativo-jurídicos do direito particular que invoca.
Esses limites são as regras éticas elementares, de carácter suprapositivo, que enformam o Direito [cfr. Baptista Machado, CJ, t. II, p. 17, citando Castanheira Neves; e ainda Baptista Machado, Tutela da Confiança e venire contra factum proprium, in R.L.J., nº3725, p. 231].
O abuso de direito foi consagrado no Código Civil segundo uma concepção objectiva – para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, sem se indagar da intenção do agente [cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., p. 516].
A boa fé funciona aqui como um princípio normativo, pelo qual todos devem actuar, num quadro de honestidade, correcção, probidade e lealdade, de forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada nos outros [cfr. Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, p. 171 e seguintes].
Ocorre abuso de direito “quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante” [cfr. ac. RC de 9.01.2017, processo 102/11, disponível in www.dgsi.pt].
A doutrina vem desdobrando o abuso de direito em diversas figuras, como o venire contra factum proprium, o tu quoque, o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, ou a suppressio.
Esta última abarca as hipóteses em que, devido ao facto de o titular de um direito não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, as circunstâncias que rodearam essa inacção criaram na contraparte a confiança de que o mesmo já não viria a ser exercido, merecendo essa confiança a protecção da ordem jurídica, através de um impedimento a esse exercício tardio ou da atribuição à contraparte de um direito subjetivo obstaculizador [cfr. ac. RC de 24.11.2020, processo 4472/18.9, disponível in www.dgsi.pt].
À sua caracterização não basta, porém, o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada / legítima situação de confiança da contraparte [assim, ac. STJ de 11.12.2013, processo 629/10.9, acessível in www.dgsi.pt].
Já o venire contra factum proprium, correspondente a um comportamento contraditório com um comportamento anterior, ocorre quando se verificam os seguintes pressupostos: «a existência de um comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência de um “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento de uma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou» [cfr. ac. STJ de 12.11.2013, processo 1464/11.2, disponível in www.dgsi.pt].
Por seu turno, o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas pode definir-se “como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo)”[cfr. ac. RC de 9.01.2017, já citado].
Finalmente, o tu quoqueexprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio; ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada” [assim, António Menezes Cordeiro – Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, ponto 12, in ROA, ano 2005, ano 65, Vol II, Setembro 2005, disponível em https://portal.oa.pt].
No caso em apreço, há, desde logo, que dizer que da matéria de facto provada (e agora aditada) não se vê que estejam preenchidos os pressupostos de qualquer das diferentes figuras de abuso de direito, supra enumeradas.
Com efeito, por um lado, não está configurado qualquer comportamento do autor a partir do qual os réus pudessem concluir que aquele não iria invocar os vícios dos negócios.
Também não consta dos factos provados qualquer comportamento anterior contraditório por parte do autor, no qual os réus pudessem ter confiado, ou que os réus tivessem desenvolvido qualquer actividade com base nessa confiança, ou sequer a ocorrência de um comportamento do autor violador de qualquer disposição legal do qual se pretendam prevalecer.
Não podemos olvidar que estamos perante a invocação da nulidade de vários negócios, tendo alguns deles sido celebrados em 2002, outros em 2003 e finalmente os últimos apenas em 2018. Mas, podendo aquela ser invocada e ser oficiosamente conhecida a todo o tempo (art.º 286º do CC), mal se compreenderia que o autor se visse impedido de a invocar, ainda que, quanto a parte dos negócios já tenham decorrido 17/18 anos, sem que existisse, da parte dele uma prévia tomada de posição junto dos réus que, sem dúvida consistente, fosse reveladora da sua intenção de não vir a invocá-la no futuro.
Só perante um qualquer comportamento concludente neste sentido se admitiria a existência de justificação para a confiança dos réus em que a simulação negocial não seria invocada. Não assim quando apenas se alegou e apurou que o autor teve conhecimento e não se opôs aos negócios ocorridos em 2002 e 2003.
Improcede, pois, também nesta parte o recurso interposto.
*
3.2.4.4. Da aquisição por usucapião

Finalmente, importa apreciar se os prédios a que se reportam as escrituras de compra e venda celebradas em 2003, foram adquiridos por usucapião pelos 2ºs réus.
Sustentam estes que, antes de doarem os prédios aos 3ºs réus, exerceram actos de posse, de boa-fé e em nome próprio sobre os ditos imóveis e que, mesmo que se possa considerar a posse dos recorrentes de má-fé o prazo da usucapião a considerar seria de 15 anos, acrescentando ainda que a referida posse se estende aos 3ºs réus por força do disposto no art.º 1256º, do CC.
A posse conducente à usucapião, tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse, na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.
O art.º 1251º do CC define posse como – “O poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de doutro direito real”.
O art.º 1287º do citado diploma estatui – “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida opor certo lapso de tempo faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação é o que se chama usucapião”.
A posse, face à concepção adoptada na definição que do conceito dá o art.º 1251º do CC, tem de se revestir de dois elementos: o corpus, ou seja a relação material e permanente com a coisa e o animus, ou seja, o elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse titular do direito real correspondente, seja ele o direito de propriedade ou outro.
O corpus da posse traduz-se no “poder de facto” manifestado pela actividade exercida por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art.ºs 1251º e 1252º, nº2, do CC.
«Quanto ao “animus possidendi”, a sua presença e relevância não poderão ser recusadas quando a actividade em que o “corpus” se traduz pela causa que a justifica, seja reveladora, por parte de quem a exerce, da vontade de criar em seu benefício, uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real.” – cfr. Abílio Neto, in “Código Civil Anotado”, 12ª edição, p. 971.
Havendo registo de aquisição do direito de propriedade, de harmonia com a regra do art.º 7º do CRPredial, beneficia o registante da presunção de que tal direito existe na sua titularidade, nos exactos termos em que o registo o define.
Tal presunção, é ilidível pois que, como afirma, Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 5ª edição, p. 382: “É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião.”.
Só a posse exercida em nome próprio e que revista as características de posse pacífica, titulada, de boa-fé e exercida durante certo lapso de tempo conduz à usucapião.
A usucapião, que é uma forma de constituição de direitos reais e não de transmissão, baseia-se numa situação de posse – corpus e animus – exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé” – cfr. inter alia, ac. do STJ, de 14.12.1994, in CJSTJ, 1994, III, p. 183.
O Código Civil perfilha, como é dominantemente entendido, um conceito subjectivo de posse – art.º 1251º do CC.
A posse pode ser exercida em nome próprio ou em nome alheio – art.º 1252º do CC. Em caso de dúvida, presume-se a posse em quem exercer o poder de facto – nº 2 do citado artigo.
Sobre este normativo escreveu o Professor Mota Pinto, in “Direitos Reais”, 1970, p. 191: «Como a prova do “animus” poderá ser muito difícil, para facilitar as coisas, ao possuidor a lei estabelece uma presunção. Diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste.».
Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (interversio possessionis) – art.º 1263º, al. d) do CC – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua como dono da coisa.
Tal inversão também pode ocorrer por acto de terceiro, hábil para transferir a posse.
“A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.” – art.º 1265º do CC.
Nos termos do art.º 1253º, als. a), b) e c) do CC; são havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que se aproveitam da tolerância do titular do direito, os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.
Ante os factos considerados provados, afigura-se-nos, tal como concluiu o tribunal recorrido, não se ter demonstrado que os 2ºs réus praticaram actos materiais sobre os prédios susceptíveis de preencher o aludido conceito de posse em nome próprio.
Com efeito, “Em caso de simulação, […] não poderá haver, em regra, usucapião, pois o simulado adquirente é um possuidor em nome alheio ou, na terminologia da lei, um detentor ou possuidor precário (art. 1253°, c) do C. Civil), não podendo adquirir por aquele modo, salvo achando-se invertido o título da posse (art. 1290°), mas começando o tempo necessário para a usucapião, neste caso, a correr desde a inversão do título” – cfr. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição actualizada, p. 475.
No caso, sabendo os réus que os prédios em causa não lhes pertenciam, todos os actos praticados ocorreram enquanto possuidores em nome doutro.
Essa actuação é, pois, insusceptível de conduzir à aquisição por usucapião porque esta pressupõe a posse que, no caso, não existe (cfr. art.º 1287° do CC).
Por outro lado, estes réus nada alegaram ou provaram no sentido de, a dado momento, ter ocorrido inversão da posse.
Improcede, pois, também neste segmento a pretensão recursória.
*
Concluindo, e sem prejuízo das alterações introduzidas à decisão da matéria de facto, improcede o recurso interposto pelos réus, mantendo-se a sentença recorrida.
As custas do presente recurso são da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
*
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes.
*
*
Guimarães, 24.04.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria dos Anjos Nogueira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Joaquim Boavida