ARRESTO
SIMULAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
TRANSMISSÃO DE BENS
Sumário


I - O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos art.ºs 619º e seguintes do CC, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391º a 402º do NCPC.
II - A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial.
III - Verificando-se estes requisitos, não constituirá obstáculo ao deferimento da providência em causa a circunstância de se ter operado a transmissão formal da titularidade dos bens do devedor para terceiro.
IV - Mas nessa hipótese, deverá o requerente alegar e provar que essa transmissão foi meramente formal, apenas efectuada com o propósito de afastar da esfera da titularidade do devedor tais bens, de forma a impedir que, através deles, o credor consiga a garantia patrimonial do seu crédito; ou seja, deverá o requerente do arresto alegar e provar factos concretos que permitam concluir que a transmissão para terceiros foi simulada, na modalidade de simulação absoluta, suportando ainda o correspondente encargo probatório.
V - A dependência que tem de existir entre procedimento cautelar e acção principal implica, necessariamente, que apenas possam ser protegidos, por via cautelar, aqueles direitos susceptíveis de serem tutelados através da acção principal e/ou as pretensões que aí foram formuladas.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., Actividades Desportivas, Lda
veio intentar contra
EMP02..., Lda e EMP03..., Lda, procedimento cautelar de arresto como preliminar da acção principal.
Produzida a prova indicada pela requerente, o tribunal a quo proferiu decisão determinando o arresto dos bens indicados pela requerente.
Na sequência e, para além do mais, veio a requerida EMP03..., Lda deduzir oposição pugnando pelo levantamento do arresto decretado.

Realizada a inquirição das testemunhas oferecidas, foi proferida a seguinte decisão final:
“I. Relatório
EMP01..., ACTIVIDADES DESPORTIVAS, LDA, veio intentar a presente providência cautelar de arresto contra EMP02..., LDA, e EMP03..., LDA.
Alega, para tanto e em síntese, que foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado, na qual a 1.ª requerida foi condenada, entre outras, a pagar à requerente uma quantia superior a 2 milhões de euros. Nessa sequência, instaurou execução não tendo sido apurados quaisquer bens à 1.ª requerida.
À data da sentença, esta apenas era locatária financeira relativa a 175 fracções autónomas que integram o prédio conhecido como “...”.
Alguns meses após a sentença, a 2.ª requerida alegadamente adquiriu aquela posição contratual de locatária. De seguida, a locação financeira foi extinta entre a 2.ª requerida e o locador, sendo vendidas as fracções à 2.ª requerida ao mesmo tempo que contraía um mútuo com constituição de hipoteca e outras garantias.
Porém, as duas requeridas pertencem ao mesmo grupo de empresas: EMP04.... E apesar do que declararam, a cessão da posição contratual foi um negócio simulado, pelo que o mesmo é nulo. De seguida, conclui que deste enquadramento se depreende o seu justo receio de perda da garantia patrimonial.
Termina pedindo, em síntese, o arresto dos seguintes bens:
A posição de locadora – que a primeira requerida transmitiu para a segunda – em todos os contratos de arrendamento/cedência de espaço que têm por objeto as frações autónomas identificadas no artigo 19.º da presente peça e, consequentemente (ou independentemente, na académica hipótese de ser entendido que a posição contratual de locadora não é suscetível de arresto): (…) Todas as contrapartidas mensais pagas à Segunda Requerida pelos diversos utilizadores, a título oneroso e por acordo estabelecido entre estes e a Primeira Requerida, de todas as frações identificadas no artigo 19.º da presente peça;
A posição de locatária financeira imobiliária no contrato identificado nos artigos 20.º a 25.º da presente peça, compreendendo o direito à aquisição dos imóveis a final pelo valor residual contratado, contrato esse a repristinar por força da ação principal, por via da nulidade da cessão da posição contratual de locatária e consequente nulidade dos atos subsequentes, e, para garantia da efetiva exequibilidade de tal decisão, das seguintes frações autónomas objeto do contrato, de valor suficiente para garantir o crédito da Requerente.
Foi produzida a prova indicada pela requerente.
O tribunal proferiu decisão determinando o arresto dos bens indicados pela requerente.
Notificada, EMP03..., LDA, veio deduzir oposição, alegando, em síntese, que:
 A decisão anteriormente proferida é nula pois teve em conta o depoimento do agente de execução o qual violou o dever de sigilo profissional ao qual está adstrito;
 As outras duas testemunhas ouvidas são gerentes de duas sociedades com litígios com a requerida pelo que os seus depoimentos não deviam merecer credibilidade;
 A requerente não é titular de qualquer crédito sobre a requerida;
 O crédito alegado pela requerente sobre a requerida EMP02... ainda não transitou em julgado, alem de que esta é credora da requerente, tal como a requerida EMP04... o é;
 A requerida EMP02... não possuía qualquer outro activo por se encontrar em situação financeira adversa (a qual remonta quase à sua constituição), sendo que a prestação bancária relativa ao leasing era paga através do valor das rendas mensais recebidas;
 Porém, esse valor não era suficiente para fazer face ao serviço da dívida bancária, pelo que ocorreram incumprimentos no passado e implicou a renegociação da locação financeira;
 Por outro lado, só em 26.05.2022 foi alterada a estrutura societária da Requerida EMP02... passando a mesma a ser detida, integralmente, pelo Grupo EMP04...;
 Por força de uma alteração legal, os imóveis relativos ao leasing, em 2023, iam estar sujeitos a uma taxa agravada de IMI de 7,5%, isto é, ao pagamento adicional de mais de 800 mil euros, por ano, pagamento esse da responsabilidade do locatário;
 Nessa sequência, o Banco 1... sugeriu a conversão dos contratos de locação financeira em contratos de mútuo com hipoteca associada;
 Uma vez que a EMP02... estava sinalizada negativamente na banca, tornou-se necessário que fosse outra sociedade do grupo EMP04... que oferecesse garantias de solvabilidade;
 E é nessa sequência que o Banco 1... aprovou a operação em causa (o financiamento da requerida EMP04... para adquirir as fracções em causa) a qual tinha de ocorrer até ao fim de 2022;
 Para além da hipoteca e de outras garantias, para garantia do bom pagamento das obrigações decorrentes do financiamento, a EMP04... Rendimento cedeu e consignou a favor do Banco 1... todos os rendimentos e receitas provenientes da cedência dos espaços, como já sucedia no contrato celebrado entre a EMP02... e o Banco 1...;
 Deste modo, os negócios em causa são válidos e não visaram enganar terceiros ou prejudicar a requerente;
 Aliás, o negócio celebrado pela EMP02... foi-lhe benéfico, porquanto a mesma evitou o avolumar de dívida e amortizou dívida já existente;
 Subsidiariamente pede a diminuição do arresto.
Designou-se dia para inquirição das testemunhas.

II. Questões por resolver
A opoente logrou abalar a decisão inicial de arresto?

III. Da Fundamentação
A - Dos factos indiciariamente provados (serão vertidos pela ordem anteriormente decidida e retirados os que agora se consideram não demonstrados com expressa referência a isso no ponto em questão)
1) Por sentença proferida no processo que, sob o n.º 4854/18...., correu termos pelo Juízo Central Cível (J...) deste Tribunal Judicial da Comarca de Braga foi a Requerida “EMP02...” condenada a pagar, solidariamente com a co-ré “EMP05..., Ld.ª”, “…a quantia de € 1.464.208,15 (um milhão quatrocentos e sessenta e quatro mil duzentos e oito euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação”. E foi, por si só, condenada “…a pagar à EMP01... a quantia de € 474 511, 90 (quatrocentos e setenta e quatro mil quinhentos e onze euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação”.
2) Citação que ocorreu no dia 24.9.2018.
3) Foi a Requerida EMP02... condenada “…a pagar à EMP01... a título de lucros cessantes, a quantia que a EMP06... deixou de auferir devido ao número de alunos que se deixaram de inscrever no ginásio, desde os nove anos que antecederam a propositura da acção até à prolação da presente sentença), cujo cálculo se relega para execução de sentença, cfr. artºs 609, nº 2 e 358 do CPC”.
4) A Requerente deu entrada do incidente de liquidação, peticionando a fixação do valor da indemnização em Eur 2.260.519,30 (dois milhões duzentos e sessenta mil quinhentos e dezanove euros e trinta cêntimos).
5) Foi a Requerida condenada, nos mesmos autos, como litigante de má-fé, “…em multa como litigante de má fé a fixar posteriormente entre duas e cem UC´s (artigo 27, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais) e ao pagamento de uma indemnização à EMP06... a fixar após consulta prévia às partes, cfr. artº. 543, nº 3 do CPC.” Valor que não foi, ainda, fixado pelo Tribunal.
6) Da sentença referida foi interposto recurso, que foi admitido com efeito meramente devolutivo.
7) A Requerente, perante o não pagamento da parte líquida da condenação pela Requerida EMP02..., deu entrada da ação executiva, remetida oficiosamente aos Juízos de Execução de Vila Nova de Famalicão deste Tribunal Judicial da Comarca de Braga, onde corre termos sob o n.º 954/23.... (J2).
8) Execução na qual, se constatou que a aí executada EMP02... não é titular de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
9) A sentença referida “supra” data de 23 de setembro de 2022.
10) À data da sentença, o único activo patrimonial conhecido à Requerida era a posição de locatária financeira imobiliária, com a inerente expectativa de aquisição – de 175 fracções autónomas que integram o prédio conhecido como “...”, a saber, as fracções autónomas designadas pelas letras ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28, da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...22.º.
11) Por as ter tomado, numa operação de lease back, do Banco 2..., S.A., que as declarou dar em locação à Requerida, pelo prazo de dez anos, em acordo corporizado por documento autenticado outorgado a 26.6.2012.
12) Na sequência das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 e 11 de agosto de 2014, o Banco 1..., S.A. sucedeu ao Banco 2..., S.A. na posição de proprietário dos imóveis e locador financeiro.
13) O acordo denominado por “contrato de locação financeira” imobiliária foi alterado, por aditamento firmado a 26.3.2020, quanto ao prazo e quanto ao valor residual, tendo as partes no contrato estipulado que o mesmo passaria a ter o seu término a 20.9.2029 e alterando o valor residual – o valor da opção de compra dos 175 imóveis pelo locatário no final do contrato – de Eur 4.125.000,00 para Eur 1.000,00.
14) A 16.12.2022 foi o contrato novamente alterado quanto ao prazo, tendo as partes fixado como nova data de termo o dia 8.4.2030.
15) Por escrito datado do mesmo dia, 16.12.2022, a Requerida EMP02... declarou transmitir para a Requerida EMP03..., Ld.ª, que declarou tomar, a posição contratual de locatária no contrato de locação financeira acima referido.
16) Tendo as partes declarado que a Requerida EMP03... pagou à Requerida EMP02..., a título de preço da cessão, o valor de Eur 3.060.709,20 (três milhões e sessenta mil setecentos e nove euros e vinte cêntimos).
17) Subsequentemente, por documento particular autenticado, outorgado a 30 de dezembro de 2022, a Requerida EMP03..., Ld.ª e o locador financeiro, Banco 1..., S.A., declararam resolver o contrato de locação financeira referido e na venda das 175 frações, pelo Banco 1... à Requerida, pelo valor de Eur 10.883.664,51 (dez milhões oitocentos e oitenta e três mil seiscentos e sessenta e quatro mil e cinquenta e um cêntimos).
18) Na sequência destes actos, a Requerida EMP03..., Ld.ª tomou a posição da Requerida EMP02..., Ld.ª nas centenas de contratos de arrendamento ou cedência de espaço relativos às 175 fracções do ....
19) Designadamente, a Requerida notificou a sociedade “EMP07..., Ld.ª”, arrendatária da fracção ..., por carta de 5.1.2023, que havia adquirido a fracção arrendada e sucedido na posição de locadora do espaço, devendo ser a ela paga a contrapartida mensal pela cedência.
20) Retirado – cfr. infra.
21) Ambas as Requeridas, e a “EMP05...”, locatária originária das fracções, integram o universo de empresas do denominado Grupo EMP03....
22) Grupo esse que é detido e controlado pela família AA, designadamente pelo Sr. AA e pela D. BB.
23) A EMP02..., Ld.ª é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, que tem por objecto a “Gestão de imóveis próprios, gestão de espaços comerciais, designadamente de lojas e escritórios, incluindo a prestação de serviços de limpeza, segurança, publicidade e outros. Compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim. Promoção imobiliária”.
24) O seu capital social, no valor de quatro euros, encontra-se dividido, em partes iguais, entre BB e a sociedade “EMP08..., S.A.”, sociedade controlada pelo Sr. AA, que é o administrador único da mesma.
25) A EMP03..., Ld.ª é uma sociedade comercial constituída sob a forma de sociedade por quotas, cujo objecto é “Compra, permuta, venda e arrendamento de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de imóveis próprios, promoção e gestão imobiliária, realização de estudos e elaboração de projectos, serviços, indústria de construção civil e obras públicas.
26) O seu capital social, no valor de Eur 50.000,00, encontra-se dividido em duas quotas, uma no valor de Eur 49.500,00, da titularidade da sociedade “EMP09..., S.A.”, e outra do Sr. AA, que é, também presidente do Conselho de Administração da dita SGPS.
27) Sendo BB, a gerente da EMP02..., vogal do Conselho de Administração da “EMP09..., S.A.”.
28) Do Registo Central do Beneficiário Efectivo das Requeridas EMP02..., EMP03..., EMP08... e EMP09..., resulta que o beneficiário efectivo, comum, de todas elas é o Sr. AA.
29) Não demonstrado – cfr. infra.
30) Não demonstrado – cfr. infra.
31) A expectativa de aquisição das fracções pelo direito de opção de compra dos imóveis, por Eur 1.000,00, e as rendas cobradas aos lojistas e escritórios do ..., manteve-se dentro do universo do Grupo EMP04... e, logo, dos referidos AA e BB.
32) A única actividade que lhe era conhecida à EMP02... é, na qualidade de locatária financeira do edifício ..., a disponibilização a terceiros, mediante o pagamento por estes de uma contrapartida financeira, de fracções autónomas que integram aquele prédio.
33) Retirado – cfr. infra.
34) A Requerida EMP02..., e antes dela a EMP05..., acordou com diversos terceiros a disponibilização de diversas fracções autónomas das identificadas “supra”, por tempos determinados, mediante o pagamento por estas de uma contrapartida financeira e nas demais condições que estipulou com cada um desses terceiros.
35) Os escritórios 21 a 26, no piso ..., 31 a 35, no piso ..., e a loja ...1, no piso ..., com a área total de 4.435 m2, foram disponibilizadas pela Requerida à “EMP10..., Ld.ª”, pessoa coletiva n.º ...91, como sede no Edifício ..., ..., Av. ..., ..., ... ..., por acordo escrito com esta outorgado, por um prazo de seis anos, prorrogável, e mediante o pagamento de uma contrapartida mensal no valor de Eur 6,00 por m2, acrescido de IVA, actualizável anualmente.
36) E os escritórios 42 e 45, no piso ..., foram disponibilizadas pela Requerida à “EMP11..., Ld.ª”, pessoa colectiva n.º ...96, como sede na Av. ..., ..., Sala ...5, ... EMP01..., por acordos escritos com esta outorgados, por um prazo de dez anos, e mediante o pagamento de uma contrapartida mensal no valor de Eur 1.500,00 e Eur 1.100,00 –respectivamente para os escritórios 42 e 45 –, acrescido de IVA, actualizável anualmente.
Dos factos não indiciariamente provados
A Requerida disponibilizou a EMP12..., Ld.ª, pessoa coletiva n.º ...90, com sede na Av. ..., ... EMP01..., por acordo escrito, a fracção (fração ...) do prédio em crise, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal e por determinado prazo.
A Requerida disponibilizou a “EMP07..., Ld.ª”, com sede na Trav. ..., ..., ... ..., por acordo escrito, a fração ... do mesmo prédio, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal e por determinado prazo.
A Requerida EMP02... disponibilizou às infra identificadas empresas as lojas e escritório que se elencam, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira mensal: Loja / Escritório Inquilino Edifício A ...1 a ... Clínica ... e Med. Dentária EMP13...., ....
Apesar do que declararam no nominado “contrato de cessão de posição contratual”, as Requeridas não quiseram verdadeiramente transmitir a posição de locatária financeira de uma para a outra.
Quiseram, com intenção de enganar a Requerente, criar uma situação de titularidade aparente por outra empresa que não a devedora e assim salvaguardar – dentro do universo de empresas do Grupo EMP04... – o património que estava na EMP02... e frustrar o pagamento coercivo do crédito da Requerente.
Indicação e exame crítico das provas
O tribunal formou a sua convicção do seguinte modo (a qual se basta, como se sabe, com uma mera summario cognitio):
Ponto 20: na anterior decisão constava o seguinte: Ficando a condenada EMP02... esvaziada de qualquer activo, para assim frustrar a satisfação do crédito da Requerente.
Basta o ver o ponto 10 para se perceber que este ponto não consubstancia um facto mas sim uma conclusão pelo que deverá ser excluído.
Pontos 29 e 30: a nosso ver resulta exactamente o contrário: as partes pretenderam realizar os negócios supra elencados. Na anterior decisão decidiu-se pela sua demonstração com base na seguinte motivação:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise dos documentos juntos aos autos pela requerente, que atestam a pendência das acções judiciais referidas e respectivo conteúdo citado, a titularidade dos direitos sobre os imóveis transacionados entre as requeridas, bem como os contratos de arrendamento efectuados entre a EMP14... e terceiros e a comunicação de que o novo senhoria passaria a ser a EMP04..., Ldª.. Também se encontram juntos aos autos documentos que suportam os acordos entre as requeridas e o Banco 1.... (…) Dos depoimentos claros das testemunhas CC e DD, ambos gerentes de empresas que operam no ..., empresas essas inquilinas, até há pouco da requerida EMP02..., resultou que receberam, em Janeiro deste ano, uma comunicação por parte da identificada requerida a informar que, de ora em diante seria a EMP04..., a nova senhoria junto de quem deveriam liquidar as rendas respectivas. Informaram que tal procedimento, não foi precedido de comunicação prévia da intenção da cessão da posição contratual e que, as pessoas com quem continuam a contactar como representantes da nova senhoria, são exactamente as mesmas que contactavam anteriormente, quer para tratar de assuntos relacionados com as rendas, quer para tratar de assuntos relacionados com o condomínio (EE e FF). Acrescentaram que o mail do qual são remetidos os recibos da renda também é o mesmo (o usado no tempo da EMP14...). Atentou-se ainda no teor das actas de assembleia de condóminos de 28 de Fevereiro de 2023 e de 9 de Março de 2023, juntas aos autos em audiência de julgamento, das quais resulta que a EMP02..., a EMP05... e a EMP04..., se fizeram representar pelo mesmo procurador – Sr. GG. Do depoimento coerente do solicitador HH, resultou que efectuou diligências no âmbito do processo executivo identificado “supra” e que o valor total dos saldos bancários encontrados nas contas tituladas pela EMP14... (executada), ascendem a pouco mais de € 15 000, sendo a quantia exequenda superior a dois milhões de euros.
Informou ainda que não foram localizados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo em nome da executada (o que contribui para alicerçar a nossa convicção na prova dos factos descritos nos nºs 20, 30 a 33), na medida em que, pelas regras da experiência, percebe-se que a sucessão de acontecimentos relatados, nomeadamente os negócios realizados entre as requeridas, tiveram como propósito frustrar a cobrança do crédito da requerente.
A nosso ver, na anterior decisão não se baseou a motivação com base no relatado pelo agente de execução. Melhor, ele transmitiu que a executada não possuía bens e o tribunal, alicerçando-se nas regras da experiência e analisando os negócios supra elencados concluiu pela demonstração dos factos objectivos e subjectivos. Isto é, não concluiu dessa forma porque o agente de execução assim o considerou, situação que não podia suceder já que isso consubstanciaria um juízo conclusivo de uma testemunha. Deste modo, tanto basta para indeferir a nulidade supra referida pela opoente o que aqui se deixa consignado.
Prosseguindo.
Ouvida a prova arrolada pela opoente e analisada toda a documentação junta, a nosso ver, como se disse supra, resultou que a cessão da posição contratual foi real. Isto é, ao contrário do que a requerente alega, não se vislumbra qualquer simulação.

Senão vejamos:
II, Director financeiro do Grupo EMP04..., desde 2004, explicou com detalhe todo o projecto do polo de negócios e que o mesmo passou por situações adversas que levaram mesmo a EMP02... a ter incumprimentos. E isso depois deu causa a exigências por parte do Banco 1... de amortizações extraordinárias da operação para, por exemplo, obterem aprovação noutros créditos (estas amortizações foram confirmadas pelas duas testemunhas a trabalhar no Banco 1...). Por sua vez, as alterações à locação financeira foram sempre no sentido de adequar o contrato à situação económica da EMP02....
Como explicou que o serviço da dívida era pago com o valor das rendas, sendo insuficiente para liquidar os outros encargos. Mais explicou com minúcia os procedimentos levados a cabo e que levaram à conversão do leasing em mútuo com hipoteca por força da alteração ao IMI. Como detalhou a má notação da EMP02... no âmbito bancário e as reservas associadas a esta operação bancária aquando da aquisição do Banco 1... por parte do fundo ....
Por outro lado, descreveu a situação patrimonial da EMP02..., designadamente o activo e o passivo. Inquirido sobre como ficava o crédito da requerente, afirmou que a EMP02... ficou na mesma. Melhor, recebeu o dinheiro, abatendo assim passivo. Aliás, declarou que se quisessem prejudicar a requerente (a qual é devedora perante as requeridas, explicou o próprio) deixavam cair esta operação, ficando o banco com a propriedade plena e total das fracções. Por fim, defendeu a decisão tomada considerando-a a mais correcta.
Por seu turno, o depoimento de GG, Director comercial do grupo EMP04..., desde 2008, e apenas na secção imobiliária do grupo, pouco acrescentou àquele testemunho.
Já o mesmo não se pode dizer dos depoimentos de JJ e de KK, ambos a trabalharem no Banco 1..., os quais explicaram, de forma consistente, a má notação bancária da EMP02... (que teve incumprimentos e que, mais recentemente, houve a necessidade de reestruturação do crédito, em 2020), bem como as reservas associadas a esta operação aquando da venda do Banco 1..., como esclareceram a razão para terem efectuado as alterações contratuais supra referidas e que a iniciativa partiu do Banco 1....
Por fim, disseram que, por força destas circunstâncias, não teriam efectuado o mútuo com hipoteca com a EMP02....
Assim, de toda a prova resulta, a nosso ver, que as partes declararam de acordo com a sua vontade, agiram conforme o seu arbítrio negocial. Aliás, o contrário, a nosso ver, não se afigura racional face às graves consequências fiscais que tal acarretaria. E repare-se que a própria requerente não coloca em causa o pagamento ocorrido entre as requeridas para que a cessão se concretizasse. Como estes negócios foram públicos, pois a cessão implicou informar os inquilinos da mudança de senhorio (utiliza-se estas expressões em itálico por ser controvertida a qualificação destes contratos como de arrendamento – cfr. a decisão proferida por nós, no processo n.º 3967/23...., e que se encontra junta a estes autos, e na qual concluímos pela negativa).
Por outro lado, demonstrou-se com consistência o contexto em que a locação financeira acabou por ser convertida em mútuo com hipoteca, pelo que não se vislumbra que as requeridas tenham simulado o que quer que fosse já que estariam a prejudicar-se pois, como é sabido, o pagamento de impostos incumbe ao locatário e não ao locador financeiro (e é o que sucede no contrato dos autos). Assim, tanto basta para afastar, de todo, a tese da simulação absoluta da cessão da posição contratual.
Por outro lado, pretende-se, ainda que de forma implícita, invocar-se o regime da impugnação pauliana ao mencionar-se que a cessão da posição contratual visou frustrar o pagamento do crédito da requerente.
Primeiro, sempre se diga que tal é até manifestamente contraditório com o alegado pela requerente: como é sabido, a simulação da cessão implica nulidade, quando a impugnação pauliana respeita a actos válidos.
Segundo, a nosso ver, a requerente não alegou esta figura expressamente.
Terceiro, tanto é assim que na acção principal mantém-se a tese da nulidade, afastando-se, de forma inarredável, a impugnação pauliana. Aí a autora termina pedindo o seguinte: Termos em que, Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, por via dela, a) Ser declarada a nulidade do contrato de cessão da posição contratual de locatária financeira no contrato de locação dos 175 imóveis que integram o ..., com a consequente nulidade de todos os negócios posteriores, designadamente a resolução do mesmo contrato e a venda dos imóveis, sendo todos os RR. condenados a reconhecê-lo; e b) Serem os RR. BB e marido, AA e mulher, EMP03... e EMP09..., condenados a pagar à A., solidariamente com a R. EMP02..., o valor de Eur 2.292.045,14 (dois milhões duzentos e noventa e dois mil e quarenta e cinco euros e catorze cêntimos), ao qual acrescem os juros vincendos, contados desde ../../2023, acrescido do valor que se vier a liquidar no âmbito do incidente de liquidação de sentença no proc. n.º 4854/18...., tudo nos termos e com as legais consequências.
Para este último pedido recorre a autora à figura da desconsideração da personalidade jurídica, o que se compreende. Claro está que quanto a este segundo pedido não se verifica qualquer justo receio.
Quarto, resultou da prova produzida pela opoente que, face à taxa de IMI agravada, impunha-se alterar a relação contratual. Como resultou que a sociedade EMP02... não tinha boa notação, estando até sinalizada. Com base nisto, a realização de um mútuo com a requerida EMP02... afigurava-se de difícil (ou mesmo impossível) concretização. Deste modo, optou-se pela aquisição da posição da EMP02... pela EMP04... Rendimento, sendo que a mesma se traduziu no pagamento de uma quantia superior a 3 milhões de euros àquela. Pagamento que não está posto em causa. Deste modo, resulta que estes negócios foram queridos pelo Banco 1..., pois evitava-se o pagamento da taxa agravada de IMI (a qual implicava o pagamento acrescido de mais de 800 mil euros) e passava a relacionar-se com uma empresa do grupo EMP04... com melhor saúde financeira do que a EMP02....
Deste modo, a cessão é consistentemente explicada numa perspectiva racional não se afigurando um acto gravoso. Como se afigura muito duvidoso que esta transmissão tenha frustrado o crédito da requerente e, muito menos, se houve dolo nesta actuação e má fé por parte das requeridas. É que a penhora das rendas mensais por parte da requerente iria dar causa, de forma inelutável, ao incumprimento da locação financeira (como a própria requerente afirma, a EMP02... não tinha qualquer outra fonte de receita), daí resultando a resolução desse contrato e a cessação dessas rendas mensais. Por outro lado, a requerida recebeu uma maquia monetária substancial, sendo que o destino que lhe foi dado posteriormente é que poderia ser, eventualmente, contestado.
Em síntese, apesar de não ter sido invocada a impugnação pauliana, nada se apurou a este respeito.
Ponto 33: na anterior decisão constava o seguinte: Os supra alegados actos de dissipação do património da requerida EMP02... privaram-na do rendimento proveniente das cedências a terceiros das centenas de lojas e escritórios que compõem o edifício do .... A nosso ver, este ponto também se traduz num juízo conclusivo razão pela qual é retirado.

B - Do direito aplicável

Na sequência da notificação que decretou o arresto, bem como da sua efectivação, e na esteira do preceituado no n.º 1 do art. 372.º, do CPC, o requerido pode tomar uma de duas atitudes:
(i) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
(ii) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
A expressão em alternativa deixa claro que o requerido não pode usar simultaneamente dos dois meios, ainda que invocando num e noutro fundamentos diversos. Nem pode escolher livremente entre os dois meios, pois a utilização de um ou outro depende do fundamento que invoque: se pretende alegar novos factos ou produzir novos meios de prova, o requerido deduzirá oposição, se apenas quiser pôr em causa a apreciação da prova dos factos dados como assentes, impugna a aplicação do direito aos factos dados como provados, recorrendo.
No caso concreto, cabe apreciar a oposição superveniente e em conjugação com a prova produzida pela requerente, antes registada, manter, reduzir ou revogar a providência inicialmente decretada. Pode, por conseguinte, a prova produzida em sede de oposição infirmar aquela que antes foi produzida sem audição do recorrido, não se colocando qualquer questão de caso julgado que o impeça.
Como se sabe, o recurso aos procedimentos cautelares (conjunto de actos processuais que regulam o processo no qual são decididas as providências cautelares, as pretensões de direito material deduzidas) decorre do direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20.º, da CRP.
As providências cautelares constituem meios de tutela provisória da aparência de direitos, encontrando a sua justificação no princípio de direito processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão.
Por outras palavras, estas providências visam acautelar o periculum in mora. Desse modo, a decisão deve ser proferida de forma célere, mas igualmente ponderada.
“A compatibilização dos interesses contrapostos da segurança e da celeridade exige que, em determinadas situações, quando se comprove o periculum in mora, possam ser decretadas medidas provisórias com o objectivo de acautelar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, evitando decisões meramente platónicas, as quais, apesar de definirem juridicamente o conflito de interesses, deixariam de ter qualquer efeito prático” (ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, III, 3.ª edição, Almedina, 2004, p. 42).
Pela natureza dos mesmos, são instrumentais da acção principal, isto é, não dirimem o litígio, apenas obstando à produção de danos irreparáveis, possuem requisitos muito particulares e características muito próprias normalmente resumidas a três brocardos: periculum in mora, fumus bonis iuris e summario cognitio. Relativamente ao último, quer-se com ele significar que este procedimento apenas se basta com uma prova perfunctória, não se exigindo que se convença o tribunal da existência do direito à providência requerida.
Especificamente quanto ao procedimento cautelar sub iudice:
Dispõe o art. 391.º, n.º 1, do CPC, que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, deduzindo os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (art. 392.º, n.º 1, do CPC), sendo a providência decretada desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais (art. 393.º do CPC) – disposições adjectivas estas que regulam as disposições substantivas dos art. 619.º e ss., do CC.
No que importa ao primeiro requisito, a requerente demonstrou possuir um crédito sobre uma das requeridas. E caso se demonstrasse a simulação do negócio, a posição contratual alegadamente adquirida pela segunda requerida tinha de ser restituída à primeira requerida, razão pela a EMP04... foi, e bem, aqui demandada.
Todavia, a requerente não demonstrou o acto nulo, nem demonstrou qualquer facto que consubstancie justo receio.
Quanto a este, recai sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar, ainda que perfunctoriamente, a existência de um concreto circunstancialismo do qual se extraia, de acordo com as regras da experiência comum, o perigo, justificado, de impossibilidade ou dificuldade de cobrança do crédito respectivo. O justo receio referente à perda da garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia. O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, simples conjecturas, antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da acção declarativa ou executiva.
Refere a este propósito LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra editora, 2001, p. 119 e 120, que integra o conceito de justo receio qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); ou do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.
No entanto, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente. A alegação de tal perda de garantia patrimonial deve assentar em factos positivos e concretos de dissipação, ocultação ou extravio do património do devedor que, pelo seu contexto ou reiteração, constituam um real perigo de insatisfação do direito do credor.
Para finalizar, veja-se a casuística recenseada por MARCO GONÇALVES, Providências cautelares, 2.ª edição, Almedina, 2016, p. 233-235, que consubstancia o justo receio de perda da garantia patrimonial:
a) o montante elevado do crédito associado à falta de liquidez do requerido;
b) a suspeita de fuga do devedor;
c) a dificuldade considerável ou acrescida na recuperação do crédito;
d) o facto de o único bem conhecido do devedor ser um crédito em dinheiro que este detém sobre o próprio credor;
e) a circunstância de o património do devedor se encontrar onerado para garantia de um passivo elevado;
f) o facto de o devedor estar acumulado de dívidas não lhe sendo conhecido qualquer património;
g) a redução acentuada do património do devedor associada à existência de dívidas de valor superior ao dos seus activos;
h) a insuficiência do património conhecido do devedor aliado ao facto de este ter abandonado a actividade profissional que constituía a sua única fonte rendimento;
i) a desproporção acentuada entre o montante do crédito exigido e o valor do património conhecido sendo este facilmente ocultável;
j) o receio fundado de ocultação de bens do devedor;
k) o receio de subtracções indiscriminadas designadamente a existência de actos simulados de venda ou de oneração de bens assim como a alienação gratuita de bens a favor de terceiros;
l) a alienação de determinados bens ou a transferência dos mesmos para o estrangeiro ficando o património do devedor só com bens que pela sua natureza dificilmente encontrarão comprador em sede de venda judicial;
m) a alienação determinados bens um terceiro encontrando-se o devedor a negociar com ele a venda do único bem que ainda subsiste no seu património sendo devedor e o terceiro conhecidos no meio empresarial como não sendo titulares de quaisquer bens penhoráveis;
n) a alienação do único património conhecido do devedor no seguimento de uma sentença condenatória face à previsível instauração de uma acção executiva;
o) a tentativa de alienação do património em prejuízo dos credores associada à exiguidade desse património;
p) a pendência de diversas execuções contra o devedor e/ou a oneração do seu património com penhoras;
q) o risco de a sociedade devedora se preparar para encerrar a sua actividade pretendendo os seus sócios constituir uma nova sociedade para não pagar aos credores;
r) o risco concreto de insolvência do devedor;
s) a frustração de contactos com o devedor por facto que lhe seja imputável associado ao risco de dissipação do seu património.
Atentos os factos apurados, não se demonstrou, manifestamente, qualquer facto que consubstancie o justo receio.
Mais a mais, e mesmo sublinhando que não foi invocada a impugnação pauliana (o que se compreende, pois esta implica que os actos levados a cabo pelo devedor são válidos), não se apuraram factos que integrem aquela figura.
Deste modo, a presente providência cautelar tem que improceder.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:
a) Declarar procedente a presente oposição;
b) Determinar o cancelamento do arresto;
c) Determinar a devolução à requerida EMP04..., Lda, de toda e qualquer quantia monetária que tenha sido arrestada;
d) Condenar a requerente nas custas do processo.”.

Inconformada com tal decisão, a requerente do arresto interpôs recurso de apelação, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

“1 . a - Salvo o muito respeito que é devido, o Insigne Tribunal Recorrido foi uma vítima do engodo criado pelo Grupo EMP04... para justificar o esvaziamento patrimonial da sociedade devedora em benefício da sociedade “dos ativos”;
2. a - A decisão que havia decretado o arresto havia sido certa, justa, e adequada à salvaguarda da ressarcibilidade do crédito de que a Recorrente é titular sobre a EMP02...;
3. a - Admitindo-se que as alterações legislativas em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis tornavam premente a transformação da operação de locação financeira imobiliária em mútuo com hipoteca, nada justifica (para além da intenção de não pagar à Recorrente) que tal operação, em lugar da antecipação do cumprimento do leasing e exercício do direito de opção de compra fosse feita uma complexa operação de cessão da posição contratual, resolução do contrato e subsequente mas independente compra e venda de imóveis a outra empresa do mesmo grupo da devedora;
4. a - A tese de que o Banco 1... “recusou” a efetivação da operação na EMP02... por putativa inidoneidade desta conflitua frontalmente com o facto de se tratar de empresa integrada num sólido grupo económico, com um peso e preponderância acrescidos na negociação com a banca;
5. a - Em bom rigor, por mais complexas construções económico-financeiras e bancárias que sejam erigidas, a realidade é simples e certa: se o Banco 1... não confiasse numa empresa do grupo, também não confiaria nas outras ... E vice versa.
6. a - A questão é tão simples quanto isto: a Requerida EMP02... é devedora de milhões de euros à Requerente e o património da Requerida foi “colocado”; na Requerida EMP04... Rendimento, inviabilizando a cobrança coerciva do crédito da Requerente;
7. a - Com a manutenção do arresto, se ação principal proceder, a Recorrente recebe. Se não proceder, a Recorrida vê o seu ativo liberto. É o que é justo. Perante esta situação de compressão de direitos, e que é o direito de salvaguarda do ressarcimento da Recorrente (potenciado por atos praticados pelas Recorridas) e o direito à livre disponibilidade do ativo por parte da Recorrida EMP04... Rendimento, terá de ser este último a sobrestar;
8. a - Levado pelo “aproveitamento”; que a Recorrida faz da coincidência da alteração legislativa quanto ao IMI e da opção por fugir ao pagamento do que deve, o Insigne Tribunal Recorrido erra na apreciação da matéria de facto e na alteração às respostas que haviam sido antes conferidas aos pontos 29 e 30 do acervo material considerado, o que se consigna para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil;
9. a - A alteração preconizada pelo Insigne Tribunal Recorrido estriba-se nas declarações de dois empregados da EMP04..., os Sr. GG e II - fiéis cumpridores das ordens que lhes são dadas - e nas declarações dos funcionários do Banco 1... que, no preciso cerne da questão, não secundam a tese preconizada pelas devedoras;
10. a - Prova - ou, em bom rigor, contraprova - que não tem suficiente aptidão para infirmar a prova indiciária produzida num primeiro momento e que sustentou, e bem, o decretamento do procedimento cautelar.
11 . a - Por mais argumentação, e declarações de encomenda em tribunal, erigidos pela EMP04..., nada impedia que os imóveis em causa fossem colocados na EMP02..., antecipando-se o cumprimento do contrato de locação financeira imobiliária e o exercício do direito de opção. Nada “obrigava” ao recurso a outra empresa do mesmo grupo para albergar o ativo da EMP02.... Rectius, uma razão, torpe, o determinou: a vontade de não pagar, a bem ou a mal, à Requerente.
1 2. a - Os meios de prova gravados que implicariam a prolação de decisão em inverso sentido para os pontos acima elencados e que aqui se deixam consignados nos termos e para os efeitos do preceituado pela alínea b) do n.º 1 e pelo n.º 2 do artigo 640.° do Código de Processo Civil, são, pela sua manifesta inépcia para sustentar a decisão, os depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerida, II, GG (dos 20min a final), KK (dos 14min 15s até final) e JJ (de 12min 1 5s até final);
13. a - A guarida que o Insigne Tribunal recorrido dá ao Grupo EMP04... na apreciação da matéria de facto não configura uma interpretação dúbia ou dentro de um limite admissível de razoabilidade discricionária, mas - sempre salvo o devido respeito - verdadeiro erro de julgamento.
14. a - Na apreciação da construção erigida pela EMP04... para tentar “safar” o arresto, duas dúvidas desde logo emergem:
(i) por que razão teria que o Grupo EMP04... recorrer a uma outra empresa do Grupo para a operação de conversão da locação financeira imobiliária?; e
(ii) por que razão a EMP04... e o Banco 1..., na posição de locatária e locador, não fizeram a antecipação do cumprimento integral do contrato de locação financeira e exercício do direito de opção de compra das frações (pela EMP02... ou até pela EMP04... Rendimento), mas antes declaram resolver o contrato e, ato contínuo mas independente, declararam comprar e vender as frações que se tomaram propriedade livre e desembaraçada - do Banco 1...?
15. a - As respostas, sabemos nós. Para a primeira questão, “aproveitar” o ensejo e esvaziar a EMP02... de património (sejam as rendas, sejam os imóveis) e evitar o pagamento de milhões de euros à Requerente. Para a segunda questão, para dificultar o exercício do direito de salvaguarda que assiste à Recorrente;
16. a - Fica por demonstrar - omissão que resulta da exegese dos depoimentos dos funcionários bancários nos pontos assinalados - que para o Banco 1... fosse imperioso que a operação fosse feita no espectro de outra empresa que não a EMP02...;
17. a - Conforme se percebe, a EMP04... é um cliente de referência do Banco, com uma dimensão significativa e um “peso” institucional que lhe confere uma amplitude negocial francamente maior que a generalidade dos clientes. E o Sr. AA “quer, pode e manda”. Se a tese da empresa “queimada” podia valer no espectro de um cliente convencional, já assim não é quando falamos de uma empresa inserida dentro do âmbito de um grupo empresarial com a enorme dimensão e peso do Grupo EMP04...;
Isto em consideração,
18. a - A Requerente é titular de um crédito, na casa dos milhões de euros, sobre a Recorrida EMP02.... E, bem assim, é titular de um direito, de igual monta em valor, sobre a Recorrida EMP04... Rendimento, a materializar por via da ação à qual estes autos são apensos e pelas razões e legais fundamentos que aí são aduzidos. É absolutamente insofismável a relação entre as sociedades requeridas e a identidade do seu beneficiário efetivo - o dito “Sr. AA” - bem como a sucessão do declarado direito de propriedade sobre os imóveis;
1 9. a - O decretado arresto - agora levantado, mas mal - permitia assegurar a não dissipação dos direitos arrestados enquanto não fosse decidida a ação principal. Se a ação proceder, a Requerente teria o seu direito protegido, se a ação improceder, o arresto cessaria e as Requeridas recuperariam a disponibilidade dos direitos;
20. a - A promíscua relação societária e entre sociedades e a coincidência do beneficiário efetivo único de todas elas - tudo vertido nos factos provados sob os n.ºs 21.° a 28.° no douto aresto recorrido - consubstanciam causa de pedir da ação principal e do arresto,
21 . a - Tendo por certo que as pessoas visadas “retiraram” o ativo da esfera patrimonial da Recorrente, elevada será, obviamente, a probabilidade e o risco de fazerem o mesmo na EMP04... Rendimento;
22. a - A procedência da ação de simulação importará a recondução da EMP02... na posição de senhoria nos diversos contratos de arrendamento das frações do ..., com efeitos à data do ato impugnado, e a inerente restituição à sua esfera patrimonial dos valores das contrapartidas pagas entretanto. Contrapartidas que a bem da Justiça - devem ficar, por via do arresto, a salvaguardar o ressarcimento da Recorrente;
23. a - Recorrente que, de outra forma e porque o Grupo EMP04... optou por não prestar caução na execução em curso ou no recurso de apelação no processo no qual foi condenada, por certo veria o seu crédito frustrado;
24. a - Por tudo, o douto aresto recorrido viola as normas contidas nos artigos 619.° do Código Civil, 391.°, 392.° e 414.° do Código de Processo Civil, antes se impondo seja a Justiça e a legalidade repostos por via da procedência da presente apelação.”.
Contra-alegou a requerida EMP04..., Lda, pugnando pela improcedência total do recurso e pela manutenção do julgado, tendo apresentado as seguintes conclusões (omitindo-se as relativas ao efeito do recurso, por se tratar de questão ultrapassada):
“(…)
II. Do objeto do recurso
3. A Recorrente não cumpriu os ónus que a lei lhe impunha para ver reapreciada a matéria de facto, nem verteu nas suas conclusões o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, pelo que deve o recurso ser rejeitado.

Da impugnação da matéria de facto

4. Ainda assim, não se verifica, in casu, qualquer circunstância que justifique a alteração da matéria dada como não provada, nem resulta dos autos qualquer elemento idóneo que possa abalar a convicção do julgador, que é, também, produto da experiência, prudência e saber daquele.
5. O que a lei adjetiva impõe, nos termos do art.º no art.º 607.º, n.º 4 do CPC, é que o tribunal, no seu livre exercício de convicção, faça uma análise crítica das provas e a indicação das ilações e fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, sendo que, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável.
6. Em consequência, para que exista erro de julgamento – o que não se verifica – é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão que se torna difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pela Recorrente como, aliás, de resto, concluiu o tribunal a quo ao considerar que, por um lado, as partes, no contrato de cessão da posição contratual, declararam de acordo com a sua vontade, e por outro, não o fizeram com o intuito de enganar a Recorrente, para frustrar o pagamento coercivo do crédito da Recorrente.
7. O que a Recorrente verdadeiramente pretende é atacar a livre convicção do julgador, a qual está subtraída aos poderes de cognição do tribunal ad quem.
8. Ora, dúvidas inexistem, e foi até admitido pela Recorrente nas suas conclusões que, por força de uma alteração legal, os imóveis propriedade do Banco 1..., S.A., em 2023, passariam a estar sujeitos a uma taxa agravada de IMI de 7,5%, o que, no caso do ..., representaria o pagamento adicional de mais de 800 mil euros, por ano, pagamento esse da responsabilidade da locatária financeira, a EMP02..., Lda. Esta matéria resulta suficientemente indicada não apenas dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pela Recorrida, mas igualmente dos documentos juntos sob o n.º 21 a 24 com a oposição ao arresto.
9. A testemunha II clarificou que, no caso da EMP02..., Lda., uma vez que o valor do imposto lhe iria ser contratualmente repercutido, esta acabaria por ter de suportar um IMI no valor de € 800.000,00 por ano, valor esse que era incomportável face à sua situação financeira débil, sendo insuficientes as receitas para fazer face a esse adicional de IMI (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:19:08 a 00:20:20 e de 00:37:07 a 00:37:50).
10. Foi o Banco 1..., S.A. que, na qualidade de locador financeiro, sugeriu a conversão dos contratos de locação financeira em contratos de mútuo com hipoteca associada, conforme evidencia o email junto sob o doc. n.º ...1 com a oposição, remetido pelo Banco 1..., S.A., ao Diretor Financeiro da EMP04..., onde é solicitada a realização de uma reunião, subordinando-se a mesma ao tema “Reunião Leasing Imobiliário – Taxa de IMI Especial – 7,5 %”, sendo este facto confirmado pelos depoimentos das testemunhas, Dr. II (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, com a referência, no trecho de 00:16:39 a 00:23:53) e as testemunhas funcionárias do Banco 1..., S.A., KK (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:19:07, registado entre as 11:41:00 e as 12:00:00, no trecho 00:08:29 a 00:13:38) e JJ (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:14:40, registado entre as 11:25:00 e as 11:40:00, no trecho de 00:07:02 a 00:09:11).
11. As mesmas testemunhas, Dr. II, KK e JJ, esclareceram que a operação de conversão do contrato de locação financeira em contrato de mútuo com hipoteca seria impossível ou muito difícil de se concretizar na EMP02..., Lda. em virtude dos seguintes circunstâncias: a) face ao historial de incumprimento da EMP02... Lda.; b) que se encontrava sinalizada com uma má notação de risco; c) que a dívida subjacente ao contrato de locação financeira já tinha sido alvo de várias reestruturações; d) o que implicava que o Banco 1..., S.A. já tivesse vindo a constituir imparidades relativamente àquele negócio e tivesse sido forçado o Grupo EMP04... a proceder a amortizações de capital; e) implicou que, na venda do Banco 1..., S.A ao fundo americano ..., devido aos riscos e desconfiança que esta sociedade apresentava, a operação tivesse integrado o mecanismo do Fundo de Resolução; f) o valor do ativo era inferior ao valor da dívida; g) a EMP02..., Lda. era um monoprojeto, ou seja, apenas se dedicava à exploração do ... e não tinha outra fonte de receitas. Neste sentido, veja-se os depoimentos das testemunhas II (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:16:39 a 00:23:53); JJ (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:14:40, registado entre as 11:25:00 e as 11:40:00, no trecho de 00:03:01 a 00:06:03) e KK (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:19:07, registado entre as 11:41:00 e as 12:00:00, no trecho de 00:03:36 a 00:04:05 e de 00:08:29 a 00:13:38).
12. Para tanto, explicaram que a EMP02..., Lda. oferecia poucas garantias de retorno financeiro, tornando-se necessário a alocação dessa operação a outra sociedade do grupo EMP04... – sendo ideal a EMP04... Rendimento, Lda. - que oferecesse garantias de solvabilidade àquela instituição financeira e que por esta fosse aprovada, para efeitos de celebração de contrato de mútuo com hipoteca, tendo todos referido que o Banco 1..., S.A., já teria pedido várias vezes essa alteração.
Neste sentido, veja-se o depoimento das testemunhas II (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:16:39 a 00:23:53), JJ (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:14:40, registado entre as 11:25:00 e as 11:40:00, no trecho de 00:07:02 a 00:09:11) e KK (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:19:07, registado entre as 11:41:00 e as 12:00:00, no trecho de 00:10:34 a 00:12:01).
13. Aliás, tanto foi do interesse do Banco 1..., S.A. realizar esta operação, que este suportou todas as despesas com a mesma, conforme decorre do doc. n.º...1 junto com a oposição e do depoimento das testemunhas II (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:28:12 a 00:29:28) e JJ (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:14:40, registado entre as 11:25:00 e as 11:40:00, no trecho de 00:10:37 a 00:11:07).
14. A testemunha II esclareceu que o Banco 1..., S.A. sempre teve todo o interesse na alteração da sociedade que estava à frente da operação, e ficou mais assegurado com a ora Recorrida, que tinha objeto de atividade similar, pois, além de esta não ter dívida, tinha ativos próprios desonerados e outras fontes de rendimento, designadamente, com os valores recebidos pela cedência dos espaços dos outros retails center, o que reforçava as garantias do Banco 1..., S.A., mas igualmente em face da prestação de aval na operação pela EMP04..., SGPS, que é a sócia maioritária da EMP04..., Lda. (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:22:13 a 00:23:53, de 00:30:14 a 00:32:22 e de 00:33:20 a 00:34:31).
15. Questionada diretamente a testemunha JJ se o Banco 1..., S.A. aprovaria à EMP02..., Lda. a mesma operação que aprovou à EMP04... Rendimento, Lda., isto é, se constituiria um mútuo para a aquisição do ..., a testemunha afirmou cabalmente que não aprovaria, assim como não o aprovaria qualquer outra instituição financeira de crédito, o que contraria frontalmente a tese vertida pela Recorrente (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:14:40, registado entre as 00:11:07 e as 00:12:05, no trecho de 00:11:07 a 00:12:05).
16. No que concerne aos depoimentos das testemunhas GG, JJ e KK que a Recorrente veio “pescar à linha” e descontextualizar não resulta, como é evidente que o Sr. AA, ao ter o último poder de decisão, se sobrepusesse ao Banco 1..., S.A. O que as testemunhas disseram foi que, como é natural, qualquer decisão que seja tomada é sempre da própria empresa e não do Banco 1..., S.A., o que não significa, como é patente, que qualquer decisão que venha a ser tomada não gere uma consequência ou um risco.
17. No caso, como é notório, o risco era facilmente ponderável: a EMP02..., Lda. não conseguiria viabilizar a aprovação da concessão de um contrato de mútuo, pelo que se iria manter o património na esfera jurídica do Banco 1..., S.A., ficaria sujeita à taxa agravada de IMI, de 7,5% e posteriormente, não conseguiria fazer face ao pagamento adicional dos € 800.000,00, entrando em incumprimento das suas obrigações.
18. Mais referiu a testemunha II que, se hoje é possível uma gestão normal e corrente do negócio do “...”, tal se deveu, por um lado, ao facto de o grupo EMP04..., através de empresas do grupo que não a EMP02..., Lda. sempre ter aportado amortizações e regularizado os incumprimentos desta perante o Banco 1..., S.A. e por outro, ao facto de se ter obviado a aplicação da taxa agravada de IMI e de estarem a ser canalizadas verbas de outros empreendimentos da Recorrida para fazer face aos valores em falta para pagamento das prestações bancárias e demais obrigações relacionadas com o ... (cfr. depoimento gravado no dia 04.01.2024, com a duração de 00:58:10, registado entre as 09:51:00 e as 10:50:00, no trecho de 00:37:50 a 00:42:29).
19. Deste modo, as operações aqui sindicadas, designadamente, a cessão da posição contratual e os negócios sucessivos que foram realizados, decorrem de uma insistência do Banco 1..., S.A. e de uma inevitabilidade, isto é, caso não fosse realizada a operação desta forma, e com a Recorrida (uma sociedade sólida, com ativos patrimoniais consolidados, sem histórico de dívida e que oferece boas garantias), o mais provável seria a EMP02..., Lda. se ver totalmente impedida de cumprir com as suas obrigações e ver ser resolvido o contrato de locação financeira que tinha celebrado com o Banco 1..., S.A.
20. Ora os depoimentos assinalados pela Recorrente e os argumentos aduzidos não permitem, de modo algum, contrariar a resposta dada à matéria de facto: o que resultou à exaustão da documentação junta pela Recorrida e dos depoimentos das testemunhas é que, efetivamente, a EMP02..., Lda. e a Recorrida declararam de acordo com a sua vontade, agiram conforme o seu arbítrio negocial, tanto assim é que o contrato de cessão da posição contratual teve um preço que não foi colocado em causa pela Recorrente (de € 3.060.709,20, conforme evidencia o contrato de cessão da posição contratual e o doc. n.º ...7 junto com a oposição) e visou evitar o pagamento da taxa agravada de IMI e a eventual situação de incumprimento perante o Banco 1..., S.A., que poderia levar à resolução do contrato.
21. Nenhum destes negócios foi realizado com qualquer intuito promíscuo ou com má-fé relativamente à aqui Recorrente, e nem tão pouco a prejudicam: se não se tivesse viabilizado o negócio com a Recorrida, a EMP02..., Lda. acabaria por ter de fazer face a despesas de cerca de € 800.000,00 adicionais por ano, e, uma vez que o valor de rendas/contrapartidas recebidas não era suficiente para cobrir todas as despesas, o mais provável seria que esta acabasse por entrar em incumprimento do contrato de locação financeira e o Banco 1..., S.A. optasse por resolver o negócio.
22. Em idêntico sentido, a ocorrer a penhora/arresto das contrapartidas financeiras pela Recorrente, como elevado grau de probabilidade, esta daria causa ao incumprimento do contrato de locação financeira, e o Banco 1..., S.A. resolveria o contrato de locação financeira.
Da impugnação da matéria de direito
23. Na sua impugnação da matéria de direito começa a Recorrente por dizer é titular de um crédito, na casa dos milhões de euros, sobre a EMP02..., Lda. (e sobre a EMP04... Rendimento, Lda., o que é falso!), esquecendo-se, no entanto, que é devedora à EMP02..., Lda., Recorrida EMP04... Rendimento Lda., e até outra empresa do grupo EMP04... (neste sentido vão os documentos juntos sob os n.ºs 1, 2 e 3 com a oposição.
24. Erra, de igual modo, a Recorrente, na conclusão que extrai de que o arresto lhe permitiria assegurar a “não dissipação dos direitos arrestados”. Quer através da EMP02..., Lda., quer através da EMP04... Rendimento, Lda. não pode a Recorrente esquecer-se que continua a existir o Banco 1..., S.A.: no caso do contrato de locação financeira, em caso de incumprimento das prestações, este poderia resolver o contrato e deixavam de existir contrapartidas financeiras a favor da EMP02..., Lda.; no caso do contrato de mútuo, em caso de incumprimento, basta-lhe executar a hipoteca que tem a seu favor e deixam, igualmente, de existir contrapartidas financeiras.
25. Desta forma, ressalta à evidência que esta transmissão não frustrou qualquer crédito da Recorrente: a EMP02..., Lda., como a própria Recorrente refere, não detinha qualquer outra fonte de receita, com exceção daquela que resulta das contrapartidas financeiras que recebia pela cedência da utilização dos espaços que integram o ... e que servia apenas para assegurar o pagamento das prestações referentes a esse contrato de locação financeira, pelo que, com o arresto ou penhora daquelas quantias pela Recorrente, o contrato acabaria por ser resolvido pelo Banco 1..., S.A., culminado na frustração do alegado “direito de crédito” da Recorrente.
26. A procedência da ação de simulação, contrariamente ao que a Recorrente invoca, terá duas consequências: o aumento dos credores da EMP02..., Lda. (integrando-se um novo credor, o Estado, uma vez que, será revertida a operação que visou evitar a aplicação da taxa agravada de IMI) e a resolução do contrato de locação financeira pelo Banco 1..., S.A.
27. De resto, o negócio celebrado pela EMP02..., Lda. e a Recorrida e todos os que se sucederam, foram feitos numa perspetiva puramente racional, legítima e realizados à vista de todos, sendo certo que a Recorrente não demonstrou ter existido um ato nulo, que visasse prejudicar terceiros, nem demonstrou qualquer facto que consubstancie justo receio (incumbindo-lhe tal ónus), assim como, e embora não tenha sido invocada a impugnação pauliana, também não foram alegados, nem resultam dos autos, factos que a integrem.
28. A expectativa de aquisição dos imóveis, em face do agravamento das dificuldades financeiras da EMP02..., Lda., do passivo ainda em dívida e bem assim, do incremento do peso fiscal nas suas obrigações pecuniárias, com elevado grau de probabilidade, caminharia, inelutavelmente, para a sua frustração.
29. Em consideração de tudo o que se expendeu, a sentença recorrida não merece qualquer censura, decorrendo da mesma uma correta subsunção do direito aos factos, e das regras de apreciação do ónus da prova.”.
Colhidos os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:

- do erro de julgamento da decisão da matéria de facto, apreciando-se – como questão prévia – o (in)cumprimento pela recorrente dos respectivos ónus de impugnação previstos no art.º 640º, do NCPC; e
- da reapreciação da decisão de direito quanto ao preenchimento dos pressupostos da providência requerida contra a recorrida EMP04..., Lda.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentos de facto

Como factualidade relevante interessa aqui ponderar os trâmites processuais consignados no relatório do presente acórdão; o teor da decisão recorrida que supra se transcreveu e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais e ainda os seguintes factos [em face dos elementos constantes dos presentes autos e por consulta no sistema informático de apoio aos tribunais dos autos de acção comum nº 2980/23....]:
a) O presente procedimento cautelar foi intentado em 14.03.2023, passando a correr termos sob o nº 1778/23.... no Juízo Central Civil de Braga – Juiz ...;
b) A decisão que decretou o arresto data de 29.03.2023;
c) Em 15.05.2023, foi proposta a acção principal intentada por EMP01..., Actividades Desportivas, Lda contra EMP02..., Lda; EMP03..., Lda; Banco 1..., SA; BB e marido LL; AA e mulher MM; e EMP09..., SA que passou a correr termos sob o nº 2980/23.... no Juízo Central Cível de Braga – Juiz ....
d) Na acção referida em c), a autora deduziu os seguintes pedidos:
- Ser declarada a nulidade do contrato de cessão da posição contratual de locatária financeira no contrato de locação dos 175 imóveis que integram o ..., com a consequente nulidade de todos os negócios posteriores, designadamente a resolução do mesmo contrato e a venda dos imóveis, sendo todos os RR. condenados a reconhecê-lo; e
- Serem os RR. BB e marido, AA e mulher, EMP03... e EMP09..., condenados a pagar à A., solidariamente com a R. EMP02..., o valor de Eur 2.292.045,14 (dois milhões duzentos e noventa e dois mil e quarenta e cinco euros e catorze cêntimos), ao qual acrescem os juros vincendos, contados desde ../../2023, acrescido do valor que se vier a liquidar no âmbito do incidente de liquidação de sentença no proc. n.º 4854/18...., tudo nos termos e com as legais consequências.
e) Por despacho proferido em 12.09.2023, foi determinada a apensação dos autos de arresto ao processo principal. 
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3.2. Fundamentos de direito

3.2.1. Do erro de julgamento da decisão da matéria de facto

Cumpre em primeiro lugar apreciar o erro de julgamento imputado à decisão de facto.
E se, nesta sede, a recorrente observou os ónus de impugnação que sobre si recaem e que se encontram previstos no art.º 640º, do NCPC.

Com efeito, para que o tribunal se encontre habilitado a proceder à reapreciação da prova, o aludido art.º 640º do NCPC impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º”.
As exigências legais ora elencadas têm uma dupla função: delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (assim, o ac. da RP de 17.03.2014, processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Não cumprindo o recorrente os ónus do art.º 640º, nº 1 do NCPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do NCPC (cfr. ac. da RG de 19.06.2014, processo nº 1458/10.5TBEPS.G1, in www.dgsi.pt).
Não obstante, não se poderá olvidar que os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o ac. do STJ de 28.04.2014, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Assim sendo, têm-se vindo a entender que nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação, tendo, aliás, sido muito recentemente fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça neste sentido – cfr. AUJ 12/2023, in DR 220/2923, Série I, de 14.11.
Por outro lado, é também entendimento largamente maioritário que se deverá usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no nº 1 do art.º 640º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do nº 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) [neste sentido, ac. do STJ de 29.10.2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, também acessível in www.dgsi.pt].
Com efeito, o ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. acs. do STJ, de 26.05.2015, processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, de 22.09.2015, processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, de 29-10-2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e de 19.01.2016, processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Diga-se, porém, que a apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do nº 2 do art.º 640º do NCPC (neste sentido, ac. do STJ de 19.02.2015, processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova dos factos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. ac. do STJ de 28.05.2015, processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1, também acessível in www.dgsi.pt).
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto (que agora não importa tratar), estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta do citado art.º 640º do NCPC.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso, salvo se tratar de questão do conhecimento oficioso.
Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões do recurso quais os pontos da decisão de facto sobre os quais recai a crítica da recorrente, imputando erro de julgamento.
E igualmente se extrai das alegações do recurso qual a redacção que a apelante pugna seja sobre os mesmos introduzida, bem como os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Deste modo, resta-nos verificar se a recorrente não procedeu à indicação exacta das passagens da gravação no sistema informático, nos termos do disposto no art.º 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do NCPC.
Ora, decorre das conclusões de recurso que a apelante invoca ter o tribunal recorrido errado na apreciação da matéria de facto, nomeadamente, quando alterou as respostas que haviam sido antes conferidas aos pontos 29 e 30 da matéria de facto.
E, analisada a motivação do recurso, facilmente se constata que a recorrente faz apelo à prova gravada para fundamentar as alterações que pretende ver introduzidas aos aludidos pontos da matéria de facto.
Prescrutada a impugnação deduzida com base na prova gravada, também se verifica que apesar da recorrente não identificar com precisão o início e o termo das passagens dos depoimentos visados, indicou os minutos e segundos iniciais, tendo, por vezes procedido à transcrição das passagens.
De todo o modo, e não obstante o ónus de indicação exacta das passagens da gravação no sistema informático tenha sido deficientemente cumprido pela aqui recorrente, verificamos que a recorrida conseguiu exercer cabalmente o seu direito ao contraditório.
Acresce que, também nós conseguimos identificar as passagens que a recorrente pretende ver analisadas, embora com acrescida dificuldade e maior dispêndio de tempo, implicando a audição integral da prova gravada, pelo que se nos afigura que, no caso, a rejeição liminar da impugnação da matéria de facto, com tal fundamento, redundaria numa sanção excessivamente formal e sem justificação razoável.
Por conseguinte, entendemos que falecem de razão os argumentos invocados pela recorrida para não se apreciar a impugnação da matéria de facto.
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Isto posto, urge então verificar se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
Com efeito, dispõe o art.º 662º, nº 1, do NCPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Para tanto, importa ter presente, nesta sede, que conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do NCPC a prova é apreciada livremente. Prevê expressamente este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos art.ºs 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º).
A prova há-de, pois, ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual do Código de Processo Civil, p.  655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (vide, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”.
De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
Tendo presentes estes considerandos, passaremos então a apreciar os motivos da discordância da recorrente quanto à decisão da matéria de facto.
A autora insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, dizendo, em suma, que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar na decisão final não provados os pontos 29 e 30 dos factos provados na decisão inicial, com o seguinte teor:
“29 - Apesar do que declararam no nominado “constrato de cessão de posição contratual”, as Requeridas não quiseram verdadeiramente transmitir a posição de locatária financeira de uma para a outra.
30 -  Quiseram, com a intenção de enganar a Requerente, criar uma situação de titularidade aparente por outra empresa que não a devedora e assim salvaguardar – dentro do universo de empresas do Grupo EMP04... – o património que estava na EMP02... e frustar o pagamento coercivo do crédito da Requerente.”.
Porém, tendo-se procedido à audição integral dos depoimentos identificados nas alegações de recurso, mormente das testemunhas GG, II, KK e JJ, afigura-se-nos que o tribunal recorrido apreciou adequada e criteriosamente os referidos elementos probatórios, não se vislumbrando ocorrer qualquer razão substancial para divergir do decidido em 1ª instância.
Com efeito, da análise do conjunto da prova produzida, podemos dizer que nada indica que o negócio de cessão da posição contratual celebrado entre as requeridas tenha sido realizado com o único fito de frustar a cobrança do crédito da requerente, ou seja, que se trata de um negócio fictício. E muito menos tal se pode concluir quanto aos negócios subsequentes.
Com efeito - ainda que numa análise perfuntória - nenhuma evidência se extrai da prova produzida no sentido de demonstrar que as requeridas se conluiaram, realizando o negócio em causa com o único objectivo de frustrar a garantia patrimonial da credora, ora recorrente.
Acresce que, face aos demais factos apurados, considera-se que os mesmos também não permitem a prova indirecta desse conluio e propósito, nomeadamente face às presunções judiciais tidas habitualmente como suficientes para esse fim.
Na verdade, tendo presente as dificuldades de prova directa em matéria de simulação, vêm sendo condensadas pela doutrina e pela uniforme prática jurisprudencial diversas e relevantes presunções judiciais que permitem de forma segura a dita prova indirecta de alguns dos respectivos requisitos, sobretudo, os atinentes à intenção dos simuladores.
Tais indícios encontram-se condensados no ac. desta RG de 10.01.2019, relatado por Maria João Matos e disponível in www.dgsi.pt, aresto que pela sua pertinência para o caso e clareza de exposição passamos a citar:
Assim, quer «na simulação quer na impugnação pauliana, impõe-se a indagação de condutas humanas em que a motivação tem um papel essencial como elemento propulsor. O simulador actua de forma planeada com o intuito de se esquivar a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos. O motivo ou interesse que determinam a actuação do simulador constitui a causa simulandi, a qual corresponde assim ao interesse que leva as partes a celebrar um contrato simulado ou o motivo que as induz a dar aparência a um negócio jurídico que não existe ou a apresentá-lo de forma diversa da que genuinamente lhe corresponde» (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, p. 265).
Por outras palavras, há que procurar em primeira linha a causa simulandi (o motivo da simulação), para, sobre esse fundamento, se erigir e consolidar a prova (conforme ac. do STJ, de 05.04.2005, disponível in www.dgsi.pt).
Precisa-se, porém, que para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi. A causa simulandi constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento».
Estabelecido, dir-se-á que um dos indícios seguintes a descortinar será o «indício necessitas», que, «na sua vertente positiva, procura demonstrar a veracidade do negócio simulado, a qual decorrerá, v.g., do actuar do homo aeconomicus que pretende obter o máximo rendimentos dos bens, o seu sustento ou aumentar a sua riqueza»; e, por isso, «se o simulador alega a existência de uma motivação atendível para a celebração do negócio, esta não deve ser admitida como válida sem que venha acompanhada da sua oportuna demonstração».
Outro «dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objectivo final que preside à sua actuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência».
Acresce, neste percurso indagativo, o indício subfortuna, isto é, a «incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado», devendo por isso exigir-se a apresentação e prova das razões que o justifiquem (v.g. prévios empréstimos contraídos para viabilizarem o negócio, existência de poupanças próprias).
Muitas vezes relacionado com o anterior (e cada vez mais justificado nas nossas sociedades, de progressiva diminuição da guarda própria e subsequente transmissão física de dinheiro vivo) surge o indício movimento bancário, segundo o qual o que é normal «é que o pagamento e movimento de dinheiro deixe um rasto documental e bancário, sendo fácil ao titular de uma conta bancária fazer a prova dos movimentos da mesma».
Dir-se-á, igualmente, que um «preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado constitui outro indício frequente da simulação (indício pretium vilis). Este indício abrange não só o preço em sentido estrito como a toda a contraprestação susceptível de valorar-se em dinheiro, v.g. permuta».
Reconhece-se, a propósito, que, e tal «como ocorre nos negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (indício pretium confessus). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço.
Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc».
Incumbe, porém, «aos simuladores provar o efectivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador».
Ainda relacionado com o pagamento do preço, surge o indício investimento, segundo o qual «a circulação fiduciária não apresenta páginas em banco»: «o accipiens normalmente fará ingressar o dinheiro numa conta bancária ou de aforro ou dar-lhe-á outro destino em conformidade com a necessidade que pretendeu provar ao efectuar a alienação». Logo, a «não demonstração do destino efectivamente dado ao dinheiro, depois de ingressar no património do accipiens, despoleta, de pleno, este indício».
Prosseguindo, dir-se-á que «um dos indícios mais emblemáticos da simulação é o indício retentio possessionis (retenção da posse) que se traduz no facto de o simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar sobre a coisa qualquer conduta possessória, sucumbindo por parte deste qualquer actividade reconduzível ao jus utendi, fruendi, disponendi e vindicandi.
Assim, apesar da transmissão formal de bens, o vendedor continua na posse do imóvel ou aí a residir, ou seja, o contrato não é executado.
No que tange ao jus fruendi, a inexistência deste decorre, v.g. do vendedor continuar a receber as rendas, continuar a aproveitar os frutos, prosseguir o cultivo do terreno.
Quanto à inexistência do ius utendi, a mesma pode demonstrar-se, v.g. pelo facto do vendedor fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, pelo facto de o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou electricidade. (…).
Naturalmente que os simuladores tentarão infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida. Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento porquanto o fisco proprietário é quem precisamente figura como tal no título propriedade, mas sim quem efectivamente pagou tais encargos. Ou seja, mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa».
Por fim, ainda «dentro dos indícios que visam manter oculto o negócio simulado, encontramos o indício sigillum que se traduz na adopção das condutas que visam ocultar ou disfarçar a existência do negócio simulado. No fundo, trata-se de máxima de experiência Qui male agit odiat lucem (Quem age mal, odeia a luz).
Este indício pode apresentar várias formas, nomeadamente: uma conduta silenciadora do simulador perante pessoas que, em virtude da sua relação afectiva ou jurídica com aquele, não poderiam ter ignorado o negócio se este prosseguisse fins lícitos, v.g. o filho só tem conhecimento que o pai vendeu um imóvel a outro filho aquando da morte do pai» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, p. 265 a 285).”.
Tendo presentes estes considerandos, no caso que nos ocupa, constata-se, desde logo, que da prova documental resulta não só que as requeridas acordaram na cessão da posição contratual no contrato de locação financeira outorgado entre a requerida EMP02..., Lda e o Banco 1..., SA, fixando o respectivo preço em € 3.060.709,20, mas também que este foi efectivamente pago (circunstância, aliás que nem sequer é colocada em causa no presente recurso). De todo o modo, constam dos autos os comprovativos da transferência do preço acordado da conta bancária da 2ª requerida para a conta bancária titulada pela 1ª requerida (cfr. documento 27º junto com a oposição).
Note-se ainda que ressuma dos autos que, na sequência de tal cessão, a 2ª requerida veio a adquirir a propriedade das fracções autónomas objecto do aludido contrato de locação, tendo-se financiado para o efeito, contraindo junto do Banco 1... um mútuo com hipoteca, no valor de € 10.883.664,51, tendo ainda sido prestado o aval na operação pela EMP04..., SGPS, que é a sócia maioritária da EMP04..., Lda.
Foram juntos ao processo todos os documentos inerentes à aludida operação financeira, e a mais variada correspondência trocada entre os intervenientes com vista à concretização da mesma, nomeadamente aquela mediante a qual a 2ª requerida comunica ao Banco 1..., SA todos os encargos suportados com a operação com vista ao seu pagamento por este, tendo estes ascendido à relevante quantia total de € 116.001,99, conforme se pode ver do documento nº ...1 junto com a oposição. 
E, muito embora se possa ter como certo que a operação em causa foi necessária atentas as dificuldades financeiras vivenciadas pela 1ª requerida – realidade, aliás, que não foi escamoteada na oposição e é até reafirmada nas contra-alegações -, a verdade é que não se pode concluir sem mais que as requeridas não quiseram concretizar o negócio nos exactos termos em que o declararam.   
Veja-se ainda que as testemunhas acima identificadas, explicaram de forma congruente e igualmente consistente com a vasta prova documental uma motivação atendível para a realização do negócio em questão.
Com efeito, estas testemunhas revelaram que, por força de uma alteração legal, os imóveis propriedade do Banco 1..., S.A., em 2023, passariam a estar sujeitos a uma taxa agravada de IMI de 7,5%, o que, no caso do ..., representaria o pagamento adicional de mais de € 800.000,00 euros/ano, o qual seria da responsabilidade da locatária financeira (a 1ª requerida), o que era manifestamente incomportável para a mesma face à sua situação financeira reconhecidamente frágil, não gerando a empresa sequer receitas suficientes para o pagamento de tal montante a título de imposto.
Não será despiciendo fazer notar que as testemunhas referiram que noutras ocasiões de incumprimento junto do banco, a 1ª requerida teve de se socorrer do auxilio financeiro de outras empresas do grupo EMP04....
Mais asseveraram os ditos testemunhos que foi o Banco 1..., SA quem, na qualidade de locador financeiro, propôs a conversão dos contratos de locação financeira em contratos de mútuo com hipoteca associada (circunstância, aliás que também encontra suporte e eco no documento nº ...1 junto com a oposição) e explicaram de forma exaustiva e conhecedora as razões pelas quais a operação de conversão do contrato de locação financeira em contrato de mútuo com hipoteca teve de envolver outra empresa do Grupo EMP04..., nomeadamente uma empresa que pudesse providenciar ao banco maiores garantias de cumprimento do financiamento associado à aquisição das fracções autónomas em questão.
Ou seja, nada na prova produzida aponta no sentido de que os termos da operação em causa foram delineados ou arquitectados pelas requeridas ou por outras empresas ou administradores do Grupo EMP04... e muito menos que foram impostos por estes, mormente com vista a enganar a requerente.
As aludidas testemunhas explicaram proficuamente, como sinaliza a recorrida, que o Banco 1..., SA rejeitou de forma inequívoca e peremptória concretizar a dita operação com a EMP02..., Lda, desde logo, porquanto a mesma já havia apresentado inúmeras dificuldades no cumprimento do contrato de locação financeira, tendo este sido sujeito a várias reestruturações, o que implicou que o Banco 1..., SA já tivesse vindo a constituir imparidades relativamente àquele negócio e tivesse sido forçado o Grupo EMP04... a proceder a amortizações de capital e que, na venda do Banco 1..., SA ao fundo americano ..., devido aos riscos e desconfiança que esta sociedade apresentava, a operação tivesse integrado o mecanismo do Fundo de Resolução.
Tais depoimentos, como já se adiantou, encontram suporte não só na prova documental junta aos autos, como ainda se mostram conformes com a normalidade das coisas e a experiência comum, não se mostrando, pois, desrazoável, pelo contrário, a concretização do(s) negócio(s) em causa.
Daí que também não ficou demonstrada qualquer irracionalidade dos negócios em causa nas condições descritas. Ou seja, os referidos contratos têm racionalidade económica para os seus intervenientes (o que não se confunde, nem contende obrigatoriamente com o facto de não beneficiarem a posição da aqui requerente), tendo sido também enfatizado de forma convincente pelas testemunhas ouvidas que caso a operação em causa não fosse concretizada, provavelmente a EMP02... entraria novamente em incumprimento quanto ao contrato de locação financeira, o que mais tarde ou mais cedo geraria a sua resolução, com consequências mais gravosas para aquela e, por inerência, para o Grupo de empresas em que a mesma se insere.
Acresce que não se vislumbra da prova produzida, nem sequer tal foi alegado, que a 1ª requerida se tenha mantido beneficiária das fracções autónomas alienadas. Aliás, consta da prova documental junta aos autos que a 2ª requerida comunicou às entidades a quem o gozo das ditas fracções se encontra cedido que a respectiva contrapartida devia ser paga à mesma (o que sucedeu inclusivamente com a aqui requerente, conforme decorre dos documentos nºs ... a ... juntos com a oposição, salientando-se entre estes a carta registada com aviso de recepção, datada de 14.09.2023 e dirigida pela 2ª requerida à requerente a solicitar-lhe o pagamento do valor de rendas no montante de € 122.307,03, alegadamente devidas pela ocupação de algumas das referidas fracções).
Ou seja, também por aqui se vê que nenhuma tentativa terá existido no sentido das requeridas procurarem ocultar da requerente o negócio celebrado entre elas.
Assim sendo, do conjunto da prova testemunhal e documental ora sucintamente descrita, temos necessariamente que concluir pela não demonstração dos factos invocados pela requerente relativamente à simulação do negócio de cessão da posição contratual celebrado entre as requeridas, bem como dos negócios subsequentes.
Improcede, assim, a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
*
3.2.2. Da reapreciação da decisão de direito

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo tribunal a quo, importa agora apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
O direito fundamental de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, incorporando o direito de acção, e o princípio da sua efectiva tutela judicial, é garantido quer em relação à violação efectiva de direitos subjectivos, quer quando esteja iminente ou haja perigo de lesão desses mesmos direitos [art.º 20, da CRP e 2, nº 2, do NCPC].
De tal forma que se pode concluir que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.
Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.
Pode-se, assim, afirmar, na esteira do ac. da RC de 8.04.2000, processo nº 285/07.1TBMIR.C1, acessível in www.dgsi.pt. que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).
A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”.

Dispõe o art.º 362º do NCPC:

“1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
[...]”.
Estabelecendo, por sua vez, o art.º 364º do mesmo compêndio legal:
“1 - Excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
2 - Requerido antes de proposta a acção, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a acção seja instaurada e se a acção vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da ação com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa.
3 - Requerido no decurso da acção, deve o procedimento ser instaurado no tribunal onde esta corre e processado por apenso, a não ser que a acção esteja pendente de recurso; neste caso a apensação só se faz quando o procedimento estiver findo ou quando os autos da acção principal baixem à 1ª instância.
[...]”.

A propósito do normativo em causa, alerta o ac. da RP de 7.04.2016, processo nº 393/14.2TTMTS-A.P1, acessível in www.dgsi.pt:
Resulta deste normativo que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal [...]. Entre a providência cautelar e a ação principal deve existir uma relação que permita afirmar que o direito acautelado será provavelmente reconhecido na ação definitiva[...]. Ou seja, através desta ação principal deve procurar-se tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar.
Como refere António Abrantes Geraldes[...], o objeto da providência há-de, por conseguinte, ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal. Esta identidade objetiva, no entanto, não tem de ser total, sendo admissível que o objeto da ação principal seja mais amplo que o do procedimento cautelar, abrangendo mesmo outros direitos não salvaguardados pela providência cautelar não especificada. Além disso, a dependência que tem de existir entre procedimento cautelar e ação principal implica, necessariamente, que apenas possam ser protegidos, por via cautelar, aqueles direitos suscetíveis de serem tutelados através da ação principal” (o sublinhado é nosso).
E acrescenta, mais à frente: “O procedimento cautelar está dependente de uma causa que tenha por objeto o direito acautelado e, quando essa causa – principal - já exista, será intentado como incidente da mesma (art. 364º, nº 1, do CPC/2013). A relação de instrumentalidade ou de dependência entre ambas as ações deverá verificar-se ou ser aferida em função do que delas consta efetivamente e não em função do que, eventual ou “virtualmente”, delas poderia ou poderá, futuramente, vir (ou não) a ocorrer”.
Como afirma Abrantes Geraldes [in, Temas da Reforma do Processo Civil, p. 35], os procedimentos cautelares “(…) são uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”.
São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção.
O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
Refere Lucinda Dias da Silva [in, Processo Cautelar Comum, p. 138 e seguintes]: “Da especificidade teleológica dos processos cautelares decorre igualmente este outro nível de distinção. Com efeito, quando se salienta constituir fim do processo cautelar garantir o efeito útil de outro processo, sublinha-se que o processo cautelar constitui uma realidade diferente relativamente àquele que protege.
Tendo o processo cautelar por objecto um outro processo, fica claro estarem em causa realidades diferentes, não confundíveis sob o ponto de vista ontológico, conquanto associadas.
Esta autonomia reflecte-se na projecção corpórea dos processos, correspondendo a cada um deles (processo principal e processo cautelar) autos fisicamente distintos, ainda que relacionados pelo elo material que os liga e retrata a sua apensação.
Embora a cada um dos tipos de processos correspondam fins diferentes, diferentes funções, diferentes decisões e diferentes realidades, dos termos em que a distinção dos respectivos fins se analisa decorre já a existência de laços que, não determinando a perda da sua autónoma identidade, os associam. O espaço de distinção dos fins em causa é, nestes termos, também o espaço em que evidencia a relação de confluência que se estabelece entre os dois pólos: conquanto diferentes, os fins não são absolutamente autónomos, o que se reflecte dos instrumentos da sua realização – os correspondentes processos – e constitui, por sua vez, reflexo da dupla instrumentalidade teleológica característica dos processos cautelares (assegurar, por via do seu próprio efeito útil, que outro processo produza o efeito útil para que tende.
Tal intersecção caracteriza-se, nuclearmente, pela existência de uma relação de dependência mútua”.
E mais adiante: “Destinando-se o processo cautelar a assegurar o efeito útil do processo principal, este vê a projecção prática do seu efeito imediato tornar-se dependente dos efeitos úteis decorrentes do processo cautelar. Daqui decorre que o processo cautelar depende do processo principal no que respeita à sua eficácia” (mais uma vez o sublinhado é nosso).
Por outro lado, é objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.
Como, a propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva (in, ob. cit., p. 144 e seguintes), «(…) o “periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária de probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar, por sua vez justificativa das especificidades próprias deste tipo de processos (…).
O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que, cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto.
Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto)».
A providência cautelar exige apenas a prova sumária – sumario cognitio – do direito ameaçado, isto é, a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória, e o receio da sua lesão.
Nesta característica enraíza o designado fumus boni iuris, requisito indispensável ao decretamento da providência cautelar, que se traduz na possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente.
Com efeito, “incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da acção principal, invocando factos que permitam inferir tal conclusão, pelo que tais factos constituirão, no seu conjunto, uma aproximação sumária da causa de pedir da acção principal (…).
Trata-se, nesta medida, de um requisito prévio, relativamente aos demais, permitindo distinguir, adentro da causa de pedir da acção cautelar (…), além dos factos consubstanciadores da existência de perigo para a tutela jurisdicional efectiva no processo principal (factualidade relevante exclusivamente no processo cautelar), um segmento correspondente ao conjunto de factos que proporcionam um vislumbre do que será a causa de pedir da acção principal e permitem aferir da probabilidade de futura procedência dessa lide (…).
(…) a perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efectiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados” (Lucinda Dias da Silva, ob. cit., p. 143 e 144).
Requerida determinada providência cautelar, importa aferir, antes de mais, da necessidade do seu decretamento, através da indagação do preenchimento dos princípios do fumus boni iuris e periculum in mora.
Caso resulte dessa indagação conclusão de natureza afirmativa, importará então avaliar se a medida requerida é a adequada à prossecução do fim que se visa atingir, e, concluindo-se em sentido positivo, se é a mais adequada.
Mas ainda que essa circunstância não se verifique, sempre o julgador poderá conceder outra providência que não a requerida (cfr. art.º 376º, nº 3, 1ª parte do NCPC), de forma a assegurar a tutela provisória dos interesses do requerente, considerando a natureza hipotética do direito invocado, mediante a mínima ingerência possível na esfera jurídica do requerido.
Finalmente, “na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar (…) se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão de providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro” (Lucinda Dias da Silva, ob. cit., p. 146).
As providências cautelares comuns só poderão ser requeridas quando nenhuma das legalmente tipificadas se possa aplicar à situação a acautelar, dada a natureza subsidiária daquelas (art.º 362º, nº 3 do NCPC).
A providência cautelar requerida foi, no caso, o arresto.
O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos art.ºs 619º e seguintes do CC, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos art.ºs 391º a 402º do NCPC.
Prescreve o nº 1 do art.º 619º do CC: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Segundo o nº 1 do art.º 391º do NCPC, “o credor que tenha fundado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”, prescrevendo o seu nº 2: “o arresto consiste numa apreensão de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção”.
A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos, cuja concretização fáctica deve ser efectuada no requerimento inicial, recaindo sobre o requerente o respectivo ónus probatório, nos termos do artigo 342º, nº1 do CC.

São eles:
- A probabilidade da existência do crédito;
- Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.
Ou seja: sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do art.º 601º do CC. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
No caso em apreço, a ora recorrente, no requerimento inicial de arresto, invocou a existência de um crédito sobre a requerida EMP02..., Lda e a dissipação do património desta a favor da 2ª requerida.
Mais concretamente, a requerente invocou que a aludida devedora, após ter sido condenada, por sentença ainda não transitada em julgado, a pagar-lhe determinado(s) crédito(s), transmitiu de forma fictícia para a aludida EMP04..., Lda, que integra o mesmo grupo de sociedades, os seus únicos activos conhecidos.
Com base no circunstancialismo invocado, pretende que se proceda ao arresto dos direitos e bens que foram transferidos da esfera jurídica da devedora e 1ª requerida para a esfera jurídica da 2ª requerida – a EMP04... Rendimento, Lda.
Ora, por regra, só os bens do devedor podem ser executados.
Porém, do mesmo modo que podem ser executados bens de terceiros (vide, art.º 818º do CC), também, embora do mesmo modo excepcional, podem bens de terceiros ser arrestados.
Ou seja: para além da linear possibilidade configurada pelo art.º 406º, nº 1 do NCPC, isto é do arresto incidir sobre bens do devedor e em poder deste, outras hipóteses se podem desenhar, como a do arresto poder ter por alvo bens alegadamente pertencentes ao devedor, mas que este, para os furtar à acção do credor, transfere para a titularidade de terceiro, ou inscreve-os em nome deste.
Permite a lei, com efeito, que o arresto seja instaurado não contra o devedor, mas antes contra o adquirente dos bens daquele, nos termos conjugados dos art.ºs 619º, nº 2 do CC e 398º, nº 2 do NCPC.
Nesse caso, deve o requerente demonstrar “ter sido judicialmente impugnada a aquisição” ou, se não for o caso, alegar “os factos que tornem provável a procedência da impugnação” (cfr. ac. da RP de 31.03.2009, processo nº 17/08.7TBARC-B.P1, acs. da RC de 20.03.2007, processo nº 2042/06.3TBACB.C1, e de 29.11.2005, processo nº 3214/05).
Ou seja, o arresto pode incidir sobre bens de terceiros, que tenham sido adquiridos ao devedor, quando o procedimento de arresto seja instaurado na pendência da acção de impugnação do acto aquisitivo desses bens pelo terceiro ao devedor (art.º 619º, nº 2 do CC).
O arresto pode ainda incidir sobre bens que integram o património de terceiro, que tenha sido adquiridos ao devedor, quando o procedimento de arresto seja instaurado como preliminar da acção impugnatória do acto aquisitivo pelo terceiro ao devedor, mas neste caso, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 392º do NCPC, o requerente do arresto terá de alegar (e provar perfunctoriamente) os requisitos gerais necessários ao decretamento do arresto e, bem assim adicionalmente factos que tornem provável a procedência da impugnação.
E, como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “A impugnação em causa tanto pode dirigir-se contra a validade do negócio, nos termos do art. 286º ou do art. 287º CC (ação de declaração de nulidade: ação de anulação), como consistir na sua impugnação pauliana, nos termos do art. 610º CC (ação pauliana). Em qualquer caso, não pode deixar de se dirigir também (…) contra o adquirente do bem arrestado”.
Passando ao caso em presença, constata-se que, de acordo com o que refere a requerente no requerimento inicial, a peticionada providência de arresto em apreciação visa garantir o efeito de uma decisão judicial a proferir em acção declarativa de nulidade, por simulação, que a requerente iria instaurar, de forma a que o património de que a 1ª requerida (a devedora) era titular possa responder pela sua dívida.
Assim, tendo a presente providência sido intentada antes da propositura da acção, e aqui reside o aspecto nuclear do objecto da presente discussão, tendo os bens a arrestar sido transmitidos pela devedora (a 1ª requerida) a terceiro (a 2ª requerida), teria a requerente do arresto que alegar e provar que a transmissão dos mesmos foi meramente aparente ou formal, com o objectivo de os retirar da esfera da devedora e obstar que o credor possa, por meio deles, obter a garantia da satisfação do seu crédito.
Ou seja, incumbia à requerente, através da invocação de factos concretos, alegar que a transmissão dos bens para a requerida EMP04..., Lda foi simulada, na modalidade de simulação absoluta, incumbindo-lhe a prova dessa realidade, nos termos do art.º 342º, nº 1 do CC.
Segundo o art.º 240º nº 1, do CC, o negócio diz-se simulado quando por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declaratário.
E acrescenta o nº 2 deste artigo que o negócio simulado é nulo, dizendo-se a simulação absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar (veja-se o art.º 241º, nº 1, do CC donde por contraposição se extrai a noção da simulação absoluta).

Pode, assim, dizer-se que são três os requisitos do negócio simulado:
- a existência de um acordo entre declarante e declaratário;
- a divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declaratário; e
- a intenção de enganar terceiros.
No caso, porém, não foram apurados factos susceptíveis de preencher os apontados requisitos previstos no art.º 240º, do CC, não se podendo, pois, concluir que os negócios descritos na factualidade foram simulados e celebrados apenas com o intuito de frustar o crédito da requerente.
Concomitantemente, não se encontram reunidos todos os requisitos para o decretamento da providência concretamente requerida, conforme decidiu o tribunal a quo.
Insurge-se, porém, a requerente dizendo ainda que o arresto se deverá manter dado que a transmissão do património da devedora EMP02..., Lda para a requerida EMP04..., Lda inviabiliza a cobrança coerciva do crédito da requerente.
Ora, não obstante, se nos afigurar que a aludida transmissão se não impossibilitou, ao menos agravou a possibilidade da requerente efectuar a cobrança do seu crédito (reconhecido por sentença, ainda que não transitada em julgado), a verdade é que, no caso, tal constatação é irrelevante (como aliás, também se conclui na decisão recorrida), dado que a requerente não formulou a causa de pedir do peticionado arresto à luz do instituto da impugnação pauliana previsto no art.º 610º e seguintes do CC, e também porque, posteriormente, nos autos principais, não deduziu qualquer pedido com tal fundamento, nem sequer subsidiariamente.
Na verdade, e conforme resulta do que deixamos acima descrito, a ora recorrente, na acção principal, apenas formulou um pedido com base na nulidade dos negócios que permitiram a transmissão do património da 1ª requerida para a 2ª requerida e um segundo com fundamento no instituto da desconsideração da personalidade colectiva.
E muito embora o instituto da simulação e da impugnação pauliana sirvam ambos como meio de tutela da garantia patrimonial dos credores, tais institutos têm pressupostos e sobretudo efeitos jurídicos muito distintos.
Como é sabido, a declaração de nulidade de actos jurídicos praticados pelo devedor pode ser usado quer os actos nulos sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que os credores tenham interesse na declaração de nulidade, não carecendo aquele que invoca a nulidade de demonstrar que o acto produz ou agrava a insolvência do devedor (art.º 605º, nº 1, do CC). Este instituto opera em benefício não só do credor que invoca a nulidade, mas também dos restantes credores (art.º 605º, nº 1, do CC). A declaração de nulidade de um negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art.º 289º, nº 1, do CC).
A impugnação pauliana, por seu lado, apenas confere ao credor que dela lance mão, com sucesso, a restituição dos bens objecto do negócio impugnado na medida do seu interesse, podendo executar esses bens no património do obrigado à restituição (art.º 616º, nº 1, do CC).
Os efeitos da impugnação, contrariamente ao que sucede com a declaração de nulidade, aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido (art.º 616º, nº 4, do CC).
De todo o modo, em termos gerais, vem-se entendendo que nada obsta à dedução simultânea, desde que em regime de subsidiariedade, de causas de pedir que integrem os pressupostos da declaração de nulidade e da impugnação pauliana, bem como à dedução simultânea, no mesmo regime de subsidiariedade, do pedido de declaração de nulidade e de impugnação pauliana. É que se defende que existem interesses de economia processual e do próprio credor que podem justificar a admissibilidade destes pedidos de uma forma subsidiária. Vide, a este propósito, o ac. desta RG de 9.05.2019, relatado por Pedro Damião e Cunha e acessível in www.dgsi.pt.
Situação pela qual a requerente claramente não optou, no caso que nos ocupa, tendo-se limitado a pugnar pela nulidade dos negócios em causa.
Por conseguinte, obviamente que a requerente não pode obter em sede cautelar a tutela, ainda que provisória, de uma pretensão que não formulou no âmbito do processo principal. A tal obsta, desde logo, o carácter instrumental das providências cautelares a que acima já fizemos referência.
Por outro lado, e não obstante a questão do abuso de personalidade colectiva tenha sido invocada ainda que genericamente pela requerente, a verdade é que o procedimento de arresto em apreciação não foi deduzido com base no eventual direito de crédito que venha a ser reconhecido à requerente com tal fundamento.
E mesmo que se entendesse que os factos provados nos pontos 21º a 28º da decisão recorrida permitem concluir que a requerente é detentora de um direito de crédito sobre a 2ª requerida com base no aludido instituto da desconsideração da personalidade colectiva, sendo assim esta também devedora, como reivindica a recorrente [vide, conclusão 21], a verdade é que a requerente do arresto sempre teria que ter alegado factos reveladores do periculum in mora quanto à 2ª requerida, o que manifestamente também não fez. Cfr. ac. da RL de 9.03.2004, relatado por Abrantes Geraldes, acessível in www.dgsi.pt.
O procedimento de arresto em questão foi dirigido contra a 2ª requerente, apenas e tão só, na qualidade de adquirente dos bens da 1ª requerida e só relativamente a esta foram invocados os pressupostos do arresto previsto nos art.º 391º, nº 1 e 392º, nº 1, ambos do NCPC.
E, assim sendo, sempre estaria o tribunal ad quem impedido de conhecer de questões novas não abordadas nos articulados, nem na decisão recorrida, como é entendimento pacífico na jurisprudência (cfr., entre muitos outros, o ac. desta Relação de Guimarães de 9.11.2023, relatado por Pedro Maurício e acessível in www.dgsi.pt).  
Daí que, pelo exposto, deva improceder a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
As custas do recurso deverão ser suportadas pela recorrente, atento o respectivo decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Guimarães, 24.04.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juiz Desembargador Relator: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Joaquim Boavida
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Eva Almeida