PROCESSO DECLARATIVO
PROCESSO EXECUTIVO
RECURSO
OBJETO DO RECURSO
Sumário

I - O processo declarattivo, como a própria designação indica, destina-se a obter a declaração judicial de reconhecimento do direito invocado pelo autor para a situação concreta descrita na petição inicial; o processo executivo, dispensa essa declaração, por se basear num título, o qual permite a satisfação coactiva do direito do credor.
II - O nosso sistema judicial segue um modelo de reponderação, não sendo, por isso, admissível a apreciação de questões jurídicas que não foram discutidas na 1.ª instância, com excepção daquelas que forem de conhecimento oficioso.

Texto Integral

Processo n.º 3739/22.6T8MAI.P1


Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunto: Fernando Vilares Ferreira
Adjunto: Rui Moreira



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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA e BB, residentes na Avenida ..., ... Porto, intentaram a presente acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, ambos residentes na Rua ...., ... ... e EE, residente na Rua ...., ... ....

Pediram que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e os Réus CC e DD e, em consequência, serem condenados a pagar-lhes as rendas em dívida à data da propositura da ação, no montante de €8.000,00 (oito mil euros), e os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Os Réus, CC e DD, não contestaram.

A contestação da Ré, EE, foi considerada extemporânea por decisão transitada em julgado.


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No decurso dos autos apurou-se ter corrido termos uma outra acção, sob o n.º 4474/20.5T8MAI, intentada apenas contra os Réus CC e DD, na qual os Autores formularam os seguintes pedidos:

- ser declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os A. e os R. CC e DD e, em consequência:

- esses mesmos R. condenados à entrega imediata do arrendado livre de pessoas e coisas;

- e condenados a pagar aos Autores as rendas em dívida à data da propositura da acção, no montante de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros) bem assim como as que se vencerem posteriormente e até à data da entrega do arrendado.

Esta última acção extinguiu-se por transacção, homologada por sentença transitada em julgado, na qual as partes acordaram o que consta da certidão junta em 22-05-2023, e no essencial que:

- Os Réus entregariam o locado até 31-12-2021, autorizando a acção directa por parte dos Autores caso incumprissem essa entrega;

- Os Réus reconheceram que as rendas vencidas e vincendas até à entrega ascendiam a €12.000,00, que se comprometeram a pagar em prestações de €250,00;

- Os Autores reconheceram nada mais lhes ser devido pelos Réus na sequência do arrendamento.


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A excepção de caso julgado quanto aos Réus CC e DD foi julgada procedente, pelo que foram absolvidos da instância.

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Ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil o tribunal julgou confessados os factos articulados na petição inicial, e ordenou o cumprimento do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

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Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré, EE, a pagar aos AA. as rendas em dívida à data da propositura da ação, no montante de €10.950,00 e os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa legal.

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Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 29 de novembro de 2023 (ref.ª 453914778), através da qual o Tribunal a quo condenou a Ré ““(…) a pagar aos A. as rendas em dívida à data da propositura da ação, no montante de €10 950,00 e os juro vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa legal”.

2. A sentença recorrida padece de flagrante nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, n.º 1, al. b) em virtude da falta de especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão.

3. O Tribunal a quo, simplesmente, remeteu para os factos constantes na petição inicial impetrada pelos Autores, não tendo especificado aqueles que considerou provados e não provados.

4. Por conseguinte, a douta sentença proferida torna-se insindicável em si mesma.

5. Sem prescindir, a sentença é nula, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, n.º 1, al. e) visto que Tribunal a quo condenou a Ré em quantidade superior ao objeto do pedido.

6. Na petição inicial, os Autores formularam um pedido preciso, claro e concreto que se traduzia na condenação da Ré no pagamento de €8.000,00 (oito mil euros), acrescida de juros até integral e efetivo pagamento.

7. No entanto, na decisão recorrida, a Ré foi condenada ao pagamento da quantia que perfaz o montante de €10.950,00 (dez mil novecentos e cinquenta euros) a que acrescem juros até efetivo e integral pagamento. É, por isso, evidente que o Tribunal a quo proferiu uma sentença ultra petitum, violando, consequentemente, um dos princípios basilares do direito processual civil português – o princípio do dispositivo.

8. Acresce que, a nosso ver, os Autores pretendem ser ressarcidos coercivamente dos valores constantes no acordo, homologado por sentença, porquanto constitui título executivo, nos termos do artigo 703º, n.º1 do Código de Processo Civil.

9. A forma correta de o fazer é mediante a execução da transação homologada entre as partes e não a proposição de nova ação declarativa, como foi o caso.

10. É, assim, inequívoco que estamos diante erro na forma de processo, que consubstancia uma nulidade, consagrada no artigo 193º do Código de Processo Civil, pelo que nenhum ato, dos presentes autos, poderá ser aproveitado.

11. In casu, os Autores detêm dois títulos executivos, nomeadamente: a transação homologada por sentença, no montante de €12.000,00 (doze mil euros) e a sentença proferida pelo Tribunal a quo, no montante de €10.950,00 (dez mil novecentos e cinquenta euros).

12. Tendo em consideração que o valor das rendas, alegadamente, em dívida, à data da propositura da ação perfaz o montante de €8.000,00 (oito mil euros), os Autores ficam numa evidente situação de enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do artigo 473º do Código Civil.

13. Sem conceder, a Ré, na qualidade de fiadora, não tem legitimidade para figurar em juízo, o que consubstancia a exceção dilatória prevista no artigo 577º, al. e) do Código de Processo Civil.

14. Atento o contrato de arrendamento, a Ré, enquanto fiadora, garante, única e exclusivamente, o cumprimento de obrigações dos arrendatários, que derivam deste e de eventuais renovações.

15. A Ré não é garante do cumprimento das obrigações dos arrendatários que resultem de aditamentos ou transações, como se verifica no caso em apreço.

16. Pese embora possam subsistir dúvidas quanto à interpretação da declaração do fiador, é entendimento maioritário na doutrina e jurisprudência que deve ter-se em conta a interpretação mais favorável ao fiador.

17. Ora, a Ré desconhecia por completo tal acordo e, por esse motivo, não conseguia promover o cumprimento do acordado e evitar os prejuízos que daí adviessem. Ou seja, não pode ser responsabilizada pelo incumprimento de tal transação porque não ter tido conhecimento da mesma.

18. Em face do exposto, pugnamos que a transação homologada entre arrendatários e senhorios substitui a obrigação do pagamento das rendas, resultante do contrato de arrendamento celebrado, pela obrigação de pagamento de um novo crédito de montante bastante superior.

19. Estamos, pois, diante uma novação objetiva da obrigação, motivo pelo qual a fiança se deve considerar extinta, nos termos e para os efeitos do disposto no CC-857 e CC-861.

20. Por fim, no caso sub judice, a fiança foi prestada no âmbito de um contrato de arrendamento e decorre do disposto no artigo 1045º, n.º 5 e 6, que o senhorio deve notificar o fiador da mora e das quantias devidas pelos arrendatários, o que não sucedeu, por isso, não pode, no presente, o senhorio exigir o cumprimento da obrigação junto da fiadora.

21. Tal notificação consiste numa condição para o senhorio poder demandar o fiador ao cumprimento da obrigação afiançada.

22. Os Autores, enquanto senhorios, não comunicaram à Ré, na qualidade de fiadora, que os arrendatários não procederam ao pagamento das rendas e deixaram avolumar os montantes do crédito em dívida violando, por isso, as regras da boa-fé contratual a que estavam vinculados.

23. Por conseguinte, não podem, agora, vir, junto da Ré, reclamar o pagamento da quantia peticionada no montante de €8.000,00 (oito mil euros).


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II - Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se a sentença é nula, se ocorre erro na forma de processo e aferir da eventual ilegitimidade da Ré por já ter sido extinta a fiança em razão da novação objectiva da obrigação principal.


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Das Nulidades

Sustenta a Recorrente que a sentença é nula por dois motivos: não se encontra fundamentada factualmente porque se limitou a remeter para a petição inicial e proferiu uma condenação num valor monetário que excede o peticionado.

As causas de nulidade da sentença estão elencadas no artigo 615.º, n.º 1 nas alíneas a) a e) do C.P.Civil.

A sentença, após identificar as partes, o objecto do litígio e enunciar as questões que cumpre solucionar, expõe os fundamentos, ou seja, discrimina os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (cfr. n.ºs 2 a 4 do art. 607.º do C.P.Civil).

Como se sabe, a fundamentação da decisão permite aos destinatários a compreensão do sentido da decisão e a reapreciação da causa, em caso de recurso.[1]

É nula a sentença quando nomeadamente não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão—cfr. artigo 615.º, n.º 1, al.b) do C.P.Civil.

Tem sido entendido, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (falta de fundamentação) só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal.

Assim, a sentença que contenha uma deficiente, incompleta ou não convincente fundamentação[2] não enferma deste vício.

Trata-se, portanto, de um vício de natureza meramente formal (omissão total da discriminação dos factos e/ou das normas jurídicas aplicáveis) e não substancial.

Ora, no caso em apreciação não tendo sido apresentada contestação pela Ré, o tribunal deu cumprimento ao efeito da revelia consistente em declarar confessados os factos articulados pelo autor (cfr. art.º 567.º, n.º 1 do CPC).

E na sentença, remeteu-se, na parte da fundamentação factual, para os factos descritos na petição, que se deram por reproduzidos, o que é permitido pelo art.º 567.º, n.º 3 do CPC (preceito referido na sentença), pelo que inexiste a apontada nulidade.

Nesta matéria atinente aos vícios formais da sentença, a Recorrente referiu que a condenação ultrapassa o valor peticionado.

A sentença, no estrito respeito pelo dispositivo, não pode condenar em quantidade superior do que se pedir-cfr. art. 609.º, n.º 1 do C.P.Civil (limites da condenação).

Constituindo a pronúncia ultra petitum uma violação do princípio do dispositivo, a lei determina, em consequência, a nulidade da sentença-cfr. 615.º, n.º 1, al. e) do C.P.Civil.

Após a leitura da petição verifica-se um lapso de escrita manifesto porquanto, na parte final do articulado, os Autores concluem pedindo a condenação dos Réus no montante de €10.950,00 (12.000€ de rendas em dívida-1.050€ valor pago) e nos juros vencidos e vincendos mas na parte referente ao pedido enganam-se e pedem as rendas em dívida à data da propositura da ação, no montante de €8.000,00 acrescida dos juros vencidos e vincendos.

Portanto, apenas deve ser ordenada a rectificação desse lapso, o que se determina.

Pelo exposto, não se verifica qualquer vício formal susceptível de afectar a validade da sentença.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (transcrição da sentença)

“Único – Todos os factos constantes da petição inicial apresentada (que aqui se dão por integralmente reproduzidos – art.º 567.º, n.º3, do Código de Processo Civil).


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II.A.2. Dos Factos Não Provados:

Com relevo para a boa decisão da causa, não ficaram por demonstrar quaisquer fatos que constassem dos articulados apresentados pelas partes processuais ou que pudessem ser conhecidos oficiosamente pelo Tribunal.”


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O Tribunal deu como provados, com base na confissão da Ré, os seguintes factos da petição inicial:

1. No dia 1 de Janeiro de 2020 os Réus, CC e DD tomaram, por contrato de arrendamento, a fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente a uma habitação de tipo T2, o 4º andar esquerdo, com entrada pelo nº ...6 do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Praceta ..., da Freguesia ..., Concelho da Maia, prédio descrito sob o nº ...74 na Conservatória do Registo Predial da Maia e inscrito na matriz sob o artº ...81, tudo conforme doc. nº 1, já junto.

2. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo período de 2 anos, com início em 01.01.2020 e termo em 31.12.2021 e,

3. com uma renda anual de €7.200,00, pagável em duodécimos de €600,00, no primeiro dia útil do respectivo mês.

4. Sucede que, os Réus, CC e DD, não pagaram as rendas vencidas nos meses de Maio a Dezembro de 2020, rendas essas correspondentes aos meses de Maio a Dezembro de 2020, num montante total de €4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros).

5. Razão pela qual, os Autores intentaram ação contra os Réus, para entrega imediata do arrendado e condenação no pagamento das rendas em dívida, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo local cível da Maia, Juiz 2, Proc. 4474/20.8T8MAI.

6. Na pendência do processo foi alcançado acordo entre as partes, junto aos autos para homologação, conforme doc. nº 2.

7. Por via do acordo alcançado, os Réus comprometeram-se a entregar o imóvel até ao final do ano de 2021 e,

8. Reconheceram a título de rendas vencidas e vincendas até efetiva desocupação do locado, a quantia de €12.000,00 (doze mil euros),

9. Ficando estipulado o pagamento, a realizar pelos Réus, em prestações mensais e sucessivas no montante de €250,00 (duzentos e cinquenta euros),

10. Aceitando ainda os Autores, tendo em consideração o período de Pandemia Mundial que atravessávamos, que os Réus procedessem ao pagamento, apenas, desses €250,00 (duzentos e cinquenta euros), até ao final do contrato e efetiva entrega do locado (conforme ponto 7 do acordo)

11. A realizar em 48 prestações, mensais, iguais e sucessivas, de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), a primeira das quais a vencer no dia 28.03.2021 e assim sucessivamente.

12. Por fim, ficou acordado que a falta de pagamento de uma das prestações importaria o vencimento de todas.

13. Deste acordo, os Réus cumpriram com o pagamento, apenas, nos meses de março, abril e maio, num total de €750,00 (setecentos e cinquenta euros),

14. Depositaram na conta dos Autores €50,00 (cinquenta euros) no mês de julho e,

15. Após várias insistências da mandatária dos Autores, mais €250,00 (duzentos e cinquenta euros) no dia 10 de janeiro de 2022, com a entrega das chaves do locado, livre de pessoas e bens.

16. Assim, dos €12.000,00 (doze mil euros), devidos a título de rendas, calculadas em singelo e conforme o acordo junto como doc. nº 2, foram pagos, apenas, € 1.050,00 (mil e cinquenta euros).

17. Estando, por isso, em dívida, nesta data, a quantia de €10 950,00 (dez mil novecentos e cinquenta euros)

18. O montante em dívida diz respeito única e exclusivamente às rendas do locado, vencidas e não pagas,

19. Tendo assumido a Ré, no contrato de arrendamento, junto como doc. nº 1, EE, a responsabilidade solidária no pagamento, na qualidade de fiadora e conforme previsto na cláusula décima do contrato de arrendamento junto como doc. nº 1.


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IV - DIREITO

Estamos perante uma acção declarativa condenatória cuja pretensão essencial consiste na obtenção do pagamento das rendas em dívida, obrigação que a Recorrente, na qualidade de fiadora, assumiu expressamente no contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e os primeiros Réus.

Na anterior acção de despejo intentada apenas contra os arrendatários, o contrato de arrendamento foi resolvido por se terem obrigado, em transacção celebrada com os senhorios, a entregar o locado até ao final do ano de 2021; reconheceram que, a título de rendas vencidas e vincendas até efetiva desocupação do locado, deviam a quantia de €12.000,00, e comprometeram-se a pagar essa quantia em 48 prestações, mensais, iguais e sucessivas, de €250,00.

Este acordo não foi integralmente cumprido, perfazendo a dívida actual a quantia de €10.950,00, peticionada na presente acção, uma vez que entretanto foi paga a quantia de €1.050,00.

A Recorrente sustenta que se verifica erro na forma de processo uma vez que os Autores dispõem de “título executivo”, o qual, na sua opinião, consiste na sentença homologatória da transacção, não sendo admissível a proposição de nova ação declarativa.

Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3] “O conjunto de actos que os sujeitos devem praticar, bem como as formalidades de cada um deles, na propositura e desenvolvimento da acção, não obedecem a um modelo único.”

Sobre a distinção entre processo declaratório e executivo, referem que se usa “…o processo declaratório para obter a declaração judicial da solução concreta resultante da lei para a situação real trazida a juízo pelo requerente. (…) E emprega-se o processo executivo para dar realização material coactiva às decisões judiciais, às prescrições oficiais ou às estipulações negociais que, no plano do direito privado, dela necessitem.”

O erro na forma de processo está contemplado no artigo 193.º do C.P.Civil, fazendo parte da secção que contém a disciplina sobre as nulidades processuais.

A este respeito, o Acórdão desta Relação do Porto, de 03/08/2019[4], observou que “Enquanto nulidade possui um regime próprio consagrado no artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

Trata-se, portanto, em primeiro lugar de um vício sanável através da prática dos actos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os actos já praticados.”

Em primeiro lugar, cumpre notar que a Recorrente não foi demandada na anterior acção judicial que correu termos apenas contra os arrendatários.

Acresce que, mesmo que tivesse ficado vinculada ao acordo celebrado no âmbito daquela acção, os Autores não eram obrigados a mover um processo executivo, embora esta via coactiva fosse mais simples e célere pois dispensa a declaração judicial de reconhecimento do seu direito.

Assim sendo, conclui-se que não se verifica o invocado erro na forma do processo.

Invoca, em seu benefício, a excepção dilatória de ilegitimidade argumentando que, na qualidade de fiadora, garante, única e exclusivamente, o cumprimento de obrigações dos arrendatários, que derivam deste e de eventuais renovações e não de aditamentos ou transacções.

A legitimidade, sendo considerada um pressuposto processual, afere-se, do lado passivo, pelo interesse em contradizer que deriva do prejuízo da procedência da acção; o critério legal que o intérprete deve observar nesta matéria traduz-se em determinar os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (cfr. art. 30.º, n.º 1 a 3 do C.P.Civil).

Considerando que os Autores alegaram que a Ré se responsabilizou no contrato, como fiadora, pelo pagamento das obrigações assumidas pelos arrendatários, é manifesta a sua legitimidade, ou seja, tem todo o interesse em se defender, apesar de não o ter feito com a apresentação tempestiva da contestação.

As demais questões de natureza substantiva, aduzidas pela Recorrente, que não são de conhecimento oficioso, concretamente sobre a novação, consequente extinção da fiança, e enriquecimento sem causa, não podem ser conhecidas por este Tribunal ad quem por serem questões novas.
Nas palavras de Abrantes Geraldes[5], os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas; e seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, acrescenta que seguimos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância de recurso.

Dada a inadmissibilidade legal de apreciação das referidas questões, decide-se não conhecer das mesmas.

De qualquer modo, a latere, sempre se dirá que da simples leitura da transacção resulta que os arrendatários apenas reconheceram o montante em dívida das rendas até à data da entrega do locado, obrigação emergente do contrato de arrendamento primitivo, não se verificando, por isso, qualquer substituição ou novo acordo entre os Autores e os arrendatários.

Aqui chegados, impõe-se a confirmação da sentença e a consequente declaração de improcedência do recurso.


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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e consequentemente, confirmam a sentença.

Custas pela Recorrente.

Notifique.





Porto 19/3/2024.
Anabela Miranda
Fernando Vilares Ferreira
Rui Moreira
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[1] cfr. Freitas, José Lebre de, A Acção declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 332 e Varela, Antunes, ob. cit., pág. 689.
[2] cfr. Reis, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, Varela, Antunes, e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 687.
[3] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 67 e segs.
[4] Rel. Aristides Almeida, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 92.