CRIME DE CONDUÇÃO SEM CARTA
VEÍCULO COM MOTOR AVARIADO
AUSÊNCIA DE TIPICIDADE
Sumário

I – Para efeitos de subsunção de uma conduta à tipicidade objetiva prevista no artigo 3º do DL 2/98, de 3 de janeiro, importa apreciar e provar se, tendo o veículo motor, este está ou não em condições de funcionar.
II – Tendo o veículo motor, e este estiver desligado, porque o seu condutor o não ligou, a condução do veículo na via pública sem a necessária carta de condução, constitui crime, subsumindo-se tal conduta à norma do artigo 3º do DL 2/98 de 3 de janeiro, pois o agente do crime tem o domínio e a direção do veículo, podendo dispor livremente do seu motor sempre que o entenda.
III - Contudo, tendo o veículo motor, e não estando este em condições de funcionar, por avaria, haverá sempre que considerar, para efeitos de tipificação e subsunção legal, que o veículo não está servido de motor, ou seja, e no caso, será um veículo sem motor.

Texto Integral

Processo nº 439/23.3PTPRT.P1

Acordam em Conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1 Relatório
Nos autos nº 439/23.3PTPRT.P1 que correram os seus termos na Comarca do Porto, Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto, Juiz 1. foi proferida sentença que decidiu:
a) Condenar o arguido AA pela prática, como reincidente, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Não conformado, veio o arguido interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
A
1.ª questão do recurso: Pese embora o arguido não tenha sido acusado a esse título, no dispositivo da sentença ficou a constar, cremos que por mero lapso, a condenação dele “como reincidente”, lapso esse cuja eliminação importa modificação essencial, pelo que poderá estar inviabilizada a sua correcção ao abrigo do artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
B.
Como tal, invoca-se por cautela o vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, na medida em que a sentença não contém factos provados que permitam integrar os pressupostos da reincidência, razão pela qual o tribunal a quo, ao punir o arguido como reincidente, violou o artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, e incorreu no apontado vício.
C.
2.ª questão do recurso:
Em termos de descrição objectiva, da acusação constava somente o facto que agora está no ponto 1 dos factos provados, tendo o do ponto 2 resultado da discussão da causa, designadamente da versão complementar e explicativa que o arguido apresentou.
D.
Todavia, o arguido declarou algo mais do que aquilo que ficou no ponto 2, a saber:
a) O veículo em que seguia avariou-se na auto-estrada n.º ..., sentido ...-...;
b) Quem estava a conduzir o veículo imediatamente antes da avaria era a sua companheira;
c) Na sequência da avaria a sua companheira entrou em pânico e começou a chorar;
d) Por isso, o arguido decidiu entrar no lugar do condutor, fazendo descair o veículo em marcha-atrás para o colocar numa posição mais segura.
E.
Apesar de tais factos terem sido considerados na motivação e, alguns, na escolha da pena (págs. 8 e 14), impunha-se também, salvo melhor opinião, uma pronúncia expressa sobre eles no local próprio para o efeito – isto é, na enumeração dos factos provados e não provados.
F.
Por um lado, porque tais factos interessam para a caracterização da conduta do arguido, suprimindo a indefinição que sobressai dos pontos 1 e 2 – ele já vinha a conduzir na auto-estrada com a viatura ligada, ou a sua condução foi só na berma e com a viatura desligada? E qual a razão de conduzir com a viatura desligada? –, por outro porque são relevantes, no mínimo, para avaliação do grau de ilicitude do facto e do modo de execução deste, bem como para apuramento dos sentimentos manifestados no cometimento do crime e dos fins e motivos que o determinaram.
G.
Em suma, resulta do texto da decisão que o tribunal deixou de se pronunciar sobre os factos resultantes da discussão da causa descritos na conclusão D, enumerando-os como provados ou não provados, pelo que violou os artigos 374.º, n.º 2, 339.º, n.º 4, e 369.º do Código de Processo Penal, incorrendo ainda no vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), deste diploma.
H.
Assim, deve ser declarada a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e determinados os seus efeitos legais, sendo que admitindo entendimento diverso quanto à qualificação do vício originado pela omissão de pronúncia em causa argui-se subsidiariamente, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a nulidade das alíneas a) e c) do seu n.º 1.
I.
3.ª questão do recurso: Apesar de na audiência de 29 de Setembro de 2023 terem sido ouvidas duas testemunhas arroladas pelo arguido em sua defesa – BB e CC –, na motivação da douta sentença recorrida nenhuma referência foi feita aos seus depoimentos.
J.
É possível que o tribunal a quo os tenha considerado irrelevantes ou incredíveis, mas se assim foi, com todo o respeito, deveria tê-lo expressado na sentença, explicando os motivos da irrelevância ou incredibilidade, pois ao não fazê-lo incumpriu o dever de fundamentação das decisões judiciais, conforme propugnado pela doutrina e jurisprudência citadas nos pontos 24 e 25 da motivação. K.
Pelo exposto, ao omitir na fundamentação qualquer referência aos depoimentos das duas testemunhas de defesa ouvidas em audiência, acima identificadas na conclusão I, o tribunal a quo violou os artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição, e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
L.
Destarte, a douta sentença recorrida é nula por falta de fundamentação nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal – o que aqui se vem arguir, ao abrigo do n.º 2 deste artigo, requerendo-se a declaração de tal nulidade e a consequente remessa do processo ao tribunal a quo para que proceda à elaboração de nova sentença contendo a apontada menção em falta, isto é, a indicação e o exame crítico dos depoimentos das testemunhas de defesa acima indicadas.
M.
Prevenindo interpretação e decisão diversas quanto à questão ora suscitada, por mera cautela invoca-se que é inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de não impor que o tribunal tenha de se pronunciar sempre na sentença sobre todas as provas produzidas ou examinadas em audiência, designadamente sobre os depoimentos aí prestados por testemunhas de defesa, expressando e explicando os motivos de uma eventual irrelevância dessas provas para a formação da sua convicção.
N.
4.ª questão do recurso: A título subsidiário das questões anteriores, ao abrigo do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o recorrente impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre matéria de facto, sendo que considera incorrectamente julgados os factos provados 7, 24, 26, 30 e 31.
O.
O ponto 7 contém um juízo genérico e meramente conclusivo – que o tribunal, aliás, acabou por valorar contra o arguido (pág. 14, § 6) –, pelo que deve considerar-se não escrito e excluído da factualidade provada, pois a aceitação de imputações genéricas constitui a negação do princípio do acusatório e do direito de defesa.
P.
O segmento do ponto 24 que refere que “O arguido não cumpre os horários de saída e entrada na habitação” é conclusivo e inviabiliza qualquer possibilidade de defesa, devendo considerar-se não escrito e excluído do elenco dos factos provados.
Q.
A parte em que no mesmo ponto 24 se imputa ao arguido o incumprimento dos horários de saída e entrada na habitação “no dia 13-09-2023, data dos factos que originaram o presente processo”, constitui uma imputação insuficiente porque não se menciona sequer a que horas é que nesse dia ele saiu de casa, e a que horas depois entrou, para que se possa aquilatar se efectivamente incumpriu, e em que medida (5 minutos? 1 hora?), aqueles horários.
R.
Sem prescindir, sempre se dirá ainda que nessa parte o ponto 24 foi incorrectamente dado como provado, impondo decisão diversa as seguintes provas concretas:
a) No auto de notícia de fls. 1 consta que o arguido foi interceptado às 08:40 – dentro, portanto, do horário de autorização para aquele dia 13 de Setembro (07:00-11:00);
b) Do auto de libertação com a referência Citius n.º 451616735 resulta que o arguido foi libertado às 11:55 do dia 13 de Setembro, pelo que o incumprimento do horário de entrada na habitação deve-se à sua detenção e foi involuntário.
S.
Destarte, deve ser modificada a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto do ponto 24, devendo o mesmo passar a ter a redacção sugerida no ponto 39 da motivação deste recurso.
T.
O ponto 26 consubstancia mais uma imputação genérica na medida em que, relativamente aos dias em causa, não menciona nem os horários previamente acordados, nem a que horas é que o arguido saiu de casa, e a que horas depois entrou.
U.
Ora, não estando devidamente concretizados os alegados incumprimentos imputados ao arguido, mediante a indicação dos horários acordados e dos horários praticados, fica prejudicado o seu direito de defesa, bem como a possibilidade de se avaliar se ele efectivamente incumpriu, e em que medida (5 minutos? 1 hora?), os horários a que estava vinculado nos dias recenseados no ponto 26.
V.
Assim, a matéria do ponto 26 – que foi aliás decisiva para afastar a aplicação do regime de permanência na habitação (pág. 17, § 3) –, por ter natureza conclusiva, genérica e violadora do direito de defesa do arguido, deve considerar-se não escrita e excluída da factualidade provada.
W.
Quanto ao ponto 30, que está obviamente dependente da prova de factos concretos de incumprimento por parte do arguido dos deveres decorrentes do regime de permanência na habitação, a serem procedentes os acima efectuados pedidos de modificação e exclusão dos pontos 24 e 26 dos factos provados, apenas ficará provado um único incumprimento concreto – o dos pontos 27 a 29 –, pelo que evidentemente o juízo conclusivo, generalista e plural do ponto 30 fica sem qualquer suporte fáctico e deve, por isso, ser também excluído dos factos provados.
X.
No ponto 31 o tribunal a quo limitou-se a reproduzir, acriticamente e sem mais, um juízo de valor constante do relatório social, que depois valorou contra o arguido na fixação da pena (pág. 14, § 6).
Y.
Conforme flui da definição constante do artigo 1.º, alínea g), do Código de Processo Penal, e conforme alguma jurisprudência, designadamente a que se referenciou nos pontos 50 e 52 da motivação deste recurso, tem entendido, é incompatível com a função de um relatório social a formulação de juízos de valor como o que ficou no ponto 31.
Z.
Ora, não podendo o relatório social extravasar a sua função, fornecendo juízos de valor característicos da prova pericial, e como o ponto 31 resultou provado exclusivamente com base nesse meio probatório (pág. 9, § 2), há insuficiência de prova quanto à matéria dele constante, impondo-se por isso decisão diversa da recorrida através da remessa do mesmo para o elenco dos factos não provados.
AA.
5.ª questão do recurso: Ao contrário do tribunal a quo, e com todo o respeito, entendemos que estão preenchidos os pressupostos para que a pena de 10 meses de prisão aplicada ao recorrente possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
BB.
Desde logo, tal pena não é superior a dois anos, pelo que se mostra verificado o pressuposto formal constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal.
CC.
Depois, salvo melhor opinião, é igualmente possível afirmar o pressuposto material de adequação às finalidades da punição do regime de permanência na habitação. Em primeiro lugar, porque do teor dos factos provados 8, 9, 11, 12 e 16 infere-se uma plena inserção do arguido nas vertentes familiares e profissionais.
DD.
Em segundo lugar, porque ficou provado nos pontos 5 e 23 que o arguido se encontra inscrito numa escola de condução e que tem frequentado aulas para obtenção de carta de condução.
EE.
Em terceiro lugar, porque se é verdade que o arguido praticou o crime deste processo durante um regime de permanência na habitação em execução, não se pode ignorar que ele “agiu por impulso, numa situação incomum (na sequência de uma avaria mecânica)”, conforme o tribunal expôs na pág. 14 da sentença, sem que contudo tenha daí extraído, como se impunha, o devido valor atenuativo.
FF.
Em quarto lugar, porque o incumprimento reiterado dos horários de saída e entrada na habitação, argumento decisivo do tribunal a quo para afastar o regime de permanência na habitação, é uma conclusão sem suporte fáctico face à já denunciada natureza conclusiva e genérica daquilo que ficou incorrectamente provado nos já impugnados pontos 24, 26 e 30.
GG.
Em quinto e último lugar, porque o regime de permanência na habitação, pela situação de confinamento que implica, constitui uma forma de censura do facto que transmite confiança à sociedade no sistema penal, sobretudo nos crimes que se inserem na pequena criminalidade, como é o caso do crime de condução sem habilitação legal pelo qual o arguido foi condenado. HH.
Em conclusão, ao afastar a aplicação do regime de permanência na habitação, o tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Código Penal, bem como os princípios político-criminais: a) da necessidade e proporcionalidade das penas; b) da preferência pelo regime de permanência na habitação em detrimento da prisão em estabelecimento prisional; c) de luta contra as penas curtas e médias de prisão efectiva; d) da socialidade.
II.
Como tal, deve ser revogada nessa parte a douta sentença recorrida, ordenando-se em consequência, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que a pena de 10 meses de prisão aplicada ao arguido seja executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso na 1.ª instância se confirme a sua exequibilidade ao nível das infra-estruturas electrónicas e consentimentos necessários.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância tendo pugnado pelo seu não provimento.
Neste Tribunal a Digna Procuradora Geral Adjunta teve vista nos autos tendo emitido parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação

Com relevância para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. O arguido, no dia 13.09.2023, pelas 08h40, conduzia na autoestrada n.º ..., sentido ...-..., no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-OL, sem ser titular de carta de condução ou de outro documento que a tal o habilitasse.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido deixou descair a viatura descrita em 1), desligada, aproximadamente 50 metros, manobrando-a, de marcha-atrás, para que se mantivesse na berma e, depois, procedendo ao accionamento do sistema de travagem, por considerar que o veículo ficaria num local mais seguro face aos veículos que transitavam na mesma via.
3. Sabia o arguido que estava a conduzir um veículo automóvel na via pública sem habilitação legal para o fazer, tendo agido querendo conduzir esse veículo em tal situação.
4. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente do modo acima descrito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. O arguido encontra-se inscrito na escola de condução “A...” desde 02.11.2017, tendo realizado um exame teórico em 03.12.2021, não tendo ficado apto para a prova prática.
6. O arguido é titular de licença de aprendizagem válida até 21.01.2025.
7. O registo de frequência nas aulas pelo arguido foi sempre muito irregular.
8. O arguido reside com a companheira, BB, desempregada, e os dois filhos, de 11 e 9 anos de idade.
9. O agregado familiar reside numa habitação que é dos pais do arguido, edificada no terreno contíguo à habitação da progenitora, de tipologia 2, com condições satisfatórias de habitabilidade.
10. O arguido completou o 6.º ano de escolaridade.
11. O arguido dedica-se à apanha de marisco por conta própria, comercializando regularmente esses produtos em restaurantes e marisqueiras nas cidades do Porto e Matosinhos.
12. Por tal actividade o arguido recebe, em média, por mês, quantia entre os € 1.500,00 e os € 2.000,00.
13. O agregado familiar do arguido beneficia da prestação do Rendimento Social de Inserção, no valor de 418,00€ e o abono de família dos filhos, de 200€.
14. Apresentam despesas correspondentes aos consumos domésticos (água e eletricidade) da sua habitação e da progenitora, no valor de 426,12€.
15. O arguido demonstra elevada preocupação quanto à possibilidade de ter de cumprir pena efetiva de prisão, pelo que manifesta adesão ao cumprimento da pena de prisão na habitação, considerando que tal pena lhe permitirá manter o desempenho laboral.
16. O arguido conta com o apoio da companheira, progenitora e padrasto, sendo ainda sido referenciada capacidade financeira, ainda que limitada e com base nos rendimentos dos outros elementos que constituem o agregado, para assegurar a subsistência do arguido durante o cumprimento da referida pena, caso não lhe seja permitido exercer atividade laboral.
17. O horário da actividade profissional do arguido está vinculado às horas das marés baixas, ocorrendo tanto de manhã como ao final do dia.
18. O arguido trabalha 3 horas por dia, todos os dias da semana, incluindo sábado e domingo, e leva cerca de 1 hora nas deslocações, que são feitas de carro, conduzido pela companheira.
19. Após a apanha do marisco, principalmente percebes, é necessário realizar a limpeza do produto. Essa atividade é realizada num "barracão" localizado cerca de 150 metros da habitação, e o tempo despendido nessa atividade depende da quantidade da apanha.
20. O arguido esclareceu que só precisa de sair para trabalhar na maré baixa de fim de dia nos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro e dezembro.
21. AA encontra-se a cumprir pena de prisão na habitação com recurso a meios de controlo à distância, à ordem do Proc. n.º 7/23.0PDPRT, que iniciou no dia 19-04-2023 e com final previsto para o dia 18-05-2024.
22. Tem pendente outra pena de prisão na habitação, cujo cumprimento iniciará posteriormente.
23. No âmbito do processo n.º 7/23.0PDPRT, apesar de serem realizadas diligências necessárias com a escola de condução para que o mesmo frequente as aulas, até ao momento, no mês de setembro, AA apenas frequentou duas aulas teóricas, uma no dia 14 e outra no dia 29.
24. O arguido não cumpre os horários de saída e entrada na habitação, especialmente no dia 13-09-2023, data dos factos que originaram o presente processo. Nesse dia, AA estava autorizado a estar ausente da habitação entre as 07:00h e as 11:00h, conforme a autorização concedida para o exercício da atividade laboral e em função da maré daquele dia.
25. No entanto, foi intercetado por um agente da Divisão de Trânsito da PSP do Porto, que comunicou à Equipa da Vigilância Eletrónica do Porto que tinham detido o arguido a conduzir perto do Estádio ..., sendo que ele apenas está autorizado a sair para o exercício da sua atividade laboral, que ocorre junto à costa.
26. O arguido tem várias ausências não autorizadas, não cumprindo o horário de trabalho previamente acordado e em conformidade com as marés do dia. Alega constantemente que é o cônjuge quem informa erroneamente os serviços de Vigilância Eletrónica sobre tais horários, como aconteceu nos dias, 12-08-2023, 04-09-2023, 06-09-2023, 10-09-2023, 11-09-2023, 15-09-2023, 16-09-2023, 20-09-2023 e 22-09-2023.
27. No dia 03-10-2023, às 21:52h, AA contactou os serviços de Vigilância Eletrónica, a solicitar autorização para ir à praia.
28. Foi imediatamente advertido para o estrito cumprimento dos deveres a que está obrigado.
29. Apesar da ausência de autorização, o mesmo ausentou-se da habitação às 22:01h e regressou às 22:41h.
30. Apesar dos alertas dados sobre as consequências do não cumprimento adequado da pena de prisão na habitação, o arguido persiste no não cumprindo os horários estipulados e ausentando-se da habitação por iniciativa própria para finalidades não autorizadas.
31. O arguido apresenta reduzida censurabilidade face ao seu comportamento e percurso delituoso, denotando ainda uma atitude de minimização do percurso criminal.
32. O arguido confessou os factos.
33. O arguido consente no cumprimento de pena de prisão no regime de Obrigação de Permanência na habitação, com vigilância electrónica.
34. O arguido já respondeu e foi condenado:
a) no âmbito do processo n.º 1229900902, que correu termos no Tribunal Correcional de Roanne, por sentença de 22.10.2010, transitada em julgado no dia 16.02.2011, pela prática, no dia 17.12.2006, de crimes de detenção, rapto, sequestro ou detenção arbitrária seguida de uma libertação antes do sétimo dia, no dia 17.12.2006, de um crime de violência agravada por duas circunstâncias, seguida de incapacidade superior a oito dias, pela prática nos dias 16.12.2006 e 17.12.2006, de crime de roubo qualificado por duas circunstâncias, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos de prisão;
b) no âmbito do Processo n.º 154/14.9 SGPRT, do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 03.01., por decisão de 16.05.2014, transitada em julgado a 16.06.2014, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por factos praticados a 15.15.2014;
c) no âmbito do Processo n.º 652/12.9 GDVFR, pelo Juízo de Competência Genérica de Espinho – Juiz 1, pela prática de um crime de receptação, por decisão de 03.06.2014, transitada em julgado a 03.07.2014, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, extinta a 14.05.2015, por factos praticados a 01.08.2012.
d) no âmbito do Processo n.º 74/14.7 PAESP, pelo Juízo de Competência Genérica de Espinho – Juiz 2, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 03.01., por decisão de 28.11.2014, transitada em julgado a 12.01.2015, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, extinta a 13.05.2016, por factos praticados a 10.02.2014.
e) no âmbito do Processo n.º 434/ PAESP, pelo Juízo de Competência Genérica de Espinho – Juiz 2, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, por decisão de 13.07.2016, transitada em julgado a 28.09.2016, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, extinta a 28.05.2018, por factos praticados em Julho de 2014.
f) no âmbito do Processo n.º 25/20.0 PDPRT, pelo Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto – Juiz 3, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão de 26.10.2020, transitada em julgado a 25.11.2020, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, subordinada à obrigação de frequentar aulas teóricas e práticas e submeter-se aos respectivos exames até ao termo do prazo de suspensão, por factos praticados a 23.05.2020;
g) no âmbito do Processo n.º 22/22.0 GTAVR, pelo Juízo Local Criminal de Ovar, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão de 03.05.2022, transitada em julgado a 02.06.2022, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por factos praticados a 25.04.2022; e,
h) no âmbito do Processo n.º 7/23.0 PDPRT, pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 2, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão de 23.01.2023, transitada em julgado a 22.02.2023, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, a cumprir no regime de obrigação e permanência na habitação, com vigilância electrónica, por factos praticados a 04.01.2023.

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2.2 Factos Não Provados:
Com interesse para a resolução do caso sub judice, inexistem factos por provar.
*
Consigna-se que o demais alegado é matéria de direito, repetida, conclusiva ou sem pertinência para a descoberta da verdade e boa resolução da causa.
*
2.3 Fundamentação da Decisão de Facto:
A convicção do Tribunal formou-se com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, nos termos que a seguir se vão descrever, efectuada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos.
O arguido prestou declarações e confessou os factos que constam da acusação. Assumiu ter conduzido o veículo descrito na acusação nas circunstâncias de tempo e lugar ali referidas. Disse que comprou uma carta de condução e que nunca a tinha tirado. Confirmou, portanto, não estar habilitado a conduzir veículos automóveis, bem como que sabia da ilicitude da sua conduta.
Explicou que o carro, que imediatamente antes dos factos estava a ser conduzido pela sua companheira, avariou na auto-estrada, e que, a dada altura, depois de chegar um mecânico numa carrinha da Brisa, que não conseguiu colocar o veículo em funcionamento, decidiu entrar no veículo de matrícula ..-..-OL e deixá-lo descair aproximadamente 50 metros, em marcha-atrás, direccionando-o para que não invadisse as faixas de rodagem e, posteriormente, accionando o sistema de travagem. Explicou que pretendeu colocar o veículo numa posição mais segura, que a sua companheira começou a entrar em pânico, a chorar, e que não se lembrou de chamar um reboque (facto provado n.º 2).
Os factos provados n.º 5 e 6 resultaram do teor do documento de fls. 40-43, em articulação com as declarações do arguido, que tal confirmou. O constante do facto provado n.º 7 também resulta do teor do documento de fls. 40-43, com maior enfoque no registo de presenças do arguido – sendo que o próprio arguido confirmou que anda a tirar a carta há três ou quatro anos, apenas tendo chumbado o exame teórico numa ocasião.
As declarações do arguido foram valoradas também quanto ao facto provado n.º 10 – matéria que o arguido confirmou mesmo após a apresentação do relatório social (desconhecendo-se qual a fonte da informação constante naquele documento quanto ao grau de escolaridade do arguido), e quanto ao facto provado n.º 12 (cujo teor também contradiz o teor do relatório social). Nestes aspectos, o tribunal deu primazia às declarações do arguido, já que se mostraram plausíveis.
Os factos provados n.º 8-9, 11, 13-31 resultaram da análise do teor do relatório da DGRSP junto aos autos sob a ref. n.º 36959139. Quanto ao incumprimento dos horários de saída e regresso a casa, no âmbito do cumprimento da pena de prisão em regime de OPH com VE, que neste momento cumpre, o arguido tal não negou, ainda que tenha tentado justificar sempre os seus incumprimentos com falta de informação sobre a forma como a pena tem de ser cumprida – algo que, face à informação prestada pela DGRSP (da qual consta que o arguido é advertido para o estrito cumprimento dos deveres a que está obrigado – o que é protocolo normal da DGRSP), não é plausível que o arguido desconheça.
Os factos provados n.º 32 e 33 resultaram das declarações prestadas pelo arguido durante a audiência de julgamento; e os antecedentes criminais do Certificado de Registo Criminal constante dos autos, em articulação com a tradução da parte do mesmo redigida na língua francesa (ref. n.º 36922480).
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Como é sabido o objeto do recurso é recortado pelas conclusões do mesmo, tudo sem prejuízo de questões que possam e devam ser conhecidas oficiosamente.
No caso dos autos, retira-se das conclusões do recurso o pedido de apreciação das seguintes questões:
a) Condenação do recorrente como reincidente, sendo matéria que não foi aflorada na sentença;
b) Nulidade da sentença por omissão de apreciação relativamente a factos apurados em julgamento, bem como omissão de apreciação crítica do depoimento de duas testemunhas.
c) Erro de julgamento da matéria de facto constante dos pontos 7, 24, 26, 30 e 31 dos factos provados;
d) Pena fixada exagerada e possibilidade de cumprimento em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Vejamos então.
Não obstante o recorrente colocar diversas questões para este Tribunal de recurso apreciar e decidir, afigura-se-nos que a sentença padece dos vícios p. e p. pelo artigo 410º nº 2 al. a) e c) do CPP, vícios estes que são do conhecimento oficioso e que, face à sua apreciação, como veremos, prejudica de imediato a apreciação de todas as restantes questões.
Contudo e antes de o fazermos, importa referir que o dispositivo da sentença que referia a condenação do recorrente como reincidente foi oportunamente retificado eliminando essa referência, pois tratava-se de um simples erro de escrita.
Visto isto, e tendo em atenção os factos provados nos autos, verificamos que o Tribunal deu como assente o seguinte:
1. O arguido, no dia 13.09.2023, pelas 08h40, conduzia na autoestrada n.º ..., sentido ...-..., no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-OL, sem ser titular de carta de condução ou de outro documento que a tal o habilitasse.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido deixou descair a viatura descrita em 1), desligada, aproximadamente 50 metros, manobrando-a, de marcha-atrás, para que se mantivesse na berma e, depois, procedendo ao accionamento do sistema de travagem, por considerar que o veículo ficaria num local mais seguro face aos veículos que transitavam na mesma via.
Tais factos – tal como explica o Tribunal na fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto – resultaram de o M. Juiz ter ficado convencido do seguinte: “(…) o carro, que imediatamente antes dos factos estava a ser conduzido pela sua companheira, avariou na auto-estrada, e que, a dada altura, depois de chegar um mecânico numa carrinha da Brisa, que não conseguiu colocar o veículo em funcionamento, decidiu entrar no veículo de matrícula ..-..-OL e deixá-lo descair aproximadamente 50 metros, em marcha-atrás, direccionando-o para que não invadisse as faixas de rodagem e, posteriormente, accionando o sistema de travagem. Explicou que pretendeu colocar o veículo numa posição mais segura, que a sua companheira começou a entrar em pânico, a chorar, e que não se lembrou de chamar um reboque (…)”
Tal entendimento do Tribunal surge ainda reforçado quando se retira da fundamentação quanto à medida da pena, ter o Tribunal tido em consideração que, e transcreve-se: “Note-se que o arguido manobrou um veículo avariado (desligado), cerca de 50 metros, em marcha-atrás, em plena berma de uma auto-estrada. O arguido agiu por impulso, numa situação incomum (na sequência de uma avaria mecânica),(…)”
Com tal explicação, teremos que olhar para a matéria de facto assente e perceber que o recorrente apenas tomou posse da direção do veículo, com o motor avariado, para o deixar descair aproximadamente 50 metros em marcha atrás para que este ficasse imobilizado na berma da autoestrada.
Se foi isto que o Tribunal apurou, não espelhou devidamente na matéria de facto que deu como assente, ignorando aí que o veículo foi conduzido pela companheira do recorrente até ao momento em que ficou sem motor (avaria do motor) o que configura uma situação que o Tribunal não deu como provado – ou até como não provado, admite-se se outra fosse a fundamentação – de um facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, sendo esse um facto relevante alegado pela defesa. De igual modo, resulta evidente do texto da sentença recorrida, um engano óbvio, uma conclusão contrária àquela que os factos impõem, sendo de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal.
Atento o disposto no artigo 426º nº 1 do CPP, e porque os autos fornecem todos os elementos para a decisão da causa, não sendo necessário o reenvio dos autos para novo julgamento, importa alterar a matéria de facto assente sob os pontos 1, 2, 3 e 4.
Na verdade, o recorrente não conduzia o veículo, tal como parece resultar da leitura simples e isolada da matéria constante do ponto 1 dos factos provados.
O recorrente tomou a direção do veículo, com o motor avariado, e nessas condições fez o mesmo descair em marcha atrás até o imobilizar na berma da autoestrada.
Assim altera-se a matéria de facto nos seguintes termos:
Os pontos dos factos assentes sob os números 1, 2, 3 e 4 passam a ter a seguinte redação:
1. A companheira do arguido, no dia 13.09.2023, conduzia na autoestrada n.º ..., sentido ...-..., no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-OL, tendo, o motor desse veículo, avariado.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 8 h e 40 minutos, o arguido, sem ser titular de carta de condução ou de outro documento que a tal o habilitasse, tomou a direção do veículo e deixo-o descair, aproximadamente 50 metros, manobrando-o, de marcha-atrás, para que se mantivesse na berma e, depois, procedeu ao acionamento do sistema de travagem, por considerar que o veículo ficaria num local mais seguro face aos veículos que transitavam na mesma via.
3. Agiu o arguido sabendo que o veículo tinha o motor avariado, unicamente para o colocar na berma da autoestrada e assim não causar perigo para a circulação automóvel que se registava na autoestrada.
4. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente do modo acima descrito.
Dá-se como não provada a seguinte matéria de facto constante da acusação:
1- Que o arguido estivesse a conduzir o veículo matricula ..-..-OL antes deste avariar o seu motor;
2- Que o arguido tivesse conduzido com plena disponibilidade do motor daquele, e com outro propósito que não fosse o de o fazer descair para a berma da autoestrada de molde a não causar perigo para a circulação viária na ocasião.
Ora, tal conduta, com o devido respeito, não pode ser subsumida à previsão do artigo 3º nº 1 do DL 2/98.
Conforme resulta dos autos o recorrente foi acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal para conduzir, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, com referência ao disposto nos artigos 121 nº 1 e 122º nº 1 do Código da Estrada.
De acordo com o disposto no artigo n.º 3 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro:
“1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”
Nos termos do artigo 121º nº 1 do Código da Estrada “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”, acrescentando o n.º 4 do referido que “O documento que titula a habilitação legal para conduzir ciclomotores, motociclos, triciclos, quadriciclos pesados e automóveis designa-se carta de condução”.
Atenta a tipicidade objetiva do crime em causa, a condução de veículos a motor na via pública obriga, para que se mostre preenchida, que a condução do veículo se faça mediante o auxílio do motor existente no mesmo. Ou seja, o impulso para a circulação do veículo terá que ser determinado pelo funcionamento do motor, sendo claro que se for obtido o movimento do veículo mediante o vulgar “empurrão” ou mediante a força da gravidade, no caso de se configurar uma descida, sem o auxílio de um motor, ou porque não existe ou porque existindo não está a trabalhar por avaria ou por outro motivo impeditivo, não dependente da vontade imediata do seu condutor, não é possível configurar a tipicidade exigível para o cometimento do crime em causa.
A existência de motor no veículo, para efeitos de incriminação nos termos do disposto no artigo n.º 3 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro, é fundamental, ao contrário do que sucede por exemplo na tipicidade exigível para a punição no âmbito do artigo 291º do C.Penal, onde é indiferente o veículo ter motor ou não.
Tal distinção, é relevante e merece atenção, não sendo razoável, ignorar, para efeitos de incriminação no âmbito de artigo 3º do DL 2/98, se, tendo o veículo motor, este está ou não em condições de funcionar.
Admite-se que tendo o veículo motor, e este estiver desligado, porque o seu condutor o não ligou, que a condução do veículo na via pública sem a necessária carta de condução, constitua crime, subsumindo-se tal conduta à norma do DL 2/98, pois o agente do crime tem o domínio e a direção do veículo, podendo dispor livremente do seu motor sempre que o entenda.
Contudo, tendo o veículo motor, e não estando este em condições de funcionar, por avaria, haverá sempre que considerar, para efeitos de tipificação e subsunção legal, que o veículo não está servido de motor, ou seja, e no caso, será um veículo sem motor.
A criminalização de um comportamento terá sempre que obedecer ao princípio da legalidade, obrigando o julgador ao dever jurídico de fazer conter no tipo de ilícito todos os elementos constitutivos das condutas constantes da previsão da norma.
Situação semelhante, embora factualmente não coincidente, determinou o Tribunal da Relação de Lisboa, a proferir o acórdão de 21 de janeiro de 2010, (processo 55/05.1TAVFX.L1-9), disponível em www.dgsi.pt, onde foi decidido, e bem, que:
I - A existência de motor no veículo em condições de funcionar é elemento do tipo de ilícito previsto no art.º 3.º, n.º 1, do DL n.º 2/98, de 03/01.
II - Não comete o crime previsto no art.º 3.º, n.º 1, do DL n.º 2/98, de 03/01, a pessoa que segue montada num ciclomotor para o equilibrar, sem habilitação legal, quando este circula na via pública rebocado por um motociclo, em virtude do seu motor estar avariado e sem possibilidade de funcionar.
No caso em apreço, o recorrente tomou a direção do veículo, sem o auxílio do motor, que estava avariado, para o deixar descair e o estacionar na berma da autoestrada.
Temos assim como assente, face à alteração da matéria de facto operada, que o recorrente limitou-se a tomar a direção do veículo e o movimentou sem auxílio do motor, somente pela força da gravidade, para o colocar numa situação mais segura face aos veículos que transitavam na mesma via, pelo que, e com o devido respeito, não se mostram preenchido o tipo legal incriminador.
O que se poderia discutir nos autos – e a acusação formulada não o permite – é se a manobra efetuada poderia integrar o tipo legal previsto e punido pelo artigo 291º nº 1 al. b) do C. Penal pois tratou-se de uma manobra de marcha atrás numa autoestrada, não exigindo o preceito penal a existência de motor no veículo que descreve tal manobra.
Não sendo, porém, matéria do recurso, tal incriminação, haverá que a ignorar.
Temos assim como não preenchida a tipicidade objetiva da norma incriminatória pelo que haverá unicamente que absolver o recorrente, ficando assim prejudicadas as restantes questões colocadas pelo recorrente.

3 Decisão
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, decide-se, julgar o recurso provido e consequentemente:
a) Altera-se a matéria de facto provada sob os pontos 1, 2, 3 e 4, nos seguintes termos:
Factos provados
1. A companheira do arguido, no dia 13.09.2023, conduzia na autoestrada n.º ..., sentido ...-..., no Porto, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matricula ..-..-OL, tendo, o motor desse veículo, avariado.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, pelas 8 h e 40 minutos, o arguido, sem ser titular de carta de condução ou de outro documento que a tal o habilitasse, tomou a direção do veículo e deixou-o descair, aproximadamente 50 metros, manobrando-o, de marcha-atrás, para que se mantivesse na berma e, depois, procedeu ao acionamento do sistema de travagem, por considerar que o veículo ficaria num local mais seguro face aos veículos que transitavam na mesma via.
3. Agiu o arguido sabendo que o veículo tinha o motor avariado, unicamente para o colocar na berma da autoestrada e assim não causar perigo para a circulação automóvel que se registava na autoestrada.
4. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente do modo acima descrito.
Factos não provados:
1- Que o arguido estivesse a conduzir o veículo matricula ..-..-OL antes deste avariar o seu motor;
3- Que o arguido tivesse conduzido com plena disponibilidade do motor daquele, e com outro propósito que não fosse o de o fazer descair para a berma da autoestrada de molde a não causar perigo para a circulação viária na ocasião.
b) Revoga-se a sentença na parte decisória, sendo o recorrente absolvido do crime que lhe era imputado.

Sem custas
Porto, 20 de março de 2024
Raul Esteves
Lígia Figueiredo
Maria Joana Grácio