ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
DELIBERAÇÃO
CONDOMÍNIO
RECONVENÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
OBJECTO DO PROCESSO
CONTRADITÓRIO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. A ação de impugnação de deliberação de uma Assembleia de Condomínio, que limita a utilização de uma determinada fração autónoma, não tem que ser intentada por ambos os cônjuges, donos de tal fração.
II. O pedido reconvencional emerge do facto que serve de fundamento à ação ou à defesa quando decorre da causa de pedir que motiva o pedido do autor ou se funda na factualidade deduzida pelo réu na contestação àquele pedido, respetivamente.
III. Por falta de conexão substancial, em ação de impugnação de deliberação de Assembleia de Condomínio, por vícios formais desta, não pode o réu Condomínio deduzir reconvenção em que peticione a nulidade de um contrato de arrendamento celebrado pelos autores, condóminos, com um terceiro, relativamente a uma das frações autónomas que integram o condomínio.
IV. A ação finda por inutilidade superveniente da lide quando um facto ocorrido na sua pendência torna de todo em todo escusada a apreciação e decisão da causa.
V. É o que sucede quando a deliberação judicialmente impugnada foi declarada nula e ineficaz por quem a proferiu, na pendência de causa cujo desiderato exclusivo era a anulação da mesma deliberação.
VI. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.
VII. Sob pena de nulidade, o Tribunal não pode decidir antes do momento processualmente adequado para tal.
VIII. Não carece de audiência prévia, nem de audição prévia das partes, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quando as partes já se tenham pronunciado nesse sentido quanto ao desfecho dos autos.
VIII. Na litigância por má-fé está em causa uma postura ignóbil, processual ou substancial, ativa ou omissiva, dolosa ou com negligência grave, de quem é parte em processo judicial.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Em 07.03.2023, os AA., JA e MA, intentaram ação comum de declaração contra o R., CONDOMÍNIO …, N.º …, PÓVOA DE SANTO ADRIÃO, pedindo que sejam «anuladas e ineficazes as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25/01/2023».
Como fundamento do seu pedido, os AA. alegaram, em suma, que são donos da fração B daquele prédio e que o A. JH, foi indevidamente notificado para aquela Assembleia de Condóminos por correio eletrónico e a A. MA não recebeu qualquer convocatória para a mesma.
Referiram também que o A. JA recebeu a ata daquela Assembleia, sendo que do ponto 6 da ordem de trabalhos consta que ficou deliberado que «locais de culto no prédio não são aceites no edifício», assunto que não constava da ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos em causa e que a mesma não tem poderes de deliberação para tal.
Os AA. referiram igualmente que no ponto 5 in fine da ata da mesma Assembleia de Condóminos consta que «[a]os valores em dívida, pelos condóminos ao condomínio, acrescem juros de mora à taxa legal em vigor, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários de advogado a serem suportados pelo condómino devedor ao longo de todo o processo até à sua total liquidação», sendo que tal matéria não foi posta à votação, pelo que a mesma é nula e ineficaz.
Em 20.04.2023, o R. apresentou contestação e reconvenção.
Na contestação defendeu-se por exceção e impugnou a factualidade em causa.
Em reconvenção, o R. alegou, em síntese, que a fração dos AA. é destinada à atividade comercial, mas foi por eles arrendada para o exercício da atividade de culto religioso, sem autorização dos demais condóminos e com desassossego para os mesmos.
O R. referiu ainda que os AA. litigam de má-fé e com abuso de direito.
Nestes termos, concluiu pedindo, além do mais,
- Em sede reconvencional, «(…) a imediata nulidade do contrato de arrendamento, devendo o (…) Tribunal ordenar que os Autores façam cessar imediatamente a atividade de culto religioso que os inquilinos estão a levar a cabo na loja “A”;
- «Serem os Autores condenados por abuso de direito» no «pagamento de montante a ser, prudentemente, ficado pelo Tribunal».
Em 22.05.2023, os AA. apresentaram réplica, na qual, em suma, sustentaram a inadmissibilidade da reconvenção e alegaram ainda que:
«Artº 3º
(…) a assembleia de condomínio, reunida no dia 30 de março de 2023, reconheceu a total ilegalidade das deliberações assumidas, no dia 25 de janeiro de 2023, e por unanimidade dos presentes, declarou nulo e ineficaz o que tinha sido deliberado no ponto seis da assembleia, de 25 de janeiro, “nomeadamente quanto aos “Outros assuntos de interesse para o condomínio”, onde se tinha inserido ilegalmente um assunto não constante da convocatória para a reunião, a saber, “que não seriam aceites locais de culto no edifício (…)».
Referiram ainda que o R. litiga de má-fé. 
Nestes termos, os AA. concluíram a réplica pedindo que:
«(…) deve (…) a presente ação:
1º Ser extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artº 277º alínea e) do CPC, na medida em que a deliberação impugnada foi declarada nula e sem efeito, pela assembleia de condóminos de 30 de março de 2023, após a instauração deste processo, ao qual o condomínio com a sua deliberação ilegal deu causa;
2º- Ser o Réu condenado como litigante de má fé (…) no máximo de multa (…) e em indemnização aos Autores de todas as despesas que demonstrarem ter tido com este processo, incluindo os honorários da mandatária até ao limite de 5.000,00 Euros, a liquidar em execução de sentença (…);
3º Ser, em qualquer caso, declarada inadmissível a reconvenção apresentada (…)».
Por sua vez, em requerimento de 13.09.2023, o R. concluiu, além do mais, no sentido de que:
«3. (…) [se] dê como extinta a presente acção por inutilidade superveniente da mesma, como expressamente peticionado pelos Autores na sua réplica, com todas as consequências daí decorrentes para os Autores, mormente em sede de pagamento, e assunção, de todos os custos, despesas e honorários decorrentes do presente processo, e que o Condomínio Réu já teve que suportar».
Em 20.11.2023, o Juízo Local Cível de Loures proferiu a seguinte decisão:
«Admissibilidade da reconvenção
Vem o réu deduzir reconvenção pedindo que seja declarada a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre os AA. e terceiros, referente ao imóvel propriedade dos AA.
A admissibilidade da reconvenção está dependente da verificação de requisitos objectivos – os constantes das alíneas do n.º 2 do art. 266.º do CPC – e de requisitos processuais, os respeitantes à competência do tribunal (art. 93.º, n.º 1 do CPC) e à forma do processo (art. 266.º, n.º 3 do CPC).
No caso, o réu invoca que os inquilinos do imóvel em discussão utilizam o mesmo para o culto religioso e não para o comércio, fim a que se destina.
Nos termos do art. 266.º, n.º 2 do CPC, a reconvenção é admissível: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Ora, no caso dos autos, o pedido do réu extravasa qualquer uma das referidas hipóteses.
Desde logo, com esse pedido o R. não se propõe obter o mesmo efeito jurídico que os autores (al. d)); tal pedido não emerge da causa de pedir da A. (formalidades da convocatória e da própria assembleia) nem sequer da defesa do próprio (defesa de que todas as formalidades foram cumpridas) – al. a); não se reconduz à efectivação do direito a benfeitorias ou despesas sobre a coisa (al. b)); e não é o reconhecimento de crédito compensatório (por mera compensação ou na parte excedente.
Assim, não se admite a reconvenção deduzida – art. 266.º e art. 93.º, n.º 1, ambos do CPC.
Notifique.
***
Inutilidade superveniente da lide:
Dispõe o artigo 277.º alínea e) do CPC que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Conforme ensinam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º, 4.ª Edição, Almedina, 2018, p. 561): A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.
*
Pelos presentes autos pretendiam os autores que fosse declara a nulidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25/01/2023 no Condomínio do Prédio Sito na Praceta Vasco Santana, n.º 1, 2620-069 Póvoa de Sto Adrião.
Na réplica apresentada pelos autores vieram estes informar os autos de que a assembleia de condóminos, reunida no dia 30 de Março de 2023, reconheceu a total ilegalidade das deliberações assumidas, no dia 25 de Janeiro de 2023, e por unanimidade dos presentes, declarou nulo e ineficaz o que tinha sido deliberado no ponto seis da assembleia, de 25 de Janeiro de 2023.
Ora, tendo em conta o exposto, e tendo presente o objecto do litígio (que se cinge ao pedido e causa de pedir dos autores) cumpre concluir que este se mostra esgotado por circunstância externa ocorrida na sua pendência.
*
Tudo visto e ponderado, julgo verificada a excepção de inutilidade superveniente da lide e declaro extinta a presente instância ao abrigo do disposto no art. 277.º, al. e) do CPC.
Custas a cargo do réu – art. 536.º, n.º 3 in fine do CPC.
Registe e notifique.
**
Pretendem os AA. que o Tribunal prossiga com a ação para apreciação do pedido de litigância de má fé e, bem assim, para decisão quanto ao pagamento de encargos e custos a que [o réu] deu causa.
Ora, no que respeita ao pedido de condenação no pagamento de “encargos e custos”, não tendo sido formulado qualquer pedido específico na petição inicial e alegados factos concretos que o sustentem, o Tribunal não poderá concluir outra coisa senão que os AA. se referem às custas do processo. E, no que respeita às custas, a decisão foi proferida supra.
Relativamente à litigância de má fé, a mesma configura um pedido dependente do pedido principal, não tem autonomia própria, pelo que ficando o objecto do processo esvaziado o mesmo não prosseguirá para apreciação da referida questão.
No caso, o objecto do processo cingia-se à apreciação da validade das deliberações tomadas a 25/01/2023, essa apreciação deixou de se tornar útil porquanto o condomínio veio a reconhecer a própria invalidade das mesmas.
Assim sendo, a ação está desprovida de objecto sendo que todas as questões acessórias ficam prejudicadas pela inutilidade superveniente da lide.
Em face do exposto, indefere-se o requerido pelos RR.
Notifique».
Inconformado com a aquela decisão, dela recorreu o R., apresentando as seguintes conclusões:
«A. Por tudo o exposto, conclui-se pela total e absoluta falta de fundamento da decisão-sentença do Tribunal a quo, sendo a mesma nula.
B. Procedeu o Tribunal a quo à prolação de decisão sem mais, sem atender aos factos, sem atender aos argumentos aduzidos pelo ora Recorrente ao longo da sua Contestação, e sem ter atendido a todas as questões submetidas pelo Condomínio Recorrente ao seu escrutínio.
C. O ora Recorrente impugnou factos e aduziu outros factos justificada e suportada e fundamentadamente, que o Tribunal a quo não atendeu e, diga-se mesmo, dos mesmos fez “tábua rasa”.
D. O Tribunal a quo ignorou a apreciação de todo o pedido final do ora Recorrente que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E. O cumprimento da Lei a todos obriga.
F. O Recorrente aduziu, em sede de Contestação, a excepção de ilegitimidade de ambos os recorridos, o que não foi apreciado pelo Tribunal a quo.
G. O Recorrente aduziu, em sede de Contestação, a excepção de ilegitimidade dele próprio, Condomínio ora Recorrente, o que não foi apreciado pelo Tribunal a quo.
H. O Tribunal a quo não analisou, nem apreciou, de forma exaustiva, como se impunha, e impõem, o argumentário, devidamente, suportado pelo Recorrente, em sede de Contestação, quanto, ainda, ao uso indevido da fracção dos Autores, à regular convocatória dos Autores para a Assembleia Geral, e ao facto de os Recorridos actuarem numa clara situação de abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, porquanto as Convocatórias, mesmo com a anterior Administração do Condomínio, seguiam via email para o Recorrido JA, à semelhança de todas as comunicações que foram sempre feitas, com a plena e cabal anuência dos Recorridos.
I. O Tribunal a quo decidiu sem ter conhecimento, porque os Recorridos, deliberadamente o omitiram que em momento anterior a pedirem a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, já haviam impugnado a deliberação que querem fazer valer-se, numa clara situação de abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.
J. Para o que lhes interessa os recorridos usam e dão grande enfâse à reunião de 30/03/2023, mas antes já a haviam impugnado…, o que supervenientemente veio ao conhecimento do Recorrente, como demonstrado à exaustão (cfr. documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com o presente recurso).
K. O Tribunal a quo decidiu diferentemente daquilo que foi o pedido dos Autores em sede de Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais:
Nestes termos e nos demais de direito, e invocando o douto suprimento deste Tribunal, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência serem anuladas e ineficazes as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25/01/2023, por clara violação da lei, nomeadamente do disposto no nº 1, 2 e 4 do artigo 1432º e 1420º nº do Código Civil, com as demais consequências legais.
L. O Tribunal a quo declarou a inutilidade superveniente da lide, porquanto:
“Na réplica apresentada pelos autores vieram estes informar os autos de que a assembleia de condóminos, reunida no dia 30 de Março de 2023, reconheceu a total ilegalidade das deliberações assumidas, no dia 25 de Janeiro de 2023, e por unanimidade dos presentes, declarou nulo e ineficaz o que tinha sido deliberado no ponto seis da assembleia, de 25 de Janeiro de 2023.” (cfr. Documento nº 7 junto com a Petição Inicial, para onde se remete, e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais)
M. Na Assembleia de Condóminos, reunida em 30/03/2023, a Assembleia de Condóminos não reconheceu a total ilegalidade das deliberações assumidas, no dia 25 de Janeiro de 2023.
N. Na sobredita Assembleia de 30/03/2023, apenas foi deliberado no respectivo Ponto 5:
A fim de encerrar este ponto foram questionados os presentes sobre a posição dos condóminos presentes e representados quanto à deliberação a tomar sobre os atos a praticar pela Administração do Condomínio, destinados a ser contestada a ação intentada contra o Condomínio, incluindo a contratação de Advogado para o efeito. Por unanimidade dos presentes e representados foi deliberado que o tema abordado no ponto seis da ata número quatro é nulo e ineficaz, De qualquer forma deve ser contratada um(a) advogado(a), e deve ser este/esta a dar resposta ao Tribunal” 
O. Ou seja, apenas se considerou que o “abordado” no ponto seis da Assembleia nº 4 de 25/01/2023, seria “nulo e ineficaz”, tendo, outrossim, na mesma Assembleia, na qual os Recorridos estiveram presentes e se fizeram representar, sido, expressamente, deliberado que:
Face ao exposto, foi colocada à votação e deliberação sobre a aceitação, ou não, por parte do Condomínio e dos Condóminos, do uso da fração “B” para o exercício de culto religioso, e em função do que vier a ser deliberado, deliberação sobre as medidas a tomar para a efetivação da deliberação. Colocada à votação e aceitação para utilização da Loja “B”, para a actividade de culto, foi a mesma recusada pela maioria dos condóminos do edifício (0,525) e com os votos favoráveis do representante das lojas A, B e D e representante do sexto andar letra “A” (0,094).
P. Apenas o desabafo dos Condóminos – que disso mesmo não passou –constante do ponto 6 da Assembleia de 25/01/2023, foi desconsiderado.
Q. No entanto, tudo o demais deliberado se manteve, isto é, todas as deliberações tomadas nos restantes pontos se mantiveram.
R. Ora pedem os Recorridos em sede de Petição Inicial, o que abaixo se transcreve:
Nestes termos e nos demais de direito, e invocando o douto suprimento deste Tribunal, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência serem anuladas e ineficazes as deliberações tomadas na assembleia de condóminos realizada no dia 25/01/2023, por clara violação da lei, nomeadamente do disposto no nº 1, 2 e 4 do artigo 1432º e 1420º nº do Código Civil, com as demais consequências legais.
S. Ora pedem os Recorridos em sede de Réplica, o que abaixo se transcreve:
1º - Ser extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do Artº 227º alínea e) do CPC, na medida em que a deliberação impugnada foi declarada nula e sem efeito, pela assembleia de condóminos, de 30 de Março de 2023, após a instauração deste processo, ao qual o condomínio com a sua deliberação deu causa.
T. Sendo que em momento anterior à apresentação da Réplica, impugnaram os Recorridos a Assembleia Geral de Condóminos de 30/03/2023 em data anterior a terem apresentado a sua Réplica nestes Autos.
U. A impugnação desta Assembleia de 30/03/2023 foi feita pelos Autores em 17/05/2023, por acção judicial que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte Processo: …/…, Juízo Local Cível de Loures - Juiz 1 (cfr. Documento nº 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, que é o pedido de Certidão da Petição Inicial da segunda acção intentada pelos Autores, ora Recorridos, impugnando a Assembleia de 30/03/2023, que se aguarda a todo o momento seja emitida).
V. O Condomínio Recorrente apenas foi citado desta acção em 18/10/2023, muito depois de ter sido apresentada a Réplica dos Recorridos (cfr. Documento nº 2 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, que é o pedido de Certidão da Contestação do Condomínio Réu, ora Recorrente, da segunda acção intentada pelos Autores, ora Recorridos, impugnando a Assembleia de 30/03/2023, que se aguarda a todo o momento seja emitida).
W. Os Recorridos depois de terem impugnado a Assembleia de 30/03/2023, por acção intentada em 17/05/2023, na Réplica, apresentada nos presentes Autos, apresentada, em 22/05/2023, querem usar a mesma para lograr os seus intentos (peça processual com a referência Citius 13800382, para onde se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
X. Os Autores fazem valer-se, nos presentes Autos, de uma Assembleia, em que estiveram presentes, e cujo teor impugnaram antes de avançarem com a réplica a que o Tribunal a quo faz referência, omitindo, consciente e deliberadamente, que haviam impugnado tal reunião de Assembleia Geral, onde os Recorridos estiveram presentes e se fizeram representar. (cfr. Documento nº 3 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, que é o pedido de Certidão do estado do processo, relativo à segunda acção intentada pelos Autores, ora Recorridos, impugnando a Assembleia de 30/03/2023, que se aguarda a todo o momento seja emitida).
Y. Para certos intentos dos Recorridos a reunião de Assembleia Geral de 30/03/2023 está válida.
Z. Para outros intentos dos Recorridos a reunião de Assembleia Geral de 30/03/2023 é, pelos Recorridos impugnada, de nada valendo.
AA. Em que é que ficamos?
BB. Está demonstrada à evidência a perfeita, evidente e clara má-fé dos Recorridos, e o abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium, por tudo o acima explanado à exaustão.
CC. O Tribunal a quo aceitou – diga-se: aceitou mal – o que os Recorridos disseram, e mal andou quando decidiu sem atender aos pedidos do Recorrente.
DD. O pedido reconvencional deduzido pelo Condomínio Recorrente configura uma causa justificativa da defesa do Recorrente e tem que ser admitido.
EE. Porque os Recorridos apenas intentaram a acção de cuja sentença ora se recorre porque o Condomínio Recorrente pôs em causa, em diversas Assembleias, por meio de desabafos dos Condóminos e de outras deliberações, o exercício da actividade de culto religioso na fracção dos Recorridos porquanto está a mesma a ser usada para fim distinto do que lhe foi adstrito, sem autorização dos demais condóminos e ao arrepio de todos os normativos legais aplicáveis, violando os Recorridos os mais básicos direitos constitucionalmente consagrados como é in casu o direito ao descanso, o direito ao repouso, o direito à saúde, como consta dos documentos juntos com os articulados (Certidão Permanente e Licença de utilização).
FF. Estamos perante o confronto entre: direitos de personalidade com tutela jurídico-constitucional e o direito à liberdade religiosa/exercício de culto religioso, que não cumprem com a preservação dos direitos dos moradores.
GG. Estabelece o artigo 335°, n.° 1 do Código Civil:
“Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes.”
HH. Contudo, o n.° 2 do referido normativo legal acrescenta: “Se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, prevalece o que deva considerar-se superior.”
II. A jurisprudência dos nossos Tribunais tem vindo a seguir o entendimento que “em caso de colisão entre o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono num ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de uso, fruição que o proprietário tem sobre a coisa que lhe pertence, deve prevalecer o primeiro”, ou seja, prevalece o direito ao repouso, à tranquilidade, ao descanso do ser humano.
JJ. O Tribunal a quo “desprezou” factos ainda controvertidos, e da maior relevância, para uma “solução jurídica diversa sustentada por parte da jurisprudência”,
KK. “solução jurídica diversa sustentada por parte da jurisprudência” que os Tribunais Superiores, e muito bem, consideram diferentemente, como expressamente alegado, e suportado, na Contestação do Réu, ora Recorrente.
LL. A Reconvenção do Condomínio Recorrente é perfeitamente legítima e está legalmente enquadrada nos preceitos e dispositivos aplicáveis:
MM. [O Recorrente refere aqui o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2022, processo n.º 1415/21.6T8VFR-A.P1 e o respetivo sumário].
NN. O Tribunal a quo mal andou ao desprezar direitos constitucionalmente protegidos, como é in casu o direito ao descanso, o direito ao repouso, o direito à saúde dos Condóminos de um prédio que se vê forçado a ouvir os brados, os gritos e o barulho feito na fracção dos Recorridos, que arrendaram a mesma para um uso indevido de culto religioso.
OO. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões que o Recorrente lhe submeteu, como a tal estava obrigado.
PP. O Tribunal a quo tem que se pronunciar sobre todo o pedido do Condomínio Réu em sede de Contestação:
“NESTES TERMOS E NOS DEMAIS QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVERÁ:
XVI. Ser julgada totalmente improcedente a Petição Inicial por não provada e por eivada de inverdades, contrariando a evidência da documentação junta, e consequentemente ser o Réu absolvido de todos os pedidos;
Sem prescindir,
XVII. Ser julgada procedente a presente Contestação por provada;
XVIII. Ser declarado o Autor JA parte ilegítima da presente acção;
XIX. Ser declarado inválido o mandato conferido pelo Autor JA às suas Ilustres Mandatárias;
XX. Ser declarada a Autora MA parte ilegítima da presente acção;
XXI. Ser declarado inválido o mandato conferido pela Autora MA às suas Ilustres Mandatárias;
XXII. Ser declarado o Condomínio Réu parte ilegítima da presente acção;
XXIII. Ser julgado procedente o pedido reconvencional por provado, requerendo-se a imediata nulidade do contrato de arrendamento, devendo o Ilustre Tribunal ordenar que os Autores façam cessar imediatamente a actividade de culto religioso que inquilinos estão a levar a cabo na loja “A”, porquanto tal loja está a a ser usada para fim distinto do que lhe foi adstrito, sem autorização dos demais condóminos e ao arrepio de todos os normativos legais aplicáveis;
XXIV. Serem julgadas procedentes todas as excepções invocadas pelo Condomínio Réu;
XXV. Serem os Autores condenados por abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium;
XXVI. E, em consequência da condenação pedida em X. supra, que seja avaliada, graduada, e devidamente sancionada, pelo Ilustre Tribunal a conduta e a postura processuais dos Autores, devendo os mesmos ser condenados ao pagamento de montante a ser, prudentemente, fixado pelo Tribunal, e que deverá ser entregue a uma Instituição de Solidariedade Social a escolher pelo Ilustre Tribunal;
XXVII. Serem os Autores notificados para virem aos presente Autos juntar a Licença de Utilização da “loja A”de que são proprietários;
XXVIII. Mais se requer que o Ilustre Tribunal notifique expressamente os Autores para que os mesmos venham juntar o original do Contrato de Arrendamento aos presente autos;”
XXIX. Mais se requerendo que o Ilustre Tribunal mande oficiar a Autoridade Tributária para vir aos presentes autos juntar o comprovativo da comunicação de tal contrato de arrendamento às Finanças e o comprovativo do pagamento do correspondente imposto do selo devido.
XXX. Serem os Autores, conjunta e solidariamente condenados nas custas, encargos, e demais despesas com o processo, incluindo honorários de Advogado.
QQ. [O Recorrente refere aqui o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.05.2022, processo n.º 2774/16.8T8PRT.P2 e o respetivo sumário].
RR. Levando a que a sentença seja nula por omissão de pronuncia:
[O Recorrente refere aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.04.2018, processo n.º 938/15.0T8VRL-A.G1 e parte do respetivo sumário].
SS. E, ainda:
[O Recorrente refere aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020, processo n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1 e parte do respetivo sumário].
TT. Estas questões não apreciadas pelo Tribunal a quo não ficaram prejudicadas pela “aparente” solução de mérito da causa.
UU. Antes pelo contrário, deveriam tais questões ter sido apreciadas pelo Tribunal a quo em momento anterior à análise da pretensa excepção de inutilidade superveniente da lide, que veio a julgar – mal no entender do Recorrente – a extinção da instância.
VV. Os Recorridos apenas avançaram com a impugnação das Assembleias de 25/01/2023 e de 30/03/2023, num acto, que muito se lamenta, de revanche, porque o Condomínio Réu pôs em causa o arrendamento para o exercício de, alegado, culto religioso na fracção de que os Recorridos são proprietários, nos termos constantes das sobreditas deliberações.
WW. Por tudo o acima exposto à exaustão, para onde se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, nada mais poderia – e deveria – ter sido decidido pelo Tribunal a quo pela clara e evidente litigância de má dos Recorridos, que omitem factos da maior relevância ao Tribunal, actual numa clara situação de abuso de direito, na vertente de venire contra factuam proprium.
XX. O mandato conferido pelos Recorridos aos seus Ilustres Mandatários é nulo.
YY. O Tribunal a quo teria sempre que notificar os Recorridos para suprirem a irregularidade dos mandatos, e não pressupor, como fez, a regularidade do mandato.
ZZ. Ao não o fazer, o Tribunal a quo ao não ter notificado os Recorridos para suprirem a irregularidade do mandato, o Tribunal a quo confirmou, ele próprio, a nulidade do mandato já de si inexistente.
[O Recorrente refere aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.07.2019, processo n.º 39297/18.2YIPRT.L1-7 e o respetivo sumário].
AAA. A nulidade do mandato dos Recorridos existe e foi ignorada pelo Tribunal a quo, e tem que ser declarada, devendo ser dados sem efeito todos os actos praticados pelas mandatárias dos Recorridos, devendo estes últimos ser responsáveis pelo pagamento de todas as custas e demais prejuízos causados ao Recorrente
BBB. Quem figura em Juízo como Autores ora Recorridos não poderá assumir tal posição sem mais.
CCC. O Tribunal a quo decidiu, sem mais, proferir uma decisão sem a realização de Audiência Prévia, nos termos do artigo 591º do CPC.
DDD. “I.– No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artº 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº 1 b)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativo ao Processo nº 3054-17.7 T8LSB – A.L1-6, de 08/02/2018).
EEE. O Tribunal a quo decidiu sobre o mérito da causa sem ter havido Audiência Prévia.
FFF. E mais, o Tribunal a quo não auscultou as Partes sobre a eventual dispensa de Audiência Prévia, como devia e a isso estava obrigado.
GGG. Pelo que, e em consequência, a preterição desta formalidade obrigatória conduz à nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
HHH. O Tribunal a quo decidiu sem mais, não tendo realizado a Audiência prévia a que estava obrigado, sem sequer ter informado previamente da sua intenção de decisão.
III. Ao conhecer do pedido em fase de saneamento do processo, como o Tribunal a quo fez, este estava, imperativamente, obrigado a realizar a Audiência Prévia, nos termos do artigo 591º, nº 1 CPC, o que não fez.
JJJ. Ao fazê-lo, e passando logo à apreciação do mérito da causa, o Tribunal a quo proferiu uma sentença nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1 do CPC.
KKK. Pelo que, e em consequência, a preterição desta formalidade obrigatória conduz à nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
LLL. Por tudo o acima, deverá, assim, ser declarada nula, e inerentemente revogada, a decisão-sentença do MM. Tribunal a quo, devendo, outrossim, ser o ora Recorrente absolvido de todos
os pedidos e da instância.
Termos em que e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado total provimento ao presente Recurso, devendo ser declarada nula, e inerentemente revogada, decisão-sentença recorrida, e o Recorrente absolvido de todos os pedidos e da instância, com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA».
(Sem negrito e sublinhado das originais)
Os AA. apresentaram contra-alegações, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
No despacho que admitiu o recurso, o Tribunal recorrido fixou à causa o valor de €20.149,76 e pronunciou-se quanto às nulidades invocadas, concluindo pela sua ausência.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo R., nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
· Da admissibilidade da reconvenção;
· Da inutilidade superveniente da lide;
· Da nulidade por omissão de pronúncia;
· Da nulidade por excesso de pronúncia;
· Da litigância de má-fé dos AA.
*
No que respeita à alegada invalidade do mandato forense (conclusões XX. a BBB. das alegações de recurso), considerando o disposto no artigo 48.º do CPCivil e as procurações dos AA. juntas com a petição inicial, não se vislumbra qualquer invalidade ou irregularidade à luz daquele normativo.
Em sede de legitimidade ativa, conforme artigo 30.º do CPCivil, é manifesto que os AA. são «sujeitos da relação controvertida, tal como configurada» por eles na sua petição inicial, sendo que, estando em causa tão-só a anulação e ineficácia de deliberações da Assembleia de Condóminos, mesmo admitindo ser o A. casado, a ação não tinha que ser proposta igualmente pelo respetivo cônjuge, atento o disposto no artigo 34.º, n.º 1, do CPCivil e 1682.º-A do CCivil e o objeto da ação, pois com a eventual procedência desta não resulta qualquer perda de direitos, antes decorrendo a não limitação do direito de propriedade que a deliberação impugnada implica.
Mostra-se, assim, regular a instância do ponto de vista processual.
III.
DA ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO.
(Conclusões DD. a NN. das alegações de recurso).
A reconvenção constitui um pedido autónomo deduzido pelo réu, correspondendo a uma ação cruzada deduzido por aquele contra o autor.
A admissibilidade da reconvenção está dependente da verificação de determinados pressupostos, uns têm a ver com a compatibilidade procedimental e processual, outros com a conexão substancial que deve existir entre os pedidos da ação e da reconvenção.
Naquela última vertente, releva considerar o disposto no artigo 266.º, n.º 2, do CPCivil, segundo o qual, «[a] reconvenção é admissível:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter».
Considerando o objeto do pedido reconvencional em causa nos autos, é manifesta a inaplicabilidade ao caso do disposto naquelas três últimas alíneas: não está de todo em todo em causa «o direito a benfeitorias ou despesas», nem «a compensação» ou «pagamento» de um valor», nem «o pedido do réu tende a conseguir, em seu beneficio, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter».
No que respeita à alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPCivil, o pedido reconvencional deve «emerge[r] do facto que serve de fundamento à ação ou à defesa», exige-se que a reconvenção decorra da causa de pedir que motiva o pedido do autor ou se funde na factualidade deduzida pelo réu na contestação àquele pedido.
Como refere Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, edição de 2017, página 217, em tal situação, «a reconvenção funda-se na mesma causa de pedir que o pedido do autor (…) ou nos factos em que o próprio réu funda uma exceção perentória (…) ou com os quais impugna os alegados na petição inicial».
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, página 320, «[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (…) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado (…). O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele».
Na situação vertente.
Na sua petição inicial, os AA. pediram que sejam «anuladas e ineficazes as deliberações tomadas na Assembleia de Condomínio realizada no dia 25/01/2023».
Fundamentaram tal pretensão em vícios relacionados com a convocatória daquela Assembleia, com a votação desta e com as respetivas competências deliberativas.
Na sua contestação, o R. refutou tais vícios, alegou que os AA. arrendaram a fração autónoma de que são proprietários para o exercício do culto religioso e, em pedido reconvencional, requereu «a imediata nulidade do contrato de arrendamento, devendo o (…) Tribunal ordenar que os Autores façam cessar imediatamente a actividade de culto religioso que os inquilinos estão a levar a cabo».     
Vistos assim os autos, é evidente que o pedido reconvencional em causa não emerge dos factos que fundamentam o pedido dos AA., nem do alegado pelo R. relativamente a tais factos.
O R. vai além desses factos e, alegando um contrato de arrendamento de que não é parte, peticiona «a imediata nulidade do mesmo», pelo que inexiste qualquer conexão substancial entre o pedido e causa de pedir dos AA., por um lado, e o pedido reconvencional deduzido pelo R., por outro lado, termos que não deve ser admitido o pedido reconvencional em causa, conforme decidido pelo Tribunal recorrido.
Improcede, pois, nesta sede a pretensão do R., aqui Recorrente.
IV.
DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
(Conclusões J. a CC. das alegações de recurso).
Em causa está ora saber do acerto da declaração de extinta da instância por inutilidade superveniente da lide.
Segundo o disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPCivil «[a] instância extingue-se com a (…) inutilidade superveniente da lide».
Dito de outro modo, a ação finda por inutilidade superveniente da lide quando um facto ocorrido na sua pendência torna de todo em todo escusada a apreciação e decisão da causa.
Como refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, edição de 2018, página 561, «[a] (…) inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, (…) a solução do litígio deixa de interessar (…)».
No presente caso.
Os AA. concluíram a sua petição inicial, entrada em juízo em 07.03.2023, nos seguintes termos:
«Nestes termos e nos demais de direito, e invocando o douto suprimento deste Tribunal, deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência serem anuladas e ineficazes as deliberações tomadas na assembleia de condóminos [do R.] realizada no dia 25/01/2023, por clara violação da lei, nomeadamente do disposto no nº 1, 2 e 4 do artigo 1432º e 1420º nº 1 do Código Civil, com as demais consequências legais».
Tais deliberações decorrem da intitulada «Ata Número Quatro», sendo que no respetivo ponto sexto consta que a Assembleia de Condóminos do R. deliberou, «por unanimidade que locais de culto no prédio não são aceites no edifício».  
Entretanto, em 30.03.2023, referindo-se àquela deliberação, a Assembleia de Condóminos do R., conforme respetiva ata, ponto segundo da ordem de trabalhos, deliberou «[p]or unanimidade dos presentes e representados (…) que o tema abordado no ponto seis da ata número quatro é nulo e ineficaz», sendo que quanto ao ponto quinto da mesma ordem de trabalho consta da mesma ata que «[c]olocada à votação a aceitação para a utilização da Loja “B”, para a actividade de culto, foi a mesma recusada pela maioria dos condóminos do edifício».
Ou seja, com as deliberações de 30.03.2023 a Assembleia de Condóminos do R. (i) anulou a sua deliberação de 25.01.2023 no sentido de que «locais de culto (…) não são aceites no edifício» e (ii) recusou «a utilização da Loja “B” [dos AA., aqui Recorridos], para a actividade de culto».
Nestes termos, embora a utilização da fração autónoma dos AA./Recorridos como local de culto continue alegadamente a ser controversa entre as partes, atenta a invocada ação judicial entretanto interposta pelos AA. contra a R. quanto a tal deliberação de 30.03.2023 que recusou a utilização da loja dos AA. como local de culto, o facto de ter sido anulada e considerada ineficaz pelo R. a deliberação de 25.01.2023 quanto àquela utilização torna superveniente inútil o prosseguimento da instância nestes autos, pois o pedido assentava precisamente naquela deliberação, entretanto, considerada nula e ineficaz pelo próprio R.
Na pendência da ação ocorreu, pois, um facto que tornou de todo em todo escusada a apreciação e decisão da causa.
É certo que na petição inicial os AA. requereram a anulação e ineficácia das «deliberações» da Assembleia de 25.01.2023 e, conforme ata desta, na mesma Assembleia foram tomadas outras deliberações.
Contudo, da análise exaustiva da petição inicial resulta que, além da deliberação relativa à utilização da fração autónoma dos AA., estes colocam ainda em causa a deliberação indicada no ponto terceiro da ordem de trabalhos, relativa ao elenco de Condóminos devedores, do qual os AA. não fazem parte, e tão-só na medida em que ficou deliberado que «[a]os valores em dívida, pelos condóminos ao condomínio, acrescem juros de mora à taxa legal em vigor, despesas judiciais e extrajudiciais, honorários de advogado a serem suportados pelo condómino devedor ao longo de todo o processo até à sua total liquidação».
Ora, relativamente àquele ponto terceiro da ordem de trabalhos, limitado que está aos Condóminos devedores e não fazendo os AA. parte daquele elenco, é manifesta a sua ilegitimidade e falta interesse processuais, pelo que a presente ação não haveria de prosseguir para conhecimento de tal matéria.
Estamos, aliás, convencidos que a referência àquela deliberação do ponto terceiro da ordem de trabalhos decorre de uma deficiente interpretação da respetiva ata por parte dos AA., entretanto corrigida implicitamente por eles, pois os AA. não mais vieram referir-se à referida deliberação e na réplica requereram a extinção da instância por inutilidade superveniente da mesma, fundando esta na declaração de nulidade e eficácia da deliberação tomada no sentido de que «locais de culto (…) não são aceites no edifício».
Tal foi assim também assim entendido pelo R. que na contestação não se refere explicitamente ao ponto terceiro da ordem de trabalhos, limitando-se a um impugnação genérica, conforme respetivo artigo 70.,  e no artigo 66. da contestação expressamente refere que «[a] questão da decisão constante da Acta nº 4 que os Autores alegadamente querem impugnar já está ultrapassada com a deliberação de 30/03/2023, da qual foi lavrada a acta nº 5 (cfr. documento 7 já junto), pelo que é uma não questão, salvo o devido respeito».  
Nessa senda, no seu requerimento de 13.09.2023, o R. concluiu no sentido de que se «dê como extinta a presente acção por inutilidade superveniente da mesma, como expressamente peticionado pelos Autores na sua réplica», posição que ora, com o recurso, inverte.
Em suma, importa julgar extinta a instância por inutilidade superveniente dos autos, conforme decisão recorrida.
Atento o disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPCivil, decorrendo tal inutilidade exclusivamente de deliberação do R. subsequente à propositura da presente ação, as custas da ação são da responsabilidade do R., conforme igualmente a decisão recorrida.
V.
DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
(Conclusões A. a I. e OO. a VV. das alegações de recurso).
O Recorrente alega que o Tribunal recorrido omitiu pronúncia quanto a diversas questões: no essencial, refere que «[p]rocedeu o Tribunal a quo à prolação de decisão sem mais, sem atender aos factos, sem atender aos argumentos aduzidos pelo ora Recorrente ao longo da sua contestação, e sem ter atendido a todas as questões submetidas pelo Condomínio Recorrente ao seu escrutínio».
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Ora, in casu, em razão da não admissão da reconvenção e da inutilidade superveniente da lide nos termos referidos, o Tribunal recorrido bem andou ao não apreciar substancialmente a matéria da contestação e reconvenção, por prejudicadas, conforme artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil
No desiderato de apreciar a regularidade formal da instância, o Tribunal recorrido poderia ter considerado as questões processuais suscitadas pelo R.
Contudo, a não entender-se igualmente prejudicada naqueles termos tal matéria, sempre cumpriria a este Tribunal da Relação substituir-se ao Tribunal recorrido, conforme artigo 665.º do CPCivil.
Ora, conforme ponto II do presente acórdão, houve pronúncia deste Tribunal da Relação quanto à regularidade formal da instância, pelo que por essa via sempre estaria suprida a nulidade por omissão do Tribunal recorrido quanto a questões de natureza processual e, assim, o alegado nesta sede pelo Recorrente revela-se carecido de efeitos processuais.
VI.
DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA.
(Conclusões CC. a LLL. das alegações de recurso).
Nesta sede o Recorrente refere, em suma, que o Tribunal recorrido «decidiu sem mais, não tendo realizado a Audiência prévia a que estava obrigado, sem sequer ter informado previamente da sua intenção de decisão».
Apreciemos.
O artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Numa das suas vertentes, decorre daquela disposição legal que, sob pena de nulidade, o Tribunal não pode decidir antes do momento processualmente adequado para tal.
No caso, o Recorrente entende que antes de proferir a decisão recorrida o Tribunal a quo deveria ter realizado audiência prévia ou informado previamente as partes da sua intenção de decidir do desfecho da causa.    
Não tem, contudo, razão.
Do disposto nos artigos 591.º, n.º 1, alínea b), e 592.º n.º 1, alínea b), do CPCivil decorre que a audiência prévia deve ser convocada para «[f]acultar às partes a discussão de facto e direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa», sendo que «[a] audiência prévia não se realiza [q]uando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados».
Ora, in casu a instância foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide e, pois, não o foi em razão de exceção dilatória, nem ocorreu conhecimento, total ou parcial, do pedido, sendo que em momento anterior à prolação da decisão recorrida ambas as partes pronunciaram-se favoravelmente quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Improcede, assim, nesta sede o recurso.  
VII.
DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AA.
(conclusão WW. das alegações de recurso).
O Recorrente entende que os Recorridos litigam de má-fé.
Consideremos.
Segundo o disposto no artigo 542.º, n.º 2, do CPCivil,
«Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Está em causa a postura ignóbil, processual ou substancial, ativa ou omissiva, dolosa ou com negligência grave, de quem é parte em processo judicial.
Como referem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume I, edição de 2022, página 104, «[a] litigância de má fé pressupõe que a parte actua com dolo ou negligência grave, de forma diferente daquela que é devida e esperada, violando, nomeadamente, os deveres de lealdade e de probidade». 
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Lima, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, páginas 615 a 617, «(…) o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência, a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual (…).»
«Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer como um meio de impedir a descoberta da verdade, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios. Abarca ainda os casos em que se pretende impedir o trânsito em julgado da decisão e, deste modo, prejudicar a contraparte na tutela ou na realização do direito substantivo que através da decisão lhe seja reconhecido».
No que respeita ao juízo de censurabilidade, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2023, processo n.º 349/20.8T8LRS-C.L1.S1, «a lei não exige o dolo, bastando-se com a negligência grosseira. Não se torna, pois, necessário a prova da consciência da ilicitude do comportamento do litigante e da intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, bastando tão só que, à luz dos concretos factos apurados, seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação».
«O Código de Processo Civil, no artigo 542.º, passou a adotar o aforismo tradicional que equipara a culpa lata ao dolo com o intuito de atingir uma maior responsabilização das partes».
Ora, na situação em apreço, considerando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos expostos, não se tendo apreciado e decidido quanto ao mérito da causa, mostra-se prejudicada a pretendida condenação dos AA. como litigantes de má-fé em termos substanciais, alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPCivil.
Por outro lado, em função do processado não se vislumbra na conduta dos AA. má-fé instrumental, conforme referido artigo 542.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CPCivil.
É certo que na réplica omitiram referência ao indicado processo n.º …/….
Contudo, no contexto dos presentes autos, tal revela-se inócuo, pois em causa está a deliberação de 25.01.2023, não a deliberação de 30.03.2023, não configurando de todo em todo tal uma «omissão grave do dever de cooperação», nem «um uso manifestamente reprovável [do processo], com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Improcede, assim, o recurso.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão do Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva o Recorrente configura-se, assim, como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pelo Recorrente.

VIII.
DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 18 de abril de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins
Orlando Nascimento