RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

É adequada a compensação com a quantia de 20.000,00€ dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima de um acidente de viação, que tinha 81 anos, que vivia com autonomia, com alegria, que mantinha uma vida social activa, que conduzia, e que tudo isso viu alterado nos últimos 3 anos da sua vida, em razão das lesões que lhe advieram desse acidente, da dependência que, durante 8 meses, teve de terceira pessoa, e das limitações sociais que manteve.

Texto Integral

PROC. Nº 1103/19.3T8OVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 3


REL. N.º 848

Juiz Desembargador Rui Moreira
Juíza Desembargadora Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
Juiz Desembargador Ramos Lopes

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO

(Transcrição do relatório da sentença, por completo e esclarecedor)
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“AA, melhor identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação em processo comum contra A... SA, alegando em resumo que:
No dia 06 de Dezembro de 2017, o Autor sofreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo por ele conduzido e o veículo de matrícula ..-..-SG.
O acidente ocorreu por culpa da condutora do veículo SG.
Mercê do acidente, o autor sofreu diversas lesões e diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais.
Conclui pedindo a condenação da Ré no pagamento ao Autor:
- Da quantia de 49.945,00 €, acrescida de juros legais contados desde a citação até efectivo pagamento;
- Das importâncias relativas a liquidações, alterações e/ou ampliações dos pedidos que se justifiquem e venham a ter lugar acrescidas de juros à taxa legal desde a data das liquidações, alterações e/ou ampliações.
- Despesas, custos, encargos ou danos causados pelo acidente e dos quais o A. venha a ter conhecimento após a entrada desta acção em juízo.
Citada a Ré, esta apresentou contestação aceitando a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente e impugnando as suas consequências, no que se refere aos danos invocados pelo Autor.
Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente ou só parcialmente procedente com as consequências legais.
Dispensou-se a realização de audiência prévia, procedendo-se à elaboração de despacho saneador.
O Autor faleceu na pendência da acção sendo habilitados para com eles prosseguir a acção BB, CC, DD, EE e FF, todos filhos do falecido autor.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento.”
No seu termo, foi proferida sentença que concluiu pela exclusiva responsabilidade do condutor do veículo seguro na A..., em razão do que decidiu:
- Julgo parcialmente procedente por provada a presente acção condenando-se a A..., SA a pagar aos Habilitados BB, CC, DD, EE e FF, em representação do Autor:
- a quantia de 22.665,00 € (vinte e dois mil, seiscentos e sessenta e cinco euros) - soma das parcelas de 100,00 €, 965,00 €, 1600,00 € e 20.000,00 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, quantia acrescidas dos juros legais de 4% contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.”
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É desta sentença que vem interposto recurso, pela ré A..., que o terminou formulando as seguintes conclusões:
I- A compensação pelos danos morais sofridos pelo AA é exagerada
II- Perante a gravidade das lesões sofridas e o período de sobrevivência de, apenas, 3 anos após o acidente, considera a recorrente que a compensação pelo sofrimento, mais intenso no início e, progressivamente, menor, que o AA vivenciou desde a data do acidente até à sua morte, é adequada a verba de 8.500,00€
III- Como tal, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu aos habilitados a quantia de 20.000,00€, atribuindo-se antes a verba acima mencionada.
IV- E se se entender que aquela verba não é ajustada a compensar os danos ocorridos – o que apenas se admite por dever de ofício – sempre se imporia a redução do valor arbitrado, o que, subsidiariamente, se pede.
V- Tendo em atenção, por um lado, que o AA não esteve 8 meses completos na casa da sua filha, que parte da quantia que lhe entregou se destinou a suportar despesas que sempre teria, mesmo que ficasse em sua casa, e que a necessidade de apoio foi diminuindo ao longo desse período de 8 meses, entende a Ré que, em equidade, se deveria ter fixado esta indemnização tendo por base um custo mensal de não mais de 100€ como contrapartida ajustada e exclusiva para assegurar o auxílio de terceiros ao AA, no período subsequente à alta hospitalar até à consolidação das lesões.
VI- E, assim, entende a Ré que, em equidade, a indemnização pelo custo inerente à necessidade de apoio de terceira pessoa deve ser fixada em não mais de 800,00€
VII- Como tal, deve ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu aos habilitados a quantia de 1.600€, atribuindo-se antes a verba acima mencionada
VIII- E se se entender que aquela verba não é ajustada a compensar os danos ocorridos – o que apenas se admite por dever de ofício – sempre se imporia a redução do valor arbitrado, o que, subsidiariamente, se pede.
IX- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496.º e 566.º do Cod Civil
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar JUSTIÇA
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Foi oferecida resposta ao recurso, pelos sucessores habilitados do autor, que concluíram pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, atentas as conclusões acima reproduzidas, importa decidir da quantificação das indemnizações pelos danos morais sofridos pela vítima AA, bem como pelo dano patrimonial
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Importa, antes de mais, ter presente a matéria de facto dada por provada pelo tribunal, que não é alvo de qualquer impugnação.
Factos Provados
1- No dia 06 de Dezembro de 2017, pelas 19:20h, na freguesia ..., concelho de Ovar, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:
- O ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-SG, marca VW, propriedade de GG, e que no momento era conduzido por HH, com conhecimento e consentimento da proprietária;
- O ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-DF, marca Renault, modelo ..., conduzido pelo seu proprietário, o autor AA.
2 - Os riscos de circulação do veículo ..-..-SG estavam transferidos para a ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...73.
3 - O acidente deu-se na interseção entre as Ruas ..., da Travessa da Estrada ... e da ....
4 – Na Rua ... existia um sinal vertical de STOP imediatamente antes desta entroncar com a Rua ...,
5 - A Rua ... desenhava–se em reta e tinha duas vias, uma destinada aos veículos circulantes no sentido SUL/Norte e outra aos circulantes no sentido inverso, NORTE/Sul.
6 - O seu pavimento betuminoso era regular e estava em razoável estado de conservação.
7- Havia boa iluminação, não chovia, não havia nevoeiro, nem qualquer obstáculo que dificultasse, ou sequer condicionasse, a livre, fluída e segura circulação de trânsito.
8 - Nas supra designadas circunstâncias de tempo e lugar, o Autor conduzia o Clio pela Rua ..., no sentido SUL/Norte, ocupando o lado direito da via, que, nesse sentido, lhe estava reservada.
9 - Fazia-o de forma atenta e a velocidade inferior a 40km/h.
10 – Por sua vez, o condutor do VW conduzia-o pela Rua ..., sentido OESTE/Este, à velocidade de cerca de 30km/h.
11 - Chegado à intersecção da Rua ... com a Rua ..., sem parar e sem ceder a passagem ao Clio, passou a circular na Rua ..., com o intuito de a atravessar e passar a circular na Travessa da Estrada ....
12 - Na execução de tal desígnio entrou na Rua ..., transpôs o eixo da sua faixa de rodagem prosseguindo a sua circulação na via reservada aos veículos circulantes no sentido SUL/Norte, na qual, o Clio, àquela hora, circulava, tolhendo-lhe a progressão e tornando inevitável o embate que ocorreu a meio da via que ao Clio estava reservada.
13 - A Colisão efetivou-se entre a lateral direita do VW e a lateral esquerda e frente do Clio.
14 - Ocorrido o embate, o Clio foi projetado para a sua direita imobilizando-se ambos os veículos.
15 - Como causa direta, necessária e exclusiva do embate, o autor sofreu várias lesões, das quais se destacam:
- Traumatismo torácico;
- Fratura cervical;
- Hematomas e escoriações espalhadas por diversas partes do corpo,
16 - Por força de tais traumatismos, foi assistido no local do acidente por equipa dos Bombeiros Voluntários de Ovar, que lhe prestou os primeiros socorros.
17 - Após estabilização, foi transportado ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E. - Hospital São Sebastião,
18 - Foi sujeito a intervenção de manipulação da coluna cervical com provas dinâmicas em 12.12.2017.
19 - Permaneceu internado até 14.12.2017.
20 - Após a alta hospitalar, passou a ser tratado em Consulta Externa/Ambulatório do Serviço de Ortopedia do Hospital São Sebastião
21 - A partir de 22.02.2018, a mando, orientação e expensas da ré “B...”, passou a ser tratado na Casa de Saúde ..., onde se submeteu a diversas consultas e exames.
22 - Os serviços clínicos da ré seguradora atribuíram alta clínica a 06.08.2018, apresentando como sequelas dor e rigidez cervical.
23 - Mercê do acidente, o autor padeceu de Défice Funcional Temporário Total no período compreendido entre 06.12.2017 e 14.12.2017.
24 - Quanto ao Défice Funcional Temporário Parcial, ocorreu no período compreendido entre 15.12.2017 e 06.08.2018, isto é, 235 dias.
25 - O quantum doloris foi fixado no grau 4 em numa escala crescente de sete pontos, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efectuados.
26- O autor ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 6 pontos percentuais.
27 - O autor nasceu a ../../1936 e faleceu, na pendência da acção, a 19 de Novembro de 2020.
28 - Antes do acidente, o autor sofria de hipertensão arterial, dislipidemia, hiperuricemia, lombalgias, artrose da anca direita, diabetes, insuficiência cardíaca, fibrilação auricular, doença pulmonar obstrutiva crónica, tendo sido já internado por pneumonia bacteriana e por enfarte agudo do miocárdio (internamento em cuidados intensivos.
29 – Apesar disse era um homem, alegre, bem-disposto, com entusiasmo de viver, sendo que os problemas enunciados em 29 não eram impeditivos de levar por diante os atos e gestos da vida diária, nomeadamente os referidos no ponto 30 dos factos provados.
30- Complementava a sua subsistência com o cultivo de um quintal/ horta onde tinha diversos produtos hortícolas, tratando as árvores de fruto que aí existiam e criando aves e coelhos para consumo próprio e dos filhos.
31 - A actividade supra descrita constituía também uma ocupação com efeitos benéficos especialmente ao nível da mobilidade e da sanidade mental.
32 - Dispunha de um círculo de amigos com os quais, habitualmente passava momentos de lazer, reunindo–se num café.
33 - Às quintas-feiras e sábados, em dias de feira, gostava de ir a Ovar, passear e encontrar - se com antigos colegas de trabalho.
34 - O autor era viúvo, vivendo sozinho, sendo ele quem tratava das tarefas da lide doméstica, cuidando da limpeza e asseio da casa, confecionando refeições, tratando das suas roupas, das idas ao mercado e de tudo o mais inerente à execução da mesma.
35 - Tinha boa relação com todos os seus familiares, especialmente, com os seus cinco filhos, AA, DD, EE, FF e BB, os seus treze netos e os seus cinco bisnetos.
36 - Era o autor quem, todos os dias levava a sua neta, filha mais nova da BB, ao infantário.
37 - Durante a permanência no hospital, sofreu intensas dores e grande mal-estar.
38 - Viveu sentimentos de grande ansiedade, exacerbados, designadamente, pela manutenção do colar cervical, pela intervenção de manipulação com provas dinâmicas, pelos tratamentos a que se submeteu, pela incerteza na recuperação e pelas insuportáveis e persistentes dores.
39 - Após lhe ser atribuída alta hospitalar, necessitou de auxílio de terceira pessoa para, designadamente, se levantar, deitar, sentar, fazer as necessidades fisiológicas, higienizar-se, medicar-se, confecionar as refeições, tomá-las e empreender todos os atos da vida diária imprescindíveis à sua sobrevivência.
40 - Tais limitações obrigaram-no a deixar a sua casa, constrangendo-o a ir viver para casa da sua filha BB.
41 - Esta necessidade de ajuda de terceira pessoa manteve-se, durante alguns meses, com particular intensidade no primeiro mês após o acidente
42 - Após o 1º mês, o autor começou a retomar, parcialmente e progressivamente, o exercício das tarefas e atos da vida diária, ainda que continuando a padecer de dores, limitações e constrangimentos, que se prolongaram até à sua morte.
43 - Continuou a sofrer de dores especialmente no pescoço e necessitou de tomar analgésicos e anti-inflamatórios, ocasionalmente, até ao fim da sua vida.
44 - Foi a sua filha BB quem, assumiu a ajuda de que seu pai carecia suprindo-lhe todas as carências inerentes às suas múltiplas necessidades.
45 - Concomitantemente, o autor andou, pelo menos até Março de 2018, com um colar cervical, que lhe imobilizava o pescoço, permanecendo meses sem poder usufruir de um sono repousante.
46 - Esteve quase sempre confinado ao domicílio durante a convalescença, facto causador de grande sofrimento e angústia.
47 - Perdeu força e agilidade.
48 - Perdeu a alegria e boa disposição e sofreu um grave abalo na sua autoconfiança.
49 - Tais atitudes eram concretizadas em absurdas afirmações, tais como: "Sou um estorvo”, "Não ando aqui a fazer nada” e "Só vos estou aqui a dar trabalho".
50 - Passou a sair, raramente, tendo deixado, quase por completo, de levar por diante a vida social que antes fazia, interrompendo, designadamente, as idas ao café e as idas a Ovar, nos dias de feira (quintas-feiras e sábados).
51 - Deixou de conduzir por medo, que interiorizou,
52 - Com a ocorrência do embate ficou perdia a roupa que trazia vestida, nomeadamente, um par de calças, uma camisa, uma camisola, um par de sapatos, um casaco, num total de cerca de 100 €
53 - Com os produtos que cultivava e com os animais que criava o Autor obtinha um rendimento mensal de cerca de 100 €, traduzido nos produtos que ele e os filhos deixavam de comprar, graças aos bens oferecidos pelo Autor.
54 - O Autor passou a compensar sua filha BB com a quantia de €200,00/mês - comparticipação das despesas inerentes à estadia envolvendo os gastos inerentes aos pagamentos dos fornecimentos de água, gás, eletricidade, à alimentação, aos cuidados com as roupas, à limpeza dos aposentos, ao transporte do Autor, designadamente, à igreja, ao médico, à farmácia, a casa de familiares e a outros locais onde a sua presença seja imprescindível, como sejam o exercício do dever eleitoral.
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Pretende a apelante, a redução da indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.
A este propósito, o tribunal considerou que o autor passou a sofrer limitações na sua vida diária e social, que sofreu dores fixáveis no grau 4 numa escala de 7; que foi sujeito a diversos tratamentos, que esteve totalmente limitado na sua mobilidade durante 8 dias e parcialmente durante 235 dias. Mais se provou que o acidente e as lesões dele resultantes tiveram impacto negativo na sua personalidade, tornando-o um homem triste, abatido e desmotivado, passando a ter receio de conduzir.
Para a compensação destes danos, perante o pedido de atribuição de 34.000,00€, o tribunal entendeu ser adequada a quantia de 20.000,00€. A apelante defende que a quantia em questão não deve ultrapassar 8.500,00€, considerando os seguintes factores:
- o internamento durou 8 dias;
- a consolidação médico legal das suas lesões em ocorreu 8 meses depois do acidente;
- necessitou, durante alguns meses, de apoio de terceiros, sobretudo no primeiro mês;
- o quantum doloris atribuível é de 4 numa escada de 1 a 7;
- não se ter provado que o autor tenha deixado, definitivamente, de se poder dedicar à exploração agrícola e criação de coelhos e galinhas, por causa do acidente;
- alguma jurisprudência que cita, com fixação de valores inferiores.
Sem prejuízo da realidade destes dados, importa ainda ter presente que
- o autor, nasceu a ../../1936 e faleceu, na pendência da acção, a 19 de Novembro de 2020, ou seja, com 84 anos. O acidente ocorreu quando tinha 81.
- a culpa do acidente foi exclusivamente do segurado da ré.
- -o autor sofreu traumatismo torácico, fratura cervical, hematomas e escoriações espalhadas por diversas partes do corpo, foi assistido no local do acidente; após estabilização, foi transportado ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E. - Hospital São Sebastião, foi sujeito a intervenção de manipulação da coluna cervical com provas dinâmicas em 12.12.2017, permaneceu internado 8 dias; continuou tratamentos e frequentou mais consultas e exames até à data da alta, 8 meses depois.
- Apesar de diversas patologias acima descritas era alegre, bem-disposto, com entusiasmo de viver, cultivava um quintal/ horta onde tinha diversos produtos hortícolas, tratando as árvores de fruto que aí existiam e criando aves e coelhos para consumo próprio e dos filhos, passeava, mantinha encontros com amigos e vivia sozinho, com plena autonomia, cuidando da limpeza e asseio da casa, confecionando refeições.
Atenta a descrição das circunstâncias da vida do autor, é bem perceptível não apenas o quadro de sacrífico e sofrimento adveniente das suas lesões e tratamento – que não tendo exigido cirurgias, exigiu 8 dias de internamento e comportou um período de doença de 8 meses, com “intensas dores e grande mal-estar… grande ansiedade [por] manutenção do colar cervical, pela intervenção de manipulação com provas dinâmicas, pelos tratamentos a que se submeteu, pela incerteza na recuperação e pelas insuportáveis e persistentes dores – mas também a alteração negativa daquelas circunstâncias, maxime a perda de qualidade de vida inerente à necessidade de auxílio de terceira pessoa para viver. Com efeito, depois da alta hospitalar e durante alguns meses, necessitou de auxílio de terceira pessoa para se levantar, deitar, sentar, fazer as necessidades fisiológicas, higienizar-se, medicar-se, confecionar as refeições, tomá-las e empreender todos os atos da vida diária imprescindíveis à sua sobrevivência. Por isso, teve de sair de sua casa e ir viver para casa da sua filha BB. São impressivos os factos provados sob os itens 45 a 51, quanto à caracterização da radical mudança das condições de vida do autor.
Acresce que, contrariamente ao argumentado pela apelante, a circunstância de o autor só ter vivido mais 3 anos, o que evitou o prolongamento de tais circunstâncias negativas perturbadoras da sua vida, só intensifica a gravidade do dano, na medida em que se conclui que ele, nesses últimos anos da sua vida, em que prosseguia uma existência prazeirosa, autónoma e agradável, se viu de tudo isso privado.
Não se discute que a gravidade dos danos identificados justifica a tutela do direito, conforme prevê o art. 496º do C. Civil.
Nos termos do nº 4 da mesma norma, o montante destinado à compensação de tais danos deve ser fixado segundo um juízo de equidade, na impossibilidade de se encontrar um critério de diferença patrimonial aplicável.
É uso dizer-se, a este propósito, que equidade não pode coincidir com arbitrariedade. Por isso, para prevenir um tal risco, sempre se impõe a análise da jurisprudência que tenha tratado de situações congéneres. Daí a pertinência da citação de diferentes acórdãos concretizada pela apelante, no seu recurso.
Em qualquer caso, não se pode prescindir das especificidades de cada situação, de cada vítima, da sua especial sensibilidade aos efeitos do acto gerador da responsabilidade.
Têm-se presentes as decisões mais actuais deste TRP, como é o caso do ac. de 27/11/23, no proc. nº 8689/20.8T8VNG.P1; de 5/6/2023, no proc. nº 21094/21.0T8PRT.P1; de 22/5/2023, no proc. nº 19350/19.6T8PRT.P1; de 8/5/2023, no proc. nº 3323/20.9T8VNG.P1; de 17/4/2023, no proc. nº 1974/21.3T8PNF.P1; de 27/3/2023, no proc. nº 23119/16.1T8PRT.P1, além de outros, todos constantes da base de dados da dgsi.
Ponderando as diferenças de todas as situações analisadas, bem como as especificidades da questão sub judice,, impregnada, como se referiu, pela circunstância de o sinistrado ter ficado privado da vida que levava nos últimos anos da sua vida, a par da clara orientação jurisprudencial sobre a necessidade de uma compensação não miserabilista deste tipo de danos, o que se tem de concluir é que o montante arbitrado pelo tribunal recorrido é justo e equilibrado não justificando qualquer intervenção correctiva.
Restará referir que nenhuma validade se reconhece ao argumento do apelante nos termos do qual a indemnização nem será fruída pela vítima, mas pelos seus herdeiros. Com efeito, o que se trata é de compensa os danos sofridos por AA, enquanto os sofreu.
Improcederá, por isso, a apelação nesta parte.
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Igualmente irrelevante, quanto à segunda questão a resolver – a do valor da indemnização pelo dano representado pelo custo da assistência prestada por terceira pessoa – é a chamada de atenção da apelante para o facto de o autor não ter carecido dessa assistência durante 8 meses, pois que nos primeiros oito este internado. Por isso, conclui, a assistência só haveria de ser ponderada para 7 meses e 22 dias. Com efeito, num período de oito meses, e considerando que o que está em causa é uma quantia de 200,00€ por mês, cumpre afirmar ser insignificante e não merecer apreciação a referência a um período de oito dias.
Em qualquer caso, sobre tal dano constituído pelo custo da retribuição de uma pessoa de cuja ajuda necessitou a vítima, decidiu o tribunal que tal ajuda só se justifica durante o tempo em que durou a doença do autor, isto é, cerca de 8 meses. Essa ajuda está perfeitamente justificada:
após ser atribuída alta hospitalar, o autor necessitou de ajuda para, designadamente, se levantar, deitar, sentar, fazer as necessidades fisiológicas, higienizar-se, medicar-se, confecionar as refeições, tomá-las e empreender todos os atos da vida diária imprescindíveis à sua sobrevivência. A ajuda foi prestada pela filha BB, passando a residir em casa desta, e manteve-se, durante alguns meses, com particular intensidade no primeiro mês após o acidente, sendo que após o 1º mês, o autor começou a retomar, parcialmente e progressivamente, o exercício das tarefas e atos da vida diária, ainda que continuando a padecer de dores, limitações e constrangimentos, que se prolongaram até à sua morte. Mais se provou que, como contrapartida, o autor passou a compensar sua filha BB com a quantia de €200,00/mês - comparticipação das despesas inerentes à estadia envolvendo os gastos inerentes aos pagamentos dos fornecimentos de água, gás, eletricidade, à alimentação, aos cuidados com as roupas, à limpeza dos aposentos, ao transporte do Autor, designadamente, à igreja, ao médico, à farmácia, a casa de familiares e a outros locais onde a sua presença seja imprescindível, como sejam o exercício do dever eleitoral.
Entendeu o tribunal a quo que a ajuda de terceira pessoa se justificou durante todo o período de convalescença do autor, num total de 8 meses (descartando-se, por completa irrelevância, um período de oito dias de internamento, logo após o acidente), tendo sido ao longo desse período que o autor compensou a filha com a quantia de 200,00€.
Sendo certo que não resultou expressamente provado que o autor pagou 200,00€ durante oito meses, concluiu-o o tribunal a partir das premissas nos termos das quais o autor se manteve a sofrer com as lesões que lhe advieram do acidente durante um tal período, pelo que foi ao longo dele que careceu da ajuda da filha, retribuindo-a com a referida quantia.
Entendemos não se justificar qualquer crítica a este iter decisório, para que se conclua que, durante tal período, por exemplo, o autor viu diminuídos os próprios gastos em alimentação, electricidade, água e gás, pelo que não suportou aquele custo como acréscimo aos outros custos que tinha. Nada, nos factos provados, permite fazer essa operação, para limitar a metade esse custo. De resto, neste caso, a fixação da indemnização não se funda num juízo de equidade, como afirma a apelante para justificar a sua tese.
Inexiste, por isso, justificação para que se altere a decisão também nesta parte.
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Por todo o exposto, cumpre concluir pela improcedência da apelação, na confirmação integral da decisão recorrida.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso, com o que confirmam integralmente a decisão recorrida,

Custas pela apelante.

Registe e notifique.
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Porto, 19 de Março de 2024
Rui Moreira
Maria da Luz Seabra
João Ramos Lopes