IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CAMINHO PÚBLICO
INTERESSES COLETIVOS
Sumário


I - Para se poder concluir pela existência de um caminho público, em função da interpretação restritiva do Assento do STJ de 19/04/1989 – hoje com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência –, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- O uso directo e imediato do público;
- Desde tempos imemoriais;
- A afectação à utilidade pública traduzida na satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância.
II - Numa situação de abertura de um novo caminho, dotado de melhor serventia para o atravessamento do ribeiro e a passagem de pessoas e veículos, o que determinou que a efetiva utilização do caminho em litígio seja menos intensa do que no passado, é irrelevante o número efectivo de utilizadores do caminho, bastando o seu potencial uso público pela comunidade que nisso tenha interesse.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e BB intentaram, no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção popular, sob a forma de processo comum em acção declarativa, contra CC e DD, pedindo o seguinte:
«a) Ser declarado que o caminho melhor identificado em 12) [onde consta: «12) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho antiquíssimo que desde tempos imemoriais liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros;»] supra, no qual se inclui a parte designada por caminho público do ..., identificado em 14) e 15) [onde consta: «14) E outro que segue em frente, prolongando-se em linha reta para poente, numa extensão de cerca de 70 metros até ao limite de um prédio dos Autores, flete para sul até ao ribeiro do ..., passando sobre o mesmo através de um pontilhão, até aos referidos lugares de ..., ... e outros; 15) A partir da referida bifurcação, tal caminho é designado por caminho público do ... e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos Autores; do lado poente até uma levada com prédio dos Autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...10/... e inscrito na matriz no artigo ...92; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos referidos lugares de ..., ... e outros.»] pertence ao domínio público e, consequentemente, está afeto ao interesse coletivo, desde tempos imemoriais;
b) Serem os Réus condenados a reconhecerem esse caminho como fazendo parte do domínio público;
c) Que seja considerada abusiva, ilícita e não titulada, a apropriação por parte dos Réus do caminho melhor descrito nos artigos 14) e 15) supra;
d) Serem os Réus condenados a repor o leito do caminho na situação anterior, de forma que seja transitável, e a retirar todos os objetos que implantaram no leito do dito caminho e que impede o trânsito pelo mesmo pela generalidade das pessoas, nomeadamente com veículos e a pé, por forma a permitir que qualquer pessoa, os Autores e demais público transite livremente por esse caminho, a pé, com animais ou com veículos de qualquer natureza, no prazo máximo de 10 dias seguidos a contar da prolação da sentença;
e) Serem os Réus condenados a desocupar o leito do aludido caminho público, retirando todos os materiais/objetos por eles lá colocados, de forma a deixá-lo totalmente livre, desimpedido e reposto na situação anterior;
f) Serem os Réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o direito de uso, pelo público, em geral, e pelos Autores em particular, do caminho melhor descrito nos artigos 14) e 15) supra);
g) Serem os Réus condenados a pagar aos Autores, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação em que os Réus forem condenados ou por cada ato de turbação ou impedimento do exercício dos direitos de trânsito dos Autores ou quaisquer outras pessoas, persistindo na ocupação do leito do caminho, com objetos e quaisquer tipo de obras, ou impedindo de outra forma a circulação de pessoas pelo mesmo, o montante diário nunca inferior a 200,00€».
Como fundamento de tais pretensões alegaram, em síntese, existir um caminho público naquela freguesia ... que foi, ilicitamente, ocupado pelos réus.

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Foram chamados à causa o Ministério Público, a Câmara Municipal ... e a Junta de Freguesia ..., bem como qualquer pessoa que nisso mostrasse interesse (ref.ª ...48).
A Câmara Municipal ... e a Junta de Freguesia ... exerceram o direito de auto-exclusão da representação pelos autores, nos termos do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (ref.ªs ...67 e ...66).
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 Citados, os réus apresentam contestação, negando a existência de qualquer caminho, que naquele local existem outros caminhos, e que se em algum momento naquele local existiu caminho há muito deixou de ter serventia (ref.ª ...44).
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Dispensada a realização da audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância; de seguida, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...35).
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Foi realizada audiência de julgamento (ref.ªs ...42, ...48, ...02 e ...02).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...18), nos termos da qual, julgando a acção procedente, decidiu:
«A. Declarar que é público o Caminho ..., isto é, o caminho que se inicia na estrada que vem do ... (freguesia ..., concelho ...) para o Lugar ... (freguesia ..., concelho ...), e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos autores (AA e BB); do lado poente até uma levada com prédio dos autores (AA e BB), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...10/... e inscrito na respectiva matriz predial no artigo ...92; do lado sul/nascente pelo prédio dos réus (CC e DD), descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...36; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos lugares de ..., ... e outros.
B. Condenar os réus, CC e DD, a reconhecer o declarado supra em A., desocuparem e a repor o estado primitivo do leito daquele caminho, nomeadamente retirando todos os objectos que implantaram no seu leito e que impede o trânsito pelo mesmo pela generalidade das pessoas, a pé ou de veículo, e absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o seu uso.
C. Condenar os réus, CC e DD, em sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso na reposição do leito primitivo do caminho declarado supra em A. para além do prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da presente sentença».
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Inconformados, os Réus interpuseram recurso da sentença (ref.ª ...98) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/07/2023;
2. Com recurso à reapreciação da prova gravada, os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, cuja redacção deverá ser alterada nos seguintes termos:
2-) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho que liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros;
3-) No Lugar ..., tal caminho bifurca-se em dois, um que vira à esquerda e segue a nascente do prédio dos Réus até ao ribeiro do ..., outro que vira à direita e serve vários prédios rústicos e urbanos;
4-) Não provado; 5-) Não provado;
6-) O leito do caminho referido nos factos provados 2) e 3), desde o Cruzeiro de ... até ao lugar do ..., ao longo do seu percurso dá acesso a vários prédios rústicos e urbanos que o marginam, com trilho bem definido, por onde transitam pessoas a pé e veículos de tracção mecânica e animal;
7-) Não provado; 8-) Não provado; 9-) Não provado; 10-) Não provado; 11-) Não provado; 12-) Não provado; 13-) Não provado; 14-) Não provado; 15-) Não provado; 16-) Não provado; 17-) Não provado;
18-) Em data não concretamente apurada, os Réus colocaram no local de acesso ao seu prédio uma corrente, suportada por três ferros, enterrados no solo, com a altura de cerca de 1 metro, fechada num dos lados com dois cadeados e na qual colocaram um sinal de proibido estacional, com os dizeres «estacionamento privado».
19-) Em 07/01/2022, os Réus, através de um empreiteiro por eles contratado, a firma EMP01..., Lda., utilizando uma máquina e um camião, efectuaram movimentos de terreno no seu prédio;
20-) O caminho, referido no facto provado 3), com início na bifurcação aí mencionada, desenvolve-se a nascente do prédio dos Réus referido no fato provado 21), termina no pontilhão do ribeiro do ....
3. A prova produzida pelos AA., onerados que estavam nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, foi inidónea à demonstração de que a parcela de terreno mencionada em 5) dos factos julgados provados:
a. Tenha sinais visíveis e permanentes da passagem de pessoas e veículos; b. Se estenda até ao pontilhão mencionada em 4);
c. Esteja afecta ao uso do público em geral; d. Desde tempos imemoriais; e
e. Satisfazendo interesses colectivos de certo grau ou relevância.
4. A motivação expendida pelo Tribunal a quo, abstraindo-se a prova produzida, consubstancia um silogismo invertido, em que a conclusão é que dá lugar às premissas;
5. Cingindo-nos de forma objectiva à prova produzida temos que:
a. Todas as testemunhas arroladas pelos AA. são relativamente novas. b. Não foram inquiridas as pessoas mais velhas do lugar e freguesia.
c. Nenhuma das testemunhas ouvidas referiu que existisse caminho desde tempos imemoriais, designadamente, aludindo à memória dos seus pais, avós e bisavós.
d. Desconhecemos de onde o Tribunal a quo extraiu a premissa de que “se perde na memória dos vivos a existência do caminho público”, já que também se absteve de o explanar na motivação;
e. Desconhecemos de onde o Tribunal a quo extraiu a premissa de que o pontilhão seja público, quando absolutamente nenhuma testemunha arrolada pelos AA. afirmou qualquer facto quanto à sua construção, manutenção e uso, já que também se absteve de o explanar na motivação;
f. Nada consta dos articulados acerca de baldios e sua localização; Nada é referido pelas testemunhas acerca de baldios; Não foi ouvido um único comparte; Nem sequer dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo resulta que a parcela em discussão nos autos sirva de acesso a baldios.
g. A afirmação de que “na inspecção ao local, era visível que um caminho ali efectivamente existira e existia”, não tem respalde na acta da respectiva diligência, sendo certo que, se correspondesse à verdade, por certo o Tribunal a quo não deixaria de fazer consignar em acta, ainda que através de fotografias, nem os AA. deixariam passar em branco, mediante a competente reclamação.
6. De forma objectiva, com apelo às regras do ónus da prova, eis as razões pelas quais a prova produzida é manifestamente inidónea à demonstração dos factos ora impugnados;
7. O depoimento de FF, gravado em 07/02/2023, das 14:24:06 às 15:34:47, em nada abonou a tese dos autores quanto à parcela de terreno em discussão nos autos:
a. Desde logo, questionado sobre qual o trajecto que habitualmente segue, respondeu que não é pela parcela em discussão nos autos.
b. De forma contraditória, afirmou num primeiro momento que tanto passava na parcela de terreno em discussão nos autos, como no caminho existente a nascente do prédio dos RR., não obstante estar convencido que este é particular, ao passo que, num segundo momento, admitiu que o caminho por onde passa todos os dias é este último.
c. Ainda de forma contraditória, admitiu que os AA. sempre acederam de tractor ao alpendre por outro caminho, que não a parcela de terreno em discussão nos autos.
d. Também reconheceu que não sabe, porque nunca viu, quem troca as lâmpadas do posto de iluminação existente no local.
e. Admitiu que o aludido posto de iluminação é o único existente na parcela em discussão nos autos, não existindo mais nenhum ao longo do seu trajecto.
f. Confrontado com a escassez de vestígios da existência de um caminho na parcela de terreno em discussão nos autos e com a morfologia do local, não conseguiu oferecer resposta.
g. Mostrou-se incapaz de identificar um único habitante, da freguesia ou lugar, que passasse na parcela em discussão nos autos, nem sequer os próprios AA..
h. Por fim, admitiu que a parcela de terreno em discussão nos autos não permite trânsito fácil.
8. Também o depoimento de GG, gravado em 07/02/2023, das 16:19:48 às 17:16:08, atenta a sua parca razão de ciência e por manifestamente lacunoso, em nada abonou a tese dos autores quanto à parcela de terreno em discussão nos autos:
a. Desde logo afirmou não ser do local e apenas o conhecer por o filho ter comprado um terreno para construir uma casa, a qual foi penhorada pelo banco e vendida judicialmente, razão pela qual também já há 8 anos que lá não vai.
b. Recorda-se de a parcela de terreno em discussão nos autos ser interrompida por uma levada, onde havia sempre água a correr.
c. Afirmou que “deu um jeito” na zona da levada, local que era íngreme e perigoso.
d. Afirmou que o anteproprietário de AA. e RR. (Sr. HH) se referiu à parcela de terreno em causa nos autos como sendo o caminho dele e da testemunha.
e. Acrescentou que o caminho é público porque lhe disseram e porque, na sua opinião, é público todo o caminho onde passem duas pessoas.
f. Mostrou-se incapaz de identificar um único habitante, da freguesia ou lugar, que passasse na parcela em discussão nos autos, nem sequer os próprios AA..
9. Por sua vez, o depoimento de EE, gravado em 08/02/2023, das 10:05:11 às 11:03:55, irmão do Autor, pouco acrescentou de útil:
a. Reconheceu não passar pela parcela de terreno em discussão nos autos, admitindo ainda que não é fácil fazê-lo.
b. Não sabe especificar o nome dos lugares a que a parcela de terreno em discussão nos autos alegadamente dá acesso.
c. Admitiu que só conhece o Lugar ... desde que comprou o terreno e construiu a casa, por volta do ano de 2006, sendo que até então residia em ..., que é bem distante.
d. Apesar de afirmar que passava na parcela em discussão nos autos para ir visitar umas comadres do pai, não soube sequer identificá-las pelo primeiro nome, nem aos maridos, nem aos filhos.
e. Quando questionado sobre as características do caminho, afirma que “depois do ribeiro começa-se a não perceber tão bem”, sendo um lameiro, não existindo sequer trilho e reconhecendo que as pessoas lavravam todo o seu espaço, com excepção de uma pequena laje, afirmando e reafirmando que “era como é hoje”.
f. Ainda questionado sobre como se passava sobre o ribeiro, afirmou que existe lá uma manilha, mas não sabe se existia há 30 ou mais anos e nem consegue precisar se um carro de bois conseguia transpor o ribeiro.
g. Por fim, afirmou que o lampião do poste de iluminação existente na parcela em discussão nos autos nunca foi trocado, desconhecendo se é diferente dos demais:
10. Ainda de acordo com a motivação, para o Tribunal a quo o mais importante dos depoimentos terá sido o de DD, gravado em 08/02/2023, das 14:24:34 às 16:28:47, que foi presidente de junta durante três mandatos, desde 2002 até 2013, membro da assembleia de freguesia desde 1997 e, presentemente, presidente da assembleia de freguesia, porém, como facilmente se apercebe pela audição do seu depoimento e muito especialmente dos longos silêncios que precediam as respostas, os seus interesses políticos e a admitida proximidade aos AA., de quem é amigo pessoal há muitos anos, turbaram-lhe a imparcialidade:
a. Durante 8 minutos, ninguém referiu à testemunha o tema sobre o qual vinha depor, mas esta adiantando-se em relação ao ilustre mandatário dos AA., acaba por revelar que sabe exactamente do que vem falar ao Tribunal, ficando irremediavelmente prejudicada a sua pretensa espontaneidade.
b. Afirma que a intervenção feita foi, designadamente, para limpeza de valetas e colocação de algum saibro, desde o Lugar ..., até ao pontilhão, quando não existem valetas e nem saibro no local em discussão, aliás, nem o próprio Tribunal a quo viu qualquer valeta ou no local, nem alguma outra testemunha o mencionou.
c. Também refere que chama à parcela de terreno em discussão nos autos “Caminho ...”, pelo facto de o local da ponte (ou pontilhão) se designar lugar do ..., mas não sabe se o caminho está classificado e se tem essa toponímia.
d. Igualmente admite que já pudesse existir um “carreiro” no local onde afirma que o Sr. HH procedeu à abertura do caminho.
e. Contrariamente ao vertido na motivação, a testemunha não afirmou que passava na parcela de terreno em discussão nos autos para ir jogar a bola ao campo de futebol, pelo contrário, asseverou que seguia a direito, pelo tal carreiro que admitiu que existia no local onde o Sr. HH alargou o caminho com uma máquina.
f. Relativamente ao espaço situado entre o pontilhão e a levada, admitindo por diversas vezes não serem muito claros os sinais claros da existência de um caminho, acaba por referir que seria mais um “caminho agrícola” do que propriamente um “caminho público”.
g. Admite também que, exceptuando a sua ligação política e autárquica à freguesia, tem pouca ou nenhuma ligação ao concreto Lugar ..., onde ia raramente e cada vez menos.
h. Afirmou que, no tempo em que esteve na Junta de Freguesia, quem limpava o caminho era o Sr. II, o que este desmente, como veremos adiante.
i. Questionado sobre há quantos anos existe o caminho que afirmou ser público, afirmou não saber.
j. Ao mesmo tempo que afirma não ter havido qualquer “permuta” de um caminho por outro, conclui que o caminho que diz ser novo e ter sido aberto pelo Sr. HH em prédio propriedade deste (ou do filho), é também público.
k. Acrescenta que a Junta de Freguesia até comparticipou na sua abertura, concretamente no rebentamento da pedra:
11. Toda este conjunto probatório dos AA. nem sequer abarcou as matérias indispensáveis à demonstração da dominialidade pública sobre a parcela de terreno em discussão, designadamente, a imemorialidade da utilização e os fins de relevância social:
a. Todas as testemunhas arroladas pelos AA. são relativamente novas e nenhuma aludiu à memória dos pais, avós ou bisavós.
b. Nenhuma das testemunhas logrou descrever minimamente o caminho, designadamente, a sua extensão, a sua largura, a sua morfologia.
c. Decorreu do depoimento destas testemunhas que o local onde afirmam existir caminho público, a determinado momento, é interrompido por uma levada ou ribeiro, a partir do qual existe uma vessada que é cultivada e onde existem animais a pastar;
d. Segundo as testemunhas, só é transponível com veículos de tracção 4x4 e com dificuldade (“a patinar”);
e. Se acaso existem sinais da existência de um caminho (tenha ele a extensão, largura e morfologia que tivesse), eles são eram interrompidos na levada ou ribeiro, não existindo continuidade até ao pontilhão que atravessa o rio.
f. Nenhuma das testemunhas circunstanciou a utilização do público em geral, já que todos foram incapazes de identificar uma única pessoa que lá passasse.
g. E por fim, também todas nada disseram relativamente à satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância, tendo-se limitado a aludir a passagens de materiais para construção de muros e casas de habitação, todas situadas a montante do pontilhão e até a montante do ribeiro / levada.
12. Importa ainda evidenciar que o Tribunal a quo foi confrontado com contra-prova relevante da matéria ora impugnada, designadamente, com o depoimento de pessoas com mais de 60 e 70 anos, filhos da freguesia, alguns deles nascidos no local em questão e que o conhecem desde a sua infância.
13. JJ, cujo depoimento foi gravado em 18/04/2023, das 10:24:52 às 11:29:25, com 62 anos de idade, tendo nascido no ..., tendo sido jornaleiro na Quinta ... e residindo no Lugar ...:
a. Rejeitou liminarmente a existência do caminho público alegado pelos AA.;
b. Explicou que existia de facto um caminho exclusivo da Quinta ..., para afrutar e desafrutar, só lá passando “o povo da Quinta”;
c. Esclareceu que o espaço existente entre a ponte (ou pontilhão) e a levada (ou rego), conhecido como “vessada”, era totalmente cultivado na época de afrutar, pelo que aí até nem havia sinais da existência de qualquer caminho.
14. KK, cujo depoimento foi gravado em 18/04/2023, das 14:44:14 às 16:15:53, esposa da testemunha JJ, também nascida na freguesia ... (...), muito concretamente no ..., e ali tendo crescido:
a. Negou liminarmente a existência de um caminho público no local alegado pelos AA.;
b. Reiterou o depoimento do marido quanto às pessoas que utilizavam o caminho, afirmando que eram apenas os trabalhadores da Quinta e negando liminarmente que o caminho tivesse valetas ou que a Junta de Freguesia alguma vez o tenha limpo, reparado, benfeitorizado ou nele efectuado qualquer trabalho;
c. Relativamente ao “pontilhão”, afirmou que os pais e a família dos avós lhe diziam que foi construído pelo dono da Quinta ..., por ter propriedades na outra margem do rio.
d. Pontilhão que, por sinal, até está a ruir.
e. Explicou as razões que levaram o seu falecido pai a proceder à abertura do caminho que hoje existe a nascente do prédio dos RR., designadamente, uma queda que este teve e a impossibilidade de a ambulância chegar ao local;
f. E ainda esclareceu que nesse local já existia anteriormente um “carreiro”, por onde as crianças passavam para irem para a escola.
15. Por fim, II, cujo depoimento foi gravado em 18/04/2023, das 16:18:12 às 17:56:36, desmentiu em toda a linha o Sr. Presidente da Junta de Freguesia ... (...):
a. Afirmou ser ele quem procedia à limpeza dos caminho públicos da freguesia e nunca ter limpo a parcela de terreno em discussão nos autos;
b. Sendo certo que, tendo 73 anos, tendo nascido na freguesia e residindo muito próximo do local, garantiu que nunca ali existiu o caminho público alegado pelos AA.
16. A prova judicial deve ser unívoca (e não equivoca), sendo que a mera possibilidade do contrário torna a prova insuficiente, como nos dá conta, além do mais, o disposto no artigo 346.º do Código Civil;
17. Pelo que, a decisão da matéria de facto dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, deve ser alterada nos termos supra referidos na conclusão 2.
18.São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público;
19.Tempos imemoriais são os “tempos não alcançados pela memória das pessoas vivas, directa ou indirectamente, por tradição oral dos seus antecessores”, isto é, “o tempo passado que já não consente a memória humana directa de factos relativos ao início daquele uso”;
20.O assento de STJ de 19 de Abril de 1984, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, deve ser interpretado restritivamente, no sentido da publicidade do caminho exigir a sua afectação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objectivo a satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância;
21. Para se decidir da relevância dos interesses públicos a satisfazer por meio da utilização do caminho ou terreno para este poder ser classificado como público, é necessário alegar e apurar o número normal de utilizadores e o fim visado por estes, por forma a verificar qual a sua importância, à luz dos costumes colectivos e das tradições da comunidade
22. Afigura-se-nos, sem necessidade mais considerandos, que a acção terá de improceder na medida em que o AA. não provaram, como lhes competia, que a parcela em discussão nos Autos fosse utilizada pela população da freguesia ... (...) para satisfazerem interesses colectivos com certo grau de relevância; Tão pouco provaram número normal de utilizadores e o fim visado por estes, por forma a verificar qual a sua importância, à luz dos costumes colectivos e das tradições da comunidade; E ainda que tal pretensa utilização fosse imemorial.
23. Entendemos, aliás, que se fez prova segura de que, a ter existido caminho, era de mera servidão da Quinta ..., sendo utilizado apenas pelos proprietários, seus feitores e jornaleiros, para afrutar e desafrutar.
24. Existindo, isso sim, um carreiro pedonal nascente do prédio dos RR., que desde data não concretamente apurada era utilizado pela população para acesso à escola e ao campo de futebol;
25. Carreiro esse que o antecessor dos AA. e RR. alargou, com recurso a uma máquina, passando este, desde então, a permitir a passagem de veículos.
26.Sem prescindir, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que o Assento deverá ser restritivamente interpretado de modo a evitar atribuir a qualificação de caminho público a simples atravessadouros;
27.O atravessadouro não deixa de ser um caminho, embora alternativo e destinado a encurtar distâncias (atalho), ligando, normalmente, caminhos públicos através de prédio(s) particular(es), cujo leito faz parte integrante do prédio atravessado;
28. Sempre que o público faça passagem através de um prédio particular, em regra para atalhar ou encurtar determinados trajectos ou distâncias, deve entender-se que se trata de um atravessadouro, sujeito à cominação do artigo 1383.º do Código Civil;
29. No caso dos Autos, as testemunhas arroladas pelos AA. referiram-se à parcela de terreno em causa como não tendo qualquer tipo de infra-estrutura, sem saibro, sem valetas, sem qualquer tipo de condução de águas pluviais e poucos vestígios, uma espécie de “quelho” de difícil transposição que, a determinado momento é atravessado por uma levada e deixa de ter qualquer sinal visível e permanente, sendo inclusive cultivado o seu leito em alguns locais.
30. Não resultou da prova que os Lugar ..., ... e ... não tenham ou tivessem outras vias de comunicação, pavimentadas e com todas as condições de circulação de pessoas, veículos e animais, encontra-se pavimentada com paralelo;
31. Ou ainda, que este caminho fosse absolutamente essencial para a satisfação de fins de utilidade relevante.
32. Pelo contrário, as próprias testemunhas arroladas pelos AA. admitem o desinteresse da população por tal parcela de terreno, por onde poucas ou quase nenhumas pessoas passam, embora também incapazes de identificar uma única;
33. Ao ponto de serem quase nenhuns os sinais da existência de um caminho.
34. Aliás, o Tribunal esteve no local e não lavrou em acta a existência de sinais visíveis e permanentes da sua existência, tão-pouco tirou fotografias.
35. Como tal, ainda que este Venerando Tribunal ad quem conclua que alguma utilização era dada pela população à parcela em discussão nos autos (o que não se concebe e nem concede), a prova produzida não permite concluir que fosse mais do que um “atalho”, uma “alternativa pedonal”, um “carreiro pedonal”, um “caminho tosco”, que em determinadas circunstâncias poderia encurtar distâncias;
36. Estando os atravessadouros abolidos, nos termos do art.º 1383.º do Código Civil, a acção teria necessariamente de improceder;
37. A douta sentença recorrida violou o art.º 414.º do CPC, o Assento do STJ, de 19-04-1989 e os art.os 1383.º e 1384.º do Código Civil.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, proferido douto acórdão que, revogando a douta sentença recorrida, julgue a acção totalmente improcedente, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA».
*
Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª ...30).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...04).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso             

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, por ordem lógica da sua apreciação, apresentam-se as seguintes questões a decidir:
i) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) - Da dominialidade (pública) do caminho em causa.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.
i. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a. Petição inicial
1) Os autores são residentes na freguesia ... (...), do concelho ..., aí se encontrando recenseados como eleitores.
2) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho que desde tempos imemoriais liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros,
3) No Lugar ..., tal caminho bifurca-se em três, um mais recente que vira à esquerda e segue pelo lado nascente do prédio dos réus até ao ribeiro do ..., outro que vira à direita e serve vários prédios rústicos e urbanos,
4) E outro que segue em frente, prolongando-se em linha recta para poente, numa extensão de cerca de 70 metros até ao limite de um prédio dos Autores, flecte para sul até ao ribeiro do ..., passando sobre o mesmo através de um pontilhão, até aos lugares de ..., ... e outros,
5) A partir da referida bifurcação, tal caminho é designado por «Caminho ...» e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos autores; do lado poente até uma levada com prédio dos autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...10/... e inscrito na respectiva matriz predial no artigo ...92; do lado sul/nascente pelo prédio dos réus, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...36; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos lugares de ..., ... e outros.
6) O caminho referido nos factos provados 2) e seguintes, desde o Cruzeiro de ... até ao lugar do ..., ao longo do seu percurso dá acesso a vários prédios rústicos e urbanos que o marginam, com trilho bem definido, por onde transitam pessoas a pé e veículos de tracção mecânica e animal.
7) O leito do caminho referido no facto provado 5), de modo directo e imediato, está, desde tempos que a memória dos vivos não recorda, há mais de 50 e 100 anos, afecto ao uso público que por ali transita a pé, com animais, veículos de tracção animal e mecânica de qualquer natureza,
8) Desde tempos imemoriais, todas as pessoas que pretendam ir dos lugares da Igreja ... e das ... para os lugares de ..., ... e outros, a pé ou com viaturas, passam no caminho referido no facto provado 5).
9) O acesso aos prédios rústicos e urbanos, que confinam com o caminho referido no facto provado 5) sempre tem sido feito através do mesmo.
10) O caminho referido no facto provado 5) é utilizado especialmente pelas pessoas que pretendam aceder a tais lugares e aos prédios que com este confinam, quer para fazerem o amanho de terras, utilizar os seus prédios urbanos e também para a prática de qualquer acto da vida corrente, mantendo-se o seu leito permanentemente afecto ao trânsito público, livre e desimpedido,
11) Sempre esteve livre e desimpedido para todas as pessoas que por ele quisessem passar, ininterruptamente e sem oposição de ninguém, estando no uso directo e imediato do público desde tempos anteriores à memória das pessoas vivas, que desde sempre lá passaram sem oposição de ninguém,
12) Na convicção de que tal caminho pertencia, como pertence, ao domínio público e de que podia, como pode, ser utilizado por todos, sem restrição.
13) Sempre utilizaram o mencionado caminho sem terem de pedir qualquer licença ou autorização, convictos de que lhes assistia o direito de ali circularem livremente.
14) Há mais de 30, 50 e mais anos que os autores, por si e seus antecessores, acediam ao seu prédio descrito no facto provado 5), a pé e com viaturas, a partir do caminho referido no facto provado 5), através de 3 aberturas/entradas, uma localizada a sul de um depósito de água, outra sensivelmente a meio do prédio e uma outra junto à extrema do lado norte.
15) O caminho referido no facto provado 5) até ao ocorrido nos factos provados 18) e 19), foi utilizado por todas as pessoas que tinham necessidade e pretendiam por aí passar e o seu uso sempre esteve associado à satisfação das suas necessidades sociais, de lazer e da vida económica,
16) O que sempre foi feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém,
17) Agindo na convicção de que tal caminho pertence ao domínio público e de que pode ser utilizado por todos, sem restrição.
18) Em data não concretamente apurada, os réus colocaram no leito do caminho referido no facto provado 5), no início da bifurcação referida no facto provado 3), uma corrente, suportada por três ferros, enterrados no solo, com a altura de cerca de 1 metro, em toda a largura do caminho, fechada num dos lados com dois cadeados e na qual colocaram um sinal de proibido estacionar, com os dizeres «estacionamento privado».
19) Em 07-01-2022, os réus, através de um empreiteiro por eles contratado, a firma EMP01..., Lda., utilizando uma máquina e um camião, procederam ao rebaixamento do terreno, destruindo assim o leito do caminho e impossibilitando qualquer passagem através do referido no facto provado 5).
20) Existe um outro caminho, referido no facto provado 3), com início na bifurcação referida no facto provado 3), que se desenvolve a nascente do prédio dos réus referido no facto provado 21) e que termina no pontilhão do ribeiro do ..., que não implicou a vedação ao público do caminho referido no facto provado 5).
b. Contestação
21) Os réus são proprietários do prédio urbano correspondente a edifício de ... com a superfície coberta de 166 m2, dependência com 40 m2, alpendre com 30 m2, eira com 72 m2 e logradouro com 5.314 m2, situado em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...36.
22) O caminho referido no facto provado 20) tem leito próprio, regularizado, com largura suficiente para nele circularem pessoas a pé, com animais e com veículos de tracção animal e mecânica, com toda a comodidade.
*
ii. E deu como não provados:
a. Petição inicial
a) O caminho referido nos factos provados 2) e seguintes tem uma largura média superior a 5 metros.
b) O referido no facto provado 5) está delimitado, de ambos os lados, por muros, marcos e taludes.
c) O acesso ao prédio dos autores identificado no facto provado 5) para viaturas e pessoas a pé apenas pode ser feito através do caminho também referido no facto provado 5).
d) Nunca ninguém, nomeadamente HH e esposa, os réus, a Junta de Freguesia ... ou a Câmara Municipal ..., questionaram as referidas aberturas/entradas para o prédio dos Autores, que deitam directamente para o caminho público do ..., que aliás existem há mais de 30/50 e mais anos.
e) O caminho tem largura superior a 5 metros.
b. Contestação
f) O caminho referido no facto provado 5) localiza-se a nascente do prédio dos réus referido no facto provado 21).
g) É pelo caminho referido no facto não provado e) que que as populações da freguesia ... (...) acedem do Lugar ... à ..., a pé e com todo o tipo de veículos de tracção animal e mecânica.
h) O caminho referido no facto provado 20) satisfaz integralmente as necessidades da população.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, no qual se dispõe:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entendem estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º. 
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros[1]:
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
1.3. A afirmação da existência ou não de parte dos factos presentemente em apreço, que se prendem com a natureza pública (ou não) de um caminho, dificilmente determináveis através de prova directa, porque situados uns em tempos já distantes na memória dos vivos e outros no foro íntimo ou psíquico dos que os praticam, é um campo decisório onde se justifica a utilização de presunções judiciais ou de experiência[2].
As presunções judiciais representam processos mentais do julgador, numa dedução decorrente de factos conhecidos e «são afinal o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro»[3].
Nestes casos, a partir de certos «factos (base da presunção), que são ocorrências conhecidas ou tidas por provadas, o tribunal pode dar como provado, fundado nos ensinamentos da experiência, o facto presumido (desconhecido)»[4].
*
1.4. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os Réus/recorrentes pretendem:
i) - A alteração das respostas positivas para negativas dos pontos de facto provados sob os n.ºs 4, 5, 7 a 17.
ii) - A modificação/alteração das respostas dos pontos de facto provados sob os n.ºs 2, 3, 6, 18, 19 e 20.
Antes de iniciarmos a nossa análise sobre se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, ou não, à prova realmente obtida, importa deixar consignadas duas breves considerações:
i) - Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos (testemunhais) invocados na apelação (quer nas alegações, como nas contra-alegações), não nos tendo restringido aos trechos parcelares e/ou truncados (de tais depoimentos) invocados pelos recorrentes como justificadores da impugnação da matéria de facto; para além disso, foram analisados todos os documentos carreados aos autos.
ii) - No caso vertente, após a audição integral de todos os depoimentos prestados e análise de toda a prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar, na sua essencialidade, a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelos recorrentes –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4 do CPC, fez uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que (como melhor explicitaremos) nos merece adesão praticamente total.
Vejamos.
Como introito e a fim de contextualizar o local em apreço, permitimo-nos lançar mão da parte introdutória da motivação da decisão da matéria de facto proferida na sentença recorrida, na qual é feita uma descrição genérica da configuração do dito local, incluindo do espaço circundante, sendo também tecidas considerações sobre os negócios de compra e venda dos prédios feitos pelos antecessores dos AA. e dos RR. (sr. HH e filhos) cuja explicitação não mereceu contestação.
Aí se explicitou:
«(…)
O Tribunal fez a inspecção judicial ao local.
Genericamente, o local onde o litígio acontece é um pequeno vale (orientado de poente para nascente) por onde se desenvolve o ribeiro do ..., que na zona habitada e explorada pelo Homem ocupará cerca de 500 m em linha recta de um lado ao outro. Na margem norte fica o lugar ... (e, subindo o monte, os baldios de ...), na ... ficam os lugares de ... e ....
Aproximando ainda mais do que cumpre decidir, todo o litígio se desenvolve em parte do lugar ....
Este lugar, e concretamente este local chamado por diversas testemunhas de ..., tem uma vessada no nível mais próximo ao ribeiro. Algumas leiras desde a vessada até ao início da zona mais ingreme do monte e casas de habitação. Tem ainda uma levada que atravessa pela zona das leiras também genericamente no mesmo sentido que o ribeiro. E, actualmente, cerca de 6 casas de habitação, boa parte delas de construção recente.
Por fim, construído sobre o ribeiro do ..., existe um pontilhão, pequeno, quer em largura quer em comprimento (se exceder, não será em muito os 2 m de largura e os 5 m de comprimento), construído em pedras irregulares, de grandes dimensões e não trabalhadas em bloco. Na ... existe um caminho, tratado por todos como sendo uma estrada pública (até porque a poucos metros do ribeiro do pontilhão estão implementadas duas habitações, tratada por algumas testemunhas como a casa/quinta do ..., e essa estrada está asfaltada).
Apesar de não parecer dos articulados, é absolutamente pacífico, que na referida margem norte do ribeiro, desde o cruzeiro de ... se desenvolve uma estrada, notoriamente pública (asfaltada e de acesso a todos os prédios públicos e urbanos que a confrontam e se cruza e divide noutras estradas também notoriamente públicas, por onde, aliás, seguiu o aqui subscritor acompanhado pelos ilustres advogados e oficial de justiça para a inspecção judicial ao local), no sentido poente e ao longo de alguns quilómetros até ao lugar ..., chegando essa estrada, naquilo que nos interessa, a um pequeno largo/bifurcação junto à casa dos réus, de EE e de LL.
(…)
No enquadramento do que se viu, e antes de focar no Caminho ... em discussão, é relevante perceber o que era o lugar ... (naquilo que a memória dos vivos conseguiu convencer o Tribunal).
Fundamentalmente, aquele local, para além do aproveitamento agrícola e florestal, era uma quinta, a Quinta ..., em que a casa mais antiga era a de HH situada um pouco para nascente. Na quinta em si mesma existia uma habitação/corte de animais, onde actualmente é a casa dos réus, e um alpendre e eira onde actualmente é casa de EE, para além das leiras e vessada onde se fazia o aproveitamento agrícola.
Em data não concretamente apurada, mas talvez por volta dos anos de 2006 ou 2007, HH, verdadeiramente ele, ou na mesma HH, como mero testa de ferro do seu filho MM, comprou a Quinta ... a .... Não foi produzida prova suficiente para convencer o Tribunal de nenhuma das realidades possíveis, por exemplo, se FF afirma que HH era mero testa de ferro do filho; por outro lado, NN e KK, filhos de HH, afirmam que a quinta era efectivamente do pai. Sopesando a natureza bastante nebulosa de todo o negócio, nem a data inscrita no registo como correspondendo à aquisição é possível crer como correspondendo efectivamente à data em que o contrato de compra e venda foi efectivamente celebrado.
Mas estes pormenores também não são especialmente importantes, como infra se vai ver.
Adquirida a Quinta ..., foi retalhada e vendida às parcelas. Uma parte a EE (a zona do alpendre e eira), outra parte aos autores (genericamente do lado poente em relação ao prédio do EE), ainda outra parcela a OO (esta também, genericamente, do lado poente em relação ao prédio dos autores) e por fim outra parcela aos réus (a zona da habitação/corte de animais, que fica a sul do prédio de EE). Tudo isto é pacífico da prova produzida. O demais, aparentemente, permanecerá na propriedade dos herdeiros de HH, efectivamente deles ou como meros testa de ferro do herdeiro MM.
Ninguém referiu alguma vez ter havido qualquer operação de loteamento.
Mas todas as referidas parcelas possuem casas de habitação, com a excepção da parcela de OO que, em processo executivo, acabou por ser adquirida pelo autor em 18-11-2011, e onde existe uma construção, de dimensão generosa para casa de habitação mas inacabada (somente em tijolo), vista in loco pelo Tribunal.
E isto é relevante porque, com tudo isto se começa a perceber a razão pela qual alguns documentos são de conteúdo que, certamente, não corresponde à verdade.
Por exemplo, a venda de HH e mulher a OO da parcela de terreno supra referida, em 08-04-2010, onde na escritura pública consta como objecto «uma casa destinada a habitação composta de três pisos e quintal sito no lugar ...». Na realidade foi pacífico que a edificação que lá existe foi construída por OO, tendo sido o seu pai, GG, a comandar essa obra no interesse do filho – circunstancialismo afirmado expressamente pelo próprio. Do registo predial – ...10/... – consta que esta parcela é rodeada a nascente e a poente por caminho público.
Por seu lado, o registo predial relativo ao prédio dos réus – ...84/... – refere como confrontações: nascente rua do ... e poente herdeiros de HH (…)».
O pomo da discórdia situa-se, essencialmente, no apodado “Caminho ...” (referido nos factos provados sob os itens 4 e 5), e que o Tribunal “a quo” concluiu tratar-se de um caminho público.
Concretizando os caminhos que emergem/nascem/desembocam/derivam no pequeno largo sito no lugar ..., junto à casa dos réus, de EE e de LL, diz-nos o Tribunal “a quo” que desse largo/bifurcação «nascem 3 continuações de caminhos: (1) o Caminho ... (referido no facto provado 5)) e que passa do lado norte do prédio dos réus, entre o seu prédio e o prédio de EE depois desce pelo lado poente do prédio dos réus, atravessa a levada, até se encontrar com o pontilhão sobre o ribeiro do ...; (2) um caminho mais recente, que se desenvolve pelo lado nascente do prédio dos réus e também atravessa a levada e termina no pontilhão sobre o ribeiro do ...; (3) outro caminho que segue para norte/nascente, nomeadamente para a zona dos baldios.
O caminho que segue para norte/nascente é irrelevante para a causa.
O caminho que se desenvolve do lado nascente do prédio da ré (desde a bifurcação até ao pontilhão), todas as partes estão de acordo na sua existência e natureza pública. Este caminho é recente, foi construído por HH, com boa probabilidade, nos anos de 2008-2009, como se retira da generalidade dos depoimentos que datam a sua construção de entre 15 a 8 anos atrás, do parecer da Junta de Freguesia ... junto sob documento ...4 da petição inicial, e, fundamentalmente, do depoimento da testemunha LL que conseguiu enquadrar temporalmente a construção do caminho, de forma mais exacta, por comparação com a idade do seu filho que havia nascido pouco tempo antes».
Insurgem-se os RR. contra essa peculiar “bifurcação” feita pelo Tribunal recorrido – que apenas poderia legitimar a divisão de uma coisa em dois ramais, e não em três –, objetando, sobretudo, o facto de o Tribunal “a quo” apelidar o espaço a norte do prédio dos RR. como “Caminho ...”.
Os recorrentes questionam essa divisão tripartida dos caminhos no Lugar ..., já que, na sua ótica, apenas deveriam ter sido dados como provados dois caminhos, e não três, quais sejam, um mais recente que vira à esquerda e segue pelo lado nascente do prédio dos réus até ao ribeiro do ... (que, inquestionavelmente, reveste natureza de caminho público) e outro que vira à direita e serve vários prédios rústicos e urbanos, o qual não está em discussão nos presentes autos.
Discordam os recorrentes da existência de um outro caminho «que segue em frente, prolongando-se em linha recta para poente, numa extensão de cerca de 70 metros até ao limite de um prédio dos Autores, flecte para sul até ao ribeiro do ..., passando sobre o mesmo através de um pontilhão, até aos lugares de ..., ... e outros» (itens 4 e 5 dos factos provados).
Aduzem para o efeito, em síntese, que:
- A prova produzida pelos AA. foi inidónea à demonstração de que a parcela de terreno mencionada em 5) dos factos julgados provados tenha sinais visíveis e permanentes da passagem de pessoas e veículos; se estenda até ao pontilhão mencionada em 4); esteja afecta ao uso do público em geral; desde tempos imemoriais; e satisfazendo interesses colectivos de certo grau ou relevância.
- A motivação expendida pelo Tribunal a quo consubstancia um silogismo invertido, em que a conclusão é que dá lugar às premissas.
- Por referência à prova produzida, todas as testemunhas arroladas pelos AA. são relativamente novas; não foram inquiridas as pessoas mais velhas do lugar e freguesia e nenhuma das testemunhas ouvidas referiu que existisse caminho desde tempos imemoriais, designadamente, aludindo à memória dos seus pais, avós e bisavós, desconhecendo-se donde o Tribunal a quo extraiu a premissa de que “se perde na memória dos vivos a existência do caminho público”, desconhecendo-se igualmente donde extraiu a premissa de que o pontilhão seja público, quando absolutamente nenhuma testemunha arrolada pelos AA. afirmou qualquer facto quanto à sua construção, manutenção e uso; nada consta dos articulados acerca de baldios, sua localização e acesso; a afirmação de que “na inspecção ao local, era visível que um caminho ali efectivamente existira e existia”, não tem respalde na acta da respectiva diligência.
Feita esta breve e introdutória enunciação vejamos, então, a prova testemunhal produzida.
A testemunha FF, empresário de construção civil, referiu conhecer bem o local, pois foi o intermediário de muitas vendas, quando o Sr. HH e o seu filho II decidiram fracionar a Quinta ... (adquirida ao PP) e vender as parcelas a diferentes proprietários (ao ..., ao EE, ao Autor AA e ao GG). Descreveu o trajeto do dito Caminho ... – do ... passa ao lado da Igreja ..., seguindo por ali adiante, passava em frente à casa, descia à ... e seguia (dando acesso) para ... e depois dá para o ..., sendo que as pessoas da freguesia, para se deslocarem para ... e ..., não tinham outra comunicação –, referindo que sempre passou por esse caminho, a pé e de jeep, assim como os seus primos que são construtores (EMP02...) e que foram os responsáveis pela obra da casa do filho do Sr. GG (e que atualmente pertence aos AA.), tendo passado com os materiais pelo referido caminho, encostado ao muro.
Apesar do sr. HH ter aberto outro caminho há cerca de 15/16 anos (referido nos itens 3, 20 e 22 dos factos provados), referiu que aqueloutro Caminho ... nunca esteve tapado (só ficou tapado desde que o prédio foi adquirido pela Ré, por força da atuação dos RR.) e que as pessoas da freguesia não tinham outro caminho para se deslocarem para ... e .... Confrontado com o ortofotomapa – valendo aqui de modo prevalecente o princípio da imediação e oralidade, posto que só o Mm.º Julgador “a quo” e os respetivos mandatários judiciais ficaram numa posição privilegiada para se inteirarem na íntegra das indicações feitas pela testemunha por referência ao dito documento, as quais, há que reconhecê-lo, não são totalmente apreensíveis nem percetíveis através da mera audição da prova gravada –, distinguiu o caminho original do novo caminho (que não são confundíveis, nem se sobrepõem num ao outro), referindo usar os dois caminhos.
Como referido na motivação da sentença recorrida, o depoimento da testemunha vai «no sentido de sempre ter utilizado aquele caminho de forma livre e desimpedida com a convicção da natureza pública do mesmo».
A testemunha GG foi peremptório ao indicar que foi pelo Caminho ..., no troço entre as casas dos réus e de EE, que passaram todos os materiais, equipamentos e trabalhadores para a construção do edifício construído pelo seu filho, OO, na parcela de terreno fraccionada da Quinta ... adquirida a HH (sita na levada para cima). Aquando do negócio de compra do prédio, o vendedor HH disse-lhe que o caminho era público. Durante cerca de 8 anos usou aquele caminho como se público fosse, de forma desimpedida e sem pedir autorização a quem quer que fosse. Mesmo antes dessa data, viu o Caminho ... ser utilizado pelas pessoas que aí circulavam (“como público”).
Na sua opinião, o caminho é publico desde que dele se sirvam, pelo menos, duas pessoas, especificando que, no caso, “servia-se do caminho quem queria”.
Confirmou a colocação do contador da eletricidade no muro do prédio, virado para o exterior, por o caminho ser público.
Revelou igualmente ter conhecimento da abertura mais recente de um caminho novo, feito pelo HH (o mencionado nos itens 3, 20 e 22 dos factos provados).
 Há 8 anos que não se desloca ao local, porquanto o prédio adquirido pelo filho para nele construir uma casa foi, entretanto, penhorado pelo Banco e vendido judicialmente.
A testemunha EE, irmão do autor, é também proprietário de uma das parcelas fracionadas da Quinta ..., ali residindo. Adquiriu o terreno em 2006, ao II, filho do HH, tendo lá construído a sua casa.
Referiu que o Caminho ... que passa em frente à sua casa é caminho público, e que era por esse o caminho que as pessoas se dirigiam para chegar ao pontilhão, atravessar o ribeiro, e seguir para a estrada, não tendo outro meio de acesso. Até à levada o caminho está bem trilhado, mas depois do ribeiro as marcas não são salientes.
Presenciou o GG a circular com materiais pelo caminho para a construção da casa do filho, esclarecendo que, quando fez o seu muro de suporte, também foi pelo referido caminho que passaram máquinas e materiais, e nunca ninguém se opôs, nem sequer a testemunha pediu autorização para o efeito.
Mais referiu que toda a gente passava no caminho, especificando que há cerca de 30 anos havia ali umas comadres dos seus pais, que viviam depois do pontilhão e era pelo aludido caminho que as pessoas (aludindo aos seus pais) acediam para as visitar.
Confirmou que o segundo caminho que vai dar à ... foi aberto posteriormente (em 2010), o qual ainda não existia quando a testemunha adquiriu o seu prédio. Com a abertura do segundo caminho, o primeiro continuou a ser utilizado (a pé, de tractor, de jeep e de mota), embora o novo caminho passasse a ser mais utilizado, já que era mais acessível (as caraterísticas do novo caminho constam do item 22 dos factos provados, que não foi impugnado).
A decisão quanto à localização do contador da luz instalado no muro de suporte do seu prédio a sul, que dá para o questionado Caminho ..., partiu do empreiteiro e o poste de iluminação lá existente nunca foi mudado, já estando ali colocado quando comprou o seu prédio (em 2006).
A testemunha DD, professor, exerceu funções autárquicas, tais como membro da assembleia de freguesia ... desde 1997, presidente da Junta de Freguesia ... de 2002 a 2013,  e é, presentemente, presidente da assembleia da dita freguesia.
Reside na freguesia ... e disse conhecer a esmagadora maioria dos caminhos da freguesia.
Referiu que as pessoas do lugar apelidam o caminho em litígio como “Caminho ...” porquanto vai desde a ponte (ou pontilhão) do ... e sobe em direcção às ..., desconhecendo a testemunha se o caminho tem essa toponímia.
Afirmou que quem limpava o caminho era o jornaleiro da junta, II (facto que não foi por este confirmado, tendo antes contrariado essa versão).
Questionado sobre há quantos anos existe o caminho que afirmou ser público respondeu que provavelmente antes de ter nascido, não sabendo precisar, pois está além da memória da testemunha.
Afirmou que, quando foi eleito Presidente da Junta, a limpeza do referido Caminho ... foi uma das suas primeiras intervenções (“foi um dos primeiros caminhos que na altura foi limpo (…)”), posto que o Sr. HH (proprietário da Quinta ...) solicitou a intervenção da Junta de Freguesia no sentido de proceder à sua limpeza e manutenção.
Esclareceu que, na altura, o sr. HH era quem mais usava esse caminho, embora este «estivesse disponível para ser usado [por] quem quisesse passar por lá, e era o único acesso que permitia a ligação de uma parte do rio ao Lugar ..., sem ter que fazer o trajeto até à Igreja Paroquial, ir à volta por ..., quem quisesse passar de um lado para o outro, ou usava esse caminho mau e passava a ponte ou tinha que fazer» cerca «2,5 Km ou 3 km, para dar a volta pelo outro lado».
Relativamente ao caminho novo aberto pelo sr. HH, em propriedade deste e que também liga ao pontilhão (referido nos itens 3 (1ª parte), 20 e 22 dos factos provados), considerou-o como sendo um caminho público – o que não foi colocado em questão por qualquer testemunha –, reconhecendo que a Junta de Freguesia não financiou a sua construção por falta de fundos, tendo, sim, comparticipado no rebentamento da pedra. Esclareceu que, com a construção desse acesso alternativo à ..., o sr. HH pretendia retirar (desviar) o máximo possível o trânsito da frente da casa – que se processava pelo dito caminho ..., ... dos factos provados –, o que surtiu efeito, pois o trânsito passou a processar-se preponderantemente por esse caminho novo em virtude de ter melhores condições, mantendo-se os dois caminhos abertos, posto que jamais ficou acordado fechar ou vedar o caminho antigo como contrapartida da abertura do novo. 
A testemunha JJ, 62 anos de idade, nascido no ..., foi jornaleiro na Quinta ... e reside no Lugar ..., tendo rejeitado a existência do caminho público ao Caminho ....
Explicou que existia um caminho exclusivo da Quinta ..., só lá passando “o povo da Quinta”, o qual era só trilhado pelos da quinta e era ocupado para afrutar e desafrutar, sendo tudo lavrado. Ficava apenas um carreiro do povo a pé, que era o utilizado quando as pessoas iam para a igreja, localizando-o aproximadamente no mesmo local onde o sr. HH abriu o caminho novo.
A instâncias do Mm.º Juiz “a quo” acabou por admitir que o caminho cá em baixo (presume-se que junto ao pontilhão e virado para a margem norte das ...) bifurca-se, sendo o novo para direita e o velho para a esquerda (o que contrariou a versão antes dada, pois acaba por reconhecer a existência do caminho em litígio), sendo este um carreiro a pé.
A testemunha KK, mulher da testemunha JJ e filha do sr. HH, anterior dono das ... e também da quinta do ..., nascida na freguesia ... (...), no ..., e ali tendo crescido, negou a natureza de caminho público ao Caminho ....
Reiterou o depoimento do marido quanto às pessoas que utilizavam o caminho, afirmando que eram apenas os trabalhadores da Quinta e negando que o caminho tivesse valetas ou que a Junta de Freguesia alguma vez o tenha limpo, reparado, benfeitorizado ou nele efectuado qualquer trabalho.
Relativamente ao “pontilhão”, afirmou que a família dos avós lhe dizia que foi construído pelo dono da Quinta ..., por ter propriedades na outra margem do rio.
Indicou as razões que levaram o seu falecido pai a proceder à abertura do caminho que hoje existe a nascente do prédio dos RR. (referido nos itens 3, 20 e 22 dos factos provados), concretamente uma queda que aquele teve quando andava a podar e a impossibilidade de a ambulância chegar ao local, pelo que o mesmo teve de ser transportado numa maca.
Mais indicou que nesse local já existia anteriormente um “carreirinho”, por onde as crianças passavam para irem para a escola.
Por fim, a testemunha QQ, 73 anos, reformado e que (antes) era trabalhador agrícola.
Foi funcionário da Junta de Freguesia ... durante 4 anos, quando era presidente o DD.
Afirmou que nunca limpou o Caminho ... durante os anos que lá trabalhou.
Negou a existência do dito caminho público, reportando, sim, a existência de um carreiro a pé, porquanto os únicos caminhos que existiam eram (de serventia exclusiva) da quinta, que vinha desde a casa da ré até ao ribeiro, passando pelo pontilhão, onde ia ter a um lameiro (a vessada), que era cultivado.
Classificou, no entanto, o pontilhão existente sobre o ribeiro do ... como sendo público (apesar de, subsequentemente, em manifesta contradição, dizer que pertencia ao HH), servindo para as pessoas passarem para a outra margem (“passava toda a gente”), no qual dava para passar de carro de bois e trator.
Situou o carreiro a pé no lugar onde mais tarde foi aberto o estradão.
Tendo referido que utilizava o pontilhão para aceder às abelhas a cuja criação se dedica no baldio – o qual fica situado do lado da casa da Ré, portanto na margem norte, no Lugar ..., e pressupõe a passagem pelo pontilhão de quem, como a testemunha, provém de ... e ... –, esquivou-se a responder como faziam os compartes do baldio, residentes na ..., quando pretendiam ir buscar lenha ao baldio.
Atenta a forma titubeante, incongruente e contraditória como depôs, o seu depoimento não mereceu credibilidade.
Além da prova testemunhal, importa ter também presente outros indícios (relevantes) explicitados na motivação da sentença recorrida, tais como:
«O Caminho ... consta como caminho público dos registos da Junta de Freguesia ..., cf. missiva de 01-02-2022, junta aos autos sob documento ...4[5] da petição inicial, e do plano director de ..., cf. extracto da planta de ordenamento do plano director municipal de 1995[6] junta aos autos em 18-10-2022.
Existem postes de iluminação pública naquilo que é o Caminho ..., concretamente na zona que se situa perto da estrema entre os prédios dos réus, dos autores e de EE, cf. a inspecção judicial ao local e, bem assim, vêm descritos na planta junta pela ré em 14-10-2022[7]. A iluminação pública é para espaços públicos tais como caminhos públicos.
O contador de electricidade da casa de EE está instalado no muro a sul, aberto para aquilo que é o Caminho ..., sob pena de, não sendo público esse caminho, estar simplesmente virado para a propriedade dos réus. Os contadores de electricidade são colocados abertos para a via pública para permitir a sua leitura e intervenção pelos operários das empresas de fornecimento de electricidade. A sua colocação virada para o terreno da ré seria um absurdo».
No sentido de alicerçar as respostas dadas há também que atentar noutros elementos referidos pelo Exmo Juiz “a quo” na motivação da matéria de facto – alguns deles diretamente percepionados aquando da inspeção ao local, se bem que resultam também da generalidade da prova testemunhal produzida –, como seja o facto de o caminho em discussão ser um pequeno caminho, estreito, ingreme, e de difícil circulação mesmo para tractores e veículos todo-o-terreno, o que não o diferencia de «outros caminhos em zonas rurais, pobres e de orografia bastante irregular (…)».
O local em causa, situando-se no concelho ..., mais propriamente na freguesia ... é marcado por uma ruralidade acentuada, não sendo elevado o número de habitantes, existindo, actualmente, naquela zona de ... cerca de 6 casas de habitação, e quase todas de construção recente, pelo que é de aceitar que o aludido caminho nunca teve um tráfego de pessoas e veículos muito significativo.
E, em face da prova produzida, afigura-se-nos legítima a asserção extraída pelo Mm.º Juiz “a quo” quando conclui que «o novo caminho construído por RR veio retirar boa parte da utilidade ao Caminho ..., pois, para quase todas as pessoas, aquele novo caminho permite um acesso mais curto ao pontilhão, para além de ter um piso e trajecto mais regulares e ser, substancialmente, mais largo.
Mas também não releva, o caminho novo não apaga o caminho velho. E, continuam a existir prédios que são servidos pelo Caminho ... mas não pelo caminho mais recente, sendo o caso paradigmático o prédio que foi de OO e é agora dos autores».
Dito isto, impõe-se dizer que os enunciados depoimentos testemunhais não são consentâneos quer quanto à existência do dito Caminho ..., quer quanto ao uso que do mesmo era feito pelas pessoas das povoações mais próximas.
Regista-se, no entanto, que as testemunhas em que o Tribunal recorrido se alicerçou para formar a sua convicção não aparentaram ter qualquer interesse direto na procedência da ação. À conclusão antecedente dir-se-ia ser de excluir o caso da testemunha EE, irmão do autor, por força do vínculo de parentesco que com o mesmo mantém.
No caso, admitindo-se que a aludida testemunha possa em abstrato ter um interesse no desenlace da lide, a verdade é que na formação da sua convicção com vista ao apuramento dos factos controvertidos o Tribunal a quo não restringiu a sua apreciação a esse meio de prova, posto que concatenou a demais prova testemunhal produzida, juntamente com a prova documental, sem descurar a relevante inspecção judicial ao local realizada logo no início da audiência de julgamento, que permitiu ao tribunal, de um modo privilegiado e directo, sem mediação de outrem, inteirar-se, no local em discussão, da concreta configuração (actual) dos prédios em causa, do caminho em discussão e do demais espaço circundante, possibilitando o directo confronto com alguns aspetos ou factos descritos em audiência pelas testemunhas não condizentes com o que foi percepcionado na dita inspecção pelo Mm.ª Julgador.
À semelhança do Tribunal recorrido, também este Colectivo entende que a testemunha que prestou o depoimento mais convincente foi o DD, nascido e criado naquele Lugar, onde sempre residiu (afora o curto período de tempo em que esteve a estudar fora para completar a sua formação escolar), sobrelevando no caso as funções autárquicas que ao longo dos anos desempenhou, sendo certo que o depoimento por si prestado foi circunstanciado e objetivo, não se eximindo a responder a todas as perguntas (o que não significa que tenha revelado cabal conhecimento quanto a todas elas), independentemente da sua proveniência.
Por outro lado, não se patenteia que o mesmo tenha revelado ter qualquer interesse no resultado do litígio.
 No sentido do acerto das respostas dadas importa também assinalar o facto de resultar da globalidade da prova produzida que o pontilhão que atravessa o ribeiro do ..., que liga e permite o acesso às duas margens (norte e sul), é público ou, melhor dizendo, está afecto ao uso direto e imediato de todas as pessoas que por ali transitam (a própria testemunha II, ainda que após muita insistência, acabou por reconhecer esse facto, após ter sido confrontada com o uso que dele fazia para aceder às abelhas que cultiva nos baldios sitos na margem norte do ribeiro/Pontilhão, no Lugar ...).
Irrelevam as más condições de conservação do pontilhão do ... apontadas (na apelação) pelos recorrentes, posto que tais precárias condições são iguais ou comuns quer para as pessoas que se servem do novo caminho, quer para as que continuam a utilizar o caminho em litígio – deve ter-se presente que ambos os caminhos, com leitos e trajetos diferenciados, terminam no referido pontilhão. Isto porque para a travessia do ribeiro do ... as pessoas servem-se do mesmo pontilhão, que é o único que lá existe.
Acresce não oferecer controvérsia que, mais recentemente, o HH abriu na sua propriedade um caminho que afectou ao domínio público e que termina no dito pontilhão do ribeiro do ..., caminho esse melhor descrito nos itens 3 (1ª parte), 20 e 22 dos factos provados.
Identicamente incontroverso que esse caminho reveste natureza pública.
A razão principal da abertura desse caminho residiu no facto do referido HH pretender desviar o trânsito que se processava pelo outro caminho (o do ...) e que passava defronte da sua casa, e não, como referido na motivação da decisão da matéria de facto, o episódio com a ambulância.
Fundamental também o facto de resultar da prova produzida a existência de um caminho público para lá do Pontilhão sobre o ribeiro do ... (...), em direcção aos lugares de ..., ....
Ora, parafraseando a motivação da sentença recorrida, não seria plausível que as pessoas daquelas localidades tivessem um caminho público a terminar num pontilhão público que atravessava um ribeiro para lado nenhum (rectius, para lado nenhum que livremente se pudesse aceder, pois terminaria directamente em propriedade privada), havendo um outro caminho público a cerca de 100 m ou 200 m adiante.
Tal seria ainda mais implausível «se tivermos em conta que, para as pessoas que viviam e trabalhavam no local a sul do pontilhão, atravessar ali o ribeiro e seguir pela estrada a norte desde as ... até ao ..., era o acesso mais rápido e mais fácil à igreja de SS (sendo facto notório que estes edifícios religiosos eram pontos fulcrais para a vida comunitária há dezenas e há centenas de anos)».
A inexistência de caminho público após o pontilhão, do lado de ..., seria manifestamente implausível considerando «que é na margem norte que se situa uma parte relevante dos terrenos baldios daquela comunidade, sendo impensável que os compartes não tivessem um acesso livre e desimpedido a esses baldios (é outro facto notório que os terrenos baldios são um pilar fundamental da subsistência económica daquelas comunidades rurais há dezenas e centenas de anos)».
Donde seja de secundar a posição assumida pelo Tribunal recorrido no sentido de conferir menor valia probatória às testemunhas arroladas pelos Réus em confronto com (algumas) das testemunhas indicadas pelos AA..
Sendo assim, também nós somos levados a concluir pela existência do descrito Caminho ..., desde tempos imemoriais, o qual era utilizado de forma pública, livre e sem oposição, por todas as pessoas que por lá passavam, sendo certo que a utilização desse caminho decaiu em virtude da abertura do novo caminho, o qual tem melhores condições, pois “permite um acesso mais curto ao pontilhão, para além de ter um piso e trajecto mais regulares e ser, substancialmente, mais largo”.
Discorrendo, de seguida, sobre os concretos pontos de factos impugnados temos que:
i) - No que concerne à matéria do ponto n.º 2 dos factos provados, é de excluir o segmento “desde tempos imemoriais”, porquanto, estando em causa a enunciação global do caminho em discussão nos autos, nele se incluindo a sua afectação a montante e a jusante, tal trecho corporiza (como adiante veremos) um dos requisitos legais indispensáveis à qualificação do caminho como público. O mesmo é dizer que tal conceito consubstancia matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, que deve ter-se excluído da matéria de facto.
Expurgado o referido conceito de direito, o mencionado item permanecerá com o seguinte teor:
2) Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho que liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros.
ii) A fim de eliminar a relutância semântica imputada pelos recorrentes, procede-se à retificação do item 3 dos factos provados, passando a valer nos termos seguintes:
3) No Lugar ..., tal caminho divide-se em três, um mais recente que vira à esquerda e segue pelo lado nascente do prédio dos réus até ao ribeiro do ..., outro que vira à direita e serve vários prédios rústicos e urbanos.
iii) É de manter inalterado o ponto 4 dos factos provados;
iv) Em consonância com a retificação feita ao ponto 3 dos factos provados, procede-se à seguinte retificação do item 5:
5) A partir da referida divisão tal caminho é designado por «Caminho ...» e é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos autores; do lado poente até uma levada com prédio dos autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...10/... e inscrito na respectiva matriz predial no artigo ...92; do lado sul/nascente pelo prédio dos réus, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...36; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos lugares de ..., ... e outros.
v) É de manter inalterado o ponto 6 dos factos provados;
vi) Pelas razões indicadas quanto ao item 2 dos factos provados, ou seja, por traduzir um conceito de direito, relativamente ao ponto 7 é de excluir o seguinte trecho:
«desde tempos que a memória dos vivos não recorda».
Impõe-se, por sua vez, restringir o âmbito dos veículos mecânicos que por ali transitavam, quais sejam tratores.
Assim, altera-se a redação do referido ponto fáctico para os termos seguintes:
7) O leito do caminho referido no facto provado 5), de modo directo e imediato, está, desde há mais de 50 e 100 anos, afecto ao uso público que por ali transita a pé, com animais, veículos de tracção animal, bem como, mais recentemente, tractores.
vii) O item 8 dos factos provados padece do mesmo vício do item antecedente, impondo-se indicar o período apurado em que o caminho está afectado ao uso público – que se extrai da resposta ao item 7 –, bem como particularizar que tipo de viaturas/veículos passavam no referido caminho (essencialmente, carros de bois e tratores).
Assim, o referido item passará a ter a seguinte redação:
8) Há mais de 50 e 100 anos, todas as pessoas que pretendam ir dos lugares da Igreja ... e das ... para os lugares de ..., ... e outros, a pé, com carros de bois ou, mais recentemente, tractores, passam no caminho referido no facto provado 5).
ix) Confirmam-se as respostas aos itens 9 a 20 dos factos provados;
x) Em conformidade com o já antes explicitado quanto aos itens 2, 7 e 8 dos factos provados, o ponto 11 carece de ser retificado nos termos seguintes:
11) Sempre esteve livre e desimpedido para todas as pessoas que por ele quisessem passar, ininterruptamente e sem oposição de ninguém, estando no uso directo e imediato do público desde o período temporal referido nos itens 7 e 8, que desde sempre lá passaram sem oposição de ninguém.
*
Pelo exposto, nos termos assinalados, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto[8].
*
2. - Da reapreciação da matéria de direito.
2.1. – Da dominialidade (pública) do caminho em causa.

Está em causa saber se o caminho em discussão neste recurso é ou não público.
O Código Civil (CC) actual não define coisa pública, limitando-se a referir no n.º 2 do art. 202º que se consideram “fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por natureza, insusceptíveis de apreensão individual”.
Face a tal omissão, nomeadamente no tocante aos caminhos, veio a doutrina e a jurisprudência a divergir quanto aos requisitos necessários para a sua qualificação como de natureza pública.
Discutiu-se longamente se para a dominialidade (pública) de um caminho seria de exigir que o caminho tivesse sido construído, (legitimamente) apropriado ou conservado por uma pessoa colectiva de direito público – critério da construção ou da manutenção – ou se seria suficiente o uso directo e imediato pelo público, independentemente de saber quem o produziu ou administra – critério do uso –, passando por uma corrente intermédia que defendia que se o caminho está a ser usado pelo público, desde tempos imemoriais, deveria presumir-se a sua natureza dominial, mas tal presunção poderia ser ilidida mediante prova do contrário, prescindindo-se daquela prova directa de construção ou apropriação por ente público.
Neste contexto foi proferido o Assento do STJ de 19/04/1989[9] – hoje com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência (art. 17.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro) –, que, orientando-se pelo critério da destinação do bem ao uso público, fixou a seguinte doutrina:
«São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público»[10] [11].
São, portanto, dois, segundo tal doutrina, os requisitos exigíveis para a caracterização do caminho como público: o uso directo e imediato do mesmo pelo público e a imemorabilidade desse uso.
O uso diz-se imemorial quando se perdeu da memória dos homens o seu início ou começo, quando os vivos não sabem quando começou[12], quer por observação directa, quer por informações que lhe chegaram dos seus antecessores, ou quando já não está na memória directa ou indirecta – por tradição oral dos seus antecessores – dos homens, que, por isso, não podem situar a sua origem[13]. Noutra formulação, sendo condição de dominialidade o uso público imemorial, o que significa «um uso que perdura desde tempos já não alcançados pela memória das pessoas vivas, directa ou indirectamente, por tradição oral dos seus antecessores»[14].
O tempo de memória útil das pessoas – isto é, de memória que pode fundamentar um juízo de prova, em tribunal – não coincide manifestamente com o tempo médio de vida do ser humano, sendo que é o tempo de memória útil que deve relevar para determinar se a memória das pessoas vivas recorda o início da utilização directa ou indirectamente[15].
O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado preenchido o requisito da posse imemorial estando provado o uso desde há mais de 50 ou 60 anos[16].
Nem tão pouco impede que se considere verificado o requisito do uso imemorial a circunstância de, por exemplo, por prova documental, ser possível apurar o início da utilização pública do caminho, desde que esse momento ultrapasse esse tempo de memória útil do ser humano[17].
Observou-se, no entanto, que a doutrina fixada no Assento, a ser interpretada e seguida à letra, conduziria a que todos os atravessadouros de posse imemorial teriam de ser qualificados como caminhos públicos, ficando o art. 1383º do CC – onde expressamente se declara que se consideram “abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões” – sem qualquer campo de aplicação e tornar-se-ia letra morta[18].
Daí que o STJ tenha vindo, predominantemente, a fazer uma interpretação restritiva da doutrina fixada por aquela decisão uniformizadora, no sentido da publicidade dos caminhos exigir, para além do requisito expresso, no segmento uniformizador, da utilização direta e imediata do caminho pelo público desde tempos imemoriais, ainda a sua afectação a uma utilidade pública, traduzida na satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância[19] [20] [21].
Para que se verifique preenchido o requisito do uso público relevante é de exigir que o fim visado pela utilização seja comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser “a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais[22], pois que só aquela, que não apenas o mero número de utilizadores em razão das suas exclusivas necessidades pessoais, “faz surgir o interesse público necessário para integrar o uso público relevante[23].
Existirá um relevante interesse coletivo se o caminho é de uso intensivo, generalizado e comum a diversas povoações, revelando uma utilização associada à vida social e económica dos locais servidos pelo caminho, ainda que possa servir também, mas não apenas, para encurtar distâncias entre duas vias públicas[24].
Se o caminho permite o encurtamento significativo de distâncias entre localidades vizinhas “de molde a beneficiar de um modo muito particular certos segmentos da população, como é o caso das crianças, das pessoas idosas, dos doentes ou deficientes físicos, por se tratar de pessoas mais carenciadas e vulneráveis, logo, especialmente necessitadas de apoios ou de facilidades”, tem-se como relevante e assinalável o interesse colectivo que pode ser prosseguido mediante a utilização pública de um caminho que proporcione tais benefícios[25].
Bem como se permite o acesso ao local onde decorre a prática de costumes enraizados de populações rurais, como seja cerimónias religiosas e festejos[26].
Entende-se, porém, que não existirá relevante interesse coletivo se estiver apenas em causa o interesse próprio de cada um dos proprietários de aceder ao seu terreno, que confine com o caminho[27], nem quando se trate apenas de fazer uma ligação entre os caminhos públicos por prédio particular, com vista a um encurtamento não significativo de distâncias[28].
Reside nessa afectação ao trânsito que corresponda à satisfação de interesses colectivos com atendível grau e relevância, por um lado, ou ao mero encurtamento de distâncias, por outro, a distinção entre, respectivamente, caminhos públicos e atravessadouros[29].
Importa para o efeito ter presente que o atravessadouro – também designado por atalho, na linguagem corrente – é um caminho (alternativo) particular, sobre terreno particular, destinado essencialmente a encurtar trajetos entre determinados locais, um atalho, sendo o seu leito parte integrante do prédio atravessado[30]. Dito por outras palavras, os atravessadouros ou serventias públicas são passagens por prédio alheio a favor de qualquer pessoa, com uma função de atalho, destinado a encurtar distâncias, sem serem caminho público ou servidão predial. Ao contrário das servidões prediais, os atravessadouros não estavam estabelecidos a favor de prédio determinado, ou seja, a sua titularidade não se apurava pelo titularidade de prédio alheio, não sendo propter rem[31].
Segundo o art. 1383º do CC, “consideram-se abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões[32].
O citado dispositivo considera abolidos os atravessadouros; não os caminhos públicos que atravessem terrenos particular. Face a esta diferença de regime, torna-se essencial a distinção entre estes dois conceitos. No entanto, a doutrina e a jurisprudência deste há muito têm-se confrontado com grandes dificuldades na delimitação destas duas figuras, o que se explica por os atravessadouros (que não constituam servidões de passagem constituídas a favor de prédio determinado) e os caminhos públicos apresentarem, em comum, a caraterística de serem vias de comunicação utilizadas pelo público[33].
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[34], “[t]raduzindo-se os caminhos públicos e os atravessadouros (ou atalhos) em vias de comunicação afectadas ao uso de qualquer pessoa, é evidente que o simples uso pelo público, mesmo que imemorial, não pode bastar para qualificar determinada passagem como caminho público, sob pena de todos os atravessadouros com longa duração terem se ser qualificados como dominiais, em manifesta violação do preceituado nos artigos 1383º e 1384º, que apenas ressalvam os que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade”.
Como critério tendente a ultrapassar a dificuldade de distinção entre caminho público e atravessadouro, M. Henrique Mesquita, a respeito da necessidade de o assento de 1989 dever ser objeto de uma interpretação restritiva, sustenta que um caminho, no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, que atravesse prédio particular, será público se ocorrrer a afectação à utilidade pública, ou seja, visar a satisfação de relevantes interesses colectivos; de contrário (na falta desse requisito), e em especial se visar apenas o encurtamento não significativo de distâncias, deverá classificar-se como atravessadouro[35].
Assim também o entendemos, por ser a maneira mais correcta de conciliar o Assento de 1989 com os arts. 1383.º e 1384.º do Código Civil.
Reportando-nos ao caso em apreço verificamos que:
- Na freguesia ... (...), concelho ..., existe um caminho que liga a Rua ..., junto ao ..., aos lugares de ..., ... e outros.
- No Lugar ..., tal caminho divide-se em três, sendo que um deles (o que aqui releva), designado por «Caminho ...» a partir da referida divisão, segue em frente, prolongando-se em linha recta para poente, numa extensão de cerca de 70 metros até ao limite de um prédio dos Autores, flecte para sul até ao ribeiro do ..., passando sobre o mesmo através de um pontilhão, até aos lugares de ..., ... e outros.
- Concretamente, o mencionado «Caminho ...» é marginado do lado norte por muro do quintal de um prédio urbano pertença de EE e por um outro muro do quintal de prédio urbano dos autores; do lado poente até uma levada com prédio dos autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...10/... e inscrito na respectiva matriz predial no artigo ...92; do lado sul/nascente pelo prédio dos réus, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n.º ...84/... e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...36; e depois do lado nascente com a parte sobrante da Quinta ..., segue para sul, passa sobre o pontilhão do ribeiro do ... até aos lugares de ..., ... e outros.
- O leito do referido caminho, desde há mais de 50 e 100 anos, está afecto ao uso público que por ali transita a pé, com animais, veículos de tracção animal e tratores, sendo que todas as pessoas que pretendam ir dos lugares da Igreja ... e das ... para os lugares de ..., ... e outros, a pé ou com tractores, nele passam, bem como o acesso aos prédios rústicos e urbanos que confinam com o mencionado caminho sempre tem sido feito através do mesmo.
- Tal caminho é utilizado especialmente pelas pessoas que pretendam aceder a tais lugares e aos prédios que com este confinam, quer para fazerem o amanho de terras, utilizar os seus prédios urbanos e também para a prática de qualquer acto da vida corrente, mantendo-se o seu leito permanentemente afecto ao trânsito público, livre e desimpedido, posto que sempre esteve livre e desimpedido para todas as pessoas que por ele quisessem passar, ininterruptamente e sem oposição de ninguém, que desde sempre lá passaram sem oposição de ninguém, na convicção de que tal caminho pertencia ao domínio público e de que podia ser utilizado por todos, sem restrição.
- Sempre utilizaram o mencionado caminho sem terem de pedir qualquer licença ou autorização, convictos de que lhes assistia o direito de ali circularem livremente.
- Há mais de 30, 50 e mais anos que os autores, por si e seus antecessores, acediam ao seu prédio, a pé e com viaturas, a partir do referido caminho, através de 3 aberturas/entradas, uma localizada a sul de um depósito de água, outra sensivelmente a meio do prédio e uma outra junto à extrema do lado norte.
- O aludido caminho até ao ocorrido nos factos provados 18) e 19), foi utilizado por todas as pessoas que tinham necessidade e pretendiam por aí passar e o seu uso sempre esteve associado à satisfação das suas necessidades sociais, de lazer e da vida económica, o que sempre foi feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém, agindo na convicção de que tal caminho pertence ao domínio público e de que pode ser utilizado por todos, sem restrição.
– Existe um novo caminho, que se inicia e termina nos mesmos locais que o Caminho ..., de melhor serventia para o atravessamento do ribeiro e a passagem de pessoas e veículos, passando pelo lado nascente do prédio dos réus, que não implicou a vedação ao público do «Caminho ...».
Em face da factualidade provada entendemos ser de subscrever e secundar a argumentação explicitada na sentença recorrida no sentido de que:
- O caminho (denominado Caminho ...) existe (ou, melhor, existia até à sua destruição por banda dos réus);
- Desde há mais de 50 e 100 anos, portanto desde tempos imemoriais, “visto se perder na memória dos vivos o início do uso do caminho (o exemplo consumado foi a impossibilidade demonstrada por todos de afirmarem quem, quando ou porquê construiu o pontilhão que existe na estrema do Caminho ...)”.
- O Caminho ... está afecto ao uso directo e imediato pela generalidade das pessoas, sejam ou não moradores daquele local, sendo que nunca existiram cancelas, cercas, sinais de proibição de passagem ou oposição pública à passagem seja de quem for.
- O caminho serve um interesse público relevante, estando afetado à utilidade pública, pois possibilita o atravessamento do ribeiro do ... através do pontilhão aí construído, liga a margem norte (lugar ...) à ... (lugares de ..., ... e outros) daquele ribeiro, permitindo a ligação entre tais lugares e/ou povoações[36].
A existência do referido Caminho ... mostra-se, pois, efetivamente demonstrada nos termos supra explicitados, sendo de excluir a alegação de que o caminho era de mera servidão da Quinta ..., sendo utilizado apenas pelos proprietários, seus feitores e jornaleiros, para afrutar e desafrutar.
É de rejeitar também a argumentação de que existia apenas um carreiro pedonal a nascente do prédio dos RR., que – no dizer dos recorrentes –  desde data não concretamente apurada era utilizado pela população para acesso à escola e ao campo de futebol, carreiro esse que o antecessor dos AA. e RR. alargou, passando a permitir a passagem de veículos.
Mostrando-se provada a recente abertura de um caminho com a configuração e caraterísticas descritas nos itens 20 e 22 dos factos provados, o mesmo não sucede quanto à alegação de que esse caminho novo foi erigido no leito do anterior carreiro pedonal e que este era o único carreiro existente.
Admite-se que, por força da abertura deste novo caminho, dotado “de melhor serventia para o atravessamento do ribeiro e a passagem de pessoas e veículos” – posto possuir leito próprio, regularizado, com largura suficiente para nele circularem pessoas a pé, com animais e com veículos de tracção animal e mecânica, com toda a comodidade –, a efetiva utilização do caminho em litígio (Caminho ...) seja naturalmente bem menos intensa do que no passado,
Contudo, nessa situação, como bem ajuizou o Mm.º Juiz “a quo”, é “irrelevante o número efectivo de utilizadores do caminho, bastando o seu potencial uso público pela comunidade que nisso tenha interesse”.
Na verdade, como se decidiu no Ac. do STJ de 09/02/2012 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt. – em cuja fundamentação, nessa parte, a sentença se alicerçou –, o “grau e relevância do interesse colectivo satisfeito pelo caminho em causa não depende de um juízo quantitativo sobre o número efectivo de utilizadores, bastando-se com a existência objectiva de certo equipamento colectivo, de uso potencialmente público, pela generalidade da comunidade que, porventura, tenha interesse em a ele aceder - independentemente do número real de interessados que, em cada momento, dele efectivamente se utilize”.
Acresce que a situação demonstrada nos autos não conduz ao preenchimento da figura da desafectação tácita do domínio público: na verdade, esta implicaria que se tivesse demonstrado uma continuada e definitiva falta de utilização pelo público do caminho em causa – e não apenas uma sua utilização quantitativamente menos intensa que continua a existir.
É, pois, evidente que o caminho em litígio tem sido usado pelo público de modo directo e imediato e sem oposição desde tempos imemoriais, visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Com efeito, a factualidade apurada permite concluir ser, pelo menos, do interesse objectivo das populações de ... (...), de ..., ... e outros, a existência do Caminho .... O seu uso generalizado e comum pelas pessoas das mencionadas povoações assim o demonstra de forma suficiente para que se tenha por cumprido o ónus, que incumbe aos autores, de provar a sua afectação à utilidade pública.
Não a exclui a circunstância de ser de admitir que o caminho serve também para encurtar distâncias entre as referidas localidades, ligadas entre si pelo referido caminho. Essa circunstância não revela que deva ser considerado como tendo apenas essa utilidade de “comodidade” dos utilizadores. A sua utilização, como se demonstrou, visa fins colectivos de manifesta importância para os seus utilizadores, já que revela uma utilização associada à satisfação das necessidades sociais e da vida económica das pessoas dos locais servidos pelo dito caminho, bem como ao encurtamento da ligação entre as referidas povoações[37].
Também se não provou que se trate de um simples atravessadouro que se encontre abolido, atravessadouro esse que se destine apenas a fazer a ligação entre caminhos públicos, por prédios particulares, com vista ao encurtamento de distâncias, para maior comodidade dos utilizadores.
Tendo-se concluído que o caminho está afectado à utilidade pública, ou seja, à satisfação de relevantes interesses colectivos, é de rejeitar a sua classificação como atravessadouro (bem como se trate de um mero “atalho”, uma “alternativa pedonal”, um “carreiro pedonal”, um “caminho tosco”), sendo antes de qualificar como caminho público.
Termos em que, subscrevendo-se a conclusão da demonstração da dominialidade pública sobre o Caminho ..., é de confirmar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da apelação.
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3. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas da apelação serão da responsabilidade dos recorrentes (art. 527º do CPC).
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo dos Réus/recorrentes (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 24 de abril de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Alexandra Rolim Mendes (1ª adjunta)
António Figueiredo (2º adjunto)



[1] Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Alexandre Reis), in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. A. Lopes Cardoso in RT 86º-112 apud. Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Alexandre Reis), in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Antunes Varela, in RLJ, Ano 122º, 1989-1990, p. 219.
[5] Cfr. Documento de fls. 25 v.º e 26.
[6] Cfr. Documento de fls. 76.
[7] Cfr. Documento de fls. 74.
[8] Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se os pontos fácticos objeto de alteração nos termos supra explicitados. 
[9] Cfr. DR I-Série A, de 2/06/1989.
[10] Como se refere no Ac. do STJ de 28/05/2009 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt., este assento deparava-se com o problema de saber como qualificar um caminho que “desde tempos imemoriais” (ou seja, desde tempos já não alcançados pela memória das pessoas vivas, directa ou indirectamente, por tradição oral dos seus antecessores) é utilizado pelo público em geral, “em regra para atalhar ou encurtar determinados trajectos ou distâncias”: se como caminho público (integrado, portanto, no domínio público de uma pessoa colectiva de direito público, seja o Estado, seja uma autarquia), se como atravessadouro (e, portanto, integrado em propriedade particular).
[11] O objetivo do referido assento – revelado pela respetiva fundamentação – foi o esclarecer que, havendo um uso directo e imediato do caminho pelo público desde tempos imemoriais, não será necessária a apropriação, produção, administração ou jurisdição do caminho por pessoa colectiva de direito público para que este se possa considerar público.
Acrescentou-se à referida motivação ser esse entendimento o melhor adaptado às realidades da vida, por não raro ser impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, da aquisição ou da administração dos caminhos, e porque assim se obstava à apropriação por particulares de coisas públicas.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 19/11/02 (relator Garcia Marques), in www.dgsi.pt.
[13] Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 8/05/07 (relator Sebastião Póvoas) e de 26-05-2015 (relator Sebastião Póvoas); no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 283, e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 3ª ed., Principia, 2013, pp. 104/105.
[14] Cfr. Ac. do STJ de 18/09/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Ac. do STJ de 18/09/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Acs. do STJ de 13/01/2004 (relator Silva Salazar), de 14/02/2012 (relator Azevedo Ramos), e de 18/09/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Ac. do STJ de 18/09/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.; na doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, p. 283 (“a existência, portanto, de um documento que revele o início da posse não destrói, só por si, a sua natureza imemorial”) e Rui Pinto Duarte, obra citada, pp. 104/105.
[18] Cfr. M. Henrique Mesquita, em Revista de Legislação e de Jurisprudência, anos 134º e 135º, pp. 366 e ss. e 62 e ss., respectivamente), em anotação ao ac. do STJ de 15 de Junho de 2000.
[19] Cfr. entre outros, os Ac. do STJ de 10/11/1993 (relator Martins da Costa), in BMJ, n.º 431º, p. 300, de 15/06/2000 (relator Miranda Gusmão), de 13/01/2004 (relator Silva Salazar), de 29/09/2011 (relator Serra Baptista), de 14/02/2012 (relator Azevedo Ramos), de 9/02/2012 (relator Lopes do Rego) e de 18/09/2014 (relatora Prazeres Beleza), à excepção do primeiro todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[20] Considera-se, aliás, que a interpretação restritiva é a que se encontra subjacente à solução adoptada no assento ao referir expressamente que “quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente”.
[21] A interpretação restritiva do assento de 19-04-1989 pressupõe que tais caminhos atravessam propriedades privadas  [cfr. Ac. do STJ de 28/05/2013 (relator Silva Salazar), in www.dgsi.pt.].
E essa é a situação objeto dos autos, na medida em que a pretensão dos Autores tem como finalidade a defesa do que consideram ser um bem do domínio público – caminho público –, ao passo que os Réus reivindicam que o leito do dito caminho é sua propriedade, por fazer parte integrante do seu prédio urbano (arts. 6 a 8º da p.i. e art. 10º da contestação).
[22] Cfr. Acs. do STJ de 13/01/2004 (relator Silva Salazar), 10/12/2009 (relator Alves Velho) e de 22/06/2021 (relator Jorge Arcanjo), in www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Ac. do STJ de 10/12/2009 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Ac. do STJ de 28/05/2009 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt.; Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 337.
[25] Cfr. Ac. do STJ de 19/11/02 (relator Garcia Marques), in www.dgsi.pt.
[26] Cfr. Acs. do STJ de 13/01/2004 (relator Silva Salazar) e de 18/09/2014 (relatora Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
[27] Cfr. Ac. do STJ de 10/12/2009 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt. e Gabriela Páris Fernandes, obra citada, p. 337.
[28] Cfr. Acs. do STJ de 10/11/1993, in BMJ n.º 431º, p. 300 e de 10/12/2009 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt.
[29] Cfr. Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Alexandre Reis), in www.dgsi.pt.
[30] Cfr. Ac. do STJ de 15/06/2000 ((relator Miranda Gusmão), in www.dgsi.pt.; Gabriela Páris Fernandes, obra citada, p. 331.
[31] Cfr. Rui Pinto/Cláudia Trindade, anotação ao art. 1383º, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), Vol. II, 2017, Almedina, p. 199.
[32] A lei procedeu à revogação destes atravessadouros a não ser os que possam ser convertidos em servidão, precisamente pela afectação a um certo prédio. Os únicos atravessadouros que restam são aqueles que reúnem os requisitos do art. 1384º do CC. Devem ter posse imemorial, estar ao serviço directo e imediato do público e não existir via pública destinada ao aproveitamento da utilidade [cfr. Armando Triunfante, Lições de Direitos Reais, Almedina, 2019, p. 313 (nota 601)].
[33] Cfr. Gabriela Páris Fernandes, obra citada, p. 332.
[34] Cfr. obra citada, pp. 281/282.
[35] Cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, anos 134º e 135º, pp. 366 e ss. e 62 e ss., respectivamente), em anotação ao ac. do STJ de 15 de Junho de 2000; no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 15/06/2000 ((relator Miranda Gusmão), in www.dgsi.pt..
[36] Omite-se o facto (enunciado na sentença recorrida) de o referido caminho permitir a quem vem de sul do ribeiro ter passagem para os baldios de ... e para a igreja paroquial de ... visto essa facticidade não constar do elenco dos factos provados.
[37] Cfr., em sentido similar, Ac. do STJ de 2/03/2011 (Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.