FORMA DE PROCESSO
ERRO
QUESTÃO NOVA
ILEGITIMIDADE PASSIVA
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
Sumário

(artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. O erro na forma do processo só pode ser suscitado até à contestação ou neste articulado.
II. A apelação não visa apreciar questões novas, mas tão-só reexaminar questões de facto e/ou de direito já anteriormente suscitadas pelas partes e/ou apreciadas pelo Tribunal recorrido, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso suscetíveis de apreciação pelo Tribunal da Relação, como sucede com a exceção da ilegitimidade.
III. A legitimidade processual passiva afere-se em função da relação jurídica configurada pelo autor, sendo réu quem nela é parte passiva e tem, assim, interesse em contradizer.
IV. Sob pena de nulidade, exige-se, pois, que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula aquela em que falte de todo em todo tal motivação ou em que esta seja absolutamente incompreensível, não cumprindo, assim, o dever constitucional e legal de justificação que deve revestir qualquer decisão judicial.
V. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.
VI. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
VII. Atento o princípio da limitação dos atos, a impugnação da decisão de facto justificante da reapreciação da prova produzida por parte do Tribunal da Relação pressupõe a pertinência da factualidade impugnada para a decisão de direito.
VIII. No que respeita ao contrato de arrendamento para habitação e à transmissão da posição contratual do arrendatário, por morte deste, o NRAU consagrou duas soluções: (i) uma aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor, consagrada no art. 1106.º do CCivil, e (ii) outra aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, solução esta prescrita pelo art. 57.º do próprio NRAU.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., CAIXA DE PREVIDÊNCIA DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, intentou ação despejo contra a R., MS, pedindo que:
-  Seja declarado caducado o contrato de arrendamento relativo ao 4.º andar esquerdo do prédio sito em Lisboa, na Rua … …/… e R. …, …/…, inscrito na matriz urbana sob o artigo … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa;
- A R. seja condenada a despejar o local arrendado, entregando-o à A. completamente livre e devoluto de pessoas e bens e no estado de conservação em que encontrava à data do arrendamento;
c) A Ré seja condenada no pagamento da quantia de € 1.466,72, mensais, desde a data da sua constituição em mora na entrega do imóvel (11.12.2019) até ao momento efetivo da mesma, a título de indemnização.
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que é dona do referido andar e em 31.10.2005 deu o mesmo de arrendamento, para habitação, a MS, a qual faleceu em 11.06.2019.
Referiu também que em virtude daquele óbito ocorreu a caducidade do arrendamento, não tendo este se transmitido à R., filha da falecida MS, a qual, por isso, está em mora desde 11.12.2019 quanto à restituição do locado à R., sendo que àquela data a respetiva renda mensal cifrava-se em €733,36.
A R. contestou e reconveio.
Alegou que o locado destinava-se a habitação de MS e do respetivo agregado familiar, no qual se incluía a ora R. e seus filhos, sendo que a A. é, conforme os seus estatutos, para professores e seus familiares.
Referiu também que aquando da assinatura do contrato de arrendamento tiveram de ser realizadas obras pela arrendatária, pois o locado não reunia condições mínimas de habitabilidade, tendo tais obras importado na quantia de €12.000,00, montante este que corresponde ora, por virtude da desvalorização da moeda, à quantia de €14.400,00.
Alegou ainda que tais obras foram realizadas no pressuposto de que seria transmitido à R. o arrendamento por óbito da sua Senhora mãe.
Nestes termos, a R. concluiu pedindo que (i) a ação seja julgada improcedente por não provada e a R. absolvida do pedido, (ii) seja reconhecido à R. o direito à transmissão do Arrendamento da apontada fração e (ii) seja julgado procedente por provado, o pedido reconvencional e a Reconvinda condenada a pagar à Reconvinte a título de benfeitorias, que fez por sua conta no imóvel locado, a quantia de € 14.400,00.
A A. replicou, alegando, em síntese, que o arrendamento em causa foi celebrado ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, à data o Decreto-Lei n.º 321-B/90, e que nada mais foi contratualizado, prometido ou assegurado à mãe da R., muito menos a troco de quaisquer obras no andar, o qual se encontrava à data do arrendamento em condições de habitabilidade.
Referiu também que a A. autorizou a realização de obras de pintura e remodelação da casa de banho, consignando que as mesmas não conferiam direito a indemnização ou retenção em caso de cessação do arrendamento.
A A. concluiu pela improcedência da reconvenção e como na petição inicial.
As partes juntaram diversos documentos e arrolaram prova pessoal.
Em 10.10.2022, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu despacho com o seguinte teor:
«Compulsados os autos verifica-se que a Autora pretende a restituição do imóvel melhor identificado nos autos, invocando como causa de pedir a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, pelo que deverá ser através da ação de reivindicação que a Autora, na qualidade de proprietária do imóvel, poderá exigir de terceiro a restituição do mesmo (neste sentido, a título exemplificativo, ver acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.11.2015, Processo: 745/14.8TVLSB.L1-2).
Assim sendo, antes de mais, determino a notificação da Autora para, no prazo de dez dias, se pronunciar quanto à existência de erro na forma do processo (artigo 193º do Código de Processo Civil) e juntar caderneta predial urbana do imóvel (donde conste avaliação patrimonial atualizada) a fim de se corrigir o valor atribuído à ação».
A A. juntou caderneta predial e alegou ser o processo o próprio.
Em 08.04.2022, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu decisão com o seguinte teor, na parte que aqui releva:
«(…)
Apelida o Autor esta ação de ação de despejo.
(…)
Sucede que a questão dos autos não é enquadrável no âmbito da ação de despejo, antes sendo adequada, no caso vertente, a ação de reivindicação.
(…)
Está-se, assim, perante um erro na forma do processo, nulidade principal de conhecimento oficioso - cfr. arts. 193º, 196º e 200º, todos do Código de Processo Civil.
Em consonância com tal, determina-se que os presentes autos sigam, doravante, como ação de reivindicação, mantendo-se o processado já ocorrido, visto que do mesmo não resulta diminuição das garantias da Ré.
(…)
*
Em face do supra determinado, verifica-se que é aplicável à fixação do valor da causa o prevenido no artigo 302º, nº 1 do Código de Processo Civil que prevê que “Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.”.
No caso em apreço, estando peticionada a entrega da fração identificada no artigo 1º da petição inicial e, resultando da caderneta predial junta pelo Autor no requerimento que antecede, que o seu valor patrimonial ascende a €123.068,75 deve ser este o valor da causa correspondente ao pedido formulado na petição inicial, em obediência ao preceito citado.
Pelo que, face ao exposto, decido fixar o valor da presente ação em €123.068,75, sendo competente para a tramitação deste processo o 1º Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – cfr. artigo 117º, nº 1, al. a) da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, determinando-se, em consequência, após trânsito em julgado, a remessa dos autos àquele.
(…)».
Remetidos os autos ao Juízo Central Cível de Lisboa, procedeu-se a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se consideraram «as partes (…) legítimas», identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
O Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) declaro caducado o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e MS relativo à fracção autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio urbano sito nos n.ºs … a … da Rua … e n.ºs … a … da Rua …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira, actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Avenidas Novas sob o artigo matricial …;
b) condeno a Ré a entregar o imóvel à Autora, livre de pessoas e bens;
c) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia mensal correspondente ao valor da renda enquanto vigorou o contrato de arrendamento celebrado com MS, desde a data da constituição em mora da obrigação de entrega do imóvel (11.12.2019) até tal efectiva entrega.
Julga-se a reconvenção totalmente improcedente, por não provada».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a R., a qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. Entende a Recorrente que o Tribunal "a Quo" julgou erradamente a matéria de facto e fez errada aplicação do direito, por isso não pode concordar com a sentença em apreço, nem com a fundamentação nela invocada.
2. Pela prova produzida em audiência, impunha-se, ao invés do decidido, a absolvição da recorrente.
3. Desde logo, deve ser reapreciado e alterado o julgamento de parte da matéria de facto realizado na 1 ª Instância, designadamente quantos aos factos provados n.ºs 5 e 8 e aos n.ºs A a D quanto à matéria de facto não provada.
4. Assim, deve ser acrescentado ao facto provado 5 que "Em 22.12.2005, MS requereu à Autora autorização para pintar as paredes, as portas e as janelas do referido imóvel e para remodelar alguns azulejos e loiças da casa banho”, tendo ainda em outras em diversas outras ocasiões, solicitado, por telefone a realização de outras obras.
5. A recorrente aludiu a esta matéria, esclarecendo que que foram pedidas outras obras, em diversas outras ocasiões, pela sua mãe, por telefone à Autora. (Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 17:26 e fim a 17:30 e com início em 18:22 e fim em 18:32.).
6. No que toca ao facto provado constante do n.º 8 resultante de erro de apreciação da prova testemunhal, deve ser acrescentado: "Desde 2006 até ao momento presente, a Ré tem vindo, enquanto filha da arrendatária, a residir, em economia comum, com a arrendatária, no imóvel acima mencionado com o respectivo agregado familiar".
7. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da própria Recorrente e ao depoimento da testemunha ML conclui-se que a Recorrente, e bem assim as suas filhas, desde 2006 até ao momento do falecimento da arrendatária, sempre viveram em economia comum com esta - (Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 17:26 e fim a 17:30 e com início em 18:22 e fim em 18:32.) e Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 06:49 e fim a 08:21.).
8. No que toca aos factos não provados constantes no n.º A) resultante de erro de apreciação da prova testemunhal, o mesmo deveria ter sido dado como provado, impondo-se assim a alteração desse facto não provado para a matéria de facto provada.
9. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da Recorrente MS e bem assim, da testemunha depoimento da testemunha ML, ao contrário do decidido, conclui-se que existia um compromisso verbal entre a Autora e a mãe da Recorrente que criou na ora Recorrente a convicção de que o arrendamento lhe seria transmitido após a morte de sua mãe. - Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 09:05 e fim a 10:51 e Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 10:40 e fim a 14:00.
10. No que toca aos factos não provados constantes das alíneas B) e C), contra as mais elementares regras da lógica, do bom senso e da experiência comum, foram dados como não provados, impondo-se assim a alteração desses factos para a matéria de facto provada
11. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da própria Recorrente e, bem assim, ao depoimento das testemunhas ML e MF, conclui-se que, efectivamente,
12. Que o imóvel objecto do contrato de arrendamento não reunia condições mínimas de habitabilidade aquando da celebração do mesmo; E,
13. Que, por causa disso, a Ré e a sua mãe tiveram de realizar obras a suas expensas no imóvel. - Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 02:21 e fim a 03:00; início a 03.04 e fim a 03.26; início a 04.08 e fim a 04.14 e com início em 05:00 e fim a 05:58., - Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 00:31 e fim a 04:20; início a 07.00 e fim a 07.41 e com início em 22:43 e fim a 26:20 e Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 05:17 e fim a 07:27 e com início em 10:56 e fim a 11 :03.
14. No que toca ao facto não provado constante no n.º D) resultante de erro de apreciação da prova testemunhal, o mesmo deveria ter sido dado como provado, impondo-se assim a alteração desses factos não provados para a matéria de facto provada.
15. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da própria Recorrente e ao depoimento da testemunha ML conclui-se que a Recorrente, e bem assim as suas filhas, desde 2006 até ao momento do falecimento da arrendatária, sempre viveram em economia comum com esta ·-- (Conforme resulta ela Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 17:26 e fim a 17:30 e com início em 18:22 e fim em 18:32.) e Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 06:49 e fim a 08:21.). Acresce que,
16. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, violando, entre outros, os Arts.ºs 406.º, o n.º 2 do 1069, 1106º n° 1 al. B) e n° 2, arts. 566°, n°. 3, art. 216°, art. 1273º, art. 762.º e art. 334.º todos do Código Civil, artº 20°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, artº, 30°, artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), artº 672°, nº 1 b), alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º e artigo 196.º, 1106º, nº l al. B) e nº 2 todos do CPC e 20º nº 2 do NRAU e art.º 20° nºs 1 e 2 do NRAU.
17. Existe insuficiência manifesta de fundamentação de direito da douta sentença recorrida quanto à matéria da reconvenção, pois não é legalmente suficiente nem aceitável considerar como fundamentação uma expressão genérica como a usada.
18. A sentença padece assim de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, o que se requer, desde já, com as legais consequências. Além disso,
19. 0 Tribunal a quo não se pronunciou quanto a questões expressamente enunciadas pela ora Recorrente na sua contestação;
20. Com efeito, percorrendo a sentença de que ora se recorre, é manifesto que a mesma é, em absoluto, omissa quanto à questão da economia comum levantada pela ora Recorrente em sede de contestação, na medida que não dedica, sequer, uma linha quanto a essa questão.
21. Trata-se de uma questão formulada pela Recorrente na contestação, potencialmente, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela autora na presente acção.
22. 0 que enferma a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. Refira-se ainda por relevante que,
23. No caso dos autos estamos perante uma questão de particular relevância social e verifica-se manifesta ilegitimidade passiva processual.
24. Efectivamente a sentença determina a entrega de casa de morada de família de pessoas sem que o Tribunal chame aos autos as pessoas afectadas pela sua decisão - nos termos e para os efeitos do artº 672°, nº 1 b) do CPC.
2.5. Verifica-se, assim, in casu, uma ilegitimidade passiva, que deverá ser imediatamente declarada oficiosamente pelo douto Tribunal da Relação. Mais,
26. A promessa verbal feita pela Autora, garantindo a permanência da Recorrente no imóvel após o falecimento ele sua mãe, constitui um elemento crucial deste caso.
27. A jurisprudência reconhece que a promessa verbal de um locador pode criar expectativas legítimas no locatário, o que sucedeu in casu.
28. Com efeito, a Recorrente e sua mãe sempre agiram, de acordo com essa promessa, realizando avultados investimentos respeitantes a obras necessárias para tornar o local habitável e de acordo com o fim do contrato.
29. Existindo assim, nesta parte, manifesto abuso de direito da Autora que utiliza um direito legítimo de forma excessiva defraudando a expectativa legitima que criou na Recorrente e sua a mãe aquando da celebração do contrato de arrendamento. Sucede ainda que,
30. 0 efectivo início do contrato de arrendamento em causa, isto é, a ocupação efectiva cio imóvel pela ora Recorrente e sua mãe, somente ocorreu em 2006, quando as obras finalmente se concluíram, já sob a vigência do NRAU.
31. Não se aplicando assim as normas transitórias do NRAU e portanto não devem ser aplicadas as disposições do artigo 57 do NRAU.
32. Assim sendo, o NRAU estabelece que a transmissão por morte pode ocorrer quando os herdeiros vivam em economia comum com o arrendatário falecido há mais de um ano, como sucede, in casu.
33. Consequentemente, e nos termos do art. 1106º, nº 1 al. B) e nº 2 do Código Civil, o contrato de arrendamento não caducou, tendo sido transmitida a posição de arrendatária para a ora recorrente. Acresce que,
34. Sendo invocada como causa de pedir a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, deverá ser através da acção de reivindicação que se poderá exigir a restituição do imóvel arrendado.
35. Não estando alegado na P.I. que a Ré seja sujeito de uma qualquer relação jurídica consubstanciada num contrato de arrendamento, nunca faria sentido o recurso à acção de despejo.
36. Porquanto, o que está em causa é a eventual violação do direito de propriedade e não de arrendamento.
37. A nulidade decorrente de verificação de erro na forma de processo é de conhecimento oficioso - artigo 196.º do CPC,.
38. Em consonância com tal, o Tribunal recorrido determinou que os presentes autos seguissem como ação de reivindicação.
39. Porém, andou mal o Tribunal "a quo", salvo o devido respeito e melhor opinião.
40. Na verdade, tal como a acção foi proposta, havia não só erro na forma do processo, como a Ré e ora Recorrente era parte ilegítima.
41. Para além disso, a acção tal como prosseguiu determinava a entrega de casa de morada de família de pessoas que nunca foram chamadas ao processo, verifica-se, por isso, in casu, uma ilegitimidade passiva, que deveria ter sido imediatamente declarada oficiosamente pelo douto Tribunal.
42. Por isso, devia ter sido determinada, ao invés do decidia, a imediata absolvição da Recorrente da instância, o que se requer, desde já, com as legais consequências. Mais,
43. 0 artº. 30°, nºs 1 e 2 do CPC estabelece o critério de determinação da legitimidade das partes.
44. O interesse, para a acção de despejo, que fundamenta a legitimidade activa como a passiva, só o tem os sujeitos da relação jurídica material de arrendamento, isto é, aqueles que, segundo o respectivo contracto, ocupam as posições de senhorio e de inquilino.
45. 0ra, se na acção se pretende cessar uma relação jurídica constituída através de um contrato, como é óbvio, nessa acção têm de estar presentes as partes outorgantes desse tipo de contrato, a saber, o locador e o locatário.
46. As partes outorgantes deste contrato de arrendamento, são a mãe da ora Recorrente, na qualidade de arrendatária e a Autora, na qualidade de senhoria.
47. Não tendo a Recorrente intervindo no contrato em causa nos presentes autos.
48. Assim, a Ré não podia ser parte legítima numa acção que tem como objecto um contrato, no qual, não tem, nem nunca teve qualquer intervenção.
49. Em face do acima exposto, deve ser julgada provada a excepção de ilegitimidade ela ora Recorrente, com as consequências legais. Acresce ainda que,
50. Os depoimentos da Recorrente e das testemunhas acima transcritos são claramente reveladores de que o imóvel objeto do contrato de arrendamento não reunia condições de habitabilidade aquando da celebração do mesmo.
51. Também revelam inequivocamente que foram realizadas obras de melhoramento da habitação de benfeitorias necessárias para a tornar habitável.
52. E que, as obras levadas a efeito, de boa-fé, pela Recorrente e sua mãe, como resulta da prova produzida e bem assim, das regras da experiência comum e de normalidade, aumentaram o valor ela habitação.
53. No entanto, atendendo ao lapso de tempo que decorreu desde a realização das obras até ao presente não foi possível apurar o valor real despendido nessas obras pela ora Recorrente e sua mãe.
54. No entanto, para o computo da indemnização por benfeitorias realizadas pode e deve recorrer-se à equidade, na falta de prova do valor despendido nas respectivas obras –artº 566°, n°. 3, do C.C.
55. No juízo equitativo recorre-se, além do mais, à boa-fé e a juízos de razoabilidade, pelo que não se coloca nem a questão de enriquecimento ilegítimo do lesado, nem do abuso de direito.
56. É um facto público e notório que a realização das obras descritas pela ora Recorrente e pela testemunha ML aumentaram o valor do imóvel.
57. No caso dos autos, o que se verifica é que o direito reclamado pela Recorrente por benfeitorias por si realizadas no locado respeita a obras levadas a cabo para tornar habitável a casa arrendada. Pois bem,
58. Na definição legal (art. 216°, do CC), benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
59. Como resulta do art. 216°, n°3, do mesmo Código, as benfeitorias classificam-se em necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa); úteis (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor) e voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante).
60. Segundo dispõe o art. 1273°, n°1, do CC tanto o possuidor de boa-fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
61. As «obras» realizadas no imóvel da Autora pela Recorrente e sua mãe, não podem deixar, à luz do critério legal plasmado no art. 216°, de ser qualificadas como benfeitorias úteis e necessárias, pois configuram despesas que, sendo indispensáveis para habitabilidade do imóvel, aumentaram o valor objetivo do bem.
62. Por sua vez, estabelece o n° 2, do mesmo artigo que, quando, para evitar o detrimento ela coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
63. Ainda que (algumas delas) posam ser qualificadas como benfeitorias úteis, não se provou que possam ser levantadas sem detrimento do imóvel, onde foram implantadas.
64. Está, assim, aberto o caminho para a recorrente obter o valor correspondente calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (1273.º do CC), a liquidar posteriormente.
65. Assim, face ao exposto deve ser arbitrada indemnização que julgue equilibrada e ajustada aos factos.
66. Devendo então o Tribunal julgar com recurso à equidade, impondo-se assim a fixação de indemnização segundo um juízo de equidade, com recurso às regras da experiência comum e de normalidade. Por último,
67.A autora jamais se recusou a receber as rendas pagas pela recorrente até ao presente, nunca tendo impugnado o pagamento dessa mesma renda.
68. Com efeito, a ora Recorrente sempre pagou na sua totalidade, as rendas à Autora até ao dia de hoje.
69. Podendo concluir-se assim que a autora deu tácito assentimento e reconheceu a ora Recorrente como inquilina.
70. Este comportamento, objectivamente considerado, evidencia que a autora aceitou a actuação da Recorrente.
71. Não suscita dúvidas a imperatividade do n.º 1 do artigo 21.º do NRAU, que impõe ao senhorio a impugnação do depósito.
72. A presente acção de despejo de cuja sentença ora se recorre foi intentada fora foro prazo previsto no art.º 20° nº 2 do NRAU, sendo consequentemente intempestiva e não deveria ter sido aceite ou procedido.
73. Efectivamente a presente acção não contém impugnação do depósito de rendas efectuadas pela ré e aqui recorrente, presumindo-se assim a aceitação dos mesmos e esvaziando o fundamento da presente acção, pelo que a sentença se mostra contrária ao disposto no art.º 20° n°s 1 e 2 do NRAU. Para além disso,
74. Pelo que, tendo a Recorrente sempre depositado a renda, é agora confrontada com uma conduta contraditória da autora que, à luz do princípio da confiança e das regras da boa-fé - art. 762.º do CC -, exprime abuso do direito - art. 334.º do CC - na modalidade de ventre contra factum proprium.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao Recurso e, por via disso, REVOGADA a decisão "sub judice", com a prolação de Acórdão que, tendo em consideração os factos expostos, os integre devida e objectivamente no direito aplicável. Designadamente;
1. Absolver a Recorrente da instância, por:
a) verificação de erro na forma de processo;
b) Por falta de legitimidade da Ré na presente acção e,
c) Manifesta ilegitimidade passiva processual, uma vez que, a presente acção e, consequentemente a douta sentença determinam a entrega de uma habitação que integra a casa de morada de família de um agregado familiar sem chamar aos autos todas as pessoas afectadas pela sua decisão. Ou, caso V. Exas. assim o entendam:
2. Declarar a sentença nula, por omissão de pronúncia, por:
a) O Tribunal a quo não se ter pronunciando quanto a uma questão expressamente enunciada pela ora Recorrente na sua contestação, potencialmente, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela autora na presente acção.
b) Manifesta insuficiência de fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida quanto à matéria da reconvenção.
Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem, contudo, conceber ou conceder,
3. Ser a Recorrente absolvida da parte da sentença que declarou caducado o contracto de arrendamento dos autos, condenando a Recorrente a entregar o locado à Autora livre de pessoas e bens e a pagar à Autora a quantia mensal correspondente ao valor da renda enquanto vigorou o contrato de arrendamento celebrado com MS, desde a data da constituição em mora da obrigação de entrega do imóvel (11.12.2019) até tal efectiva entrega. E,
3. Ser a Reconvenção apresentada pela ora Recorrente julgada procedente por provada, e em consequência, ser arbitrada indemnização que se julgue equilibrada e ajustada aos factos, segundo juízos de equidade.
Por assim ser de direito e da mais elementar Justiça!».
(sem negrito, sublinhado e maiúsculas do original)
O A./Recorrido contra-alegou, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.
No despacho de admissão do recurso o Tribunal recorrido pronunciou-se quanto às suscitadas nulidades da decisão recorrida, concluindo pela não ocorrência das mesmas.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
· Do erro na forma de processo;
· Da (i)legitimidade passiva;
· Da nulidade por insuficiência de fundamentação;
· Da nulidade por omissão de pronúncia;
· Da impugnação da decisão de facto;
· Da caducidade/transmissão do arrendamento;
· Do pedido reconvencional.
Assim.
III.
DO ERRO NA FORMA DE PROCESSO.
(Conclusões 34. a 40. das alegações de recurso).
A Recorrente peticiona a sua absolvição da instância por «verificação de erro na forma de processo».
Contraditoriamente, refere que a presente ação deveria constituir uma «ação de reivindicação» e que «o Tribunal recorrido determinou que os presentes autos seguissem como ação de reivindicação», não como «ação de despejo», como peticionado pela A., aqui Recorrida.
Ou seja, se bem entendemos, ao mesmo tempo que refere que os autos constituem uma ação de reivindicação e que o Tribunal recorrido assim o determinou, a Recorrente peticiona a sua absolvição da instância por a ação ter sido interposta como ação de despejo.
Ora, uma vez conferida pelo Tribunal recorrido no decurso da ação a natureza de ação de reivindicação aos autos, como pretendido pela Recorrente, carece esta de fundamento para invocar ora o erro na forma de processo: os autos já não são tidos como de despejo, mas de reivindicação, como pretendido pela Recorrente, sendo que esta não alegou, nem se vislumbra, que daquela alteração da natureza do processo tenha resultado uma diminuição das suas garantias de defesa, atento o disposto no artigo 193.º, n.º 2, do CPCivil.
De todo o modo, sempre a arguição do erro na forma do processo em sede de recurso seria intempestiva, considerando o preceituado no artigo 198.º, n.º 1, do CPCivil.
Demais, o Tribunal recorrido já se pronunciou expressamente quanto a tal matéria, por decisão de 08.04.2022, conforme relatório deste acórdão, e dessa decisão não foi interposto recurso, pelo que a questão do erro na forma do processo tem-se por definitivamente resolvida, constituindo caso julgado formal, conforme artigo 595.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, do CPCivil.   
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
IV.
DA (I)LEGITIMIDADE PASSIVA.
(Conclusões 23. a 25. e 41. a 49. das alegações de recurso).
Nesta sede a Recorrente peticiona a absolvição da instância «por falta de legitimidade da Ré na presente ação», alegando, em suma, que a Recorrente não foi parte no contrato de arrendamento «em causa nos presentes autos» e que «a ação tal como prosseguiu determinava a entrega de casa de morada de família de pessoas que nunca foram chamadas ao processo».
Vejamos.
Também neste domínio a argumentação da Recorrente revela-se contraditória.
Ao mesmo tempo que invoca a sua ilegitimidade, por não ser parte do contrato de arrendamento em causa, pressupondo, assim, a presente ação como uma ação de despejo, a Recorrente reclama a intervenção passiva na ação de outras pessoas que alegadamente vivem também no andar em causa, conferindo à ação a natureza de uma ação de reivindicação.
De todo o modo.
A suscitada ilegitimidade passiva constitui uma questão nova, por nunca antes suscitada nos autos, nem concretamente apreciada pelo Tribunal recorrido.
Tratando-se, contudo, de questão de conhecimento oficioso, este Tribunal da Relação deve apreciar tal questão, conforme disposto nos artigos 577.º, alínea e), 578.º, 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPCivil.
Ou seja, a apelação não visa apreciar questões novas, mas tão-só reexaminar questões de facto e/ou de direito já anteriormente suscitadas pelas partes e/ou apreciadas pelo Tribunal recorrido, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso suscetíveis de apreciação pelo Tribunal da Relação.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, página 31, «[n]a fase de recurso, as partes e o Tribunal Superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do Tribunal Superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou serem apreciadas questões de conhecimento oficioso (…)».
No mesmo sentido, refere Francisco Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, edição de 2019, página 463, que “[r]ecursos, «em sentido técnico-jurídico, são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida»[1]. Meios que visam modificar as decisões recorridas, que não criam decisões sobre matéria nova, não podendo assim neles ser versadas questões que não hajam sido suscitadas perante o tribunal recorrido (isto salvas as questões de natureza adjetivo-processuais e substantivo-material que sejam de conhecimento oficioso)”.
Ora, nos termos do artigo 30.º, n.ºs 1 e 3, do CPCivil, «(…) o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer», sendo que este «exprime-se (…) pelo prejuízo» decorrente da «procedência» da ação» e «[n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».
A legitimidade processual passiva afere-se, pois, em função da relação jurídica configurada pelo autor, sendo réu quem nela é parte passiva e tem, assim, interesse em contradizer.
In casu.
Conforme despacho de 08.04.2022, a presente ação constitui uma ação de reivindicação.
Segundo a petição inicial, em causa está a entrega de um determinado andar de que a A., aqui Recorrida, é proprietária, bem como o pagamento de uma determinada quantia mensal por parte da R., tudo em razão da ocupação ilegítima daquele andar por parte da R.
Isto é, em função da relação jurídica configurada pela A., a R. é a respetiva parte passiva.
Mais, é a única parte passiva.
Nestes termos, a R., aqui Recorrente, é parte legítima na presente ação.
O facto de a R. não ser parte no contrato de arrendamento cuja caducidade se discute é irrelevante, na medida em que a presente ação é assumidamente de reivindicação e não de despejo.
Por outro lado, a circunstância de o andar em causa ser alegadamente ocupado também por outras pessoas, sendo alegadamente casa de morada de família de outras pessoas além da R., é igualmente inócuo, pois aquelas não são parte na relação jurídica material controvertida configurada pela A./Recorrida.
Neste contexto, a alegada violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, designadamente do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, configura-se infundada, pois relativamente a tais alegadas pessoas que igualmente residem no andar em causa o trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida nos autos não terá valor de caso julgado material, conforme artigos 619.º, n.º 1, e 581.º do CPCivil, sendo que tais referidas pessoas encontrarão por certo meios processuais de defender os seus eventuais direitos, os quais não estão de todo em causa na presente ação.
Improcede, assim, também nesta parte o recurso.
V.
DA NULIDADE POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
(Conclusões 17. e 18. das alegações de recurso).
 Invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, a Recorrente pretende que se declare a nulidade da decisão recorrida «por manifesta insuficiência de fundamentação de facto e de direito (…) quanto à matéria da reconvenção».
Apreciemos.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil, «[é] nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)».
Sob pena de nulidade, exige-se, pois, que a sentença esteja minimamente motivada de facto e de direito, sendo nula aquela em que falte de todo em todo tal motivação ou em que esta seja absolutamente incompreensível, não cumprindo, assim, o dever constitucional e legal de justificação que deve revestir qualquer decisão judicial.
A fundamentação escassa ou deficiente ou incorreta não constituem causas de nulidade da decisão nos termos da apontada disposição legal. 
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 763, no que ora está em causa a sentença é nula quando ocorre «(…) a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (…)».
No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2020, processo n.º 3015/06.1TBVNG.P1.S1, refere que «[q]uanto ao dever de fundamentar as decisões que se impõe ao juiz por imperativo constitucional e legal, mostra-se pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício, uma fundamentação deficiente que apenas pode merecer cabimento em sede de erro de julgamento».
No caso vertente.
A Recorrente alega insuficiência da fundamentação de facto e direito quanto à matéria reconvencional, sem, contudo, explicitar concretamente tal falta, o que torna desde logo inconsistente o pedido de nulidade em causa, sendo que, conforme referido, a fundamentação escassa ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão nos termos do apontado artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPCivil.
De todo o modo, analisando a decisão recorrida, decorre da mesma que o Tribunal recorrido considerou a reconvenção deduzida, tecendo quanto à mesma considerações em matéria de facto e de direito.
Com efeito, conforme artigos 18.º a 22.º da contestação, o pedido reconvencional refere-se a alegadas benfeitorias efetuadas pela R. no andar a que se referem os autos.
Ora, tal matéria foi considerada na decisão de facto, conforme factos provados 5. e 6., bem como factos não provados b) a d), os quais foram motivados, conforme páginas 5 e 7 a 9 da decisão recorrida, assim como em sede de decisão de direito, conforme página 11 da sentença recorrida.
Improcede, assim, também nesta parte, o presente recurso.
VI.
DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
(Conclusões 17. e 18. a 22. das alegações de recurso).
 Invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPCivil, a Recorrente peticiona a declaração de nulidade da decisão recorrida «por omissão de pronúncia», alegando, em suma, que a decisão recorrida «é, em absoluto, omissa quanto à questão da economia comum» e padece de «manifesta insuficiência de fundamentação de facto e direito (…) quanto à matéria da reconvenção».
No que respeita àquela última vertente já nos pronunciamos em matéria de insuficiência da decisão recorrida.
No que respeita à omissão de pronúncia propriamente dita.
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2023, processo n.º 619/21.6T8VCT.G1-A.S1, que «a omissão de pronúncia não se confunde com as razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas): só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante duma sentença/despacho, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
No caso vertente.
No que respeita à alegada economia comum, a decisão recorrida deu como provado que:
«8. Desde 2006 até ao momento presente, a Ré tem vindo, enquanto filha da arrendatária, a residir no imóvel acima mencionado com o respetivo agregado familiar».
Fundamentou tal factualidade nos seguintes termos:
«Quanto ao facto 8, o mesmo resulta das declarações da Ré prestadas em sede de audiência, conjugadas com as declarações das testemunhas JB, ML e MF, uma vez que, de tais meios de prova, se retira que a Ré reside de forma ininterrupta desde pelo menos o ano de 2006 até à actualidade no imóvel acima mencionado com o seu agregado familiar e o utiliza como sua habitação, não obstante o falecimento da arrendatária MS em Junho de 2019, e que até ao momento não o desocupou».
Em sede de decisão de direito, a sentença recorrida nada refere em matéria de «economia comum».
Ora, tal não pode ser entendido como uma omissão de pronúncia, devendo antes considerar-se a matéria da «economia comum» por prejudicada em função da apreciação jurídica feita e, por isso, desnecessária a sua abordagem na economia imposta pela decisão recorrida, conforme disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil.
Com efeito, tendo o Tribunal recorrido entendido aplicável ao caso o disposto artigo 57.º do Novo Regime de Arrendamento Urbano e concluído que «a Ré não se enquadra em nenhuma das categorias previstas no n.º 1» daquela disposição legal, desnecessário se tornou abordar a «economia comum», pois esta só por si não justificava a transmissão por morte do arrendamento.
Improcede, assim, também nesta parte o recurso.
VII.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(Conclusões 1. e 3. a 15. das alegações de recurso).
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. A Recorrente cumpriu os indicados ónus de impugnação da matéria de facto.
Como refere a Recorrida, é certo que na impugnação feita a Recorrente não procedeu a uma análise crítica da prova produzida, nomeadamente confrontando os meios de prova indicados no recurso com os referidos na decisão recorrido, de modo a justificar in casu uma «decisão diversa», segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPCivil.
Contudo, diversamente do entendimento da Recorrida, tal não justifica a rejeição do recurso da decisão de facto, cumpridos que se mostram os indicados ónus.
3. A Recorrente insurge-se quanto à redação dada aos factos provados n.ºs 5 e 8 e entende que os factos não provados das alíneas a) a d) devem ser tidos como provados.
Vejamos.
3.1. No que respeita ao facto provado n.º 8. 
O Tribunal recorrido deu aí como provado que:
«8. Desde 2006 até ao momento presente, a Ré tem vindo, enquanto filha da arrendatária, a residir no imóvel acima mencionado com o respectivo agregado familiar».
A Recorrente pretende que daquele facto conste igualmente que a situação nele descrita ocorreu em «economia comum».      
Ora, tal é impertinente à boa decisão da causa, pelo que importa nessa parte não apreciar o recurso da decisão de facto em obediência ao disposto no artigo 130.º do CPCivil, o qual veda a realização de «atos inúteis».
Atento o princípio da limitação dos atos, a impugnação da decisão de facto justificante de reapreciação da prova produzida por parte do Tribunal da Relação pressupõe a pertinência da factualidade impugnada para a decisão de direito.
Como veremos na fundamentação de direito deste acórdão, saber se a R. e a sua falecida Senhora mãe viviam em economia comum nada adianta para a decisão de direito do caso, pois a transmissão por morte do arrendamento pretendida pela Recorrente pressupunha a ocorrência de requisitos que não foram sequer por ela alegados na contestação, soçobrando, assim, necessariamente a transmissão do arrendamento.
Em suma, por inútil o recurso da decisão de facto quanto ao facto provado n.º 8, improcede também nesta sede o recurso.
3.2. Quanto a obras feitas no locado e seu custo.  
Em causa estão ora o facto provado n.º 5 e os factos não provados b) a d).
Apreciemos.
Da decisão recorrida consta como provado que:
«5. Em 22.12.2005, MS requereu à Autora autorização para pintar as paredes, as portas e as janelas do referido imóvel e para remodelar alguns azulejos e loiças da casa de banho»,
E consta como não provado:
«b) Que o imóvel objecto do contrato de arrendamento não reunia condições de habitabilidade aquando da celebração do mesmo;
c) Que, por causa disso, a Ré e a sua mãe tiveram de realizar obras no imóvel que orçaram em € 12.000,00 e incluíram a renovação total de duas casas de banho, tratamento e afagamento do chão de madeira de toda a casa (cerca de 120m2), reboco e pintura de todas as paredes, substituição de azulejos da cozinha, restauro da totalidade das janelas e portadas, substituição da parte eléctrica e reparação de alguns pontos da canalização do locado, no que se refere às torneiras e a sua coordenação com a saída de água, tendo havido também necessidade de promover a instalação de gás, que era inexistente;
d) Que a Ré e a sua mãe comunicaram a necessidade de realizar tais obras e requereram autorização para tal efeito, para além daquela constante da carta data de 22.12.2005».
O Tribunal recorrido fundamentou tal decisão nos seguintes termos: 
«No que respeita ao facto provado 5, ele resulta da cópia da comunicação dirigida por MS à Autora, junta aos presentes autos com a réplica desta última (documento 3), tendo também sido confirmado pela testemunha JB em sede de audiência final.
(…)
Quanto aos factos não provados b) a d), a Ré, em sede de declarações de parte, afirmou que, aquando da celebração do contrato de arrendamento com a falecida arrendatária, o 4.º andar esquerdo do prédio urbano sito nos n.ºs … a … da Rua … e n.ºs … a … da Rua Castilho, Lisboa, se encontrava inabitável e que, por tal motivo, ela e os filhos tiveram de realizar obras na casa de banho e na cozinha do imóvel, assim como substituir portas e janelas, e que tais obras, com duração de 5 a 6 meses, foram comunicadas à Autora e foram por esta autorizadas.
A versão apresentada pela Ré a este propósito foi também confirmada pela testemunha ML, que confirmou a necessidade de realização das obras acima mencionadas no imóvel e afirmou que a Ré e os filhos gastaram mais de 10.000 euros nessa sede.
Contudo, o certo é que não se encontram juntos aos autos quaisquer recibos, facturas ou elementos comprovativos da realização efectiva de tais obras no imóvel e do seu pagamento pela Ré e pelos filhos. Além disso, a testemunha MC referiu que conhece bem o imóvel e todo o edifício, tendo sido clara ao assegurar que a casa se encontrava em condições de ser arrendada e habitável à data da celebração do contrato de arrendamento com a falecida arrendatária MS, já que é política geral da Autora colocar os imóveis de que é proprietária no mercado de arrendamento apenas se estes se encontrarem em condições de ser habitados, após fiscalização pelos serviços técnicos competentes. Por essa razão, esclareceu a mesma testemunha, a Autora apenas colocou o imóvel dos autos no mercado do arrendamento acessível em 2005 e não antes.
Ora, o depoimento de MC a tal propósito mereceu do Tribunal total credibilidade, atendendo à forma desinteressada, isenta e objectiva como depôs e ainda à circunstância de ser notória a sua razão de ciência, enquanto directora do departamento de Património da Autora à data da celebração do contrato de arrendamento acima mencionado e conhecer o prédio, a fracção arrendada e o estado em que estava encontrava à data, pelas funções que desempenhava.
Também a testemunha JB declarou que o imóvel acima mencionado se encontrava em boas condições de habitabilidade à data, apenas necessitando de pinturas, e que tais pinturas foram requeridas pela falecida arrendatária, autorizadas pela Autora e realizadas a expensas desta última. Também este depoimento merece a credibilidade do Tribunal nesta parte, atendendo ao facto de JB ter deposto de forma isenta e objectiva a este propósito e ter conhecimento do estado em que o imóvel se encontrava à data e das obras então realizadas, no exercício das suas funções profissionais».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
Por sua vez, a Recorrente entende que deve ser acrescentado na parte final do facto provado n.º 5 o seguinte: «tendo ainda em outras diversas ocasiões, solicitado, por telefone a realização de outras obras», ficando, pois, tal facto provado com a seguinte redação:
«5. Em 22.12.2005, MS requereu à Autora autorização para pintar as paredes, as portas e as janelas do referido imóvel e para remodelar alguns azulejos e loiças da casa de banho, tendo ainda em outras diversas ocasiões, solicitado, por telefone a realização de outras obras».
A Recorrente entende igualmente que os indicados factos não provados nas alíneas b), c) e d) devem ser dados como provados.
Fundamenta tais alterações da decisão de facto nas suas declarações de parte, bem como no depoimento das testemunhas ML e MF.
Na apreciação da factualidade em causa ora em apreço este Tribunal da Relação de Lisboa analisou toda a prova documental constante dos autos, bem como a prova pessoal produzida em julgamento.
Em termos documentais relevam:
· O documento n.º 2 junto com a petição inicial, não impugnado pela R./Recorrente, corresponde ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos, sendo que em matéria de obras importa salientar as respetivas cláusulas 8.º e 9.º, as quais estipulam que
«8º A Inquilina obriga-se a manter em bom estado, como actualmente se encontram, as instalações e canalizações de água, luz, aquecimento, esgotos e demais equipamentos do local arrendado, pagando à sua conta todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua, bem como manter em bom estado os respectivos soalhos, forros, pinturas e vidros, ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização e decurso do tempo.
9º A Inquilina não poderá fazer quaisquer obras no local arrendado sem autorização prévia, dada por escrito, pela Caixa, Senhoria, nem levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, ainda que autorizadas, nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção»;
(negrito da autoria dos aqui subscritores)  
· O documento n.º 3 junto com a réplica que constitui uma carta subscrita pela falecida MS, datada de 22.12.2005, endereçada à aqui Recorrida, na qual aquela pede a esta
«(…) autorização (…) para fazer algumas obras de limpeza e melhoramentos no andar, como 1) Pinturas de paredes, portas e janelas 2) Remodelar alguns azulejos e loiças de casa de banho (…)», bem como pede igualmente que fosse «visto (…) o problema das janelas, que não fecham e que permitem a entrada de chuva e do vento. E por esta razão, há uma necessidade urgente de serem reparados»;
(negrito da autoria dos aqui subscritores)   
· O documento n.º 4 junto com a réplica, não impugnado pela R/Recorrente, constitui a resposta da aqui Recorrida àquela carta, na qual a mesma refere que
«(…) As obras que pretende levar a cabo, são autorizadas a suas expensas, sem possibilidade de pedir indemnização ou alegar retenção caso o contrato cesse por qualquer motivo, devendo as mesmas obedecer aos critérios definidos pelos Serviços Técnicos da Caixa».
Embora em requerimento subsequente à réplica a R. tenha consignado não «conhece[r] a veracidade» do indicado documento n.º 3 junto com a réplica, em julgamento, nas suas declarações de parte, a R. reconheceu o documento em causa como sendo uma carta endereçada pela Senhora sua mãe à Recorrida, conforme minutos 16:26 a 17:18 das suas declarações, sendo que aquele documento foi exibido em julgamento à testemunha ML, filha da R./Recorrente e neta da arrendatária, e a mesma expressamente referiu reconhecer nele a letra e assinatura da Senhora sua avó, conforme minutos 21:20 a 21:42 do respetivo depoimento.
Assim sendo, em sede probatória, importa considerar como fidedignos todos os indicados documentos.
No que respeita à prova pessoal.
Em julgamento, sessão de 10.10.2023, a R./Recorrente, em declarações de parte, e a testemunha ML, filha daquela, aludiram às obras feitas no andar a que se referem os autos, ao estado deste aquando do arrendamento, em outubro de 2005, ao custo de tais obras e à comunicação das referidas obras à A./Recorrida, tecendo, no essencial, afirmações que vão no sentido da alteração da decisão de facto pretendida pela R./Recorrente.
A testemunha MF, porteira do prédio onde se situa o locado, ouvida também na sessão de 10.10.2023, nada de relevante disse na matéria factual em causa: conforme seu depoimento, se é certo que conheceu o andar a que se referem os autos quando aí funcionava um Lar, disse que tal andar foi, entretanto, arrendado, durante dois/três anos, ao «GAVE», funcionando como escritório, e só depois foi arrendada à falecida Senhora mãe da R./Recorrente, sendo que não mais entrou dentro do andar após o mesmo deixar de funcionar como lar.
Por sua vez, as testemunhas arroladas pela A./Recorrida, MC e JB, a primeira diretora da A. desde 2001 e a segunda reformado da A. e ao tempo da vigência do contrato de arrendamento funcionário desta, afirmaram, de uma forma clara, objetiva e perentória, que o andar em causa foi arrendado à Senhora mãe da R./Recorrente com condições de habitabilidade, tendo a A./Recorrida feito obras por sua conta aquando do arrendamento a que se referem os autos, bem como durante a vigência do mesmo; as obras feitas pela arrendatária e autorizadas pela A./Recorrida nos termos acordados cingiram-se às indicadas no referido documento n.º 3 junto com a réplica.
Considerando a apontada cláusula 9.ª do contrato de arrendamento, que prescreve a realização de obras pela arrendatária mediante «autorização prévia, dada por escrito, pela Caixa», aqui Recorrida, muito se estranha que a falecida Senhora mãe da A. não tenha solicitado à A./Recorrida, por escrito, a realização das obras a que se refere a alínea c) dos factos não provados e a aguardasse a respetiva autorização da A./Recorrida, tanto mais que assim procedeu quanto às indicadas no facto provado n.º 5, sendo que o montante pecuniário em causa relativo àquelas outras obras assim o justificava por maioria de razão, tal como justificava-se no contexto em causa que a R./Recorrente juntasse aos autos prova documental ou outra prova testemunhal que corroborasse as suas declarações de parte e o depoimento da testemunha ML, sua filha, manifestamente interessadas no desfecho favorável àquela da presente ação.
Nestes termos, tudo ponderado, à luz das regras da experiência comum e da lógica, mostra-se acertada a decisão da matéria de facto do Tribunal recorrido na matéria ora em apreço, pelo que importa mantê-la nos seus precisos termos.
3.3. Relativamente à convicção de transmissão do arrendamento.  
Está ora em causa o facto não provado a).
Vejamos.
O Tribunal recorrido deu aí como não provado:
«Que a Autora criou na Ré a convicção de que o arrendamento lhe seria transmitido após a morte de MS».
Fundamentou tal nos seguintes termos:
«Quanto (…), registou-se que a Ré, em sede de declarações de parte, e a testemunha ML referiram que a Autora, aquando da celebração do contrato de arrendamento com MS e em 2006, criou a convicção de que o arrendamento seria transmitido à Ré aquando do falecimento da arrendatária e de que esta última podia continuar a residir no imóvel.
Referem também a Ré e a testemunha ML que, nessa sequência, confiaram que a posição de arrendatária seria transmitida para a Ré com o falecimento de MS e que continuariam a residir no imóvel depois da morte da arrendatária, tendo realizado obras com base nesse pressuposto. Contudo, tal facto não se encontra comprovado por qualquer elemento documental junto aos presentes autos. Ademais, as testemunhas MC e JB indicaram que a falecida arrendatária e a Ré sabiam que o contrato de arrendamento celebrado estava sujeito ao Decreto-Lei 321-B/90, de 15.10, e, posteriormente, no que se refere à transmissão, à norma prevista no artigo 57.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, e que a posição de arrendatária não se transmitia à Ré por óbito da mãe.
Segundo estas testemunhas, a Autora nunca criou na falecida arrendatária e na Ré a expectativa de que a posição de arrendatária seria transmitida a esta última na sequência do óbito da mãe. Atendendo à circunstância de as testemunhas MC e JB serem funcionárias da Autora à data da celebração do contrato de arrendamento, durante a sua vigência e à data da comunicação do óbito da arrendatária e de terem deposto de forma isenta e convicta a este propósito, considera o Tribunal que os seus depoimentos e a circunstância de não estar documentada qualquer comunicação da Autora antes de 2019 da qual conste a transmissão da posição de arrendatária para a Ré são aptas a pôr em dúvida as afirmações efectuadas pela Ré e pela testemunha ML a este propósito e a considerar este facto como não provado».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores.
A Recorrente entende que o referido facto deve ser dado como provado com fundamento nas declarações de parte e no depoimento da testemunha ML.
Apreciemos.
Como referido, este Tribunal da Relação de Lisboa analisou toda a prova documental constante dos autos, bem como a prova pessoal produzida em julgamento.
Não vislumbramos razão para discordar da posição tomada pelo Tribunal recorrido e para não a subscrever integralmente.
Dito de outro modo, confrontando a prova produzida segundo as regras da experiência comum e da lógica, entende-se que não se impõe uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido; pelo contrário, merecem inteiro provimento as considerações feitas por aquele Tribunal quanto à matéria de facto ora em causa.
Com efeito, apesar da R./Recorrente e da testemunha ML, filha daquela, terem dito que a A./Recorrida lhes criou a convicção da transmissão do arrendamento por morte da respetiva arrendatária, o certo que tal não está minimamente documentado e as testemunhas MC e JB foram perentórias em negar ter sido conferida uma tal convicção, não sendo despiciente considerar o modo desinteressado como que aquelas últimas testemunhas prestaram os seus depoimentos e o interesse manifesto da R./Recorrente e sua filha ML no desfecho da causa a favor daquela.
Improcede, assim, também nesta parte o recurso.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora é proprietária da fração autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio urbano sito nos n.ºs … a … da Rua … e n.ºs … a … da Rua …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira, e atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Avenidas Novas sob o artigo matricial …;
2. No dia 31.10.2005, a Autora deu a referida fração autónoma de arrendamento, para habitação, a MS, portadora do bilhete de identidade n.º …, emitido em 28/12/1998, pelos Serviços de Identificação Civil de Lisboa, contribuinte fiscal n.º …, residente na Avenida …, n.º …, … Esquerdo, em Lisboa;
3. O arrendamento foi celebrado pelo prazo de seis meses, renovável nos termos da lei, tendo início em 1 de novembro de 2005, e ficou sujeito ao regime legal então em vigor, o Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15.10;
4. A renda mensal acordada atingia à data o valor de €625, sujeita a atualizações automáticas de acordo com os coeficientes legalmente fixados, e atingia, em 2019, o valor de € 733,36;
5. Em 22.12.2005, MS requereu à Autora autorização para pintar as paredes, as portas e as janelas do referido imóvel e para remodelar alguns azulejos e loiças da casa de banho;
6. Tais obras foram autorizadas pela Autora a expensas de MS, sem a possibilidade de indemnização ou retenção em caso de cessação do contrato;
7. Em maio de 2006, a Autora gastou €2500 com a reparação de infiltrações na referida furação autónoma e, em agosto do mesmo ano, € 3.983,50 + IVA, na execução de uma nova rede de gás;
8. Desde 2006 até ao momento presente, a Ré tem vindo, enquanto filha da arrendatária, a residir no imóvel acima mencionado com o respetivo agregado familiar;
9. MS faleceu em 11.06.2019;
10. O falecimento acima mencionado foi comunicado pela Ré à Autora por carta registada com aviso de receção datada de 03.09.2019;
11. Nessa mesma comunicação, a Ré também requereu a seu favor a transmissão da posição de arrendatária, na qualidade de filha de MS;
12. Em resposta, por carta datada de 13.09.2019, a Autora informou a Ré que considerou o contrato de arrendamento caducado, por óbito da arrendatária, sendo, portanto, inadmissível a transmissão de tal contrato;
13. Na mesma carta, a Autora solicitou à Ré a entrega do imóvel após o período de 6 meses decorrido sobre a morte da arrendatária (ou seja, até 11.12.2019);
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado:
a) Que a Autora criou na Ré a convicção de que o arrendamento lhe seria transmitido após a morte de MS;
b) Que o imóvel objeto do contrato de arrendamento não reunia condições de habitabilidade aquando da celebração do mesmo;
c) Que, por causa disso, a Ré e a sua mãe tiveram de realizar obras no imóvel que orçaram em €12.000,00 e incluíram a renovação total de duas casas de banho, tratamento e afagamento do chão de madeira de toda a casa (cerca de 120m2), reboco e pintura de todas as paredes, substituição de azulejos da cozinha, restauro da totalidade das janelas e portadas, substituição da parte elétrica e reparação de alguns pontos da canalização do locado, no que se refere às torneiras e a sua coordenação com a saída de água, tendo havido também necessidade de promover a instalação de gás, que era inexistente;
d) Que a Ré e a sua mãe comunicaram a necessidade de realizar tais obras e requereram autorização para tal efeito, para além daquela constante da carta data de 22.12.2005;
VIII.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
(Conclusões 1., 2., 16., 26. a 33. e 50. a 74. das alegações de recurso).
Em causa está ora apreciar da caducidade/transmissão do arrendamento e do pedido reconvencional.
Assim.
1. Da caducidade/transmissão do arrendamento.
Em função da factualidade dada como provada, nomeadamente dos factos provados 1. a 4, é pacífico que a A., aqui Recorrida, e a falecida Senhora mãe da R., ora Recorrente, celebraram um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo.
Tal contrato foi outorgado em 22.12.2005 e «ficou sujeito ao regime legal então em vigor, o Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15.10», comummente designado por RAU, conforme facto provado 3.
O contrato de arrendamento foi, pois, celebrado na vigência do RAU.
Nestes termos, diversamente do referido pela Recorrente, ab initio o contrato de arrendamento em causa não foi outorgado ao abrigo da Lei n.º 6/2006, de 27.02, geralmente tida como NRAU, alegadamente por ser o regime vigente à data da efetiva ocupação do locado por parte da arrendatária, após a realização de obras por falta de condições de habitabilidade do locado, factualidade que, aliás, nem sequer ficou demonstrada.
Por outro lado, atenta a factualidade indicada como provada em 9., uma vez que a arrendatária faleceu em 11.06.2019, o contrato de arrendamento em causa extinguiu-se por caducidade, pois «[o] contrato de locação caduca [p]or morte do locatário ou, tratando-se de pessoa coletiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário», conforme artigo 1051.º, alínea d), do CCivil, na redação do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25.11, e não ocorreu transmissão do contrato de arrendamento à R./Recorrente, considerando o disposto nos artigos 26.º, n.ºs 1 e 2, e 57.º do NRAU, ambos na redação vigente à data do óbito da arrendatária, 11.06.2019, o primeiro daqueles indicados preceitos na redação decorrente da Lei n.º 31/2012, de 14.08, e o segundo na redação da Lei n.º 13/2019, de 12.02, com colação igualmente ao disposto no artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CCivil.
Com efeito, segundo o disposto no artigo 26.º, n.º s 1 e 2, do NRAU, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14.08, «[o]s contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do (…) RAU», como é o caso, «passam a estar submetidos ao NRAU», sendo que «[à] transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º».
Por sua vez, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, alínea d), e) e f), na redação da Lei n.º 13/2019, de 12.02, «[o] arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva»:
- «d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de 1 ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior»;
- «e) Filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%»;
- «f) Filho ou enteado que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igual ou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA».
Ora, não se verificando in casu nenhuma das situações indicadas, é manifesto que o arrendamento não se transmitiu à R./Recorrente, enquanto filha da arrendatária.
Diversamente do alegado por ela, a vivência em «economia comum» é absolutamente irrelevante in casu para a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário, pois não se aplica na situação o disposto no artigo 1106.º, n.º 1, alínea c), do CCivil, por força do apontado regime especial decorrente dos artigos 26.º, n.ºs 1 e 2, e 57.º do NRAU.
Como refere Luís Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, edição de 2019, página 182, «[e]m relação aos contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (…) determina o art. 26º, nº 1, [do NRAU] que eles passam a estar sujeitos imediatamente ao NRAU, salvo quanto a alguns aspectos essenciais do regime, em relação aos quais se instituem regras específicas de direito transitório material (…)».
«(…) A primeira regra específica respeita à transmissão por morte do arrendamento, a qual não é sujeita ao regime agora instituído nos arts. 1106º a 1113º, mas antes ao regime dos arts. 57º e 58º NRAU». 
No mesmo sentido refere Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, edição de 2019, página 632, em anotação do referido artigo 1106.º do CCivil, «(…) este preceito não tem aplicação aos arrendamentos livres anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 28 de junho de 2006, pois o art. 26-2 NRAU manda aplicar-lhes, antes o disposto nos arts. 57 e 58 NRAU»
Ainda no apontado sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2022, processo n.º 12912/19.3T8PRT.P1.S1, refere que «(…) [v]em constituindo entendimento prevalecente de que o regime de transmissão por morte da posição de arrendatário é o definido pela lei que está em vigor à data do evento que determina essa transmissão - o óbito do arrendatário – e não pela lei que vigorava à data em que foi celebrado o contrato (cfr., por todos, Ac. do TC nº. 196/2010, proc. nº. 1030/09, publicado na DR, 2ª. série, de 16/06/2010, (…) e Ac. do STJ de 04/12/2018, proc. nº. 6371/15.7T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
«(…) No que concerne à sua aplicação no tempo», o NRAU «dispôs no artº. 59º, nº. 1, que o novo regime por si implantado se aplicava aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (…), e bem como às relações contratuais que subsistissem nessa data, sempre prejuízo, contudo, do estabelecido nas normas provisórias. Solução essa que está, aliás, em consonância com a “doutrina” consagrada no artº. 12º, nº. 2, estabelecida para a aplicação das leis no tempo. (…).
«Ora, entre essas normas provisórias/transitórias, há que destacar a prevista no artº. 26º, nº. 2, que determina que relativamente aos contratos celebrados durante a vigência (iniciada em 15/09/1990) do RAU (…) se aplica o disposto no artº. 57º, que regula a transmissão por morte no arrendamento para a habitação (…)».
«Donde resulta que, no que concerne ao regime da transmissão da posição contratual do arrendatário habitacional, por morte deste, o NRAU consagrou duas soluções: a) uma aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor (e que é aquela que consta do artº. 1106º do C. Civil); b) e outra aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor (e que é àquela que consta do artº. 57º do próprio NRAU)».
Por outro lado, conforme facto não provado a), não ficou demonstrada a existência de uma promessa verbal da A./Recorrida quanto à transmissão do arrendamento à R./Recorrente, termos em que carece de qualquer sentido invocar na matéria o abuso de direito.
Demais, não tendo havido transmissão do arrendamento e não resultando da factualidade apurada uma aceitação, mesmo que tácita, dessa transmissão por parte da A./Recorrida, estando o contrato de arrendamento sujeito a forma escrita, conforme artigo 1069.º do CCivil, não se vislumbra que à luz deste preceito legal, nomeadamente do seu n.º 2, e da factualidade apurada, que se possa concluir, como a R./Recorrente, no sentido de «que a autora deu tácito assentimento e reconheceu a ora Recorrente como inquilina».
A utilização do locado por parte da mesma e o recebimento pela A./Recorrida de um valor mensal correspondente à renda do locado, após o óbito da arrendatária, não confere por si só a qualidade de inquilina à R./Recorrente, atenta a manifesta oposição a tal por parte da A./Recorrida. 
Conforme factos provados 12. e 13., não se olvide que em carta de 13.09.2019, escassos dias depois de saber do óbito da arrendatária, a A./Recorrida «informou a» R./Recorrente que considerava «o contrato de arrendamento caducado, por óbito da arrendatária, sendo, portanto, inadmissível a transmissão de tal contrato», ao mesmo tempo que solicitava à R./Recorrente «a entrega do imóvel após o período de seis meses decorrido sobre a morte da arrendatária (ou seja, até 11.12.2019)», tendo, entretanto, interposta a presente ação em 14.07.2020.       
Na matéria, a invocação em sede de recurso do disposto nos artigos 20.º e 21.º do NRAU revela-se inócua quer por não se fundar em factualidade alegada na contestação, quer por não decorrer da factualidade dada como provada, quer por constituir questão inteiramente nova trazida à lide, termos em que necessariamente escapa ao objeto do recurso de apelação, pois neste reaprecia-se questões suscitadas ao Tribunal recorrido, salvo as de conhecimento oficioso, o que não é manifestamente o caso.
Em suma, inexiste transmissão do arrendamento do óbito da arrendatária, termos em que importa manter nesse domínio o decidido pelo Tribunal recorrido, improcedendo, pois, igualmente nesta sede, o recurso.
2. Do pedido reconvencional.
A R., enquanto Reconvinte, alegou, em suma, que após a assinatura do contrato de arrendamento efetuou, por sua conta, a reabilitação da totalidade do locado, tendo a A. criado na R. a convicção de que lhe seria transmitido o arrendamento por óbito de sua Senhora mãe.
Referiu também que despendeu nas obras de reabilitação a quantia de €12.000, a qual corresponde a €14.400, «por aplicação do coeficiente da Portaria n.º 220/2020 de 21 de setembro que fixa o coeficiente de desvalorização da moeda».
Concluiu pedindo a condenação da A. no pagamento da quantia de €14.400.
Conforme artigo 342.º, n.º 1, do CCivil, por constitutivo daquele alegado direito de crédito, incumbia à R./Recorrente, enquanto Reconvinte, provar a factualidade integradora do mesmo direito.
Ora, analisando a decisão de facto conclui-se que tal factualidade não ficou demonstrada, conforme factos não provados a) a d).
Nestes termos, por não provada a respetiva factualidade integradora, improcede o pedido reconvencional, mostrando-se prejudicada a apreciação do demais alegado na matéria pela R./Reconvinte/Recorrente, nomeadamente das benfeitorias realizadas e da natureza desta, bem como do recurso à equidade ou/e às regras do enriquecimento sem causa, conforme disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, do CPCivil.
Em suma, improcede o recurso, havendo, pois, de manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
Quanto às custas.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da R./Recorrente, pelo que esta configura-se como parte vencida, termos que deve a mesma suportar as custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

IX.
DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se integralmente a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 18 de abril de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Rute Sobral
Higina Castelo

[1] Cfr. J. RODRIGUES BASTOS, Notas, vol. III cit., p. 211, apud ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V cit., p. 211 e demais AUTORES nesse lugar citados.