JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PRAZO
Sumário


1) No âmbito do artigo 423º NCPC, há três momentos possíveis para a junção de documentos pela parte, sendo o primeiro a regra e os seguintes exceções:
a) com o articulado respetivo, sem cominação de qualquer sanção;
b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, exceto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes;
c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
2) Assim sendo, a junção de documentos após a fase prevista no nº 1 e 2 do artigo 423º NCPC, é admissível apenas quando a sua apresentação não tenha sido possível nos dois momentos anteriores, ou se tornem necessários apenas por virtude de ocorrência posterior, caso em que a parte que pretenda a junção de documentos fora dos casos previstos nos naqueles nºs 1 e 2 deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio intentar ação declarativa com processo comum contra BB e mulher CC, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e em consequência:

a) Ser declarado e reconhecido que os réus incumpriram a obrigação de pagamento do preço relativo ao contrato de compra e venda celebrado através de escritura pública outorgada em 17 de julho de 2012;
b) Serem os réus condenados a pagar à autora a quantia de €158.875,00, correspondente ao preço devido e não pago, acrescida de juros à taxa legal de 4%, e que, na presente data, 17/04/2023, ascende ao montante de €68.073,73;
c) Serem os réus condenados a pagar à autora a quantia de €2.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos;
d) Serem os réus condenados nas custas e demais encargos legais.

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Pelos réus BB e CC foi apresentada contestação onde concluem entendendo que deve julgar-se procedente a deduzida exceção perentória (caso julgado), ou, se assim não se entender, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se, em ambos os casos, os réus do pedido, já no saneador, condenando-se ainda a autora como litigante de má-fé, em multa exemplar e a pagar uma indemnização aos réus que os ressarça das despesas e honorários gastos com a presente lide, no valor que se liquida de €2.500,00, tudo com as legais consequências.
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B) Na data da realização da audiência de julgamento (09/11/2023), “findo o depoimento e declarações de parte da autora, pelo Il. Mandatário desta foi solicitada a palavra e, sendo-lhe a mesma concedida, no uso dela, requereu a junção aos autos de documentos em poder da declarante (que lhe foram feitos chegar no dia de ontem), requerendo a sua admissão, nos termos do requerimento que consta, na íntegra, da gravação.”
“Após análise dos referidos documentos, por parte do Il. Mandatário dos réus, pela Mª Juiz foi dada a palavra ao mesmo para se pronunciar quanto ao requerido pela autora e, no uso dela, pelo mesmo foi dito que, quanto à admissibilidade dos documentos ora juntos, entende-se que, atendendo à data dos mesmos que não têm qualquer pertinência para a presente ação (...), que impugna-se o respetivo teor (...), que os temas de prova não são suscetíveis de serem provados por prova documental, conforme requerimento que consta, na íntegra, da gravação.”

De imediato, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
“Nos termos do art.º 423º, nº 3 do C.P.C., após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior.
Salvo o devido respeito que é elevado, em primeiro lugar, os documentos apresentados são, todos eles, anteriores à fase dos articulados e estavam em poder da autora; em segundo lugar, entende-se que não ocorreu qualquer facto que tenha tornado necessária a sua apresentação.
Disse a autora no requerimento agora apresentado que a pertinência da sua junção deriva do conteúdo das declarações por si prestadas; no entanto, por um lado, a prestação das declarações não constitui, salvo melhor opinião, ocorrência posterior, para efeitos do disposto no art.º 423º, nº 3 do C.P.C.; por outro lado, as declarações prestadas foram no sentido de que inexistiu o pagamento de preço por a escritura celebrada ter sido "fictícia", versão essa que foi sujeita a discussão no âmbito do processo com o nº 6639/18...., que pendeu no Juízo Central Cível de Guimarães - J..., e sobre o qual já incidiu sentença transitada em julgado.
Ora, na petição inicial apresentada nesta processo, a autora alegou que o preço deveria ser pago nos 8 (oito) dias imediatos à celebração da escritura pública [cfr. maxime na al. 9) dessa peça processual].
Sendo assim, os documentos apresentados pelo menos, a cópia da decisão, a carta dirigida ao réu e a missiva recebida pela autora não seriam aptos à revelação da causa de pedir com a qual é estruturada a presente ação, mas sim, sempre salvo o devido respeito, à prova da versão que foi sustentada na anterior ação judicial que a opôs aos réus, em que foi pedida a declaração por simulação da escritura pública em crise.
Deste modo, não se admite por extemporaneidade, os documentos apresentados.”
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B) Inconformada com a decisão proferida, veio a autora AA, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.
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Nas alegações de recurso da apelante AA, são formuladas as seguintes conclusões:

1. A requerida junção da sentença de condenação da autora e do seu companheiro à data, Sr. DD, a carta enviada pela autora ao réu marido, bem como o aviso de receção, a carta da Ilustre Advogada EE em representação do réu marido a propor a transmissão de um prédio rústico e a obrigatoriedade da autora assinar uma declaração a dizer que nunca mais intentaria qualquer ação contra aquele, e ainda o comprovativo de que usufrui e usufruiu de um programa comunitário de ajuda alimentar a carenciados, deve ser admitida;
2. Em momento posterior ao prazo de 20 dias antes da data em que se realize a audiência, apenas se admite a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
3. A descoberta dos aludidos documentos por parte da autora foi meramente casual, já que os descobriu num amontado de outros documentos que tinha em sua casa, desconhecendo que os tinha na sua posse.
4. De tal forma que, não podia ter desenvolvido buscas mais aprofundadas, nomeadamente, percorrendo, um por um, todos os documentos que guarda na sua habitação, com o fim de os localizar.
5. Assim, pode-se concluir que a autora não os pode apresentar anteriormente, pelo que os mesmos poderiam e deveriam ser admitidos, nos termos legais.
6. A tudo isso acresce o facto de a junção de tais documentos apenas ter ocorrido após a audição do seu depoimento.
7. A autora referiu num primeiro momento, que não ficou combinado pagar o preço, porque a celebração da escritura pública teve em vista proteger os bens da ação de credores, uma vez que quer ela, quer o seu falecido companheiro tinham sido condenados em ação judicial, porém, mais à frente adiantou que, em data posterior à celebração da escritura, interpelou os réus para a restituição dos bens (carta que lhe foi dirigida e entregue), mas que houve recusa da parte deste, tendo este aceite entregar-lhe o dinheiro, mas que nunca o fez.
8. Aliás, prova de que efetivamente a autora fala verdade, é o recebimento da carta pela Ilustre Advogada EE, em representação do réu marido, onde claramente suborna a autora, propondo-lhe a transmissão de um prédio rústico, e em contrapartida esta teria de assinar uma declaração que não lhe colocava mais nenhuma ação em Tribunal.
9. Sendo que, na sequência do não pagamento dos réus, a autora passou a viver em condições precárias, como ainda vive atualmente, o que é demonstrativo de que se viu despojada de tudo o que tinha.
10. Daí que a junção de tais documentos se afigure essencial para a descoberta da verdade material.
11. O tribunal ad quem deve revogar a decisão tomada, substituindo-a por outra que ordene a admissão da junção dos documentos pelos autores.
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o douto despacho que não admitiu por extemporaneidade os documentos juntos pela autora, substituindo-se por outro que admita a junção dos documentos.
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Não foi apresentada resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir no recurso são as de saber:
1) Se a junção de documentos é extemporânea;
2) Se deverá ser alterada a decisão jurídica e os documentos cuja junção foi requerida, admitidos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso visa, unicamente, a reapreciação da decisão de direito.

Conforme refere Lebre de Freitas in “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª Edição, página 249 e seg., “os documentos destinados a provar os fundamentos da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituam a base duma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido, devem ser apresentados com o articulado em que sejam alegados os factos correspondente (artigo 423º nº 1) (aqui se abrangendo o articulado superveniente (artigo 588º nºs 1 e 5). A violação deste dever dá lugar a multa, mas, não se tratando de um ónus (salvo quando o documento seja essencial ou a lei dele faça depender o prosseguimento da causa) as partes continuam a poder apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem factos instrumentais, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (artigo 423 nº 2) (se esta não se realizar na data designada, a apresentação continua a ser possível até 20 dias antes da nova data, o que interessa é a realização efetiva da audiência …).
Posteriormente e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância [artigo 604º nº 3 al. e)], são ainda admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (artigo 423º nº 3).”
Referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no seu Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 519 e seg., que “o CPC de 2013 introduziu alterações relevantes em sede de apresentação de prova documental, visando contrariar uma certa tendência, que se constituíra em verdadeira estratégia processual, traduzida em protelar a junção de documentos para o decurso da audiência final. Os efeitos negativos que isso determinava, com o arrastamento das audiências e perturbações do decurso dos depoimentos, levaram o legislador a adotar uma solução mais rígida, sem que daí resulte, todavia, prejuízo para a descoberta da verdade. Vigorando, embora, o ónus da apresentação da prova documental com o articulado em que são alegados os factos correspondentes, foi definido um termo ad quem no vigésimo dia anterior à data designada para a realização da audiência final, significando isso que as partes podem apresentar documentos até àquele momento, sujeitando-se ao pagamento de multa, a fixar entre 0,5 UC e 5 UC (art. 27º, nº 1, do RCP), salvo se a apresentação extemporânea for considerada justificada.
( … )
Ultrapassado esse limite, apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento”.
Refere-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/2017, no processo 3410/12.7TCLRS-A.L1-6, relatado pela Desembargadora Cristina Neves, disponível em www.dgsi.pt, que “no âmbito do artº 423 do N.C.P.C. introduzido pela lei 41/2013, consignam-se três momentos possíveis para a junção de documentos pela parte, sendo o primeiro a regra e os seguintes exceções:
a) com o articulado respetivo, sem cominação de qualquer sanção;
b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, exceto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes;
c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
Ou seja, quando a parte não apresenta o documento com o respetivo articulado, se a apresentação for feita dentro do limite temporal traçado no artigo 423º, nº 2, primeira parte do Código de Processo Civil e a parte nada disser quanto à razão por que não juntou os documentos com o articulado em que alegou os factos respetivos, nem provar que não os pôde oferecer com tal articulado, sujeita-se ao pagamento da multa ali prevista, mas os documentos são admitidos (salvo caso de impertinência para a instrução da causa).
No nº 3 deste preceito, estes documentos só são admitidos alegadas e demonstradas as circunstâncias excecionais aí referidas.
Assim sendo, a junção de documentos após a fase prevista no nº 1 e 2 do C.P.C., é admissível apenas quando a sua apresentação não tenha sido possível nos dois momentos anteriores, ou se tornem necessários apenas por virtude de ocorrência posterior.
Neste caso, a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do C.P.C. deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. (neste sentido vidé Acs. do T.R.C. de 24/03/2015, proc. nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1; Ac. R. Porto de 15/02/2016, Proc. nº 96/14.8TTVFR-A.P1 e Ac. do STJ de 23/06/2016, proferido no Proc. nº 359/07.9TBOPR.P1.S1).”
A apelante alega que “a requerida junção da sentença de condenação da autora e do seu companheiro à data, Sr. DD, a carta enviada pela autora ao réu marido, bem como o aviso de receção, a carta da Ilustre Advogada EE em representação do réu marido a propor a transmissão de um prédio rústico e a obrigatoriedade da autora assinar uma declaração a dizer que nunca mais intentaria qualquer ação contra aquele, e ainda o comprovativo de que usufrui e usufruiu de um programa comunitário de ajuda alimentar a carenciados, deve ser admitida.”
Acrescenta a apelante que “a descoberta dos aludidos documentos por parte da autora foi meramente casual, já que os descobriu num amontado de outros documentos que tinha em sua casa, desconhecendo que os tinha na sua posse, de tal forma que, não podia ter desenvolvido buscas mais aprofundadas, nomeadamente, percorrendo, um por um, todos os documentos que guarda na sua habitação, com o fim de os localizar.”
Com base nisto entende a autora que se pode concluir que a autora não os pode apresentar anteriormente, pelo que os mesmos poderiam e deveriam ser admitidos, nos termos legais.
Afigura-se-nos, porém, que não assiste razão à apelante.
Desde logo, porque não se mostra credível como alega, mas não prova, que a mesma desconhecesse que estava na posse de tais documentos, que afirma ter descoberto em sua casa, num amontoado com outros documentos, dado que se trata de um facto que não devia ignorar, não se mostrando justificado tal desconhecimento, pelo que não se pode afirmar que estivesse impossibilitada de os apresentar, tempestivamente, sendo, assim, a sua apresentação extemporânea.
Acresce que igualmente não se mostra que os referidos documentos tenham relevo para boa decisão da causa, o que a mesma igualmente não logrou demonstrar.
Por todo o exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a douta decisão recorrida terá de se manter, sendo confirmada e, em consequência, julgar-se a apelação improcedente.
Face ao decaimento da posição da apelante, sobre a mesma recai a obrigação de suportar as custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário.
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 24/04/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade
2º Adjunto: Desembargador Paulo Reis