ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
DANO INDEMNIZÁVEL
DANO PATRIMONIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERDA DE CAPACIDADE AQUISITIVA
Sumário

I - Conforme decorre do disposto dos artigos 483º e 563º, ambos do Cód. Civil, a ressarcibilidade ao lesado abrange os danos resultantes da violação, sendo que a obrigação de indemnizar apenas existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o que traduz, no âmbito do nexo de causalidade, a adopção da teoria da causalidade adequada ;
II – assim, caso o dano ou perda reclamado não resulte directamente da violação em equação, nem a lesão causada implicou necessariamente a existência desta perda ou dano, antes se estando perante uma despesa eventual que as demandantes decidiram realizar, de forma a lograrem obter substracto probatório no qual pudessem fundamentar e enformar a sua pretensão, inexiste tal nexo causal, não abrangendo a obrigação de indemnização tal eventual perda ou despesa ;
III – na aferição do ressarcimento por dano patrimonial futuro, sendo a lesada estudante universitária, desconhecendo-se-lhe a obtenção de quaisquer réditos profissionais próprios, vem prevalecendo o entendimento de dever-se ter em conta o salário médio mensal vigente à data do evento lesivo ;
IV – tal critério do salário médio mensal destina-se às situações em que o lesado, devido ao facto de ainda não ter ingressado no mercado de trabalho (seja devido à sua idade, seja devido à circunstância de ainda não ter atingido a completude da sua formação profissional) não tem qualquer referência de réditos próprios, assim se evitando a adopção, por defeito, de um critério mínimo de rendimento (salário mínimo nacional), mas antes se logrando ponderação com base num rendimento médio, susceptível de introduzir melhores garantias de justiça equitativa ;
V - O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;
VI - considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, de per si, um dano de natureza patrimonial indemnizável ;
VII - e isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;
VIII - pois, neste caso, trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;
IX - assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;
X - em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – FR e SR, ambas residentes na …, Torres Vedras, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
- LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA de SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL em PORTUGAL, com sede na Avenida D. João II, 5º, em Lisboa
pedindo a sua condenação a pagar-lhe:
“- 1.516,89 euros (mil quinhentos e dezasseis euros e oitenta e nove cêntimos), a título de despesas médicas e medicamentosas e tratamento conservador /recuperador de Fisioterapia e ainda as que se vieram a vencer até a consolidação do dano à 2ª A;
- 10.000,00 € (dez mil euros), a título de dano não patrimonial sofridos causados pelo acidente, à 2ª A.;
- Indemnização por dano corporal de acordo com o que vier a ser fixado em relatório pericial a ser realizado pelo INML, à 2ª A.
- 3.400,00 euros (três mil e quatrocentos euros), a título de compensação pelo período em que ficou privada da utilização do veículo, desde da data do acidente até (27/09/2018), até a presente data, no total de 340 dias, calculados à taxa diária de 10,00 euros, à 2ª A.
- 1.500,00 euros (mil e quinhentos euros), a título de indemnização, referente a perda total do veículo de matrícula …-…-… à 1ª A.;
- 780,00 euros (setecentos e oitenta euros), montante suportado pelo serviço prestado pela GSMAX-Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda., à 1ª. A.
- Pagar as AA Juros moratórios, contados à taxa legal em vigor, desde da data de citação até efectivo e integral pagamento dos valores ora peticionados”.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
- no dia 27 de setembro de 2018, cerca das 17.50h, na Rua …, Torres Vedras, troço em contexto rural, ocorreu um acidente de viação numa via com duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido ;
- foram intervenientes em tal embate o veículo de matrícula …-…-… e o veículo de matrícula …-…-… ;
- o veículo de matrícula … era conduzido pela 2ª A., SR, que circulava na referida via na sua hemi-faixa, com destino à sua residência ;
- quando, do seu lado direito, vindo de um entroncamento, surge o veículo de RR, conduzido por DR ;
- o qual, de forma inadvertida, invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo conduzido pela 2.ª A, surgindo em contramão ;
- não tendo sido possível à condutora do veículo RZ efetuar qualquer manobra e evitar o embate entre os dois veículos ;
- o sinistro resultou de uma colisão frontal oblíqua, provocando danos na frente lateral esquerda do veículo RR e na frente do veículo RZ ;
- tendo o embate ocorrido na faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do veículo RZ ;
- em consequência do embate, o veículo RZ ficou imobilizado e impossibilitado de circular, e foi considerado como perda total ;
- tendo resultado do acidente danos corporais para a 2ª A. ;
- assim, o acidente ocorreu por única e exclusiva responsabilidade do condutor do veículo RR ;
- o qual não cuidou de conduzir de modo a adequar a condução às características da via ;
- ao efetuar a manobra de mudança de direção à esquerda, e ao não ter sinalizado essa manobra com a devida antecedência, não a efetuou de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias ;
- a responsabilidade civil pelo risco de circulação do veículo RR. estava transferida para a R. por contrato de seguro ;
- recorreram aos serviços da empresa Gsmax, Lda. para averiguação do acidente, tendo despendido a quantia de € 780,00 ;
- reclama a 1ª A. o pagamento do montante de € 1.500,00, correspondente ao valor venal do veículo RZ, de sua propriedade ;
- desde a data do acidente que a 2ª A. ficou sem poder utilizar o veículo, o que causou transtorno, uma vez que este era o seu único meio de transporte e viu-se obrigada a recorrer a ajudas de amigos e familiares, transportes públicos, nomeadamente táxi e Uber ;
- devendo receber uma compensação pelo período em que está sem poder usufruir do seu veículo, contabilizada desde 27/09/2018 até efetiva e total reparação da totalidade dos prejuízos, a € 10,00 diários, que perfaz o montante de € 3.400,00 ;
- face às lesões corporais sofridas, a 2ª A. ficou com sequelas e com períodos de incapacidades absolutas, com necessidade de tratamentos e procedimentos médicos: consultas, medicamentos, fisioterapia e ginásio, nos quais suportou despesas no montante de € 1.516,89, que ora reclama da R. ;
- as lesões sofridas pela 2ª A. ainda não se encontram consolidadas, atendendo a que a mesma ainda esta a ser acompanhada na especialidade de ortopedia e de fisioterapia, pelo que, na presente data ainda não é possível a quantificação do dano biológico, estético e do quantum doloris ;
- sofreu, ainda, a 2º A. danos não patrimoniais, pedindo uma indemnização de valor não inferior a € 10.000,00 pelo seu ressarcimento.
2 – Citada a Ré, veio apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
- o veículo seguro não foi responsável pelo acidente, pois circulava pela Estrada ... em direção à Rua …, pretendendo passar a circular por essa via ;
- circulava a uma velocidade não superior a 30 Km/h ;
- ao chegar à zona de intersecção entre as duas vias, o condutor do veículo RR sinalizou a sua intenção de mudar de direção à esquerda, e prosseguiu a sua marcha, virando à esquerda, uma vez que nenhum veículo circulava na zona do entroncamento referido ;
- de repente, quando se encontrava já em fase de conclusão da manobra, para lá do eixo da via da Rua …, isto é, com a frente do seu veículo já na hemi-faixa de rodagem que se desenvolve no aludido sentido Oeste-Este que pretendia tomar, foi surpreendido pelo súbito aparecimento do motociclo tripulado pela 2ª A. ;
- o qual, provindo da sua esquerda, e não respeitando a prioridade de passagem de que gozava o veículo RR., colidiu com a frente na frente lateral esquerda do ligeiro RR. ;
- tendo tal embate ocorrido já na hemi-faixa esquerda da Rua …, atento o sentido de marcha do veículo RZ ;
- o embate ocorreu, assim, por culpa da condutora do veículo RZ, que não respeitou a prioridade de passagem de que gozava o ligeiro RR. ;
- sendo que a condutora do veículo RZ conduzia sem habilitação legal para o efeito ;
- as quantias reclamadas pelas AA. são excessivas, além de que, a quantia peticionada a título de privação de uso do veículo é indevida, pois a 2ª R. não era proprietária do veículo, única que teria direito a reclamar qualquer indemnização a esse título ;
- mesmo que assim não se entendesse, a partir da data em que a R. lhe comunicou que não era responsável pelo acidente não é devido qualquer valor ;
- os danos da paralisação do motociclo, quando muito naquele circunscrito período inicial de 18 dias, carecem de adequada alegação, fundamentação, demonstração e comprovação, não se encontrando, neste caso, minimamente sustentados.
Conclui, no sentido da sua absolvição do pedido.
3 – Por despacho de 19/05/2021, fo(i)(ram):
- dispensada a realização da audiência prévia ;
- proferido saneador stricto sensu ;
- fixados o objecto do litígio e os temas da prova ;
- apreciados os requerimentos probatórios ;
- designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
4 – Após produção da prova pericial, através da realização de perícia médico-legal à Autora SR, veio esta, em articulado superveniente, ampliar o seu pedido, a título de indemnização pelo dano corporal, para o valor de 34.280,00 €, discriminado da seguinte forma:
1.º Défice Temporário na Actividade Formativa: €7.500,00 euros (552 dias)
2.º Dano Biológico: €5.500,00 (4 pontos)
3.º Dano Estético: €5.000,00 (4/7 pontos)
4.º Quantum Doloris: €2.500,00 (5/7 pontos)
5.º Dias com incapacidade temporária com internamento: €780,00 (23 dias)
6.º Repercussão na vida laboral: €10.000,00
7.º Repercussão na actividades desportivas e de lazer: €3.000,00 (2/7 pontos)”.
Vindo assim as Autoras requerer que o valor total do seu pedido seja fixado no montante de 51.476,89 €.
5 – Por despacho de 26/10/2022 foi admitido o articulado superveniente e a ampliação do pedido apresentados.
6 – Designada novamente data para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio esta a concretizar-se conforme acta de fls. 157 a 163.
7 - Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 164 a 177 -, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
“Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a R. Liberty Seguros, Compañía de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal dos pedidos formulados pelas AA. FR e SR.
Custas a cargo das AA., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Valor da ação corrigido: € 51.476,89
Notifique e registe”.
8 - Inconformadas com o decidido, as Autoras interpuseram recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentaram, em conformidade, as Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES (que, apesar da sua extensão, ora se transcrevem, na íntegra ; corrigem-se os lapsos de redacção existentes):
 “A) Veio o Tribunal a quo proferir sentença nos presentes autos que julgou improcedente, por não provada, a acção interposta pelas Apelantes.
B) Decisão com a qual as ora Apelantes não se conformam, isto porque, entendem que face à prova produzida nos autos, a responsabilidade pela produção do sinistro deveria ter sido imputada ao condutor do veículo seguro na Apelada,
C) Consideram as Apelantes incorrectamente julgado como provado os Pontos 9 e 11 dos Factos Provados da Sentença, que no seu entendimento deveria ter sido julgado como não provado e incorrectamente julgados como não provados os Pontos 1 e 3 dos Factos Não Provados da Sentença que no seu entender deveriam ter sido julgados como Provados.
D) No que concerne ao Ponto 9 e 11 do Factos Provados da Sentença e 1 e 3 dos Factos Não Provados, foi afirmado pela Apelante SR, em sede de declarações de parte, que circulava na Rua …, em sentido descendente, tendo o embate entre o veículo por si conduzido e o veículo RR ocorrido junto ao 1º túnel do entroncamento entre a frente do veículo por si conduzido e a frente lateral esquerda do veículo RR.
E) Mais afirmou a Apelante que, atento o seu sentido de marcha, circulava totalmente dentro da sua hemi-faixa de circulação, tendo o embate ocorrido dentro da sua hemi-faixa de circulação.
F) Foi afirmado pela testemunha PM, que chegou ao local após o acidente já ter ocorrido, tendo verificado que o após o embate o veículo RR encontra-se totalmente na faixa de rodagem contrária àquela que pretendia tomar, ou seja, dentro da faixa de rodagem por onde circulava o veículo RZ, conduzido pela Apelante.
G) Os que aliás foi confirmado pelas testemunhas FM e GC.
H) Foi afirmado pela testemunha PG, que circulava alguns metros atrás do veículo conduzido pela Apelante, na mesma faixa de rodagem e no mesmo sentido, não tendo visualizado o embate, contudo, quando chegou ao local do acidente verificou que o embate tinha ocorrido na faixa de rodagem por onde circulava o veículo …, conduzido pela Apelante.
I) Foi afirmado pela testemunha DR, condutor do veículo …, que na data do acidente saiu do seu local de trabalho, com o veículo cedido pela sua entidade patronal, e no entroncamento, após a saída do túnel virou à esquerda, sendo que não olhou para a esquerda, porque sabia ter prioridade e quando entrou na faixa de rodagem o seu veículo já ia em posição oblíqua, relativamente a faixa de rodagem que pretendia circular.
J) Conforme se pode verificar pelas fotografias anexas ao documento 3 da Petição Inicial, a faixa de rodagem por onde circulava a Apelante (Rua …), conduzindo o veículo …, apresenta um entroncamento à direita para a Estrada ..., sendo que a passagem para esta estrada se efectua através de dois túneis, uma para cada sentido de marcha.
K) Atento o sentido de marcha da Apelante, o primeiro túnel que se lhe apresenta à direita, destina-se ao trânsito que vai da Rua … para a Estrada ... e o segundo túnel, o trânsito no sentido contrário., sendo que, o embate ocorre na Rua … em frente do primeiro túnel entre a frente lateral esquerda do veículo … e a frente do veículo conduzido pela Apelante.
L) Consta do croqui anexo à participação de acidente de viação elaborada pelas autoridades policiais, junta aos autos como documento 2 da contestação o veículo RR, encontrava-se em posição totalmente oblíqua em relação à via que pretendia tomar, tendo o local de embate ali identificado foi mencionado unicamente pelo condutor do veículo RR.
M) Ora resulta que o condutor do veículo RR ao sair do túnel imediatamente se colocou em posição oblíqua, para virar à esquerda para a Rua …, tendo o embate ocorrido na hemi-faixa de rodagem onde circulava a Apelante.
N) O facto de embate ter ocorrido entre a frente do veículo conduzido pela Apelante e frente lateral esquerda do veículo RR demonstra que a mesma não alterou a trajectória, porque, caso o embate tivesse ocorrido já na hemi-faixa de rodagem no sentido de que o veículo RR pretendia tomar, o embate teria já ocorrido na lateral traseira esquerda.
O) Acresce que, para o embate tenha ocorrido junto do primeiro túnel, como o veículo RR em posição oblíqua e sendo embatido na sua frente lateral esquerda, foi porque, o mesmo não efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda dado a sua esquerda ao centro de intersecção das duas vias.
P) Pelo que deveriam os pontos 9 e 11 dos Factos Provados da Sentença, ter em sido julgados como não provados e os Pontos 1 e 3 dos Factos Não Provados da Sentença ter sido julgados como provados.
Q) O Tribunal a quo para formar a sua convicção para considerar os Pontos 9 e 11 como provados, fê-lo com fundamento nas declarações de parte da Apelante e das testemunhas PM, FM, GC e PGmotociclo, quando as mesmas afirmaram precisamente que o embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem pela qual circulava a Apelante.
R) Nestes termos deveria ter sido julgado como provado que o acidente em discussão nos autos, ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro na Apelada.
S) Atento o supra exposto e à factualidade assente, resulta que a responsabilidade pelo pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que as Apelante sofreram em consequência do acidente provocado pelo condutor do veículo RR, cabe exclusivamente à Apelada.
T) Porquanto, conduziu em contravenção ao disposto nos artigos 29º, nº 2 e 44º ambos do Código de Estrada, os quais regulam os princípios gerais da cedência de passagem e manobra de mudança de direcção à esquerda.
U) O condutor do veículo RR agiu assim com culpa, recaindo ainda sobre o mesmo uma presunção legal de culpa na medida em que conduzia o veículo sob a instruções e direcções da sua entidade patronal.
V) Encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, incorrendo a Ré no dever de indemnizar (art. 483.º n.º1 do Código Civil), devendo a indemnização reconstituir “a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento” (art. 562.º do Código Civil).
W) Competiria ao proprietário do veículo RR indemnizar as Apelantes monetariamente nos termos do preceituado no art. 566º do C.C. e nº 1 do art. 564º, ambos do C.C.
X) Porém, dado existir Contrato de Seguro válido celebrado pelo proprietário do veículo RR com a ora Apelada, a responsabilidade civil emergente de sinistros de viação em que é interveniente a viatura segurada foi transferida para a respectiva Seguradora.
Y) Assim deverá a Apelada ser condenada no pagamento à Apelante SR da quantia de 1.516,89 euros a título de despesas médicas e medicamentosas e tratamento conservador /recuperador de Fisioterapia (ponto 19 dos factos provados), a quantia de 34.280,00 euros a título de dano corporal (pontos 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32,33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 dos factos provados) e 3.400,00 euros a título de compensação pelo período em que ficou privada da utilização do veículo. (pontos 16 e 17 dos factos provados) e à Apelante FR a quantia de 1.500,00 euros, a título de indemnização, referente a perda total do veículo de matrícula …-…-… (ponto 16 dos factos provados)
Z) Por conseguinte, deverá o presente recurso ter provimento e a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que considere o condutor do veículo RR, seguro na Apelada como único e exclusivo responsável pela produção do sinistro e condene a Apelada no pagamento às Apelantes do montante total de 40.696,89 euros.
AA) Mediante a reapreciação da prova testemunhal prestada em sede de audiência de julgamento, designadamente, o depoimento de parte prestado pela Apelante SR, os depoimentos das testemunhas PM, FM, GC, PG e DR, bem assim como, do documento 3 da petição inicial e documento 2 da contestação
BB) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto nos art. 483º, 494º, 496º, nº 1 e 3, 562º, 566º, nº 1 e 2, todos do Código Civil”.
Conclui, no sentido da substituição da decisão recorrida.
9 – A Apelada/Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem integralmente, corrigindo-se os lapsos de redacção):
“1 – deve o recurso das A.A. ser rejeitado por extemporâneo;
2 - do teor, não só dos documentos juntos aos autos, mas também dos depoimentos cujas partes relevantes se acabam de transcrever, resulta claro que:
a)- o veículo automóvel “RR” circulava na Estrada de ..., proveniente de um túnel pelo qual passa a faixa direita de rodagem que dá acesso ao cruzamento/entroncamento da mesma com a Rua …, na localidade de Ramalhal;
b)- o condutor do dito veículo pretendia virar à esquerda no dito entroncamento, passando a circular pela Rua … no sentido Oeste-Este;
c)- no entroncamento da Estrada de ... com a Rua da ..., para quem circulasse no sentido em que circulava o veículo automóvel “…”, não havia sinal de STOP ou qualquer outro que obrigasse o respetivo condutor a ceder a passagem a quem circulasse na Rua …;
d)- a 2ª Autora tripulando o motociclo …-…-…, circulava na Rua … no sentido oposto àquele para o qual o condutor pretendia passar a circular…
e)- … de tal modo que o “…” se lhe apresentava pela direita da 2ª Autora,
f)- a qual, para além disso, circulava sensivelmente ao eixo da via e não o mais à direita possível da delimitação da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido de marcha que levava;
g)- a 2ª A., que conduzia o motociclo …, não tinha habilitação legal para conduzir;
h)- o condutor do “RR” imprimia ao mesmo velocidade reduzida, tanto assim que a quina dianteira esquerda do mesmo ficou a 4,90 metros de distância em relação à delimitação direita da hemi-faixa de rodagem da Rua …. da qual proveio o motociclo “…”,
i)- sendo certo que a largura da Rua … é de 8,10 metros, ou seja, 4,05 metros para cada faixa de rodagem em sentidos opostos;
j)- a colisão ocorreu a mais de 4 metros de distância da delimitação direita da faixa de rodagem da Rua … atento o sentido pelo qual a 2ª A. circulava
k)- a 2ª autora violou assim o disposto nos artºs. 13, nº 1, 30, nº 1 e 121, nº 1 do Código da Estrada, sendo certo que, para além do mais, tais violações fazem presumir a culpa da mesma, quanto à produção do acidente;
l)- a Mma Juíza “a quo” analisou criteriosa e criticamente a prova produzida, a qual outra leitura ou avaliação não podia ter tido, que não a que consta da douta sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser mantida intocada e na íntegra, quanto aos factos provados e não provados.
m)- mais deve manter-se, também na íntegra a douta decisão recorrida, quando aos fundamentos de direito, que absolveu a Ré Liberty ora alegante”.
10 – O recurso foi admitido por despacho de 14/09/2023, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
**
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação das recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência aos indicados pontos:
- 9 e 11 da matéria factual dada como provada =» pretensão que passem a figurar como não provados ;
- 1 e 3 da matéria factual dada como não provada =» pretensão que passem a figurar como provados ;
o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA (inclusive da gravada) – Conclusões A) a R) e AA) ;
2. Seguidamente, tendo por pressuposto a pretendida alteração da matéria de facto a figurar como provada, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA – Conclusões S) a Z).
Aprioristicamente, na análise do teor das contra-alegações recursórias, apresentadas pela Recorrida Ré, urge, ainda, conhecer acerca da seguinte questão:
- Da alegada extemporaneidade do recurso interposto.
--------
QUESTÃO PRÉVIA: da alegada extemporaneidade do recurso interposto
Em sede contra-alegacional, referencia a Recorrida Ré que a sentença foi notificada às partes em 10/03/2023, enquanto que o requerimento recursório foi apresentado em 05/05/2023.
Atento o objecto recursório (que inclui a impugnação da matéria de facto), dispunham as Autoras do prazo de 30 + 10 dias para apresentarem nos autos o requerimento de interposição do recurso, pelo que, tal prazo, ponderando o período de férias judiciais da Páscoa, terminaria em 02/05/2023, mas foi interposto apenas em 05/05/2023.
Acrescenta, ainda, não terem as Autoras liquidado, nem demonstrado a liquidação, do pagamento da multa prevista no artº. 139º, nº. 5, alín. c), do Cód. de Processo Civil, pelo que, nos termos do nº. 3 do mesmo normativo, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.
Donde, conclui, deve ser rejeitado o recurso interposto.
Apreciando:
Após a apresentação da resposta alegacional, por despacho de 05/07/2023, foi ordenado, relativamente às Autoras, o cumprimento do estatuído no nº. 6, do artº. 139º, do Cód. de Processo Civil.
Cumprida tal liquidação, constata-se que a multa, acrescida da legal penalização, foi paga pelas Recorrentes, conforme resulta do teor de fls. 208.
Assim, confirmando-se as datas indicadas pela Recorrida, constata-se que o recurso foi apresentado no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, pelo que, cumprindo o pagamento da multa, com acréscimo da legal penalização, deve o mesmo, nos termos do citado artº. 139º, nºs. 5, alín. c) e 6, do CPC, ser admitido, conforme decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Pelo que se confirma e reitera a tempestividade do recurso interposto.
**
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (corrigem-se os lapsos de redacção e assinala-se com * os factos objecto de impugnação):
1. No dia 27 de setembro de 2018, cerca das 17.50h, na Rua …, Torres Vedras, via com duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido, ocorreu um acidente de viação.
2. No sinistro foram intervenientes, o veículo de matrícula …-…-…, motociclo, de marca ZNEN, modelo …, e o veículo de matrícula …-…-…, ligeiro de passageiros, de marca Citroen, modelo C4.
3. O veículo de matrícula … era conduzido à data do acidente pela A. SR, que circulava na Rua da ... em direção à Urbanização onde residia.
4. O veículo de matrícula … era conduzido por DR.
5. O acidente ocorreu no entroncamento formado entre a Estrada ... e a Rua …, Ramalhal.
6. A Rua …, atento o sentido de marcha do veículo …, desenvolve-se, no local que antecede o entroncamento em que veio a ocorrer o acidente, em patamar descendente, existindo duas ligeiras curvas, uma primeira à direita e outra à esquerda, para quem circula nesse sentido.
7. No referido entroncamento, mais concretamente na Rua …, no sentido em que circulava o veículo RZ, e na Estrada ..., no sentido em que circulava o veículo RR, inexistia qualquer sinal de paragem obrigatória ou de aproximação de estrada com prioridade.
8. O veículo RR circulava pela Estrada ... em direção à Rua …, pretendendo passar a circular por esta rua, no sentido oposto ao que circulava o veículo RZ.
 9. O veículo RR circulava a velocidade não concretamente apurada e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor abrandou a marcha, prosseguiu e iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda e, quando pelo menos a parte frontal direita do veículo se encontrava parcialmente para lá do eixo da via da Rua …, na hemifaixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, ocupando parte não concretamente determinada do veículo a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o mesmo sentido que pretendia tomar, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua …, e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo … [2] *;
9-A - Tal manobra de mudança de direcção à esquerda foi efectuada pelo condutor do RR de forma oblíqua, e não perpendicular, de forma a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias ;
10. Em consequência do embate sobrevieram danos na frente lateral esquerda do veículo … e na frente do veículo ….
11. O embate entre o veículo … e o veículo … ocorreu em local não concretamente apurado, junto ao eixo da via da Rua … [3] *;
12. Na data do acidente a A. SR não tinha habilitação legal para conduzir.
13. Na data do acidente o veículo … era propriedade da A. FR e a responsabilidade emergente da sua condução estava transferida para a R. através de contrato de seguro titulado pela apólice ….
14. À data do acidente o veículo de matrícula …-…-… era propriedade da …, SA, e a responsabilidade civil emergente da sua condução encontrava-se transferida para a R. através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ….
15. A A. SR recorreu aos serviços da empresa GSMAX – Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda. para averiguação do acidente.
16. Em consequência do embate o veículo … sofreu vários danos, ficou imobilizado e impossibilitado de circular e foi considerado como perda total, atento o valor da sua reparação face ao seu valor venal.
17. Desde a data do acidente a A. SR ficou sem poder usufruir do veículo … (e não RR, sendo evidente o lapso existente).
18. Em consequência do acidente resultaram danos corporais para a A. SR, que foi conduzida pelo INEM para o Centro Hospitalar do Oeste – Unidade de Torres Vedras, após receber os primeiros socorros ainda no local do acidente.
19. Em consequência do acidente a A. SR sofreu várias lesões, tendo tido necessidade de tratamentos e procedimentos médicos, como consultas, toma de medicação, fisioterapia e ginásio, tendo despendido, pelo menos, o montante de € 1.516,89.
20. Em consequência do acidente a A. SR sofreu traumatismo craniano, com perda de consciência, com amnésia para o ocorrido, contusão do punho direito, sem alterações osteo-articulares, bem como trauma da coxa direita, com impotência funcional, fratura diafisária do fémur, fechada, bem como pequeno pneumotórax, sem necessidade cirúrgica
21. Em consequência das lesões sofridas foi aplicada à A. SR tração esquelética aos côndilos femorais e no dia 30/09/2018 foi submetida a redução incruenta e encavilhamento estático endomedular do fémur tipo Fenix, e após estabilização clínica a A. SR iniciou fisioterapia.
22. A A. SR esteve internada desde o dia 27 de setembro de 2018 até ao dia 15 de outubro de 2018.
23. Em 26/11/2018 a A. SR foi submetida a ressonância magnética do joelho direito que não revelou alterações ligamentares ou meniscais, apenas edema difuso inespecífico na face anterior do joelho, estendendo-se à sua face ântero-externa.
24. No dia 05/02/2019 a A. SR foi submetida a remoção de parafusos distais sob controlo imagiológico.
25. No dia 30/11/2019 a A. SR foi submetida a ressonância magnética que evidenciou imagem linear horizontal do menisco interno a nível do corno posterior que parecia indicar patologia degenerativa, não evidenciando sinais de rotura, perda do volume do corno anterior do menisco externo, que aparentemente encontrava-se fragmentado a nível da raiz rodeado de líquido.
26. No dia 08/01/2020 a A. SR foi intervencionada no CHO-TV tendo-lhe sido efetuada a remoção de parafuso proximal e cavilha Fenix.
27. A A. SR foi avaliada no Hospital CUF Descobertas por síndrome rotuliano doloroso em hiperpressão externa da rótula e tendinopatia rotuliana ligeira, tendo-lhe sido prescrito programa de fisioterapia, com aplicação de agentes físicos anti-inflamatórios, alongamentos, fortalecimento muscular com cadeia fechada e bicicleta, estiramento, trabalho excêntrico e massagem transversal profunda, tendo feito sessões de fisioterapia e ginásio.
28. Em consequência das lesões sofridas em virtude do acidente a A. SR apresenta as seguintes sequelas: Membro inferior direito: duas cicatrizes nacaradas, longitudinais, no terço proximal da face lateral da coxa, a superior com 6.5cmx0.4cm e outra com 2.5cmx0.3cm; outra cicatriz, de mesmas características morfológicas, no terço distal da face lateral da coca, medindo 4cmx0.3cm; vestígio cicatricial na face lateral do joelho, medindo 1.2cmx0.3cm; complexo cicatricial nacarado, não hipertrófico e não retrátil na face anterior do joelho, medindo 4.5cmx2cm; vários vestígios cicatriciais nacarados, dispersos pela face antero-medial do joelho, o maior com 2cm de comprimento; dismetria do membro inferior de +/- 1.5cm, medindo entre espinha ilíaca antero-superior e maléolo medial e entre espinha ilíaca antero-superior e polo superior da rótula; sem amiotrofias dos músculos da coxa, medindo a 15cm do polo superior da rótula, ou da perna, medindo a 12cm o polo inferior da rotula e comparando com o membro contralateral; mobilidades da articulação coxo-femoral mantidas, dolorosas nos últimos graus dos movimentos extremos de rotação interna e externa e de abdução e de flexão; mobilidades do joelho mantidas e não dolorosas; testes meniscais e ligamentares negativos.
29. Em consequência das lesões sofridas a A. sofreu dores, claudicação na marcha e mobilidade reduzida.
30. Em consequência do acidente e das lesões sofridas a A. SR sofreu angústia e ansiedade.
31. Em consequência do acidente e lesões sofridas a A. SR sofreu Défice Funcional Temporário Total de 60 dias, correspondente aos períodos de internamento e convalescença no domicílio.
32. Em consequência do acidente e lesões sofridas a A. SR sofreu Défice Funcional Temporário Parcial, num período total de 492 dias, correspondente ao restante período de tempo até à data da consolidação médico-legal das lesões ocorrida em 31/03/2020.
33. À data do acidente a A. SR era estudante universitária.
34. Em consequência do acidente e lesões sofridas a A. SR esteve impossibilitada de frequentar as aulas durante um período de 60 dias, correspondente ao período de internamento e convalescença no domicílio - repercussão temporária na atividade formativa total.
35. Em consequência do acidente e lesões sofridas a A. SR teve, durante um período de 492 dias, limitações na sua atividade de estudante universitária – repercussão temporária na atividade formativa parcial.
36. O quantum doloris da A. SR é fixável no grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente e o défice funcional permanente na integridade físico-psíquica é fixável em quatro pontos.
37. O dano estético permanente é fixável no grau quatro numa escala de sete graus de gravidade crescente (tendo em conta as características morfológicas das cicatrizes e assimetria do membro inferior).
38. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente (face às dificuldades na realização de atividades desportivas).
39. As sequelas que a A. SR padece em consequência do acidente e lesões sofridas em termos de repercussão permanente na atividade formativa e eventual profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
40. A A. SR nasceu em 09/10/2000 e é estudante universitária.
41. A R. remeteu carta à A. FR, datada de 15 de outubro de 2018, onde consta, além do mais:
(…) informamos que a Liberty Seguros é a Seguradora do veículo com a matrícula …-…-…. No entanto, não aceitamos qualquer responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente.
As provas indiciam que o condutor do seu veículo foi responsável pelo acidente.
Atendendo aos elementos de prova existentes no processo, concluímos que o condutor do seu veículo foi inteiramente responsável pelo acidente, uma vez que não respeitou a regra geral de cedência de passagem que se impõe, legalmente, nos cruzamentos e entroncamentos, desobedecendo ao artigo 30º, nº 1 do Código da Estrada (...)”, conforme documento junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
----------
Na mesma decisão foi considerada NÃO PROVADA, a seguinte matéria factual (corrigem-se os lapsos de redacção e assinala-se com * os factos objecto de impugnação):
1. Que para além do descrito no facto provado 9, o veículo … tenha invadido a hemifaixa de rodagem por onde circulava o …, circulando em contramão [4] * ;
1-A - que aquando da ocorrência do embate descrito em 9, o veículo … já se encontrasse totalmente para lá do eixo da via da Rua …, com a frente do seu veículo completamente na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras ;
1-B - que o embate entre o veículo … e o veículo … tenha ocorrido necessariamente na hemifaixa de rodagem esquerda da Rua …, atento o sentido de marcha do veículo RZ, e por onde pretendia circular o veículo … ;
2. As AA. despenderam o montante de € 780,00 para pagamento à empresa GSMAX – Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda. pela averiguação do acidente.
3. Eliminado [5] * ;
4. À data do acidente o veículo … tinha o valor venal de € 1.500,00.
5. O único meio de transporte que a A. SR utilizava era o veículo ….
6. Para dar continuidade às suas atividades diárias a A. SR teve que recorrer a ajudas de amigos e familiares, transportes públicos, nomeadamente táxi e Uber.
7. O custo diário de aluguer de um veículo similar ao veículo … oscila entre os € 10,00 e os € 20,00.
8. Na data do acidente a A. SR gozava de boa saúde, não apresentando quaisquer sintomas ou episódios dolorosos físicos e psicológicos.
9. A interrupção das atividades académicas pela A. SR provocou-lhe um estado de desânimo.
10. Ainda hoje a A. SR tem tremores noturnos com memórias várias do dia do acidente.
11. O entroncamento com a Estrada de ..., à direita da Rua … é visível a uma distância de, pelo menos, 100 metros, para quem circula por esta última artéria.
12. O veículo ligeiro … circulava a velocidade não superior a 30 Km/h.
13. Ao chegar à zona de intersecção entre as duas vias o condutor do veículo … sinalizou a sua intenção de mudar de direção à esquerda.
14. O salvado do veículo … tinha o valor de € 100,00.
**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, nos termos já supra sobejamente apreciados, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma (já citado supra, ainda que parcialmente), o qual dispõe que:
“ 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo as Recorrentes/Apelantes Autoras dado, pelo menos em parte, global cumprimento ao preceituado no suprarreferido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil (em termos minimamente exigíveis), nada obsta a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, procedendo-se, assim, à devida audição da prova produzida e devida análise das transcrições efectuadas.
Todavia, esta constatação impõe uma ressalva.
As Impugnantes, nas referências aos vários depoimentos, e no que concerne aos depoimentos das testemunhas FM, GC e DR, não indicam quaisquer passagens da gravação em que fundam o seu recurso, nem procedem a qualquer transcrição dos excertos que consideram relevantes, com total inobservância do prescrito na transcrita alínea a), do nº. 2, do artº. 640º, do CPC.
Pelo que, nesta parte, e sem prejuízo dos poderes de oficiosa investigação do Tribunal, impõe-se a imediata rejeição do recurso.
E isto, igualmente sem prejuízo da devida ponderação do depoimento da testemunha DR, invocado em sede contra-alegacional, com devida exacta indicação das pertinentes passagens da gravação, e mesmo observância da transcrição dos excertos considerados como relevantes para a apreciação da concreta impugnação.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [6].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[7] (sublinhado nosso).
Questionam as Apelantes Autoras parte da matéria factual provada relativa á dinâmica do acidente, nomeadamente a que consta nos pontos 9 e 11 provados e 1 e 3 não provados, os quais possuem a seguinte redacção:
Factos provados:
9. O veículo … circulava a velocidade não concretamente apurada, mas reduzida e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor do veículo … abrandou a marcha, prosseguiu e virou à esquerda, e quando se encontrava para lá do eixo da via da Rua …, com a frente do seu veículo já na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua …, e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo …”.
11. O embate entre o veículo … e o veículo … deu-se na hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua …, atento o sentido de marcha do veículo …, e por onde pretendia circular o veículo …”.
Factos não provados:
1. O veículo … invadiu a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo …, circulando em contramão”.
3. O condutor do veículo … não efetuou a manobra dando a esquerda ao centro de interseção das duas vias”.
Pretendem, nomeadamente, que os factos provados (9 e 11) passem a figurar como não provados, e que os factos não provados (1 e 3) passem a figurar como provados.
No essencial, as Impugnantes referenciam o seguinte:
- Invocando os depoimentos que identificam, as fotografias anexas ao doc. nº. 3 junto com a petição inicial e o doc. nº. 2 junto com a contestação, resulta que o condutor do veículo …, ao sair do túnel, imediatamente se colocou em posição oblíqua, para virar à esquerda para a Rua …, tendo o embate ocorrido na hemifaixa de rodagem por onde circulava a Autora ;
- Acrescenta que a Apelante não alterou a trajectória, pois, caso o embate tivesse ocorrido já na hemifaixa de rodagem no sentido de que o veículo … pretendia tomar, “o embate teria já ocorrido na lateral traseira esquerda” ;
-  O embate ocorreu, assim, junto do primeiro túnel, atento o sentido de marcha da Autora condutora do …, estando o … em posição oblíqua e sendo embatido na sua frente lateral esquerda, pois o mesmo “não efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda dando a sua esquerda ao centro de intersecção das duas vias” ;
- Acresce que o Tribunal a quo para formar a sua convicção para considerar os Pontos 9 e 11 como provados, “fê-lo com fundamento nas declarações de parte da Apelante e das testemunhas PM, FM, GC e PG, quando as mesmas afirmaram precisamente que o embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem pela qual circulava a Apelante” ;
- Pelo que deveria “ter sido julgado como provado que o acidente em discussão nos autos, ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo seguro na Apelada”.
Na resposta apresentada, menciona a Recorrida seguradora que na reapreciação da matéria de facto a efectuar pela Relação só deve ser determinada a sua alteração caso seja “evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida”.
Considera, assim, que a Sra. Juíza a quoanalisou criteriosa e criticamente a prova produzida”, pelo que outra avaliação ou valoração não poderia ter sido efectuada, devendo assim manter-se a matéria de facto fixada como provada e não provada.
Apreciando:
Relativamente à dinâmica do acidente objecto de controvérsia, na fundamentação da matéria factual feita constar na sentença apelada, consta o seguinte:
Quanto ao mais o Tribunal formou a sua convicção com base na análise da prova produzida em julgamento e na ponderação daí advinda, à luz das regras do senso comum e da experiência. O Tribunal recorreu ainda ao raciocínio permitido pela utilização das presunções judiciais relacionado com a restante prova produzida (artigo 351º, do Código Civil).
Vejamos
Quanto aos factos que constam dos pontos 3. (parte), 5., 6., 7., 8., 9., 11. e 12., resultaram da conjugação das declarações de parte da A. SR, e dos depoimentos das testemunhas PM, FM, GC, PG, MA e DR, em conjugação com os documentos juntos aos autos, nomeadamente, auto de notícia, participação de acidente e imagens do Google maps.
A testemunha PM afirmou conhecer as AA., por serem suas vizinhas, e que deslocou-se ao local do acidente, logo após a sua ocorrência, na sequência de um telefonema que recebeu da A. FR que lhe pediu para se dirigir ao local.
Referiu que conhece o local, pois trata-se de uma estrada de acesso à Urbanização onde reside, onde passa quase diariamente, descreveu o local, nomeadamente o entroncamento, os túneis existentes e o acesso, referiu que na data do acidente a única sinalização existente no local era um sinal de paragem obrigatória (Stop), para quem se deslocava vindo do lado da Urbanização, ou seja, em sentido contrário ao que circulava o veículo … conduzido pela A. SR.
A testemunha FM, também referiu ser vizinho das AA., marido da testemunha PM, e que se deslocou ao local na sequência do telefonema que a A. FR fez à sua mulher, também descreveu ao tribunal o local do acidente, entroncamento, túneis, e os danos que observou nos veículos intervenientes no acidente.
A testemunha GC referiu que se dirigiu ao local do acidente após a sua ocorrência, a pedido da A. FR, referindo onde ocorreu o acidente, descreveu o cenário que encontrou quando chegou ao local, que danos observou nos veículos, referiu ainda que tirou fotografias, que se mostram juntas a fls. 14 verso, 15 (apenas a do motociclo), 15 verso e 16, tendo ainda esclarecido que sinalização existia no entroncamento em causa aquando do acidente, e que inexistia qualquer sinalização para quem se deslocava vindo dos túneis e para quem se deslocava no sentido que circulava a A. SR, existindo apenas um sinal de paragem obrigatória (STOP), para quem se deslocava vindo da Urbanização (sentido oposto ao sentido em que circulava a A. SR).
A testemunha PG, trabalhava na data do acidente como distribuidor de pão, referiu que estava próximo do local do acidente, no exercício da sua atividade, e embora não tenha assistido ao acidente, quando chegou ao local o acidente tinha acabado de acontecer, pois o condutor do veículo … ainda estava no interior do veículo, descreveu também ao tribunal o local do acidente.
A testemunha MA, GNR, deslocou-se ao local do acidente após a sua ocorrência, tendo também esclarecido o tribunal acerca das características do local e sinalização existente à data, bem como confirmado que elaborou a participação de acidente junta aos autos.
A testemunha DR, condutor do veículo …, referiu que trabalha numa fábrica e aquando do acidente estava a sair da fábrica, vindo do túnel de saída (pois existe um túnel de entrada), circulava em estrada com prioridade, abrandou a marcha ao aproximar-se da Rua …, e a sua intenção era virar à esquerda e prosseguir pela Rua … em sentido oposto ao que circulava o veículo …, e olhou para o lado direito (lado da Urbanização), por ser um local perigoso por, em regra, os condutores não obedecerem ao sinal Stop ali existente, para quem vem a Urbanização, e não se apercebeu da presença do veículo … e foi embatido por este veículo vindo do lado esquerdo.
A testemunha referiu que quando se deu o embate já tinha iniciado a manobra de mudança de direção à esquerda e o veículo por si tripulado estava quase na sua totalidade na hemi-faixa de rodagem por onde pretendia circular.
A A. SR esclareceu também o tribunal acerca das características da via onde se deu o acidente, tendo também referido o seu sentido de marcha, e que se dirigia para a Urbanização onde reside, e que na data do acidente não tinha habilitação legal para conduzir.
Quanto às características do local do acidente e sinalização, além dos depoimentos referidos, o tribunal baseou-se ainda na participação de acidente e fotografias juntas aos autos.
Quanto ao modo como se deu o acidente e local de embate, o tribunal baseou-se essencialmente na análise crítica da participação de acidente, fotografias juntas aos autos, em conjugação com o depoimento da testemunha DR.
Na verdade, tal como já referido, a testemunha DR, condutor do veículo …, referiu que vinha do túnel (Estrada ..., cfr. participação de acidente), e pretendia virar à esquerda, atento o seu sentido de marcha, para passar a circular pela Rua …, e quando já estava a executar a manobra de mudança de direção, e o veículo que tripulava já se encontrava parcialmente nessa via, virado para o sentido que pretendia tomar, foi embatido pelo veículo conduzido pela A. SR, o veículo …, o que se confirma pela análise da participação de acidente, nomeadamente pelo croqui elaborado pela autoridade policial em conformidade com os dados recolhidos no local após o acidente.
Conforme decorreu do depoimento da testemunha DR, o veículo que conduzia circulava devagar, o que se afigura credível dado que circulava num túnel de saída e dadas as caraterísticas do local, e ficou imobilizado logo após o embate e no local de embate, a testemunha PG, que chegou ao local logo após o acidente, referiu que quando chegou ao local o condutor do veículo … ainda estava no interior do veículo, a testemunha mencionou ainda que se manteve no local até à chegada da autoridade policial, e que as viaturas intervenientes no acidente de viação não foram removidas do local onde ficaram após o embate.
Conforme resulta do croqui, a via onde se deu o acidente tem 8,10 m de largura, ou seja, cada hemi-faixa de rodagem tem 4,05m de largura, o veículo … ficou na posição oblíqua, virado para o lado esquerdo, ou seja, para a via por onde pretendia seguir a marcha, a Rua da .... Nessa posição, a distância entre a berma da estrada e a roda traseira do lado direito do referido veículo era de 4,40m, donde se conclui que o veículo estava praticamente, mais de metade, na via por onde pretendia seguir quando se deu o embate, o local de embate terá sido exatamente no local assinalado no croqui, e indicado pela testemunha DR, pois tendo o veículo … se imobilizado imediatamente após o embate e no local de embate, como referiu a testemunha, e atenta a localização dos danos que apresentavam os veículos, o veículo RR frente lateral esquerda e o veículo … na frente, o local de embate situa-se, pelo já suprarreferido quanto à largura da via e distância entre o rodado traseiro do veículo … e a berma da estrada do lado direito atento o sentido de marcha do veículo …, na hemi-faixa destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário ao sentido de marcha do veículo … e por onde pretendia circular o veículo …, e quando se deu o embate já o condutor do veículo … tinha a manobra quase totalmente realizada e o veículo estava parcialmente nessa hemifaixa de rodagem.
Pese embora os depoimentos das testemunhas PM, FM, GC e PG, que afirmaram que o embate deu-se na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido em que circulava o veículo …, tripulado pela A. SR, e que esta também o tenha referido, tal é infirmado pelos elementos objetivos mencionados, admitindo-se que, sendo uma via sem qualquer marca no pavimento, e não tendo as testemunhas, aquando do acidente, tirado quaisquer medidas da via ou outras, e volvidos mais de 4 anos do acidente, as referidas testemunhas estejam convictas do facto que relataram ao tribunal, uma vez que o veículo … ainda não estava totalmente na hemi-faixa de rodagem por onde pretendia circular, no entanto, como referido, tal é contrariado pelos elementos mencionados.
Não teve, pois, o tribunal, quaisquer dúvidas que o embate se deu na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário ao sentido por onde circulava o veículo …, conduzido pela A. SR, que já vinha a circular na hemi-faixa contrária à do seu sentido de trânsito quando se deu o embate, pois tal como afirmou a A. SRs, sem sede de declarações de parte, quando viu o veículo … não fez qualquer manobra para se desviar para esquerda e não travou, apenas viu o veículo e embateu, ou seja, o veículo … já vinha a circular na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário ao seu.
E, pese embora a junção aos autos de um relatório de averiguação elaborado pela empresa GSmax, Lda, a pedido da A. SR (conforme consta do referido relatório), tal documento em nada infirma as demais provas produzidas e suprarreferidas, e a convicção do tribunal quanto à dinâmica do acidente, face aos elementos que constam da participação de acidente (nomeadamente croqui), elaborado por autoridade policial, absolutamente isenta, no exercício das suas funções, e logo após o acidente, com base nos elementos recolhidos no momento.
(….)
Os depoimentos das testemunhas, e quanto aos factos mencionados, mereceram a credibilidade do tribunal, os depoimentos ocorreram de forma isenta, sem hesitações, foi demonstrado pelos depoentes a sua razão de ciência, as testemunhas PM, FM, GC e PG, deslocaram-se ao local após o acidente, os seus depoimentos foram essencialmente coincidentes, ocorreram de forma espontânea, a testemunha MA, militar da GNR, relatou os factos que constatou no exercício das suas funções quando se deslocou ao local do acidente, o tribunal não teve razões para deles duvidar.
Quanto à testemunha DR, era o condutor do veículo …, o seu depoimento foi espontâneo e isento, e em parte confirmado pelos elementos que constam da participação de acidente, tendo merecido credibilidade ao tribunal, que não teve razões para dela duvidar.
As declarações de parte da A. SR, na parte referida, também mereceram a credibilidade ao tribunal, pois foram em parte confirmadas pelos depoimentos das testemunhas e pelos demais elementos documentais que constam dos autos, o que também resulta das regras da experiência comum.
O tribunal baseou-se também na análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, documentação clínica, relatório pericial, fotografias, imagens do Google maps, auto de notícia, participação de acidente, faturas/recibos relativos às despesas, cópia de carta, tudo conjugado com os depoimentos das testemunhas e declarações de parte da A. SR acima referidos.
(…)
Quanto aos factos não provados resultaram da ausência de prova em relação aos mesmos produzida ou prova insuficiente.
Acresce que, quanto ao facto vertido nos pontos 1. e 3., a testemunha DR, condutor do veículo …, referiu que circulava pelo túnel de saída (Estrada Vele de Águas), do lado direito, atento o seu sentido de marcha, entrou na via, aproximou-se do centro da via e virou para o lado esquerdo para onde pretendia seguir (Rua da ...), as testemunhas PM, FM, GC e PG afirmaram que o após o embate o veículo … ficou na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava no sentido do veículo …, na diagonal, quando já vimos que, conforme resulta do croqui, o veículo estava na diagonal, mas parcialmente, na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito contrário ao sentido por onde circulava o veículo …, sendo que o embate deu-se, precisamente, nessa hemi-faixa de rodagem, donde se conclui que o veículo … invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário.
Por outro lado, do croqui não se pode concluir, com exatidão, se o veículo … estava em frente ao túnel por onde havia saído ou em frente ao túnel de entrada, que se situa antes daquele, atento o sentido de marcha do veículo …, pois o croqui não está elaborado à escala, e não se apurou a largura da faixa de rodagem da Estrada ..., e ainda que as testemunhas PM, FM, GC e PG tenham afirmado que o veículo … estava mais em frente ao túnel de entrada, o que o tribunal não pôde confirmar por outros elementos de prova (nomeadamente croqui), ainda que assim fosse, não se poderia concluir que o veículo … estava a circular em contramão, pois mesmo que tivesse feito a manobra um pouco na diagonal, nunca estaria a circular em contramão, dado que estava a realizar a manobra de mudança de direção à esquerda na diagonal encaminhando-se para a hemi-faixa que pretendia seguir e não a circular em contramão e, no caso em apreço, o embate deu-se nessa hemi-faixa por onde pretendia circular”.
Vejamos.
Procedendo-se à devida audição dos depoimentos e declarações, resultou, basicamente, o seguinte:
- nas declarações de parte prestadas, a Autora SR referenciou que circulava de regresso a casa, descendo a Rua da ..., e que quando se aproximou do final da descida - em local onde terminava o muro existente do lado direito, passando a ter visibilidade absoluta do entroncamento dos túneis -, viu um vulto que se aproximava do lado direito, ocorrendo logo o embate, na altura em que virava a cabeça para tal lado. Acrescentou não ter consciência de mais nada.
Esclareceu que conduzia um motociclo de 125 cm 3, pertencente à mãe, que não possuía habilitação legal para tal, utilizando-o em exclusivo para finalidade que indicou, que no sentido em que circulava terá visibilidade de 15/20 metros para o segundo túnel, enquanto que para o primeiro terá a visibilidade de aproximadamente 3 metros, precisando que o segundo será o de saída dos veículos, desconhecendo de que túnel saiu o veículo que lhe embateu.
Mencionou que o embate terá ocorrido com a diagonal e não com a frente do motociclo, e que não tem qualquer memória de se ter desviado para a esquerda ou sequer travado.
Afirmou desconhecer a que velocidade circulava o veículo ligeiro, que tudo aconteceu de forma muito rápida e que o embate foi definitivamente na sua hemifaixa de rodagem, poucos metros depois do fim do muro.
Inquirida, referenciou que na aproximação ao entroncamento circulava a 30 km/hora, sendo que anteriormente circularia mais rápido, que posteriormente alguns médicos referenciaram-lhe que a forma como facturou o fémur direito indiciava que o veículo terá embatido directamente naquele e que logo após o embate perdeu os sentidos, desconhecendo o que aconteceu posteriormente.
Esclareceu que nunca se desviou da sua trajectória, que não viu mais ninguém a circular e que o embate ocorreu em frente do primeiro túnel (atento seu sentido de marcha), que não existia qualquer sinalização no local e que entre os dois túneis existe uma distância entre 1 e 2 metros (de construção, em pedra).
No declarado, a Autora evidenciou aparente idoneidade e seriedade, apenas relatando o percepcionado, sem evidenciar qualquer parcialidade ;
- a testemunha PM, advogada e vizinha das Autoras, referenciou ter sido contactada telefonicamente pela Autora FR, referindo-lhe que a filha tinha tido um acidente, e como se encontrava fora, se podia deslocar-se ao local. Acrescentou ter-se deslocado juntamente com o marido, e que quando chegou a SR encontrava-se dentro da ambulância do INEM.
Mencionou conhecer bem o local, onde passa diariamente, o acesso efectuado pelos túneis, não se lembrar do local onde estava o motociclo após o embate e que o veículo automóvel encontrava-se no meio da estrada, na hemifaixa de rodagem de quem vem de Torres Vedras, com a parte da frente virada para Torres Vedras, tudo levando a crer que o veículo automóvel terá saído de um dos túneis (vindo da empresa …), pretendendo virar à esquerda, no sentido de Torres Vedras.
Inquirida acerca da sinalização existente no local, referiu existir um sinal STOP para quem circula vindo da urbanização, em sentido contrário ao que circulava o motociclo, sendo que no sentido em que este circulava inexistia qualquer sinalização.
Referenciou, ainda, que no sentido em que circulava o motociclo tem-se uma boa visibilidade relativamente a quem provem da … (do segundo túnel), sendo este avistado a 70/80 metros, enquanto o primeiro túnel (o de entrada) permite ser avistado a 50/60 metros.
Por fim, confrontada com o croqui junto à participação do acidente (fls. 101), confirmou que o veículo automóvel se encontrava naquela posição, mas em local mais próximo dos túneis.
No declarado, evidenciou notória isenção e seriedade, merecedores de total ponderação ;
- Por sua vez, a testemunha PG, servente, conhecedor das Autoras desde a data do acidente, referenciou que na altura era distribuidor de pão, e que foi a primeira pessoa a chegar ao local, circulando no mesmo sentido do motociclo.
Afirmou não ter visto o embate por poucos segundos, que o veículo automóvel encontrava-se, após o embate, quase em frente da entrada do túnel (atento sentido de marcha em que circulava o motociclo), que o motociclo encontrava-se parada à frente do veículo, do lado esquerdo (lado do condutor), com o guiador virado para o carro.
Esclareceu que o veículo automóvel encontrava-se embatido na frente do lado esquerdo, enquanto que o motociclo era em toda a sua parte frontal e que os veículos encontravam-se na hemifaixa de rodagem por onde o depoente circulava, impedindo a passagem.
Acrescentou que a posição dos veículos dava a sensação que o veículo automóvel, ao pretender virar à esquerda, não o terá feito na perpendicular, mas antes na diagonal, pois encontrava-se atravessado em relação à via, esclarecendo que ninguém mexeu nas viaturas até à chegada da autoridade policial.
Por fim, referenciou que a Autora condutora caiu na hemifaixa contrária àquela em que seguia, a 2/3 metros do veículo automóvel, em local que não foi capaz de precisar.
O presente depoimento configurou-se como aparentemente equilibrado e isento, merecedor da devida ponderação ;
- a testemunha MA, militar da GNR, deslocou-se ao local do acidente, tendo elaborado a participação junta aos autos.
Referenciou que no local encontrava-se apenas o interveniente do veículo automóvel, pois a condutora do motociclo tinha sido transportada para o hospital.
Esclareceu que ninguém no local se identificou como tendo assistido ao acidente e que posteriormente falou com a mãe daquela condutora (e ora igualmente Autora), pelo menos por duas vezes, não tendo a mesma indicado qualquer testemunha, antes tendo demonstrado dúvidas relativamente ao croqui elaborado.
Confirmou que o local do embate foi indicado pelo condutor do veículo automóvel, que também lhe foi indicado pelo mesmo condutor que as viaturas encontravam-se no local do acidente, e que não se recorda da existência de vidros no local.
Mencionou, ainda, que de ambos os sentidos donde provinham os veículos inexistia qualquer sinalização vertical, que o veículo automóvel encontrava-se imobilizado sensivelmente a meio dos dois túneis e esclareceu que o croqui não está elaborado à escala, tal como do mesmo consta, procurando explicitar algumas das medidas do mesmo constantes.
No declarado, procurou ser esclarecedor, inexistindo motivos para questionar acerca da fiabilidade do relatado ;
- por fim, a testemunha DR, director de exportação e condor do veículo seguro, referenciou que o acidente ocorreu à saída do seu local de trabalho.
Começou logo por afirmar que tinha prioridade e foi embatido do lado esquerdo, por uma scooter de 125 cm3, aquando da realização de uma manobra para virar à esquerda.
Reafirmou que tinha prioridade e conhecendo bem a zona, sabia que era perigosa, não se tendo apercebido da presença de qualquer outro veículo.
Inquirido expressamente, afirmou que ao pretender efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, “não cortou caminho” e que ao pretender olhar para o seu lado esquerdo, “levou com a moto em cima”, quando já ia a meio da manobra ou a mais de meio.
Posteriormente, reinquirido, esclareceu ter olhado primeiro para a sua direita, atento o facto dos veículos que provêm desse lado desrespeitarem muitas vezes o sinal de STOP aí existente, e que quando tentava olhar para a sua esquerda, “leva com a moto em cima”, tudo acontecendo em andamento, pois não tinha o veículo imobilizado.
Assim, esclareceu que nem sequer se apercebeu da vinda do motociclo, e que, ao olhar para a sua esquerda, é possível avistar um veículo a 50 ou 100 metros, sendo tanto maios a visibilidade quanto mais próximo estivesse da Rua da ..., provindo do túnel.
Inquirido expressamente acerca da forma como efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda, reconheceu não ter feito uma perpendicular, sendo muito provável que quando entrou na hemifaixa de rodagem onde circulava o motociclo que já fosse “em posição oblíqua”, afirmando que a saída do túnel está encostada à Rua da ... (o que é infirmado pelo teor das fotografias anexas ao doc. nº. 3, junto com a p.i., donde decorre existir um espaço, em número de metros não determinado, entre a saída – ou entrada – dos túneis e o início da Rua da ...).
Referenciou, ainda, desconhecer qual a zona do motociclo que ficou danificada, e que o veículo automóvel que conduzia, pertencente à empresa onde exercia funções, tinha os vidos da frente do farolim do lado do condutor partidos e o capô amachucado, ocorrendo o embate na quina do veículo, mais para o lado do condutor (lado esquerdo do veículo), sendo que a condutora Autora saltou por cima do veículo, tendo ido parar à berma do lado direito, atento o sentido de marcha em que o depoente pretendia passar a circular.
As declarações prestadas, na sua globalidade, não pareceram inquinadas ou maculadas, apesar da constante referência ao direito de prioridade que possuía e pouca assertividade na descrição do local, para quem no mesmo passava frequentemente.
A relevância do declarado manifestou-se, fundamentalmente, na forma como descreveu ter pretendido efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda, bem como todo o comportamento concomitante com tal manobra.
Ora, da análise do teor desta prova, em concatenação com a prova documental referenciada pelas Impugnantes – fotografias anexas ao doc. nº. 3, junto com a p.i. e croqui anexo à participação do acidente de viação (doc. nº. 2, junto com a contestação – fls. 68 a 70 -, reproduzido mediante remessa aos autos, de 05/07/2021 – fls. 93 a 101) -, podemos consignar o seguinte:
- Tal como consta expressamente do croqui junto com a participação elaborada pela autoridade policial competente, aquele não foi elaborado à escala, o que evidencia não bastar a simples visualização do mesmo, que se pode revelar manifestamente errónea, antes se devendo considerar as concretas medições apostas ;
- Assim, exemplificativamente, no que concerne à posição do veículo automóvel, a visualização do croqui apenas permite descortinar uma medição relativamente à largura total da Rua da ..., nomeadamente a identificada em A, pois as demais são mencionadas por referência a pontos fixos (Pf 1 e Pf 2), sendo que por estes, surge impossível tal aferição, nesta sede, pois desconhece-se, desde logo, qual a distância entre tais pontos fixos e o início da faixa de rodagem ;
- Desta forma, pela simples análise da medição daquela alínea A (4,40 metros), desde logo se constata que a aposição do carimbo correspondente ao veículo não corresponde à realidade, pois, sendo a largura total da faixa de rodagem de 8,10 m (a alínea H), aquela distância de 4,40 m medida até à traseira direita do veículo colocá-lo-ia necessariamente na hemifaixa de rodagem direita (atento o sentido de marcha do motociclo), para além do espaço necessariamente ocupado por toda a traseira esquerda do mesmo veículo, atenta a sua incontestada posição diagonal ;
- Sendo que a medida aposta sob a alínea B (3,40 m), não sendo totalmente fiável naquela aferição, pois é efectuada por referência a uma linha recta com o ponto fixo 2, sem correspondência sequer com o início da faixa de rodagem, sempre indicia que aquela traseira esquerda do veículo se encontrava a ocupar, claramente, parte da hemifaixa de rodagem por onde circulava a Autora condutora ;
- O que, na aferição da dinâmica do acidente, deve ser necessariamente interpretado em articulação com o declarado pelo próprio condutor do veículo automóvel, ao reconhecer que na realização da manobra de mudança de direcção à esquerda nunca imobilizou o veículo e não fez uma perpendicular, afirmando ser muito provável que quando entra na faixa de rodagem onde circulava o motociclo já circulasse em posição oblíqua ;
- Não podendo, ainda, descurar-se a distância existente entre o final do túnel e o real início da Rua da ..., de vários metros, em número não concretamente determinado, conforme resulta da análise de várias das fotos anexas ao doc. nº. 3. junto com a p.i. ;
- Ou seja, que o veículo automóvel, antes de entrar na Rua da ..., e pretendendo realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda, ainda teve que percorrer vários metros, em posição oblíqua para a esquerda, o que permite indiciar uma acentuada obliquidade na efectivação de tal manobra ;
- Resultando, ainda, manifesta a indiciação de tal obliquidade da conjugação da medição de toda a largura correspondente ao espaço de acesso aos túneis (17,00 metros, conforme fotografia anexa ao referenciado doc. nº. 3, junto com a p.i.), com a medição da alínea C do croqui (7,20 metros), ainda que esta tenha sido efectivada por referência ao ponto fixo 2, desconhecendo-se a distância deste à faixa de rodagem ;
- O que determina, tal como já resulta do mesmo croqui, que o embate terá ocorrido quando o veículo automóvel, em plena execução da manobra, já se encontrava manifestamente em frente do túnel de entrada ali existente (1º túnel, atento o sentido de circulação da Autora condutora), o que só reforça a conclusão de que aquela manobra não observou qualquer perpendicularidade na sua execução ;
- Desta forma, também não é possível afirmar que o local do embate tenha ocorrido necessariamente na hemifaixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha do motociclo, pois, não só tal não resulta claramente do teor do croqui elaborado (a distância referenciada em D é medida por referência à linha vertical C que não coincide com o início da faixa de rodagem da Rua da ...), como da decorrência do embate sempre terá ocorrido alguma movimentação do veículo automóvel, certamente no sentido daquele hemifaixa esquerda, para além de ser claramente estranho que, tendo-se partido o vidro dianteiro do veículo e o do farolim do lado do condutor, não tenham sido descortinados quaisquer vestígios de vidros na faixa de rodagem ;
- Resultando, antes, claramente indiciado, apenas, que tal embate terá ocorrido junto ao eixo da via, ainda que em local não concretamente determinado, conforme parece ainda decorrer do teor da foto nº. 1, junta em anexo ao doc. nº. 3, apresentado aquando da p.i..
Retornemos à factualidade impugnada.
No que concerne aos factos provados 9 e 11
Tais factos possuem o seguinte teor:
9. O veículo … circulava a velocidade não concretamente apurada, mas reduzida e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor do veículo … abrandou a marcha, prosseguiu e virou à esquerda, e quando se encontrava para lá do eixo da via da Rua da ..., com a frente do seu veículo já na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua da ..., e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo …”.
11. O embate entre o veículo … e o veículo … deu-se na hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua da ..., atento o sentido de marcha do veículo …, e por onde pretendia circular o veículo …”.
A pretensão das Impugnantes passa pela sua consideração como não provados, o que entendemos não possuir pertinência probatória.
Todavia, de acordo com a argumentação supra exposta, reportada à dinâmica do embate, justifica-se a alteração da sua redacção, passando os mesmos a figurar, atenta a argumentação supra exposta, com o seguinte teor:
9. O veículo … circulava a velocidade não concretamente apurada e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor abrandou a marcha, prosseguiu e iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda e, quando pelo menos a parte frontal direita do veículo se encontrava parcialmente para lá do eixo da via da Rua da ..., na hemifaixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, ocupando parte não concretamente determinada do veículo a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o mesmo sentido que pretendia tomar, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua da ..., e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo …”.
11. O embate entre o veículo … e o veículo … ocorreu em local não concretamente apurado, junto ao eixo da via da Rua da ...”.
Tais novas redacções conferidas aos factos provados 9 e 11, determinam, concomitantemente, o aditamento de dois novos factos não provados, que figurarão como 1-A e 1-B, com as seguintes redacções:
1-A - que aquando da ocorrência do embate descrito em 9, o veículo … já se encontrasse totalmente para lá do eixo da via da Rua da ..., com a frente do seu veículo completamente na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras” ;
“1-B - que o embate entre o veículo … e o veículo … tenha ocorrido necessariamente na hemifaixa de rodagem esquerda da Rua da ..., atento o sentido de marcha do veículo RZ, e por onde pretendia circular o veículo …”.
No que concerne aos factos não provados 1 e 3
Tais factos possuem a seguinte redacção:
1. O veículo … invadiu a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo …, circulando em contramão”.
3. O condutor do veículo … não efetuou a manobra dando a esquerda ao centro de interseção das duas vias”.

A pretensão das Impugnantes é no sentido de tais factos passarem a figurar como provados.
Todavia, de acordo com o exposto, e pelos fundamentos aduzidos, não se pode afirmar, para além da nova redacção conferida ao facto provado 9, que o veículo automóvel … tenha invadido a hemifaixa de rodagem por onde circulava o motociclo …, circulando em contramão.
Donde, inexiste fundamento probatório, para considerar, qua tale, tal factualidade como provada, ainda que, ressalvando as alterações introduzidas naquele facto provado nº. 9, se justifique a alteração do presente facto não provado 1, que passa a figurar com o seguinte teor:
1. Que para além do descrito no facto provado 9, o veículo … tenha invadido a hemifaixa de rodagem por onde circulava o …, circulando em contramão”.
No quer concerne ao facto não provado 3, vimos como a manobra em equação foi efectuada pelo veículo … de forma oblíqua, e não de forma perpendicular.
Donde, decide-se aditar à factualidade provada um novo ponto, a figurar como 9-A, com a seguinte redacção:
9-A - Tal manobra de mudança de direcção à esquerda foi efectuada pelo condutor do RR de forma oblíqua, e não perpendicular, de forma a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias”.
Com consequente eliminação do facto não provado 3.
II) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
- da imputada conduta ilícita e censurável do condutor do veículo seguro e da sua responsabilidade única e exclusiva pelo sinistro
A pugnada alteração do enquadramento jurídico tem por pressuposto o deferimento da alteração da matéria de facto a figurar como provada, nos termos da impugnação apresentada.
Assim, procedendo parcialmente aquela impugnação, importa apreciar acerca dos eventuais efeitos no enquadramento jurídico efectuado.
Nomeadamente, se com base na factualidade ora apurada, é possível descortinar na conduta do condutor do veículo seguro uma acção ilícita e culposa, determinante da sua responsabilização civil e, por consequência da transferência operada pelo contrato de seguro, da responsabilização da Ré seguradora.
A sentença recorrida ajuizou nos seguintes termos:
- o pedido das Autoras funda-se na responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo  a quem imputam culpa exclusiva no acidente de viação ocorrido ;
- apreciando os pressupostos de responsabilidade civil, e no que concerne ao pressuposto da ilicitude, da factualidade provada não é possível concluir que o condutor do … tenha infringido qualquer norma estradal, e que isso tenha sido causa do acidente em apreço ;
- quem infringiu as regras estradais foi a Autora SR, condutora do …, violando várias regras estradais, nomeadamente:
a) o artº. 121º, nº. 1, do Cód. da Estrada, ao conduzir o veículo sem habilitação legal, incorrendo na prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido no artº. 3º, do DL nº. 02/98, de 03/01 ;
b) o artº. 30º, do Cód. da Estrada ;
c)  o artº. 29º, nº. 1, do Cód. da Estrada ;
d) o artº. 13º, nº. 1, do Cód. da Estrada ;
- assim, a produção do acidente é da exclusiva responsabilidade da Autora SR ;
- nenhuma culpa sendo de assacar ao condutor do RR ;
- pelo que, não sendo de assacar qualquer responsabilidade ao condutor do …, nenhuma responsabilidade pode ser imputada à Ré seguradora, o que importa a sua absolvição dos pedidos.
Analisemos.
No que concerne à dinâmica tradutora do acidente, provou-se que este ocorre no entroncamento formado entre a Estrada ... e a Rua da ..., sendo intervenientes o motociclo de matrícula …, e o veículo automóvel de matrícula ….
O veículo … era conduzido pela Autora SR, e circulava na Rua da ..., em direcção à urbanização onde residia, em sentido descendente, sendo que, neste sentido de circulação, bem como no sentido de circulação do …, inexistia qualquer sinal de paragem obrigatória ou de aproximação de estrada com prioridade – cf., factos provados 2 a 7.
Provou-se, ainda, que o veículo ligeiro de passageiros (…) circulava pela Estrada ... em direção à Rua da ..., pretendendo passar a circular por esta rua, no sentido oposto ao que circulava o motociclo ….
Fazia-o a velocidade não concretamente apurada e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor abrandou a marcha, prosseguiu e iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda e, quando pelo menos a parte frontal direita do veículo se encontrava parcialmente para lá do eixo da via da Rua da ..., na hemifaixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, ocupando parte não concretamente determinada do veículo a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o mesmo sentido que pretendia tomar, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua da ..., e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo …. – factos provados 8 e 9.
Acresce que tal manobra de mudança de direcção à esquerda foi efectuada pelo condutor do RR de forma oblíqua, e não perpendicular, de forma a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias, tendo vindo a ocorrer o embate em local não concretamente apurado, junto ao eixo da via da Rua da ... – factos 9-A e 11.
Provou-se, por fim, que aquando do acidente, a condutora do motociclo … não tinha habilitação legal para conduzir – facto 12.
Em contraponto, não se provou que para além da factualidade descrita no facto 9 provado, quanto à execução da manobra de mudança de direcção à esquerda, o veículo RR tenha invadido a hemifaixa de rodagem por onde circulava o …, circulando em contramão, bem como que aquando da ocorrência do embate o veículo … já se encontrasse totalmente para lá do eixo da via da Rua da ..., com a frente do seu veículo completamente na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras – factos não provados 1 e 1-A.
Adrede, não se provou, ainda, que tal embate entre o veículo … e o veículo … tenha ocorrido necessariamente na hemifaixa de rodagem esquerda da Rua da ..., atento o sentido de marcha do veículo …, e por onde pretendia circular o veículo … – facto não provado 1-B.
Ora, atenta esta panóplia factual, resulta evidente, conforme referenciado parcialmente na sentença sob sindicância, ter a Autora, condutora do …, violado as seguintes normas rodoviárias (Cód. da Estrada, aprovado pelo DL nº. 114/94, de 03/05, na redacção vigente à data do acidente – aprovada pelo DL nº. 151/2017, de 07/12):
- a regra geral quanto à posição de marcha, enunciada no nº. 1, do artº. 13º, referenciando-se que “a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes” ;
- o princípio geral na cedência de passagem, estatuído no nº. 1, do artº. 29º, o qual impõe que “o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste” ;
- a regra geral em entroncamentos, prescrita no nº. 1, do artº. 30º, a qual define que “nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita” ;
- a contraordenação grave prevista na alínea f), do nº. 1, do artº. 145º, relativa ao “desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha, início de marcha, posição de marcha, marcha atrás e atravessamento de passagem de nível”.
Entrando, ainda, em contravenção com a regra da habilitação legal para conduzir, inscrita no nº. 1, do artº. 121º, ao prescrever que “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”, com tipificação penal prevista no artº. 3º, nºs. 1 e 2, do DL nº. 02/98, de 03/01.
Por sua vez, fruto das alterações factuais implementadas na presente sede recursória, deve igualmente concluir-se que o condutor do … (veículo seguro) violou as seguintes normas estradais:
- o princípio geral relativo a algumas manobras em especial, enunciado no nº. 1, do artº. 35º, onde se exara que “o condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito” ;
- a regra de mudança de direcção para a esquerda, enunciada nos nºs. 1 e 2, do artº. 44º, ao estatuir que:
“1 - O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
2 - Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias” ;
- o princípio geral de cedência de passagem, contido no nº. 2, do artº. 29º, ao estatuir que “o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito” ;
- igualmente a contraordenação grave prevista na alínea f), do nº. 1, do artº. 145º, relativa ao “desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha, início de marcha, posição de marcha, marcha atrás e atravessamento de passagem de nível”.
Ora, atenta tal factualidade quanto à dinâmica do embate e incidências do local onde ocorreu, bem como o enquadramento normativo estradal efectuado, deve prevalecer o juízo de exclusiva responsabilidade, na produção do embate lesivo, da Autora condutora do RZ ?
Ou estamos antes perante concreta situação tradutora de concorrência de responsabilidades ou conculpabilidade na produção do mesmo embate ?
E, a concluir-se afirmativamente por tal situação de concorrência causal do embate, com consequente repartição da culpabilidade entre os intervenientes, deverá esta ser imputada em termos equivalentes, ou imporão os factos uma diferenciada repartição de responsabilidade ?
Relativamente à primeira questão, a resposta afigura-se óbvia.
Com efeito, conforme decorre da factualidade enunciada, parece já não poder prevalecer o juízo de exclusiva responsabilidade da Autora condutora na produção do acidente.
Efectivamente, surge evidente a sua responsabilidade na verificação do embate, ao não ceder a passagem ao veículo …, que se apresentava pela sua direita e ao não adequar a sua velocidade de circulação de forma a poder observar tal dever de cedência de passagem, parando mesmo em caso de necessidade.
Tal responsabilidade decorre, ainda, da circunstância de não circular, o mais possível, pelo lado direito da faixa de rodagem, pois, provando-se ter o embate ocorrido em local não concretamente apurado, mas junto ao eixo da via, tal significa que aquela circulação do motociclo far-se-ia muito junto ao eixo da via, o que não é aceitável ou compreensível, quando estamos perante um veículo com largura bem menor relativamente ao veículo ligeiro de passageiros igualmente interveniente.
Por outro lado, a tal panóplia de condutas infractoras das regras estradais não será certamente alheio o facto de estarmos perante uma condutora sem habilitação legal para o exercício da condução daquele veículo, daí necessariamente decorrendo presunção de efectivo desconhecimento daquelas regras estradais, ou, pelo menos, de uma menor perícia, habilidade ou desenvoltura no exercício da condução.
Todavia, a acção adoptada pelo condutor do veículo seguro, na efectivação da manobra em equação, não surge isenta de reparos.
Com efeito, na efectivação de manobra de mudança de direcção à esquerda, impunha-se-lhe que se aproximasse o mais possível do eixo da faixa de rodagem donde provinha, efectuando a manobra de modo a dar a esquerda ao centro da intersecção das duas vias, procurando, ainda, que tal manobra não fosse capaz de causar qualquer situação de perigo ou embaraço para o demais trânsito que circulasse nas duas vias.
Ora, não foi isto que o condutor do RR fez, antes se provando que aquela manobra foi efectuada de forma oblíqua, isto é, a invasão da faixa de rodagem da Rua da ... foi efectuada obliquamente para a esquerda, e não de forma perpendicular, de forma a que tivesse dado a esquerda ao centro da intersecção das duas vias (da que provinha e daquele onde pretendia passar a circular).
Por outro lado, se é certo que o veículo … gozava de prioridade de circulação, pois apresentava-se à direita do RZ, não se pode olvidar ou descurar que tal direito de prioridade não é absoluto ou incondicional.
Efectivamente, mesmo gozando de tal prioridade, não estava o condutor do … dispensado de observar todas as cautelas necessárias a que a manobra fosse efectuada com segurança dos demais utentes estradais, nomeadamente, apercebendo-se da circulação de veículo na Rua da ..., tudo fazer para que o embate não ocorresse.
Ora, tendo o embate ocorrido junto ao eixo da via daquela rua, e quando pelo menos a parte frontal direita se encontrava parcialmente para lá do eixo da via, na hemifaixa por onde pretendia passar a circular, ocupando ainda o ligeiro de passageiros parte não concretamente determinada da hemifaixa de rodagem por onde circulava o …, tudo leva a crer que aqueles deveres de cuidado, apesar da prioridade de que gozava, não foram integralmente observados.
Resulta, ainda, da factualidade apurada que as enunciadas condutas terão contribuído para o evento lesivo, numa situação de concausalidade, não resultando que alguma ou algumas das infracções descritas se devam considerar necessariamente não causais do embate. O que determina, necessariamente, situação de conculpabilidade na produção e verificação do embate/acidente ocorrido.
Porém, deve considerar-se como igualitário o contributo de ambas as condutas para o evento lesivo ocorrido ?
Ou será, antes, necessariamente diferenciado o grau de culpabilidade imputável a cada um dos condutores intervenientes ?
Ora, cremos que a contribuição não pode, nem deve, considerar-se igualitária.
Justifiquemos o afirmado.
Se, por um lado, sempre urgiria reconhecer que o grau de perigosidade associado á circulação de um veículo automóvel ligeiro de passageiros sempre seria maior relativamente á mesma perigosidade associada á circulação de um motociclo, o que derivaria do maior porte e peso daquele e potencial lesão causada pelo seu embate, as concretas violações das regras estradais ocorridas in casu contradizem aquele juízo generalista.
Efectivamente, é a condutora do motociclo … quem viola a regra de maior importância ou valoração conducente ao embate, nomeadamente a inobservância do dever de cedência de passagem ao veículo … que se apresentava, no entroncamento, pela sua direita. E, apesar da omissão factual, nada resulta provada acerca da eventual existência de condições que afectassem a sua visibilidade na aproximação e entrada daquele veículo na Rua da ..., com a consequente efectivação da manobra de mudança de direcção à esquerda. 
Por outro lado, estando-se perante um motociclo, com largura manifestamente inferior ao do veículo ligeiro de passageiros, tendo ainda em atenção o local onde veio a ocorrer o embate – junto ao eixo da via da Rua da ... -, sempre seria expectável que o mesmo, apesar da manobra violadora das regras de mudança de direcção à esquerda efectuada pelo .., lograsse evitar o embate, contornando o veículo pelo seu lado direito, pois sempre disporia de espaço para tal.
A conduta da Autora, condutora do …, surge, assim, com maior enfoque ou natureza decisiva, em contraponto ao comportamento do condutor do veículo seguro, realizando este a manobra referenciada, de forma oblíqua, e não perpendicular, ou seja, sem dar a esquerda ao centro da intersecção das duas vias, assim acabando por efectuar a manobra em crescente aproximação do espaço por onde circulava o motociclo, o que necessariamente limitou uma putativa reacção deste.
Neste quadro factual, e reconhecendo culpabilidade do condutor do veículo seguro na produção do resultado embate, cremos que o maior enfoque deve antes incidir sobre a conduta da condutora do motociclo …, atenta a gravidade e multiplicidade das violações estradais, bem como o grau de contributo para a eclosão do resultado lesivo.
Donde, num juízo de parcial procedência da pretensão recursória, no que ao presente segmento concerne, decide-se:
Ø Determinar o juízo de repartição ou concorrência de culpas dos condutores de ambos os veículos na produção do embate lesivo ;
Ø Considerar ser diferenciada a sua contribuição, fixando a percentagem de responsabilidade do condutor do veículo segurado (…) em 1/3, e a percentagem da Autora condutora do motociclo (…) nos restantes 2/3.
- do Dano reclamado e sua valoração
Definida a responsabilidade, impõe-se aferir acerca da natureza e valoração dos danos ou perdas reclamados pelas Autoras.
Em primeiro lugar, relativamente a cada uma das demandantes, enunciemos os danos em equação:
- pela Autora FR:
I) 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), a título de indemnização, referente a perda total do veículo de matrícula …-…-… ;
II) 780,00 € (setecentos e oitenta euros), relativamente ao montante suportado pelo serviço prestado pela GSMAX-Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda. ;
- pela Autora SR:
I) 1.516,89 € (mil quinhentos e dezasseis euros e oitenta e nove cêntimos), a título de despesas médicas e medicamentosas e tratamento conservador/recuperador de Fisioterapia e ainda as que se vieram a vencer até a consolidação do dano ;
II) 10.000,00 € (dez mil euros), a título de dano não patrimonial sofrido na decorrência do acidente ;
III) 3.400,00 € (três mil e quatrocentos euros), a título de compensação pelo período em que ficou privada da utilização do veículo, desde da data do acidente (27/09/2018), até a presente data (data da instauração da acção), no total de 340 dias, calculados à taxa diária de 10,00 euros ;
IV) 34.280,00 € (trinta e quatro mil duzentos e oitenta euros), a título de indemnização pelo dano corporal, discriminado da seguinte forma:
1.º Défice Temporário na Actividade Formativa: €7.500,00 euros (552 dias)
2.º Dano Biológico: €5.500,00 (4 pontos)
3.º Dano Estético: €5.000,00 (4/7 pontos)
4.º Quantum Doloris: €2.500,00 (5/7 pontos)
5.º Dias com incapacidade temporária com internamento: €780,00 (23 dias)
6.º Repercussão na vida laboral: €10.000,00
7.º Repercussão na actividades desportivas e de lazer: €3.000,00 (2/7 pontos).
Sob tal valor global de 51.476,89 € (cinquenta e um mil, quatrocentos e setenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), pretendem, ainda, as Autoras o pagamento de juros moratórios, computados à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento dos valores peticionados.
Da indemnização reclamada pela Autora FR
- do dano decorrente da perda total do veículo
Conforme enunciámos, pretende a Autora FR ser ressarcida no montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), correspondente ao valor venal do veículo … à data do acidente.
Justifica-o, alegando que os danos causados em tal motociclo impossibilitaram a sua consequente circulação, tendo sido considerado como perda total, pois os valores estimados para a sua reparação eram superiores ao seu valor venal.
Resultou provado que na data do acidente o veículo … era propriedade da Autora FR, e que, em consequência do embate, sofreu vários danos, ficou imobilizado e impossibilitado de circular e foi considerado como perda total, atento o valor da sua reparação face ao seu valor venal – factos provados 13 e 16.
Em contraponto, não se provou que à data do acidente tal veículo possuísse o valor venal de 1.500,00 €, e que o salvado do mesmo veículo tivesse o valor de 100,00 € - factos não provados 4 e 14.
Donde, determinada a existência do dano ou perda, mas não do seu quantum, impõe-se, por apelo ao estatuído no nº. 2, do artº. 609º, do Cód. de Processo Civil, condenação naquilo que se vier a liquidar em execução de sentença.
Assim, no que presente segmento indemnizatório concerne, determina-se a condenação da Ré seguradora, a pagar à Autora FR a percentagem de 1/3 do valor venal do veículo …, a liquidar em execução de sentença.
- do montante suportado pelo serviço prestado pela GSMAX-Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda.
Pretende a mesma Autora ser ressarcida do valor de 780,00 €, que alega ter despendido nos serviços prestados pela empresa GSMAX – Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda., no âmbito da actividade de averiguação e gestão de sinistros, tendo a mesma elaborado o relatório junto aos autos, no qual documentou as diligências realizadas no cabal esclarecimento da dinâmica do acidente e da responsabilidade pelos danos do mesmo decorrentes.
Na resposta apresentada, aduz a Ré seguradora não ter sido junto aos autos qualquer documento comprovativo daquela despesa, a qual, para além do mais, é indevida, “não constituindo um dano decorrente do acidente, mas sim, e antes, o pagamento de serviços a que as AA. terão recorrido, na medida em que recorreram aos serviços forenses para as representar na presente acção”.
Provou-se ter a Autora SR recorrido aos serviços da empresa GSMAX – Averiguação e Gestão de Sinistros, Lda., para a averiguação do acidente – facto 15 -, mas não se provou que as Autoras tenham despendido o montante de 780,00 € pela prestação daqueles serviços – facto não provado 2.
Conforme decorre do disposto dos artigos 483º e 563º, ambos do Cód. Civil, a ressarcibilidade ao lesado abrange os danos resultantes da violação, sendo que a obrigação de indemnizar apenas existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o que traduz, no âmbito do nexo de causalidade, a adopção da teoria da causalidade adequada.
Ora, o dano ou perda reclamado não resulta directamente da violação em equação, nem a lesão causada implicou necessariamente a existência desta perda ou dano, antes se estando perante uma despesa eventual, que as Autoras decidiram realizar, de forma a lograrem obter substractro probatório no qual pudessem fundamentar e enformar a sua pretensão.
Donde, inexistindo tal nexo causal, a obrigação de indemnização não abrange tal eventual perda ou despesa, improcedendo, neste segmento, a pretensão recursória.
Da indemnização reclamada pela Autora SR
- do dano decorrente das despesas médicas, medicamentosas e tratamento conservador/recuperador de fisioterapia (bem como das que se vierem a vencer até à consolidação do dano)
Referencia a Autora condutora que face às lesões sofridas ficou com sequelas e com períodos de incapacidade absoluta, bem como com necessidade de tratamentos e procedimentos médicos, nomeadamente consultas, medicamentos, fisioterapia e ginásio, nos quais suportou despesas no valor de 1.516,89 €.
Pelo que, pretende ser ressarcida do pagamento de tais despesas.
Conforme facto 19, provou-se que, em consequência do acidente, a Autora SR sofreu várias lesões, tendo tido necessidade de tratamentos e procedimentos médicos, como consultas, toma de medicação, fisioterapia e ginásio, tendo despendido, pelo menos, o montante de € 1.516,89.
Por outro lado, não resulta da factualidade provada a existência de outras despesas, da mesma natureza, que tenham ocorrido, ou que venham necessariamente a ocorrer, até à consolidação do dano.
Pelo exposto, cumpre á Ré seguradora suportar, na decorrência da transferência de responsabilidade operada pelo contrato de seguro – facto 14 -, o pagamento da quantia de 505,63 € (quinhentos e cinco euros e sessenta e três cêntimos), correspondente à percentagem de responsabilidade da mesma (1/3) no ressarcimento de tal dano.
- do dano de privação de utilização do veículo
Referencia, ainda, a Autora condutora (SR) ter estado impedida de usufruir do veículo …, o que lhe causou transtorno, pois era o seu único meio de transporte e não possui possibilidades económicas para adquirir um novo veículo.
Acrescenta que para dar continuidade á sua actividade diária de deslocação para a universidade sita em Lisboa, viu-se obrigada a recorrer à ajuda de amigos e familiares, bem como a transportes públicos, o que lhe causou prejuízos patrimoniais.
Adrede, referencia que deverá receber uma compensação pelo “período em que está sem poder usufruir do seu veículo”, contabilizado desde a data do acidente e até efectiva reparação da totalidade dos prejuízos.
Pelo que, reclama compensação pela paralisação do veículo durante 340 dias, o que, calculado à taxa diária de 10,00 €, perfaz o montante de 3.400,00 € (três mil e quatrocentos euros).
Na contestação apresentada, referencia a Ré seguradora que a 2ª Autora (SR) não era, à data do sinistro, proprietária do motociclo …, o qual era propriedade da 1ª Autora (FR), a qual, caso tivesse sido prejudicada com a paralisação do veículo, seria, em tese, titular do direito a reclamar indemnização a tal título.
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, afirmando a Autora que o veículo ficou na situação de perda total, pelo menos a partir da data em que lhe remeteu a carta em que declinava a responsabilidade pelo acidente ocorrido (15/10/2018), e sob pena de injusto enriquecimento à sua custa, em caso de condenação, não lhe poderia ser arbitrado qualquer valor a título de privação do uso de veículo.
Ademais, aduz, os eventuais danos decorrentes da paralisação do motociclo, quando muito naquele período de 18 dias (até à remessa da carta), sempre careceriam de alegação, fundamentação, demonstração e comprovação, o que não se mostra minimamente sustentado.
Resultou provado que o veículo …, à data do acidente, era conduzido pela Autora SR, mas era propriedade da Autora FR – factos 3 e 13 -, sendo que, desde a data do acidente, a Autora SR ficou privada de usufruí-lo – facto 17.
Por outro lado, não se provou que o único meio de transporte que a Autora SR utilizasse fosse o veículo …, que para dar continuidade às suas actividades diárias a mesma Autora tenha recorrido a ajudas de amigos e familiares e transportes públicos, nomeadamente táxi e Uber, e que o custo diário de um veículo similar oscilasse entre 10,00 e 20,00 € - factos 5 a 7.
Ora, se bem apreendemos a pretensão apresentada, o presente dano parece decompor-se em duas diferenciadas vertentes, ambas de natureza ou conteúdo patrimonial: por um lado, as alegadas despesas decorrentes da privação do veículo, nomeadamente com transportes públicos ; por outro, o dano decorrente da mera privação do uso do veículo.
No que á primeira concerne, resulta concludente a sua não prova, ou seja, não logrou a Autora SR provar que, no intuito de dar continuidade às suas actividades diárias, tenha tido a necessidade de recorrer a transportes públicos, nomeadamente táxi e Uber (nem sequer á mera ajuda de amigos e familiares).
Apreciemos, agora, a segunda vertente.
Segundo princípio geral largamente aceite em termos jurisprudenciais, é “o lesante, responsável pelo acidente de viação que tem a obrigação de ressarcir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, mediante, em princípio, a restauração natural, salvo se esta não for possível, não reparar integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, o lesante, e por tudo é a este lesante que incumbe o dever de efectuar ou mandar efectuar a reparação do veículo danificado no acidente” [8].
Ora, o alegado dano da privação do uso do veículo já foi qualificado como tendo natureza moral ou não patrimonial, dispondo o n.º 1 do art.º 496º que na fixação da indemnização de tais danos deve apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A posição clássica adoptada na doutrina e na jurisprudência era a de que tais danos, consubstanciados nos incómodos decorrentes de tal privação, não tinham a gravidade exigida pela lei que justificasse a atribuição de uma indemnização [9].
Todavia, já nessa altura tal posição jurisprudencial não era uniforme defendendo, entre outros, o douto Acórdão da RC de 07/06/77 [10] “que a impossibilidade de utilização de automóvel próprio (danificado em acidente de viação) para deslocações de recreio e/ou necessárias à satisfação de necessidades quotidianas pode, por afectar o bem estar do lesado, configurar a existência de dano não patrimonial indemnizável”. Algum tempo depois, e ainda antes da mais recente orientação jurisprudencial, tal posição voltou a ser defendida pelo douto Acórdão da RE de 26/03/80 [11], aí se referindo que “é facto notório que a imobilização forçada de um veículo por acidente e  durante tanto tempo, causa danos morais ao seu proprietário. Parece pertinente esta consideração, pois quem tem um carro tem-no para o desfrutar, e se por via dum acidente não o pode usar, isso causa-lhe sem dúvida um prejuízo não patrimonial tanto mais sensível quanto maior for o decurso do tempo durante o qual não pode exercitar o direito de utilizar como bem entende aquilo que é seu”.
No campo doutrinário, defende Américo Marcelino [12] que “uma coisa são os incómodos ou os transtornos provenientes da privação do carro e que, em boa verdade, não têm valor suficiente para integrarem o conceito de dano moral, tal como o art.º 496º o configura. E outra coisa é o desvalor que, sem dúvida, tal privação representa. Como desvalor que é, imerecido para o possuidor do carro, representa um dano para ele”. Ajuizando acerca de tal dano, qualifica-o como “material, patrimonial, consistente na privação da faculdade de poder fruir o carro que comprou. Como o direito de propriedade compreende os direitos de uso e fruição da coisa – art.º 1305º do Código Civil – e destas faculdades ficou privado o dono do carro, afectado ficou o seu direito de propriedade do veículo, diminuído que ficou, embora parcialmente, quer em quantidade, quer em duração. Ora isto, como componente do direito de propriedade, não pode deixar de ter um preço. Saber a sua medida, maior ou menor, já será outra questão, a resolver, eventualmente, ao abrigo da equidade – art.º 566º, n.º 3, do Código Civil”.
Ora, a posição que defende serem tais danos não indemnizáveis afigura-se-nos completamente ultrapassada e desactualizada.
Com efeito, conforme defendido no douto Acórdão desta Relação de 04/06/98 [13], na esteira dos arestos já referenciados, “nos tempos que correm, em que a possibilidade de usar automóvel faz parte daquilo a que vulgarmente se chama de qualidade de vida, já não se pode defender em termos de razoabilidade que os incómodos derivados da privação do veículo constituem dano não tutelado pelo direito. O Direito tem destinatários concretos, integrados numa determinada realidade, e não se compadece com uma visão abstracta da vida”. Refere-se, ainda, que a privação do uso e fruição do veículo consubstancia uma restrição ao direito de propriedade, inadmissível de acordo com o mencionado no art.º 1305 do Código Civil. E, não existiria nenhum motivo para entender “que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre um automóvel, não se contém na previsão do art.º 483, nº1 do Código Civil, que estabelece um princípio geral”. Conclui, referindo que tais simples incómodos resultantes da privação do veículo são indemnizáveis, devendo tal dano ser qualificado como não patrimonial, merecedor da tutela do direito indemnizável nos termos do nº3 do artº 496.
Não cremos, todavia, que a qualificação de tal dano com natureza não patrimonial seja a melhor a mais adequada solução, antes se erigindo um mais adequado e pertinente enquadramento.
Assim, A.S. Abrantes Geraldes [14], em obra que seguiremos de perto, refere que “o principal obstáculo à admissão do direito de indemnização decorrente da simples privação do uso advém da sua integração na categoria do dano concreto e na sua compatibilização com a teoria da diferença como critério quantificador”, pelo que, em regra, “aquela privação comporta um prejuízo efectivo na esfera jurídica do lesado correspondente à perda temporária dos poderes de fruição”, sendo indiscutível, com base nas regras da experiência, que é a “privação do uso de um bem que não tenha sido prontamente substituído por outro com semelhantes utilidades ou que não tenha sido colmatada com a atribuição imediata de um quantitativo destinado a suprir a sua falta” que “determina na esfera do lesado uma lacuna que jamais poderá ser «naturalmente» reconstituída” [15].
Deste modo, surge como inquestionável que a privação do uso do veículo, inibindo o dono de exercer sobre o mesmo os inerentes poderes, constitui uma efectiva perda, sendo que o sistema legal, conforme já vimos, confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação. Todavia, quando esta faculdade não tenha sido utilizada, ou o responsável lesante não tenha procedido á devida substituição do veículo, então a única via de reparação ou reintegração possível do lesado é através da atribuição de um equivalente pecuniário, vulgo, através da competente indemnização. Assim, constata-se “que a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma «fatia» dos poderes inerentes ao proprietário.
Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização (...). É incontornável a percepção de que entre a situação que existiria se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada” [16]. Pelo que, a situação de “desequilíbrio de natureza material correspondente á diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem”, apenas se torna ressarcível “mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, se necessário recorrendo á equidade para alcançar a ajustada quantificação” [17] [18] [19].
Na configuração do presente dano, para uma das posições equacionáveis, surge como defensável que tal ressarcimento tutela a posição do proprietário do veículo, ou a de quem, sobre o mesmo, possua um qualquer direito real, que não o de plena propriedade.
Fazendo jurisprudencialmente eco de tal posição, sumariou-se no douto Acórdão da RE de 25/06/2009 – Processo nº. 87/05.0TBADV.E1, Relator: Manuel Marques, in www.dgsi.pt – que “não tendo o lesante providenciado, como lhe competia, a reparação do veículo e relegando para mais tarde a restauração natural, não pode deixar de ser responsável pela paralisação verificada.
III – Pode afirmar-se com segurança afirmar-se que, em cada dia de paralisação, o dono tem um prejuízo (decorrente da desvalorização do veículo), sem que tenha tido o correspondente benefício (disponibilidade material do bem ou a sua efectiva utilização). Este prejuízo tem de ser reparado pelo lesante.
(….)
V - Se o prejudicado com a paralisação for um terceiro, designadamente um comodatário, e não o dono da coisa, então não haverá direito a qualquer indemnização. Porquanto não sendo o terceiro prejudicado, titular de qualquer direito à reparação, pois que a lei não prevê, que os terceiros reflexamente prejudicados possam ser ressarcidos (o direito à reparação por parte de terceiros apenas se encontra previsto em situações excepcionais, nomeadamente relativamente a despesas com tratamento e assistência do lesado - art. 495º do C.C), não tem direito ao sucedâneo daquela reparação, ou seja direito à indemnização pela privação de bens de terceiro” (sublinhado nosso).
Pelo que, in casu, não sendo a indemnização pelo presente dano peticionada pela proprietária do RZ – a Autora FR -, mas antes pela Autora SR (filha daquela, conforme resulta do teor do assento de nascimento junto a fls. 90) que o conduzia, desconhecendo-se que sobre o mesmo detivesse um qualquer direito real, ainda que limitado, que lhe conferisse o direito de o utilizar e usufruir, não poderia concluir-se por qualquer afectação do património da Autora peticionante, em virtude de não resultar alegado, e consequentemente provado, que sobre tal bem possua quaisquer direitos de proprietária. E, por outro lado, a sua proprietária não formulou petitório acional conducente ao ressarcimento de tal dano.
O que determinaria, no que ao presente segmento concerne, improcedência da pretensão indemnizatória.
Para uma outra posição defensável, o titular da indemnização pode ser o “lesado”, no sentido deste poder ser não só o titular de direito real sobre a coisa, mas também o utilizador habitual da coisa.
Com efeito, em causa estaria a privação do uso, não tão-só da propriedade ou outro direito real de gozo, pelo que o utilizador habitual não seria terceiro, mas lesado direto, pelo que urgiria recorrer ao art. 483º, e não ao artº. 495º, ambos do Cód. Civil.
Acresce que, neste entendimento, o conceito de lesado radicaria no prescrito no artº. 42º, do DL nº. 291/2007, de 21/08, pelo que, in casu, sendo a Autora mãe a proprietária do veículo, e sendo a Autora filha quem o usou, aceitando a mãe que a lesada pela imobilização é a filha (sendo o pedido por esta formulado), inexistiria qualquer motivo para negar à filha a indemnização por tal dano.
Ou seja, usando a filha o motociclo, de que tinha a disponibilidade, o facto de não ser a proprietária não lhe retirava a qualidade de lesada.
Ora, compulsada a matéria de facto, provou-se, apenas, que, aquando da ocorrência do acidente, o motociclo … era conduzido pela Autora SR (filha), sendo propriedade da Autora FR (mãe) – factos 3 e 13.
Provou-se, ainda, por um lado que naquela data a Autora SR não tinha habilitação legal para conduzir tal veículo e, por outro, que desde a data do acidente esta ficou sem poder usufruir do mesmo – factos 12 e 17.
Em contraponto, não se provou que o único meio de transporte que a Autora filha utilizasse fosse o motociclo …, e que, para dar continuidade às suas actividades diárias, tenha tido a necessidade de recorrer a ajudas de amigos e familiares, ou transportes públicos, nomeadamente táxi e Uber – factos 5 e 6.
Decorre, assim, não ter ficado demonstrado que a Autora filha usasse habitualmente o motociclo RZ à data do embate, pois não resulta provado nem o termo inicial desse uso, nem o moto do seu exercício.
Ademais, o que se dá como provado no facto 17 reporta-se a momento posterior ao embate, sendo uma decorrência da perda total do veículo.
Desta forma, quer se entenda que o direito indemnizatório por privação de uso pertence exclusivamente ao titular de direito real de gozo sobre a coisa – 1ª posição enunciada -, quer se entenda que abrange também o utilizador habitual da mesma – 2ª posição enunciada -, no caso concreto, não resultando demonstrado que a Autora SR fazia uso habitual do motociclo pertença da mãe (apesar de nem sequer possuir habilitação legal para o conduzir), não tem direito à reclamada indemnização.
O que determina, neste segmento, total improcedência da pretensão indemnizatória apresentada.
- do dano não patrimonial e do identificado dano corporal
Relativamente ao petitório deduzido pela Autora condutora, resta apreciar a indemnização peticionada a título de dano não patrimonial, e a peticionada como dano corporal, sendo este discriminado por aquela da seguinte forma:
1.º Défice Temporário na Actividade Formativa: €7.500,00 euros (552 dias)
2.º Dano Biológico: €5.500,00 (4 pontos)
3.º Dano Estético: €5.000,00 (4/7 pontos)
4.º Quantum Doloris: €2.500,00 (5/7 pontos)
5.º Dias com incapacidade temporária com internamento: €780,00 (23 dias)
6.º Repercussão na vida laboral: €10.000,00
7.º Repercussão nas actividades desportivas e de lazer: €3.000,00 (2/7 pontos).
Ora, analisados estes itens alegadamente tradutores do denominado dano corporal, parece dever entender-se que os identificados em 1º - Défice Temporário na Actividade Formativa -, 3º a 5º - Dano Estético, Quantum Doloris e Dias com incapacidade temporária com internamento – e 7º - Repercussão nas actividades desportivas e de lazer –, cujo valor total reclamado ascende à quantia de 18.780,00 €, constituem-se como potenciais danos de natureza não patrimonial e, como tal, deverão ser integrados e conhecidos.
Restam, assim, os aludidos Dano Biológico e a Repercussão na vida laboral, peticionados no valor global de 15.500,00 €, cuja qualificação não é tão elementar, antes exigindo algum enquadramento, nomeadamente no que concerne à sua eventual qualificação como dano patrimonial futuro, de acordo com os critérios valorativos inscritos nos artigos 564º e 566º, ambos do Cód. Civil.
Com maior realce na presente aferição, revelam-se os seguintes factos relativos à Autora condutora:
- Como consequência do acidente, sofreu danos corporais, tendo sido conduzida pelo INEM para o Centro Hospitalar do Oeste – Unidade de Torres Vedras, após ter recebido os primeiros socorros ainda no local do acidente – facto 18 ;
- Era estudante universitária – factos 33 e 40 ;
- E tinha 17 anos de idade – facto 40 ;
- O défice funcional permanente na sua integridade físico-psíquica foi fixado em 4 pontos – facto 36 ;
- As sequelas de que padece em consequência do acidente, e as lesões sofridas em termos de repercussão permanente na actividade formativa e eventual profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares – facto 39.
Vejamos, então, de que forma se equaciona e legalmente prevê a ressarcibilidade e concreta valorização ou avaliação do dano de natureza futura ou dano futuro.
Na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis. É previsível a capacidade de adquirir. O princípio base a obedecer neste concreto é que a indemnização, correspondente ao cálculo da frustração de ganho, deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida.
Tal cálculo é uma operação sempre difícil, devendo o tribunal quando não possa apurar o seu exacto valor, julgar segundo a equidade – cf., art. 566º, n.º 3.
A ressarcibilidade dos danos futuros encontra-se expressamente prevista no art.º 564º, n.º 2 nos seguintes termos: “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Descodificando este preceito legal, Sousa Dinis [20] refere que o mesmo significa, logo à partida, “que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm de ser previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles”.
Com o intuito de harmonizar as indemnizações fixadas por danos futuros, especialmente os relacionados com incapacidades permanentes, de que é maior expoente a derivada da própria morte, têm sido criados, ou adaptados, pela jurisprudência diversos critérios orientadores [21].   
Um primeiro critério foi avançado no Ac. STJ de 8 de Março de 1979. Partia da utilização das regras existentes na lei laboral para o cálculo de pensões devidas pelas incapacidades permanentes de trabalho e sua remissão. Todavia, desde logo tal critério foi colocado em causa, pois não permitia, com segurança, uma adequada e justa medida de ressarcimento. Nas palavras do Acórdão do STJ de 04/02/93 [22], tal resultava da circunstância de que, “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornarão sempre único e diferente”.
Um outro critério jurisprudencialmente adoptado, nomeadamente a partir do Acórdão do STJ de 09/01/79 [23], no que respeita aos danos futuros, determinava que a indemnização a pagar ao lesado deve “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”.
A partir do Acórdão do STJ de 19/05/81 [24], adoptou-se um outro critério tendo por base a utilização das tabelas financeiras (não já do foro laboral) usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a dada taxa de juro anual. Visa-se que a indemnização seja calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação existente e a actual até ao final desse período [25] [26].
Parte-se do princípio de que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão, correspondente ao grau de incapacidade e adequado a repor a perda sofrida. Só assim se consegue, na verdade, cumprir a exigência legal de “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, conforme estatuído no citado art.º 562º.
Daqui se retira que deve ser tido em conta, na efectivação do cálculo, a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos e o grau de incapacidade.
Verifica-se, assim, nas palavras do Ilustre Conselheiro Sousa Dinis, uma tendência “dos nossos tribunais para falar de critérios e lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte e incapacidade total ou parcial”. Acrescenta que o julgador não deve deixar de lado a equidade (o que analisaremos melhor infra) mas, “sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização, em termos de se chegar a um certo parâmetro, a partir do qual se possa «sintonizar» a indemnização que for julgada mais adequada, intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.” [27].
Efectivamente, a adopção de tais mecanismos tem por base ou pressuposto o reconhecimento das dificuldades com que os Tribunais se deparavam, a circunstância de serem adoptados critérios eivados de elevada subjectividade, e a percepção da necessidade de objectivar, concretizar, de adoptar critérios que permitissem a concretização de uma justiça relativa. Na procura de tal desiderato, adoptou-se em Espanha as “medidas de baremación, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 08-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em barèmes que se encontra implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel adoptada depois da publicação da Loi n.º 85-677, de 5 de Julho de 1985, também apelidada de Loi Badinter.
Envolvendo a generalidade dos danos emergentes de acidentes de viação, esses sistemas revelam circunstâncias diversificadas, por forma a integrar a generalidade dos sinistros, sendo os valores antecipada e objectivamente fixados, sem embargo da ponderação de situações particulares” [28] [29].
Finalmente, cabe salientar a existência de uma ‘contracorrente’, que afasta o uso destas tabelas – ainda que como meros instrumentos de trabalho -, optando antes por ajuizar de acordo com a equidade, nos termos do art.º 566º.
Sempre se dirá, no entanto, numa visão pertinentemente temperada e equilibrada, que o recurso aos aludidos critérios e tabelas não afasta a aplicação da equidade, que sempre funciona em sede de ponderação final ajuizadora da (des)razoabilidade do valor alcançado.
Nas ajuizadas palavras do douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 [30], devem ser afastadas as “fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios”, não se podendo, deste modo, “dispensar o recurso à equidade”, a qual surge, assim, com uma função ou intervenção temperadora.
Deste modo, deverá a equidade ter sempre a última e derradeira palavra na conformação da indemnização a fixar, como valor último e modo “adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto”. Mas, por outro lado, não pode tal critério postergar ou ignorar a adopção de um juízo de cálculo abstracto, de um método de cálculo meramente auxiliar, de que são exemplo as citadas tabelas financeiras. Tal exigência advém da circunstância de não se poder prescindir “do que normalmente acontece (id quod plerumque accidit), no respeitante à duração da vida (a expectativa de vida dos homens no nosso País), à progressão profissional de um trabalhador (....)”, constituindo tais tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, “um método de cálculo de valor meramente auxiliar”. Pelo que, sendo “a fixação da indemnização a atribuir o resultado, como se disse, do julgamento de equidade, os resultados a que conduzir a aplicação das tabelas financeiras deverão ser corrigidos se o julgador os considerar desajustados relativamente ao caso concreto submetido a julgamento”, ou seja, inexistindo métodos tradutores de critérios abstractos que se mostrem infalíveis, “devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º” [31] [32]
Aqui chegados, e no intuito de respondermos à enunciada questão, façamos uma breve resenha jurisprudencial.
O já supra enunciado douto aresto do STJ de 23/10/2008 defende que a mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana -, tem distinguido, “dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.
E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho – Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.”
Acrescenta o mesmo douto aresto constituir entendimento corrente a nível de tal Tribunal Superior que ficando o lesado “a padecer de determinada incapacidade parcial permanente (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art. 564º, nº 2 do CC.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.
Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado” (sublinhado nosso).
Deste modo, aduz, os critérios a ponderar na indemnização em apreço são os seguintes:
“a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a das mulheres os 80 anos”.
O douto aresto do mesmo Supremo Tribunal de 14/09/2010 [33] menciona que a Portaria nº. 377/2008, de 26/05, veio, no nº. 1 do seu artigo 1º, fixar “os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal»., estabelecendo no seu anexo IV umas tabelas “de compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica – dano biológico”. Tais tabelas, inspiradas nas denominadas barémes do direito francês, destinam-se mais “às fases pré ou extrajudiciais e às relações internas entre as vítimas e as empresas seguradoras (fases de negociação) - em ordem a prevenir e limitar o mais possível a pura discricionariedade em tal domínio e ao objectivo declarado de prevenção dos litígios, por isso mesmo não vinculativa em processos judiciais. O que não significa que, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, não possam os tribunais servir-se de tais tabelas insertas, como critério orientador e aferidor preferencial, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e actualização.
De realçar que a jurisprudência se vinha, desde há muito, debruçando sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e, outrossim, a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade. Mas no entendimento – sempre reiterado por este Supremo Tribunal – de que o recurso tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não poderia substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de sãos critérios de equidade, tudo em obediência ao comando do n.º 3 do art.º 566.º do CC (cfr., neste sentido, v.g., o acórdão de 14-2-2008, in www.dgsi.pt.)
Como finalidade última, propunham-se tais critérios - não obstante meramente referenciais e indiciários - propiciar a atribuição de uma indemnização adequada a ressarcir a perda (total ou parcialmente significativa) da vida útil do lesado ou vítima, através da fixação do capital necessário para permitir o levantamento de uma “pensão ao longo dos anos em que o mesmo poderia previsivelmente trabalhar, esgotando-se tal aferição no final do período. E, por outro lado, assegurar que o montante a arbitrar nunca pudesse ser o resultado de um negócio lucrativo emergente de facto ilícito.
 O n.º 1 do art.º 566.º, do CC, assegurando o princípio da ressarcibilidade dos danos futuros, condiciona, contudo, a sua atendibilidade e a fixação da correspondente indemnização à respectiva previsibilidade. O dano futuro mais típico prende-se exactamente com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho ou da perda ou diminuição da capacidade de ganho”.
Acrescenta o mesmo douto aresto que a Incapacidade Permanente Parcial pode centrar-se “na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se (também e, por vezes, sobretudo) o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. O que logo nos poderia remeter para a querela doutrinária acerca da distinção entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» («handicap») e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante a chamada teoria da diferença se ajustar mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho.
Assim, a incapacidade permanente parcial (IPP) determina consequências negativas, ao nível da actividade geral do lesado, que justificam a sua contemplação, no plano dos danos patrimoniais, para além e, independentemente, de uma autónoma valoração que dela se justifique fazer-se, em sede de dano de natureza não patrimonial”.
Adrede, apelando a juízo sufragado pelo mesmo relator em decisão antecedente, acrescenta continuar a entender-se que “na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por "handicap", a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena -, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sic) 
Também no acórdão de 27-5-2004, in Proc. 1720/04 – 2.ª Sec., se concluiu que «a indemnização por (perda de) lucros cessantes ou danos futuros se justifica ou porque a IPP provoca uma diminuição concreta dos proventos do lesado, ou uma sobrecarga de esforço físico daquele, que se reflecte na sua capacidade de ente produtivo. Tudo sendo certo que, face aos critérios indemnizatórios civilísticos, a atribuição da indemnização nenhum apelo faz - nem tem que fazer - às repercussões do sinistro no dia a dia profissional (laboral) do lesado. Do que se trata é antes de actividade do lesado como pessoa e não como trabalhador, podendo ocorrer - o que não é raro - que determinada lesão produza uma incapacidade fisiológica significativa sem qualquer repercussão ou sequela de ordem laboral.
No sentido de que o lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente advinda de acidente de viação - prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho – vejam-se, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16-12-99 , in Proc 808/99 – 1.ª Sec , de 27-9-01, in Proc 1979/01- 7.ª Sec e de 15-5-01 , in Proc 1365/01-6.ª Sec” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 07/10/2010 [34], após defender a indemnizabilidade da IPP, quer exista quer não exista diminuição dos proventos do trabalho, acrescenta que o montante a que se chegue deverá depois ser corrigido, para mais ou para menos, de acordo com um juízo de equidade, e através da ponderação de outros factores, “entre os quais assumem, com frequência, relevância o da perda efectiva ou não dos proventos, o relativo às vantagens em receber, de imediato, o capital e, bem assim, o que resulta da normal previsibilidade quanto à evolução da taxa de juros e à inflação” (sublinhado nosso).
Adrede, o douto aresto do STJ de 07/10/2010 [35], relativamente aos danos futuros de natureza patrimonial, refere que “se é verdade que se não demonstrou que o autor tenha sofrido qualquer perda concreta no seu ordenado mensal, decorrente do exercício da sua actividade profissional, não se pode esquecer, por outro lado, que o mesmo realiza um esforço, físico e psíquico, suplementar, em relação ao que acontecia antes do acidente, para lograr obter, hipoteticamente, o mesmo resultado produtivo do seu trabalho, e, também, idêntica remuneração profissional.
E, se é certo que se não demonstrou qual a percentagem desse esforço complementar, físico e psíquico, que executa, encontra-se provado, por seu turno, que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral parcial de 8%, elevável, no futuro, até 13%, que lhe acarreta uma diminuição, em grau moderado, do seu nível de eficiência pessoal ou profissional.
Assim sendo, é razoável concluir que o autor, por força da aludida incapacidade permanente geral parcial, tem de desenvolver um esforço, físico e psíquico, acrescido de 8%, elevável, no futuro, até 13%, para atingir o mesmo resultado produtivo da actividade mecânica que pratica e poder auferir, pelo menos, a remuneração mensal correspondente à sua categoria profissional.
Efectivamente, se o autor desenvolve um acréscimo de esforço, físico e psíquico, de mais 8%, elevável, no futuro, até 13%, do que acontecia antes do acidente, para alcançar os mesmos resultados, profissionais e remuneratórios, é inequívoco que o seu quotidiano se tornou mais absorvente e menor a sua disponibilidade para realizar outras actividades, profissionais ou não.
Por isso, é possível sustentar que a incapacidade permanente parcial, ou seja, a diminuição da capacidade de trabalho, constitui, em si mesmo, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da perda imediata da sua retribuição salarial.
Finalmente, acrescente-se que é de todo compreensível que assim seja, porquanto, na incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente, designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
E é, exactamente, neste agravamento da penosidade, de carácter fisiológico, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização, por danos patrimoniais futuros. Há, pois, lugar ao estabelecimento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP de 8% que sofreu, elevável, no futuro, até 13%, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho profissional”.
Por fim, reafirmando o já supra aludido no douto aresto de 14/09/2010, acrescenta tratar-se, “em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos” (sublinhado nosso).
Prosseguindo o nosso périplo pela jurisprudência do nosso Tribunal Superior, o douto aresto de 16/11/2010 [36], pugnando acerca da ressarcibilidade do dano biológico, a título de dano futuro, ainda que tal não traduza a perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico, aduz que basta ao lesado alegar e provar “que sofreu uma concreta IPP para, sem mais, ver assegurado o seu direito a uma indemnização, não lhe sendo, por isso, exigível a alegação e consequente prova da perda de rendimentos do trabalho desenvolvidos por si.
Com efeito, é sabido que as incapacidades parciais permanentes nem sempre acarretam perda de diminuição nos rendimentos profissionais do lesado que, não obstante, continuará a ter direito a uma indemnização pelo chamado dano biológico, decorrente da afectação funcional que a incapacidade sempre lhe trará, exigindo-lhe esforços acrescidos no desempenho das suas normais actividades”.
Acrescenta que o mesmo Tribunal, relativamente à fixação do montante devido pelo ressarcimento do dano biológico, tem vindo a considerar e ponderar o seguinte:
“1. O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
2. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional ( 10% de IPP genérica) - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido.
3. O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (sublinhado nosso).
Assim, através do ressarcimento do dano biológico, e como integrantes deste, pretende-se abranger as situações de inferiorização de ordem funcional e de potencial perda de oportunidades, que vão para além do mero ressarcimento de natureza ou ordem não patrimonial. 
Pelo que, não é apenas a perda de rendimentos ou o “estrito acrescido esforço físico utilizado no desempenho de uma actividade que se inserem nesta incapacidade; nela se integram ainda a perda de aptidões para o exercício de actividades profissionais designadamente aquelas - e são inúmeras - em que releva a presença, o porte, o gesto, a atitude, o semblante, o que vai implicar para o autor um esforço acrescido para conseguir um desempenho positivo, esforço esse de que não careceria antes de ficar a padecer das mencionadas notórias deformidades físicas. E, para além disto, há que contar igualmente com a já mencionada perda de oportunidades de que é flagrante exemplo a actividade que vinha exercendo, mas valendo igualmente para todas as actividades em que a apresentação e o porte humano sejam factores relevantes de admissibilidade e de permanência”.
Prevendo a ressarcibilidade do dano biológico mais na sua vertente patrimonial, aduz o douto aresto do STJ de 16/12/2010 [37] que o dano biológico deve ser perspectivado ou entendido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado ”com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado - consubstanciado em limitação funcional ao nível dos movimentos do membro inferior - deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspectivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas.
E, assim sendo, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao outorgar ao lesado uma indemnização global por danos patrimoniais de €50.000, em que estão contemplados, não apenas os rendimentos futuros perdidos como directa e imediata consequência da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, mas também o «dano biológico» associado a uma IPG de 10%, envolvendo restrição ao futuro exercício de actividades profissionais que envolvam esforços físicos acentuados e um acréscimo inevitável do esforço ou penosidade na realização pelo lesado das actividades da vida corrente, pessoal e profissional” (sublinhado nosso).
Por fim, o douto aresto do STJ de 23/11/2010 [38], começou por invocar a crescente afirmação do dano corporal, também designado ou denominado por dano à saúde ou por dano biológico, em nítida diferenciação relativamente à dicotomia até aí reconhecível de dano patrimonial/dano moral.
Acrescenta que o dano corporal “refere-se tanto à actividade laboral como à actividade extra-laboral, compreendendo-se nesta última a actividade através da qual se realiza e afirma a personalidade do indivíduo.
Assim sendo, começou a ganhar força a distinção entre o dano não patrimonial, em sentido lato [dano extra-patrimonial] e o dano não patrimonial, em sentido estrito [dano moral].
Neste enquadramento, surgiu o dano corporal, como um «tertium genus», ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjectivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde e o dano moral subjectivo, tal como o dano patrimonial, o dano-consequência, em sentido estrito.
A trilogia considerada refere-se ao dano biológico ou dano-evento, consistente no compromisso do bem saúde, constitucionalmente, protegido, que se traduz na diminuição psico-somática do indivíduo, provocada pelo facto ilícito, com natural repercussão na vida de quem o sofre, e que é um dano primário e sempre, autonomamente, reparável, ao dano patrimonial ou dano-consequência, que é um dano secundário e eventual, ressarcível quando ocorra, e, finalmente, ao dano moral, igualmente, secundário e eventual, consistente na mera transitória perturbação subjectiva.
Assim sendo, a afectação da integridade físico-psíquica da vítima, transformada em patologia, constitui-se com o evento lesivo, é o dano corporal ou dano-evento, que existe independentemente das consequências de ordem patrimonial sobrevindas, ou seja, do dano-consequência, sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica, e, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparado.
Deste modo, o dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última” (sublinhado nosso).
O reconhecimento da autonomia do desenhado dano-evento, dano corporal ou dano biológico, e da configuração deste como lesão da saúde, “à integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial.
Enquanto dano inerente à integridade da pessoa, goza de autonomia categorial e conceitual, face ao dano patrimonial e ao dano moral, em cujo âmbito, num fenómeno de absorção ainda em curso de numerosas vertentes reparatórias de danos, passou a compreender-se o dano estético, o dano sexual, o dano existencial, o dano psíquico, o dano à vida de relação, o dano à capacidade laboral genérica e a dor, crónica e intensa, produtora de consequências, ao nível da capacidade de trabalho, ou de prejuízos para as actividades lúdicas, sociais e de tempos livres, em geral.
 Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial resultante da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico.
Deste modo, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento.
E com isto se entende que o dano corporal não deve considerar-se confinado ao âmbito dos danos não patrimoniais, gozando de autonomia, quer face a estes, quer face aos danos patrimoniais.
Mas, tratando-se o dano biológico de um dano, importa proceder à sua integração, ou na categoria do dano patrimonial, ou na classe dos danos não patrimoniais.
A concepção que considera o dano biológico de cariz patrimonial entende que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado, não se estando perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
O entendimento que defende que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito, em sede de dano não patrimonial, considera, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos e o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia, agravando-se ou potenciando-se estes condicionalismos naturais, em consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico.
Assim sendo, desde que este agravamento se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, por parte do lesado, traduzir-se-á num dano moral.
Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial” (sublinhado nosso).
Já vai longa a resenha jurisprudencial a que nos propusemos, podendo-se assentar resultarem da mesma os seguintes princípios, ditames ou directivas:
- O dano corporal ou dano biológico (incapacidade fisiológica ou funcional) não se confunde com o dano patrimonial, sendo que aquele está sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica ou do bem saúde, enquanto que este, como dano sucessivo ou ulterior, é eventual ;
- Considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade permanente geral (IPG) é, consequentemente, um dano de natureza patrimonial ;
- Pelo que a incapacidade permanente (IPG) é, de per si, um dano patrimonial indemnizável ;
- E isto, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de proventos laborais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar físico e/ou psíquico para obter o mesmo resultado ;
- Trata-se de indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, e não qualquer perda efectiva de rendimento ;
- A incapacidade fisiológica ou funcional é, assim, diferenciada da incapacidade laboral ou para o trabalho, sendo ambas indemnizáveis ;
- Aquela incapacidade – fisiológica ou funcional -, vulgarmente designada por handicap, tem por objectivo indemnizar o dano corporal sofrido, tendo por referência a integridade psicossomática plena, que não particularmente qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação deste ;
- O dano biológico é assim, ressarcível, ainda que não se traduza numa perda de rendimentos profissionais ou não imponha um acréscimo de estrito esforço físico ;
- E a sua ressarcibilidade é sempre como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial ;
- Integrando ainda tal dano biológico a inferiorização de ordem funcional ou perda de capacidades e a potencial perda de oportunidades, a acrescer, e para além, do dano não patrimonial ;
- Assim, o dano biológico ou dano corporal é um dano-evento ou dano primário, enquanto o dano patrimonial ou dano moral são danos secundários ou eventuais ;
- Apesar de, num determinado entendimento, ao dano biológico ser atribuída uma natureza não patrimonial, este pode ser ressarcido em sede patrimonial ou compensado em sede não patrimonial, a título de dano patrimonial ou como dano moral ;
- Assim, caso a lesão origine, no futuro, durante o período activo do lesado, ou da sua vida, uma perda de capacidade de ganho ou um esforço acrescido no seu desempenho profissional, o ressarcimento deve operar-se em sede patrimonial ;
- Em contraponto, estando em causa a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, decorrente de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico, sem rebate profissional, a compensação deve operar-se em sede não patrimonial ;
- O que não pode é ser ressarcido, simultaneamente, nas duas mencionadas vertentes, sendo casuisticamente apreciado o modo de enquadramento pertinente.
Aqui chegados, a resposta à pergunta enunciada é clara e precisa: o dano resultante da IPP (ou incapacidade permanente geral parcial – IPGP)  é valorável ou ressarcível, ainda que não resulte que tal IPP tenha causado ao lesado qualquer redução da sua capacidade de ganho, podendo, inclusive, auferir presentemente a mesma quantia, ou superior, à que auferia antes do acidente.
Ora, tendo resultado provado que as lesões sofridas pela Autora condutora, e as sequelas daí decorrentes, repercutem-se, de forma permanente, na sua actividade formativa, e eventualmente profissional e, ainda que compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicam esforços suplementares, julgamento pertinente que o ressarcimento do dano biológico, bem como da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer, deva ser operado em sede patrimonial.
Com efeito, e in casu, afigura-se-nos não estar em equação apenas um mero dispêndio de energia ou esforço, fruto ou consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível físico ou somático, destituída de quaisquer efeitos profissionais.
E, conforme aduzimos, a força do trabalho constitui um bem patrimonial, pelo que a incapacidade permanente suportada sempre constituiria um dano de natureza patrimonial susceptível de indemnização.
Em súmula, e especialmente, resulta do exposto que, em consequência das lesões causadas pelo evento lesivo provado, a Autora condutora ficou com um défice ou incapacidade funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 4 pontos, designada por incapacidade permanente geral (IPG), sendo que esta incapacidade acaba por ter rebate profissional.
Temos, assim, decorrente da IPG sofrida pela Autora um dano biológico, dano à saúde ou dano corporal em sentido estrito, que funciona como dano-base ou dano central, e que, decorrente da provada limitação funcional geral, integra um dano futuro previsível (no sentido de que se repercutirá na qualidade da vida), o qual deverá ser ressarcido, in casu, em sede de dano patrimonial.
Todavia, aqui chegados, como proceder ao cálculo indemnizatório do dano em equação ?
Já supra constatámos a evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial, da ressarcibilidade do dano futuro, quer reconhecendo primazia á aplicabilidade de critérios matemáticos ou financeiros, quer acentuando a nota do primado da equidade, quer utilizando ambas as metodologias ou directrizes.
Porém, in casu, somos desde logo confrontados com uma dificuldade inicial, decorrente do facto da lesada ser estudante universitária, desconhecendo-se-lhe a obtenção de quaisquer réditos profissionais próprios.
Ora, nestas circunstâncias, o entendimento que vem prevalecendo parece ser o de ter em conta o salário médio mensal vigente à data do evento lesivo.
Com efeito, este critério do salário médio mensal destina-se às situações em que o lesado, devido ao facto de ainda não ter ingressado no mercado de trabalho (seja devido à sua idade, seja devido à circunstância de ainda não ter atingido a completude da sua formação profissional) não tem qualquer referência de réditos próprios, assim se evitando a adopção, por defeito, de um critério mínimo de rendimento (salário mínimo nacional), mas antes se logrando ponderação com base num rendimento médio, susceptível de introduzir melhores garantias de justiça equitativa.
Tal entendimento decorre, exemplificativamente, do douto aresto do STJ de 30/05/2019 – Relator: Bernardo Domingos, Processo nº. 3710/12.6TJVNF.G1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual  se ajuizou acerca da valoração de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos (compatível com o desenvolvimento de actividade profissional, mas a implicar esforços acrescidos), adoptando-se o critério do salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem com formação média, atento o facto do lesado, aquando do acidente, ser estudante e não ter ainda ingressado no mercado de trabalho.
Bem como do exposto no douto Acórdão do mesmo Tribunal de 22/06/2017 – Relator: Abrantes Geraldes, Processo nº. 104/10.1TBCBC.G1.S1, in www.dgsi.pt -, no qual se sumariou que “o facto de o lesado ter apenas 14 anos de idade, de frequentar a escolaridade obrigatória e de, por tudo isso, não exercer ainda qualquer profissão, nem ter qualquer habilitação profissional ou académica não determina que, (i) como pretende a Seguradora, a indemnização seja calculada pelo valor da remuneração mínima garantida ou que, (ii) como decidiu a Relação, seja calculada pelo valor do salário mínimo nacional”.
Acrescenta-se que, em tais circunstâncias, “é mais ajustado ponderar o valor do salário médio nacional, como elemento objectivo que sustenta o recurso à equidade”.
Assim, adoptando-se tal critério, constata-se que o ganho médio mensal de um trabalhador por conta de outrem, no ano de 2018, era de 1.170,30 € (mil cento e setenta euros e trinta cêntimos) - Fonte: PORDATA, Fundação Francisco Manuel dos Santos -, tendo-se ainda em consideração que apenas se conhece que a lesada tinha frequência universitária, sem se conhecer qual a área de formação ou eventuais projecções profissionais futuras.
Começando-se por recorrer às tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico, e apelando ao primeiro método abstracto e matemático referenciado no citado Acórdão do STJ de 25/06/2002, tendo por base a provada incapacidade de 4 pontos, temos que:
a) o rendimento anual líquido do seu trabalho é de 16.384,20 € - (14 meses (x) 1.170,30 €)(=) 16.384,20(-)0,11[39] (=) 14.581,94 € ;
b) pelo que, sendo a sua incapacidade permanente geral parcial de 04% (4 pontos), a perda salarial anual corresponde ao valor de 583,27 € (14.581,94 € X 0.04) ;
c) multiplicando tal valor pelos anos de vida activa -  53 anos [40] - 583,27 € X 53, chega-se ao valor de 30.913,71 Euros.
Utilizando, agora, a regra de três simples defendida pelo Ilustre Conselheiro Sousa Dinis [41], e tendo por base uma taxa de juro de 2%, urge determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro, se obter o rendimento anual.
Pelo que teremos a seguinte equação:
100 ................2
x ....................14.581,94 € (rendimento anual)
O que determina 14.581,94 € X 100 : 2 = 729.097.00 €.
E, considerando que a incapacidade a ponderar é de 4%, alcançar-se-á o valor de 29.163,88 Euros.
Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, “uma vez que a vítima vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento á custa alheia, há que proceder a um desconto” [42], destinando-se este a evitar “que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto” [43].
Mas quanto descontar ?
Este “vai depender do nível de vida no país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que genericamente, terá de calcular quando é que o capital estará totalmente amortizado” [44]. Ora, seguindo o exemplo da jurisprudência Francesa citado pelo mesmo autor, afigura-se-nos ser de descontar 1/3, ou seja, 9.721,93 €, pelo que encontramos o capital de 19.442,59 Euros. 
Já utilizámos dois métodos de aferição diferenciados, afigurando-se o segundo como mais elaborado. Todavia, aqui chegados, e apesar dos valores diferenciados, urge ter em atenção que o “juiz já tem uma «sintonia» aproximada da indemnização. Sobre ela vai recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeqúe ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros factores subjectivos que, eventualmente se provem. Convém não esquecer que o recurso à regra de três apontada é apenas uma «bússola» norteadora do julgador, para evitar grandes disparidades” [45].
Mas, vamos ainda mais longe. Utilizemos uma outra fórmula matemática, mais elaborada, que nos permitirá igualmente calcular qual a verba necessária que permita ressarcir, durante a vida laboralmente útil da lesada (no caso, durante a esperança média de vida da Autora), a perda sofrida, devendo tal quantia mostrar-se esgotada no fim do período considerado. Ou seja, permite determinar qual o capital que será necessário deter no ano inicial para obter em cada um dos anos seguintes uma prestação constante, considerando que é possível fazer uma aplicação financeira á taxa anual líquida. Deste modo, o capital será o estritamente necessário para permitir o levantamento da prestação constante ao longo de cada um dos anos, esgotando-se totalmente no final.
Mediante recurso à formula proposta no douto acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995 [46] e considerando que a esperança de vida activa da lesada é de 53 anos, que a inflação a longo prazo rondará os 2% [47], e que auferia o vencimento mensal líquido de 1.041,57 € (descontando o valor de 11% de taxa social única, conforme supra justificámos, e fazendo o cálculo ao valor anual líquido reportado a 14 meses), temos:
C = capital a depositar no primeiro ano
P = prestação a pagar no primeiro ano
i = taxa de juro
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras
k = taxa anual de crescimento de P
Considera-se que ‘r’ corresponde a um valor de 3% e que ‘k’ corresponde a um valor de 2% [48]. Enquanto que 25 corresponde á incapacidade de 4% (100:0,04).
Resolvida a equação, mediante substituição das variáveis pelos valores indicados, obtém-se o resultado (‘C’) de 24.019,88 Euros.
Todavia, apreciemos ainda uma outra fórmula ou tabela matemática, exposta no já citado douto Acórdão do STJ de 04/12/2007 [49], que refere ter a mesma como base ou suporte a “aplicação do programa informático Excell á fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05, e que foi construída tendo por referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro”. Ou seja, tal fórmula tem por base aquela que acabámos de utilizar, partindo-se de uma tabela, resultado da mencionada aplicação informática, onde, de um lado, se indica a idade que ainda falta para ser atingido o fim previsível da idade de reforma e, do outro, o factor índice. E, acrescenta, “no caso de haver concorrência de culpas entre lesante e lesado, haverá no entanto que dividir as responsabilidades consoante a respectiva proporção” [50].
Assim, a aferição do montante indemnizatório parte da determinação do factor índice, com recurso à tabela, o qual deve ser multiplicado pelo rendimento anualmente auferido á data do acidente, e novamente multiplicado pela percentagem de IPP.
Assim, no nosso caso concreto temos que:

  • idade da Autora à data do acidente: 17 anos ;
  • anos de vida activa útil (até atingir a reforma): 53 anos (70 – 32) ;
  • rendimento anual auferido à data do acidente: 14.581,94 € =» (14 meses(x)1.170,30 €)(=)16.384,20(-)0,11 (=) 14.581,94 € ;
  • taxa de IPP: 04%
  • grau de concorrência da vítima para a lesão: 2/3.
    Pelo que, 8.722,00 x 27,469145 (atenta a indispobilidade da tabela supra, valor obtido no anexo III à Portaria nº. 377/2008, referente ao método de cálculo do dano patrimonial futuro, tendo por base uma taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras de 5% e uma taxa anual de crescimento da prestação de 2%) x 4% = 9.583,38 €.
    E, sobre este valor, sempre se teria que ponderar o grau de concorrência da vítima para a lesão, o que determinaria um valor final de 3.194,46 € (9.583,38 (:) 3).
    E, aduz ainda o mesmo douto aresto, que na determinação do valor “há que atender a todos os outros factores que as ditas fórmulas não contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais, e que são extremamente relevantes, indicando-se a título exemplificativo:
    - o prolongamento da IPP para além da idade de reforma; (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela);
    - o de ela não contemplar a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
    - o de não ter em consideração a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade.;
    - o de não contar com a inflação;
    - o de não contemplar as despesas que o próprio lesado terá de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia;
    - e o facto de todo o cálculo ser feito na base de que o trabalhador ficaria sempre a auferir aquele salário e que não teria progressão na carreira, ou seja, num completo congelamento da progressão profissional.
    Daí que, como dissemos, a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o “minus” indemnizatório”.
    A utilização destes cálculos assume-se, reafirmamos, como simples instrumento de trabalho e já não, obviamente, como valor vinculativo da decisão a proferir quanto a esta questão.
    No caso concreto afigura-se-nos ser de valorar e ponderar ainda o seguinte, em conjugação com o primaz juízo equitativo [51]:
  • para além dos 70 anos de idade, limite apontado como de esperança de vida activa [52] [53], sempre resta, por vezes, um período de actividade profissional que não se deve descurar, muitas vezes coincidente com a própria esperança média de vida [54] ;
  • o facto da Autora frequentar, à data do evento lesivo, formação superior, o que sempre indicia potencial possibilidade de obtenção de réditos superiores ao rendimento médio nacional.
    Ora, aqui chegados, concluamos, na articulação dos critérios supra expostos, o seguinte:
    a) consideramos que, numa primeira abordagem, o momento e o limite a considerar é o correspondente ao de esperança de vida activa, o qual cremos ainda dever situar-se nos 70 anos de idade ;
    b) sem prejuízo de, nos termos supra expostos, em sede de juízo de ponderação equitativa, se dever ter em atenção o factor de esperança média de vida que, à data dos factos, e no que às mulheres concerne, se situava nos 81,6 anos, sendo o da Autora, por referência à sua data de nascimento, o de praticamente 80 anos ;
    c) pois, conforme supra exposto, em muitos casos tais momentos coincidem e, por outro lado, é mesmo após o cessar da vida profissional activa que mais se sente a carência de tutela às necessidades básicas do lesado, decorrentes do avançar da idade e dos efeitos deste avançar nas sequelas e limitações sofridas ;
    d) conforme supra exposto, o apelo aos vários mecanismos matemáticos ou tabelas financeiras, que devem ser encaradas como um instrumento de trabalho, permitem a obtenção de um valor indicativo, de uma aproximação, capaz de garantir uma justiça relativa e salvaguardar alguma objectividade, susceptível de melhor sindicância, na fixação do quantum indemnizatório ;
    e) de acordo com os indicados modelos ou factores, os valores equacionados foram, respectivamente, de 30.913,71 €, 19.442,59 €, 24.019,88 € e 9.583,38 € ;
    f) donde resulta que, na ponderação dos referenciados juízos lógicos de probabilidade, assentes no princípio id quod plerumque accidit, priorizando o enunciado critério da equidade, mas partindo necessariamente da ponderação dos valores atribuídos pelos cálculos matemáticos efectuados, entende-se dever fixar, como adequado, pertinente e equitativo, susceptível de garantir o devido ressarcimento da incapacidade permanente geral de que ficou afectada, o valor de 21.000,00 € ;
    g) todavia, tendo em atenção o percentual de responsabilidade da Ré seguradora, a condenação desta limita-se ao valor de 1/3, ou seja, à quantia de 7.000,00 € (sete mil euros) – 21.000,00(:)3 ;
    h) o que determina, nesta sede e segmento recursório, parcial procedência das conclusões das Apelantes.
    -------------
    Resta, por fim, apreciar a indemnização peticionada a título de dano não patrimonial, na qual, conforme supra justificámos, dever-se-á incluir, como potenciais danos com tal natureza, os indicados e identificados como Défice Temporário na Actividade Formativa, Dano Estético, Quantum Doloris, Dias com incapacidade temporária com internamento e Repercussão nas actividades desportivas e de lazer, traduzindo-se o valor total reclamado o de 28.780,00 €.
    O presente dano consiste nos prejuízos (dor física, desgosto moral, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, liberdade, beleza, perfeição física, honra, etc.) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação.
    No que aos presentes danos respeita, dispõe o art. 496.º, n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente[55] [56] pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do mesmo diploma (o grau de culpabilidade do agente; a situação económica deste e do lesado; e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem). Dispõe este normativo que “quando a indemnização se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
    Esta categoria geral de danos tem sido progressivamente subdividida em danos que respeitam a diversas facetas da vida humana.
    Desde logo, a dor física sofrida pelos lesados como consequência dos ferimentos e respectivos tratamentos e operações; a afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética [57]; o dano biológico (com carácter eventual, conforme melhor analisámos supra) [58]; o prejuízo de distracção ou de afirmação pessoal e a perda de expectativas de duração de vida.
    Relativamente aos presentes danos, Sousa Dinis [59] refere que o julgador deverá ter em consideração, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: “a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade específica do lesado” ;
    - “a graduação do quantum doloris” (....);
    - “o prejuízo estético, também graduado como a dor” ;
    - “o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver) que deve ser graduado também de acordo com a escala valorativa da quantificação da dor (....)” ;
    - “ o desgosto de o lesado se ver na situação em que se encontra” ;
    - “a clausura hospitalar”.
    Invocando a jurisprudência do nosso Tribunal superior, refere o douto Acórdão do STJ de 25/06/2002 [60] que aquela “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E, citando Antunes Varela [61], refere que o “montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir” [62] [63] [64].  
    Jurisprudencialmente, vejamos, de forma exemplificativa, quais os valores que vêem sendo nos últimos anos fixados ao nível do nosso mais Alto Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça – pelos seguintes doutos arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt :
    - de 08/02/2018 – Relator: Nuno Gomes da Silva, Processo nº. 245/12.0TAGMT.G1.S1 -, no qual se sumariou ser “adequada e proporcional a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em €65.000,00 quando o quadro factual evidencia uma vida arruinada, com a lesada a suportar uma verdadeira “via crucis” em consequência de lesões múltiplas e gravíssimas em vários órgãos que vão perdurar e que têm tradução na atribuição de uma incapacidade permanente geral de 77,9 pontos, com um período de internamento de 10 meses, intervenções cirúrgicas várias, bem como tratamentos, sofrimento físico e psicológico intensos e constantes, este acentuado pela incapacidade de fazer vida autónoma e de estar incapacitada para o trabalho. Tudo contribuindo para um desgosto e uma penosidade muito acrescidos no suportar do normal quotidiano, decorrente da manifesta perda de qualidade de vida, e inevitavelmente das relações interpessoais. Isto numa pessoa que tinha ainda uma esperança de vida prolongada pois completara 60 anos à data do acidente.
    V - São consideráveis na avaliação desde dano o pretium doloris, o pretium pulchritudinis, o “dano distracção ou passatempo” (em francês dommage d’agrément) o “dano existencial ou de afirmação pessoal” e o dano da saúde geral, constituído pelas funestas incidências na duração da vida normal da lesado decorrentes das graves lesões” ;
    - de 17/06/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 418/13.9TVCDV.L1.S1 -, onde se sumariou que “resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência do acidente, sofreu várias fracturas; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00” ;
    - de 19/04/2018 – Relator: António Joaquim Piçarra, Processo nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1 -, no qual se defendeu que “ponderando este quadro factual, em especial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais, consideramos que, não obstante a apontada limitação deste Tribunal, no que concerne à sindicância de indemnização com recurso à equidade, a indemnização de €45.000,00, a título de dano não patrimonial, foi fixada prudencialmente pelas instâncias e apresenta-se como razoável, ajustada, equilibrada e adequada às circunstâncias concretas do caso vertente” ;
    - de 12/07/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 1842/15.8STR.E1.S1 -, no qual é fixada a indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00 €, num quadro de lesões e sequelas traduzido em repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, repercussão na actividade sexual fixável em grau 3/7, num quantum doloris fixável no grau 6/7, em que o lesado ficou portador de perturbação persistente do humor, sequelas a nível da ráquis, abdómen, membro superior direito e membro inferior esquerdo, tendo ainda sido sujeito a intervenção cirúrgica para encerramento da colostomia e reconstituição do trânsito intestinal ;
    - de 05/05/2020 – Relator: José Rainho, Processo nº. 224/13.0T2AND.P1.S1 -, no qual se considerou como justa e adequada “a indemnização de €35.000,00 fixada pela Relação, ademais também com referência implícita a 2013, a título de dano não patrimonial dentro do seguinte enquadramento factual nuclear, decorrente de acidente de viação: - (i) o lesado, que tinha a idade de 37 anos à data do acidente, sofreu traumatismo da coluna vertebral, na região cervical e crânio-encefálica, com perda (momentânea) de consciência; (ii) foi conduzido para o hospital, onde ficou em observação (tendo, porém, alta no mesmo dia); (iii) padeceu de cefaleias, náuseas, tonturas e parestesias das mãos; (iv) teve que ser submetido a consultas médicas e a TAC crânio-encefálico e da coluna cervical; (v) foi forçado a usar colar cervical durante cerca de 6 meses; (vi) apresenta sequelas ao nível da coluna cervical; (vii) apresenta um quadro neuropsiquiátrico caracterizado por sintomatologia angodepressiva, humor triste e depressivo, cefaleias, tonturas, desequilíbrios, irritabilidade fácil, tendência de isolamento, labilidade de atenção, sensação de prejuízos mnésicos e alteração do padrão normal do sono; (viii) teve e tem dores, valoradas no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (ix) teve de se submeter a várias consultas e exames médicos, bem como a sessões de fisioterapia, que lhe causaram dores; (x) ficou a sofrer de ansiedade na condução” ;
    - de 04/06/2020 – Relator: Tomé Gomes, processo nº. 2732/17.5T8VCT.G1.S1 -, aí se ajuizando que “perante um quadro de circunstâncias, integrado pelo tipo de lesões sofridas, internamentos sucessivos e intervenções cirúrgicas várias, tratamentos diversos, período de convalescença, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos, com sequelas compatíveis com a atividade profissional habitual, acarretando esforços acrescidos, quantum doloris e dano estética de nível 4, numa escala de 1 a 7, é de concluir que a A. teve um sofrimento físico e psíquico, com afetação da sua vivência pessoal, social e de desempenho, acima do nível médio, mostrando-se adequada, à luz dos parâmetros seguidos pela jurisprudência no tipo de dano em referência, a compensação de € 50.000,00” ;
    - de 23/04/2020 – Relatora: Catarina Serra, Processo nº. 5/17.2T8VFR.P1.S1 -, o qual confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto que, fixou no montante de 127.000,00 € a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, com base, essencialmente, no seguinte quadro factual:
    “101. O Quantum doloris sofrido pelo Autor durante o período de incapacidade foi de 6 numa escala de 0 a 7.
    110. O Autor deixou de poder praticar ciclismo o que fazia há mais de 20 anos com um grupo de amigos com uma frequência de pelo menos quatro vezes por semana.
    111. Antes do acidente, o Autor formava com a sua namorada um casal com muito afecto e carinho, viviam muito bem na sua intimidade, projectando ter filhos e construir uma vida em comum
    112. Por força das sequelas descritas em 96 a) a relação de namoro com projecto de casamento que o Autor então mantinha terminou.
    113. O Autor sofre de ansiedade, com fortes sentimentos de profunda menos valia e descontrolo impulsivo de pendor agressivo tendo-se tornado uma pessoa facilmente irritável e irascível.
    114. Antes do acidente o Autor era uma pessoa alegre e bem disposta.
    115. O Autor temeu pela sua vida e suportou um grande choque e abalo.
    116. Muito lhe custou o tempo de clausura hospital, o tempo em que ficou retido no leito sem se poder mexer.
    117. Lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes.
    118. O Autor passou, por via de todo o exposto anteriormente, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida.
    119. Tem dificuldades acrescidas na vida de relação, refugiando-se não raras vezes no seu quarto a chorar em virtude de não poder levar a vida que levava antes do sinistro.
    120. Sente-se um fardo para os seus familiares, sem qualquer préstimo.
    121. Apresenta distúrbios do sono traduzidos em insónias.
    122. Sofre de uma grande dificuldade de suportar ruídos”.
    Obtidos tais parâmetros actualizados, in casu, com relevância para a determinação do quantum a arbitrar, e a acrescer à factualidade já supra enunciada, urge, igualmente, ponderar o seguinte:
    - decorrente do acidente, a Autora SR sofreu traumatismo craniano, com perda de consciência, com amnésia para o ocorrido, contusão do punho direito, sem alterações osteo-articulares, bem como trauma da coxa direita, com impotência funcional, fratura diafisária do fémur, fechada, bem como pequeno pneumotórax, sem necessidade cirúrgica, tendo-lhe sido aplicada tração esquelética aos côndilos femorais e no dia 30/09/2018 foi submetida a redução incruenta e encavilhamento estático endomedular do fémur tipo Fenix, tendo iniciado fisioterapia após estabilização – factos 20 e 21 ;
    - esteve internada durante aproximadamente 18 dias (entre 27 de Setembro e 15 de Outubro de 2018) – facto 22 ;
    - após realizar a ressonância magnética do joelho direito, em 26/11/2018, em 05/02/2019 foi submetida a remoção de parafusos distais sob controlo imagiológico – factos 23 e 24 ;
    - em 30/11/2019, foi submetida a ressonância magnética que evidenciou imagem linear horizontal do menisco interno a nível do corno posterior que parecia indicar patologia degenerativa, não evidenciando sinais de rotura, perda do volume do corno anterior do menisco externo, que aparentemente encontrava-se fragmentado a nível da raiz rodeado de líquido, tendo em 08/01/2020 sido intervencionada no CHO-TV, onde lhe foi efetuada a remoção de parafuso proximal e cavilha Fenix – factos 25 e 26 ;
    - foi, ainda, avaliada no Hospital CUF Descobertas por síndrome rotuliano doloroso em hiperpressão externa da rótula e tendinopatia rotuliana ligeira, tendo-lhe sido prescrito programa de fisioterapia, com aplicação de agentes físicos anti-inflamatórios, alongamentos, fortalecimento muscular com cadeia fechada e bicicleta, estiramento, trabalho excêntrico e massagem transversal profunda, tendo feito sessões de fisioterapia e ginásio – facto 27 ;
    - apresentando, na sequência do acidente, as seguintes sequelas: Membro inferior direito: duas cicatrizes nacaradas, longitudinais, no terço proximal da face lateral da coxa, a superior com 6.5cmx0.4cm e outra com 2.5cmx0.3cm; outra cicatriz, de mesmas características morfológicas, no terço distal da face lateral da coca, medindo 4cmx0.3cm; vestígio cicatricial na face lateral do joelho, medindo 1.2cmx0.3cm; complexo cicatricial nacarado, não hipertrófico e não retrátil na face anterior do joelho, medindo 4.5cmx2cm; vários vestígios cicatriciais nacarados, dispersos pela face antero-medial do joelho, o maior com 2cm de comprimento; dismetria do membro inferior de +/- 1.5cm, medindo entre espinha ilíaca antero-superior e maléolo medial e entre espinha ilíaca antero-superior e polo superior da rótula; sem amiotrofias dos músculos da coxa, medindo a 15cm do polo superior da rótula, ou da perna, medindo a 12cm o polo inferior da rotula e comparando com o membro contralateral; mobilidades da articulação coxo-femoral mantidas, dolorosas nos últimos graus dos movimentos extremos de rotação interna e externa e de abdução e de flexão; mobilidades do joelho mantidas e não dolorosas; testes meniscais e ligamentares negativos – facto 28 ;
    - decorrente das lesões suportadas, sofreu dores, claudicação na marcha e mobilidade reduzida – facto 29 ;
    - tendo-lhe o acidente, e as lesões sofridas, causado angústia e ansiedade – facto 30 ;
    - bem como Défice Funcional Temporário Total de 60 dias, correspondente aos períodos de internamento e convalescença no domicílio, e Défice Funcional Temporário Parcial, num período total de 492 dias, correspondente ao restante período de tempo até à data da consolidação médico-legal das lesões ocorrida em 31/03/2020 – factos 31 e 32 ;
    - relativamente á sua actividade formativa, esteve totalmente impossibilitada de frequentar as aulas durante um período de 60 dias, correspondente ao período de internamento e convalescença no domicílio, tendo ainda estado parcialmente limitada na sua actividade de estudante universitária durante um período de 492 dias – factos 34 e 35 ;
    -  o quantum doloris suportado é fixável no grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente – facto 36 ;
    -  por sua vez, o dano estético permanente é fixável no grau quatro numa escala de sete graus de gravidade crescente (tendo em conta as características morfológicas das cicatrizes e assimetria do membro inferior) – facto 37 ;
    - sendo fixável no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (face às dificuldades na realização de atividades desportivas) – facto 38.
    Ora, ponderando tal factualidade e, fundamentalmente, a extensão das lesões, sequelas e sofrimento suportado pela Autora, bem como a sua repercussão nas várias áreas da sua vivência e o longo período de tempo de recuperação que teve que vivenciar, afigura-se-nos como adequada e pertinente, e totalmente observador das exigências da equidade, tendo-se ainda em atenção os parâmetros que vêm sendo jurisprudencialmente adoptados, bem como a efectiva ponderação de um juízo actualizador, a fixação da quantia indemnizatória/compensatória de 35.000,00 €.
    Pelo que, tendo em consideração o percentual de responsabilidade da Ré seguradora, decide-se pela condenação desta no pagamento, a tal título, do valor indemnizatório/compensatório de 11.667,00 (onze mil seiscentos e sessenta e sete euros).  
    O que determina, igualmente neste segmento, parcial procedência das conclusões recursórias.
    ---------------------------------
    Por todo o exposto, num juízo de parcial procedência das conclusões recursórias, decide-se, na revogação parcial da sentença recorrida, condenar a Ré a pagar:
    à Autora FR:
    a) O montante correspondente à percentagem de 1/3 do valor venal do veículo …, a liquidar em execução de sentença ;
    à Autora SR:
    b) a quantia de 505,63 € (quinhentos e cinco euros e sessenta e três cêntimos), correspondente à percentagem de responsabilidade da mesma (1/3) no ressarcimento das despesas médicas, medicamentosas e tratamento conservador/recuperador de fisioterapia ;
    c) a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros), a título do ressarcimento da incapacidade permanente geral de que ficou afectada (dano patrimonial futuro ou dano patrimonial indirecto), na consideração do percentual de responsabilidade da Ré seguradora (1/3) ;
    d) a quantia de 11.667,00 (onze mil seiscentos e sessenta e sete euros), a título de compensação/indemnização pelo ressarcimento do dano não patrimonial, igualmente na consideração do percentual de responsabilidade da Ré seguradora (1/3) ;
    e) sobre os valores referenciados em b) e c), vencem-se juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
    Mantendo-se, no demais, ainda que com diferenciada fundamentação, o juízo de improcedência consignado na sentença recorrida/apelada.
    ------
    Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da acção e do presente recurso, são suportadas, na parte liquidada, por Autoras e Ré na proporção do respectivo decaimento e, na parte não liquidada, por Autoras e Ré em idêntica proporção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que aquelas gozam.
    ***
    IV. DECISÃO
    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelas Autoras/Recorrentes/Apelantes FR e SR, em que figura como Ré/Recorrida/Apelada LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA de SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL em PORTUGAL e, consequentemente, na revogação parcial da sentença recorrida, decide-se:
    I) condenar a Ré a pagar:
    à Autora FR:
    a) o montante correspondente à percentagem de 1/3 do valor venal do veículo …, a liquidar em execução de sentença ;
    à Autora SR:
    b) a quantia de 505,63 € (quinhentos e cinco euros e sessenta e três cêntimos), correspondente à percentagem de responsabilidade da mesma (1/3) no ressarcimento das despesas médicas, medicamentosas e tratamento conservador/recuperador de fisioterapia ;
    c) a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros), a título do ressarcimento da incapacidade permanente geral de que ficou afectada (dano patrimonial futuro ou dano patrimonial indirecto), na consideração do percentual de responsabilidade da Ré seguradora (1/3) ;
    d) a quantia de 11.667,00 (onze mil seiscentos e sessenta e sete euros), a título de compensação/indemnização pelo ressarcimento do dano não patrimonial, igualmente na consideração do percentual de responsabilidade da Ré seguradora (1/3) ;
    e) sobre os valores referenciados em b) e c), vencem-se juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, computados desde a citação e até efectivo e integral pagamento ;
    II) mantendo-se, no demais, ainda que com diferenciada fundamentação, o juízo de improcedência consignado na sentença recorrida/apelada ;
    III) nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da acção e do presente recurso, são suportadas, na parte liquidada, por Autoras e Ré na proporção do respectivo decaimento e, na parte não liquidada, por Autoras e Ré em idêntica proporção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que aquelas gozam.
    -----------
    Lisboa, 18 de Abril de 2024
    Arlindo Crua
    Paulo Fernandes da Silva
    Pedro Martin Martins (vencido, conforme voto junto)
                    
    *
    Voto vencido.
    I\ Quer quanto à repartição de culpas – a condutora do motociclo não teve culpa nenhuma no acidente, isto é, não violou, de modo algum, a regra da cedência de prioridade, nem se prova que tenha violado a regra da condução à direita –, II\ quer quanto ao valor da indemnização pelo défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de quatro pontos, III\ quer quanto ao dano decorrente da privação do veículo.
    Quanto à repartição de culpas:
    O local do acidente é o entroncamento da Rua da ... com a Estrada ..., que, no local, está dividida em duas faixas de rodagem separadas pelas paredes de dois túneis. Uma que só permite o trânsito sul => norte (através do 1.º túnel, dito de entrada) e outra que só permite o trânsito norte => sul (através do 2.º túnel, dito de saída).
    Considero, face aos factos provados, tal como resultam do acórdão, que o embate se deu frente à entrada do 1.º túnel, isto é, da faixa da Estrada ... que apenas permite a circulação sul => norte.
    Ou seja, o embate não se deu na zona da intersecção da mão de trânsito da Rua da ... por onde seguia o motociclo com a faixa de rodagem da Estrada ... que permite a circulação norte => sul, em direcção à Rua da ....
    Ora, questões de prioridade só se podem colocar na zona de intersecção da faixa da Estrada ... com o sentido norte => sul (a do 2.º túnel, dito de saída) com a mão de trânsito do motociclo na Rua da .... Só aqui é que podia aparecer trânsito pela direita do motociclo e só aqui é que ele teria de ceder prioridade.



    A imagem que antecede é da página 539 da obra Manual de acidentes de viação de Dario Martins de Almeida, 3.ª edição, Almedina, 1987.

    O esboço que se segue do local do acidente e da manobra que foi feita pelo condutor do carro é meu:



    Por outro lado, tendo a manobra de mudança de direcção à esquerda sido efectuada pelo carro de forma oblíqua, e não, como devia, de forma perpendicular, de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias (facto provado 9-A), necessariamente que essa manobra se traduziu numa invasão da mão de trânsito do motociclo, que foi a causa do acidente, demonstrando-se a culpa do condutor do carro. Se o carro tivesse seguido a direito até entrar na meia-faixa de rodagem da Rua da ... destinada ao trânsito oeste => leste, o embate não se teria dado.
    Por fim, dos factos provados não resulta que o motociclo não fosse a circular pelo lado direito da sua mão de trânsito imediatamente antes do acidente. O local do embate não implica isso: o aparecimento súbito, vindo da direita do motociclo, de um carro na mão de trânsito do motociclo é causa natural de reacções (um instintivo desvio para a esquerda) que podem perfeitamente justificar que o embate se dê onde se deu.
    Assim sendo, considero que não há prova de factos que permitam concluir que a condutora do motociclo tenha violado a regra do art. 13/1 do CE (condução pelo lado direito da faixa de rodagem) – já que ela vinha pela sua mão de trânsito – nem a regra dos artigos 29/1, 30/1 e 145/1-f do CE (cedência de prioridade). E como considero que a falta de habilitação legal para conduzir o motociclo não teve influência no acidente, considero que à condutora do motociclo não lhe pode ser imputada culpa no mesmo.
    Pelo que considero que não há lugar a repartição de culpas, sendo toda a culpa do condutor do carro: tendo em conta os poucos metros que estão em causa (desde a saída do túnel até ao local de embate são por volta de 20 m, percorridos por um carro a 50km/h em 1,44 segundos), o tempo de reacção necessário para a condutora reagir não permite que se especule com a possibilidade de ela evitar “o embate, contornando o carro pelo seu lado direito”.
    Note-se que os factos provados não deixam dúvidas de que o condutor do carro invadiu a mão de trânsito do motociclo (o que representa a violação da regra de condução estradal do art. 13/1 do CE) e que o acidente se deu na sequência dessa invasão. Assim sendo, presume-se (presunção natural ou judicial) que a culpa do acidente é imputável ao condutor do carro. Quanto à condutora do motociclo não se prova qualquer violação de qualquer regra estradal: especula-se apenas, no acórdão, com base num local provável de embate que não se localiza, que ela não seguia o mais possível à direita da sua mão de trânsito.
    *
    Quanto ao dano pelo défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de quatro pontos
    Tendo em conta os acórdãos que relatei – do TRL de 28/09/2017, proc. 418/13.9TBCDV, e do TRL de 13/09/2018, proc. 3181/14.2TBVFX-2 – embora com actualização de alguns factores dado a evolução das circunstâncias no tempo entretanto decorrido, entendo que a indemnização por este dano devia ser fixada em 37.242,71€ (embora depois se tivesse que ter em conta o limite do pedido).
    Chego a este valor com base no capital necessário à obtenção, durante o resto da vida da lesada (determinado não com base na duração da vida activa, mas com base na esperança média de vida – acórdãos do STJ de 19/02/2004, revista 4282/03; de 27/05/2004, revista 1694/04; de 04/06/2005, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1; de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1; de 15/03/2012, proc. 4730/08.0TVLG.L1.P1; de 09/11/2017, proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1, e do TRP de 23/10/2014, 148/12.9TBVLP.P1), de um rendimento anual igual ao potencialmente perdido e que se esgote no fim desse período.
    E aceitando – sem discutir, por falta de interesse no caso, dado o limite do pedido formulado -, o valor da perda anual de 583,28€ pelos 4% de perda de capacidade da lesada que consta do acórdão.
    Para obter o valor indemnizatório desta perda anual futura, utilizo a seguinte forma de cálculo – base de um posterior juízo de equidade -, fórmula também utilizada pela lei (por exemplo na Portaria 377/2008, de 26/06, embora com outra aparência e com factores concretizados de forma diferente), que é a seguinte:
    C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P
    em que
    C = capital;
    P = prestação a pagar no 1º ano;
    n = o nº. de anos de esperança de vida; e
    i = taxa de juro, sendo esta, por sua vez, calculada, assim:
    i = (1 + r / 1 + k) - 1         
    em que:
    r = taxa de juro nominal líquida.
    k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).
    Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
    [quanto ao cálculo do i:
    r = taxa de juro nominal líquida, que é actualmente, quando muito, de 0,03% (resulta, por alto, da média da taxa de 2013 a 2020: Qual a percentagem que os particulares recebem pelo dinheiro que depositam nos bancos, à ordem ou a prazo?:
    https://www.pordata.pt/Portugal/Taxas+de+juro+de+dep%C3%B3sitos+(m%C3%A9dia+anual)+de+particulares+total+e+por+tipo-2850
    k = taxa anual de crescimento de P (inflação de 0,56% [tendo em conta a média da verificada de 2013 a 2021 :
    https://www.inflation.eu/pt/taxas-de-inflacao/portugal/inflacao-historica/ipc-inflacao-portugal.aspx] + ganhos da produtividade de 0,1% + promoções profissionais de 0,1%) = 0,76%
    Assim:
    i = (1 + r / 1 + k) - 1         
    = 0,0072%
    Quanto a N: a autora tinha, à data do acidente, 17 anos, pelo que, partindo-se de uma esperança média de vida de 81,6 anos de que fala o acórdão, a autora SR tinha uma esperança de vida de 64,6 anos.
    Ora, com base nesta fórmula, o valor obtido seria o de:
    C = [(1+ 0,0072%)64 - 1 / (1+0,0072%)64 x 0,0072%] x 583,28€
    C = 37.242,71€
    E, obtido este resultado, segundo esta fórmula, não há que fazer a redução de 1/3, como o disse, por exemplo, o ac. do STJ de 14/04/2015, proferido no processo 723/10.6TBCHV.P1, não publicado mas com sumário em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf, que censura essa dedução no caso do cálculo da indemnização ser fixado como acima, isto é, com base na consideração de que este “valor não representa já a soma de todos os rendimentos que o lesado iria previsivelmente auferir ao longo do período considerado, caso em que se justificaria essa redução (como no cálculo sugerido por Sousa Dinis [na CJ.STJ.IX.1.5] […S]eria contraditório [com o critério de cálculo seguido] operar a aludida redução: com esta, o capital obtido deixaria de cumprir o referido objectivo [de produzir um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes], não garantindo as aludidas prestações (ou de todas estas prestações, esgotando-se antes do termo do período considerado)”.
    *
    Quanto ao dano de privação do veículo: quanto a este tipo de danos a questão está desde 2007 resolvida pelo art. 42 do DL 291/2007, de 21/08:
    1 - Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores. 2 - No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização. […] 5 - O disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.  
    Daqui decorre que a impossibilidade da utilização de veículos automóveis em consequência de um acidente de viação dá origem à obrigação da atribuição de um veículo de substituição (art. 42 do DL 291/2007, de 21/08) que, se não for cumprida, deve ser indemnizada – como segunda privação do uso por todo o período que estiver em causa [a expressão vem de Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil, temas especiais, Universidade Católica Portuguesa, Setembro de 2015, pág. 63] - pela entrega de uma quantia em dinheiro (art. 566/1 do CC).
    Repare-se que o único pressuposto do direito é a imobilização do veículo sinistrado, não se exigindo ao lesado que alegue e prove que tinha possibilidade ou a vontade de continuar a utilizar o veículo sinistrado (neste sentido, mas sem referência a este regime específico, vejam-se, por exemplo, os acs. do STJ de 24/01/2008, 07B3557, e do TRP de 19/03/2009, 3986/06.8TBVFR.P1).
    No mesmo sentido, sem sequer necessidade de aplicação deste regime específico, a posição de Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. I, Coimbra Editora, 2008, pág. 592) é reveladora: crítica a tese de que baste a privação da possibilidade do uso para se ter um dano, mas também esclarece que se deve presumir uma vontade e possibilidade de utilização hipotética de bens de uso corrente. Pelo que, nestes casos, cabe ao lesante provar que o lesado não teria a possibilidade ou a vontade de utilizar a coisa. Ou seja, nestes casos, não é o lesado que tem de provar a possibilidade ou a vontade de utilizar a coisa, o que equivale a não considerar que a verificação de um dano indemnizável passe pela prova destes factos (segundo informa Júlio Gomes, na Alemanha atende-se à vontade de utilização do bem por parte do lesado e à possibilidade concreta dessa utilização, mas o ónus de alegação e prova da falta de vontade de utilização do bem no período em apreço por parte do seu titular cabe à lesante e não ao lesado: O dano da privação do uso, publicado na RDE de 1986, págs. 180 e 187).
    Ou seja, a imobilização do veículo acaba por dar direito a indemnização até à entrega de um veículo de substituição (ou do valor equivalente), sem se estar a discutir a verificação de danos decorrente da imobilização (isto é, sem se estar a discutir, entre o mais, o uso habitual do motociclo, o termo inicial desse uso, o modo desse exercício, ou seja o que for do mesmo género de objecções). O único pressuposto é a imobilização do veículo.
    No caso, sendo a autora mãe a proprietária do veículo, sendo a autora filha quem o usava, aceitando a mãe que a lesada pela imobilização do veículo é a filha e que o pedido seja formulado por esta, não há qualquer razão para negar à filha a indemnização pela imobilização do mesmo. Sendo ela que usava o motociclo, de que tinha assim a disponibilidade, o facto de não ser a proprietária, numa acção em que a proprietária também é autora, não lhe tira a qualidade de lesada.
    E a seguradora não tem razão em invocar a perda total do veículo e a sua carta a declinar a responsabilidade, pois que o referido n.º 2 do art. 42 resolve expressamente a questão: a responsabilidade da ré só cessa no momento em que ela colocar à disposição do lesado o pagamento da indemnização.
    Pelo que este pedido também devia proceder.

    Pedro Martins
    _______________________________________________________
    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] O presente facto tinha a seguinte redacção inicial:
    9. O veículo … circulava a velocidade não concretamente apurada, mas reduzida e, ao chegar à zona de interseção entre as duas vias, o condutor do veículo … abrandou a marcha, prosseguiu e virou à esquerda, e quando se encontrava para lá do eixo da via da Rua da Boavista, com a frente do seu veículo já na hemi-faixa de rodagem no sentido que pretendia tomar, em direção a Torres Vedras, foi embatido pelo veículo …, conduzido pela A. SR, que se apresentou pela sua esquerda circulando pela Rua da Boavista, e embateu com a sua frente na frente lateral esquerda do veículo …”.
    [3] Originalmente, o presente facto possuía a seguinte redacção:
    11. O embate entre o veículo … e o veículo … deu-se na hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua da Boavista, atento o sentido de marcha do veículo …, e por onde pretendia circular o veículo ….”.

    [4] Originariamente, o presente facto tinha a seguinte redacção:
    1. O veículo … invadiu a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo …, circulando em contramão”.
    [5] O presente facto tinha a seguinte redacção:
    O condutor do veículo RR não efetuou a manobra dando a esquerda ao centro de interseção das duas vias”.
    [6] Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 285.
    [7] Idem, pág. 285 a 287.
    [8] Assim o douto Acórdão do STJ de 05/07/94, in CJSTJ, Ano II, Tomo 3, pág. 46.
    [9] Defendendo o presente entendimento, constitui-se como lapidar o Ac. do STJ de 12/10/73 – in BMJ, n.º 230, págs. 107 e  segs. -, logo seguido de perto, entre outros, pelo AC. da RC de 21/06/78 – in CJ, 3º volume, pág. 1036.
    [10] In BMJ, nº 271, pág. 281.
    [11] In CJ, Tomo II, pág. 96.
    [12] Acidentes de viação e responsabilidade civil, Petrony, 1995, págs. 236 e 237.
    [13] In CJ, Ano XIII, Tomo 3, págs. 124 e 125.
    [14] Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001, págs. 8 a 10.
    [15] Acerca das soluções defendidas na nossa jurisprudência, e já supra esquematizadas, idem, págs. 22 a 24.
    [16] Abrantes Geraldes, ob. cit, pág. 39.
    [17] Idem, pág. 47.
    [18] Acerca da indemnização do dano de privação do uso, cf., o douto Acórdão do STJ de 16/10/2003, Doc. nº SJ200310160027562, Relator: Ferreira de Almeida, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [19] Jurisprudencialmente, cf., o douto Acórdão da RC de 20/03/2007 – Processo nº 226/04.8 TBFND, Relator: Cardoso de Albuquerque, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf - onde se sumariou que “o uso de uma viatura automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui um dano patrimonial que mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo ou na falta de alegação e prova da impossibilidade de utilizar outro durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade ou ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso”.
    [20] O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 8, estudo que voltaremos a referenciar infra.
    [21] Refere expressamente o supra citado douto Acórdão do STJ de 18/12/2003 que tratando-se, na espécie, de um “dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade” ; por sua vez, o já citado douto Acórdão do STJ de 17/06/2008, fala de “um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte”, apelando á utilização de “critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida”.
    [22] In CJSTJ, Ano I, Tomo 1, pág. 129.
    [23] BMJ, n.º 283, pág. 260.
    [24] BMJ, n.º 307, pág. 242.
    [25] Acerca da evolução histórica jurisprudencial para a determinação dos danos futuros, cf.., Sousa Dinis, Ob. Cit., págs. 8 e 9 ; e, ainda, de forma extremamente elucidativa, o douto Acórdão do STJ de 06/07/2000, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 146.
    [26] Ou, nas palavras do douto aresto citado na nota anterior, “a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (capital) se extinga no final do período provável de vida”.
    [27] Ob. Cit., pág. 9.
    [28] cf., o douto Acórdão da RL de 24/06/2003, Processo n.º 5146/2003-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.
    [29] Acrescentamos nós que tal desiderato parece estar igualmente presente na solução adoptada pela Portaria nº 377/2008, de 26/05, a qual veio fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de indemnização razoável para indemnização do dano corporal.
    [30] In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 132.
    [31] Idem, págs. 132 e 133.
    [32] O douto Acórdão do STJ de 25/09/2008, já supra citado, refere que no quadro dos cálculos sob os juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, “factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
    Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas”.
    [33] Relator: Ferreira de Almeida, Processo nº. 797/05.1 TBSTS,  in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [34] Relator: João Bernardo, Processo nº. 370/04.1 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [35] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 2171/07.6 TBCBR, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [36] Relator: Salazar Casanova, Processo nº. 1612/05.1 TJVNF, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [37] Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 270/06.0 TBLSD, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [38] Relator: Hélder Roque, Processo nº. 456/06.8 TBVGS, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [39] Valor médio a deduzir relativamente às contribuições para a segurança social pois, atento o valor da retribuição, a mesma parece ser isenta de IRS, inexistindo assim quaisquer outras deduções tributárias a efectuar. Com efeito, interessa a aferição do salário real, e não bruto – cf.  o já supra citado douto Acórdão do STJ de 19/03/2002.
    [40] Presumindo que a vítima se reformaria aos 70 anos de idade, conforme critério orientador previsto na alínea b) do nº 1 do art.º 6º da mesma Portaria nº 377/2008, de 26/05 ; conforme refere o já enunciado douto aresto do STJ de 14/09/2010, é jurisprudência quase uniforme nos tribunais superiores a “consideração, em termos de generalidade e de normalidade, da idade de 70 anos como data-limite da vida útil relevante dos lesados (….)”.
    [41] Ob. Cit., o qual refere poder ser encontrado facilmente “o capital necessário que dê ao lesado ou aos seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma certa taxa de juro, através de uma regra de três simples, não «afinando» o resultado obtido pelo recurso ás tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil), mas fazendo intervir no fim a equidade (....)”.
    [42] Assim o citado Acórdão do STJ de 26/05/2002, referenciando o mencionado estudo de Sousa Dinis.
    [43] Sousa Dinis, Ob. Cit., pág. 9.
    [44] Idem.
    [45] Ibidem.
    [46] In  CJ II, p. 23 e ss.
    [47] Espera-se, face à obrigação nacional de cumprir com os critérios de convergência constantes do art.º 1º do protocolo relativo ao art.º 109º-J do Tratado da União Europeia. Presentemente, tal objectivo está longe de ser concretizado, conforme evidenciam claramente as taxas apuradas principalmente nos dois últimos anos.
    [48] nos termos explanados no já citado acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995, actualizando-se os valores para o momento actual ; cf.., o douto Acórdão do STJ de 16/03/99, in CJSTJ, Tomo I, pág. 167, bem como o valor mais baixo ora actualizado constante do anexo III à já referenciada Portaria nº 377/2008, de 26/05.
    [49] Relator: Mário Cruz, Doc. nº SJ20071204038361, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
    [50] Transcrevendo-se a tabela consta que:
    A) ---- B)
    (anos) ---- (factor)
    1 ----- 0,97087
    2 ----- 1,91347
    3 ----- 2,82861
    4 ----- 3,71710
    5 ----- 4,57971
    6 ----- 5,41719
    7 ----- 6,23028
    8 ------ 7,01969
    9 ----- 7,78611
    10 ----- 8,53020
    11 ----- 9,25262
    12 ----- 9,95400
    13 ----- 10,63496
    14 ----- 11,29607
    15 ----- 11,93794
    16 ----- 12,56110
    17 ----- 13,16612
    18 ----- 13,75351
    19 ----- 14,32380
    20 ----- 14,87747
    21 ----- 15,41502
    22 ----- 15,93,692
    23 ----- 16,44361
    24 ----- 16,93554
    25 ----- 17,41315
    26 ----- 17,87684
    27 ----- 18,32703
    28 ----- 18,76411
    29 ----- 19,18845
    30 ----- 19,60044
    31 ----- 20,00043
    32 ----- 20,38877
    33 ----- 20,76579
    34 ----- 21,13184
    35 ----- 21,48722
    36 ----- 21,83225
    37 ----- 22,16724
    38 ----- 22,49246
    39 ----- 22,80822
    40 ----- 23,11477
    41 ----- 23,41240
    42 ----- 23,70136
    43 ----- 23,98190
    44 ----- 24,25427
    45 ------ 24,51871
    46 ----- 24,77545
    47 ------ 25,02471
    48 ----- 25,26671
    49 ----- 25,50166
    50 ----- 25,72976
    [51] Realçando-se o primado da equidade no cálculo dos danos futuros, sumariou-se no douto Acórdão do STJ de 10/04/2019 – Relator: Raul Borges, Processo nº. 73/15.1PTBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt -, que:
    “XXVII - Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o "id quod plerumque accidit"; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade.
    XXVIII - A função característica da equidade é "tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez". "A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
    XXIX - A equidade é a justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de “la legalité pour rentrer dans le droit”.
    XXX - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
    XXXI - A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso.
    XXXII - O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada.
    [52] Pondera-se o presente valor em decorrência do aumento de esperança média de vida, que tem tendência para aumentar – cf., entre vários, o douto Acórdão do STJ de 06/03/2007, Doc. nº SJ20070306001896, Relator: Silva Salazar, e o já citado douto aresto do mesmo Tribunal de 07/10/2010, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, e nas aludidas dificuldades de financiamento do sistema de segurança social, conducente a que as pessoas, de forma a garantirem as suas reformas ou pensões tenham que trabalhar mais anos, o que foi reforçado pela introdução de outros factores de ponderação, nomeadamente o denominado índice de sustentabilidade do sistema de segurança social.
    Para as mulheres a esperança de vida à nascença, por referência ao ano de 2000, é de 79,9 anos, sendo de 83,6 anos à data da ocorrência do evento lesivo em apreciação – cf., http://www.pordata.pt/Portugal/Esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-418 .
    [53] Colocando sérias reservas à consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, devendo-se antes ponderar a esperança média de vida pois, atingida aquela, “isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma”, cf.., o douto Acórdão do STJ de 19/02/2004 – Doc. n.º SJ200402190042826, in http://www.dgsi.pt/jstj.
    [54] O douto aresto do STJ de 16/12/2010, já citado, defende inclusive que o factor a ter em consideração é o da esperança média de vida, e não apenas o da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade de reforma. Acrescenta justificar-se tal consideração “já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.
    [55] A equidade constitui assim fonte, mediata, de direito - art. 4.º do C. Civil..
    [56] O recurso à equidade justifica-se, desde logo, por ser difícil, se não mesmo por vezes impossível, a prova do montante de tais danos, assim se afastando “a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização” – Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, pág. 491 e segs.. 
    [57] O dano estético, no entanto, poderá também ser avaliado enquanto dano patrimonial, se tiver reflexo económico na vida da pessoa afectada, como seria, p. ex., o caso de um modelo ou actor.
    [58] Neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto de 07.04.1997, in CJ, II, p. 204.
    [59] O Dano Corporal em Acidentes de Viação, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, pág. 7.
    [60] In CJSTJ, Ano X, Tomo 2, pág. 134.
    [61] Ob. Cit., págs. 599-600, nota 4.
    [62] Refere o Acórdão do STJ de 23/09/98 – Processo n.º 553/98, 1ª Secção -, que “o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda”.
    [63] O douto Acórdão do STJ de 05/07/2007 – Doc. nº SJ200707050017346, Relator: Nuno Cameira, in http://www.dgsi.pt/jstj - elenca 5 critérios ou ponderações a aplicar na avaliação dos danos não patrimoniais, que enunciamos resumidamente:
    Primeiro: definitivamente ultrapassado o tempo das indemnizações insignificantes, excessivamente baixas, verifica-se que os tribunais estão hoje sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais – credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, como acon­tece com a integridade física e a saúde, que o Estado garante a todos os cidadãos (art.ºs 9º, b), e 25º, nº 1, da Constitui­ção; cfr, neste exacto sentido, o acórdão deste Tribunal de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª); e este “movimento” contra indemnizações meramente simbólicas não deixa de estar relacionado muito directamente, além do mais, com o aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido no nosso país por imposição das directivas comunitárias, aumento esse cujo objectivo fulcral (pelo menos no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação) não é o de garantir às companhias seguradoras lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.
    Segundo: As indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem; e assim, à medida que com o progresso económico e social e a globalização crescem e se tornam mais próximos toda a sorte de riscos – riscos de acidentes os mais diversos, mas também, concomitantemente, riscos de lesão do núcleo de direitos que integram o último reduto da liberdade individual, - os tribunais tendem a interpretar extensivamente as normas que tutelam os direitos de personalidade, parti­cularmente a do art.º 70º do Código Civil.
    Terceiro: É necessário, em todo o caso, agir cautelosamente; e o Supremo Tribunal, nesta matéria, tem uma responsabilidade acrescida, dada a função que lhe está cometida de contribuir para a uniformização da jurisprudência; não é conveniente, por isso, alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos; não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país; e é vantajoso que o trajecto no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gra­dual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos seme­lhantes. Isto porque os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito). Ora, de certo modo os tribunais são os primeiros responsáveis e sobretudo os principais garantes da afirmação de tais valores: cabe-lhes contrariar com firmeza a ideia de que os factos danosos geradores de responsabilidade civil, muitas vezes tragédias pessoais e familiares de enorme dimensão material e moral, possam ser transformados em negócios altamente rendosos para pessoas menos escrupulosas.
    Quarto: A indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de pro­porcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar “matematica­mente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta).
    Quinto: Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de har­mo­nia com a síntese feita num acórdão deste Tribunal de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª) são os seguintes: o “dano estético” - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissio­nal, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valo­riza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária”.
    [64] Conforme refere o já citado douto aresto do STJ de 23/10/2008, nos parâmetros gerais a ter em conta merecem ser destacados “a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito á integridade física e á qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se leve também repercutir no aumento das indemnizações”.