TELEVISÃO
REPORTAGEM TELEVISIVA
OFENSA DE DIREITOS DE PERSONALIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Sumário

1. O conflito entre os direitos de personalidade relativos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, por um lado, e os direitos relativos ao exercício da liberdade de informação e da liberdade de imprensa, por outro, devem ser resolvidos de com recurso às regras do “critério da ponderação de bens”, do “princípio da concordância prática”, da análise do “âmbito material da norma”, do “princípio da proporcionalidade”, recorrendo à ideia do “abuso de direitos fundamentais” e ao “princípio da otimização de direitos e bens com vista ao estabelecimento de limites aos direitos colidentes por forma a conseguir uma autêntica eficácia ótima de ambos os direitos”, no pressuposto de que se tratam de direitos hierarquicamente iguais que devem ceder reciprocamente, na medida do necessário, para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (cfr. Art.º 335.º n.º 1 do Código Civil e Art.º 18.º n.º 2 do Constituição).
2. O direito a informar deve ser exercido com respeito pela dignidade da pessoa humana, devendo garantir, na medida do possível, a reserva da intimidade da vida privada e da imagem dos cidadãos.
3. A divulgação, em reportagens televisivas, de factos respeitantes à adoção do Autor, com divulgação do nome e identidade dos adotantes e das crianças adotadas (incluindo a do Autor) e de fotografias destes, quer enquanto crianças, quer já como adultos, viola o carácter secreto do processo de adoção (Art.º 4.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Adoção), estabelecido também no interesse da pessoa adotada, e os direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, sem que o interesse público na divulgação de alegados “esquemas de adoções ilegais”, no seio duma conhecida igreja, o justifique.
4. A permanência destas reportagens na internet, com identificação do nome do Autor e da sua imagem, sem a sua autorização, em site gerido e explorado pela empresa responsável pela guarda e divulgação dessa informação, constitui uma violação aos direitos de personalidade do Autor, sendo adequado à atenuação dos efeitos da ofensa cometida que o visionamento destas reportagens se processe com ocultação ou remoção do nome e imagens do Autor (cfr. Art.º 70.º n.º 2 do Código Civil).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
P veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra AB, JF, SF, T…, S.A. e M…, S.A., pedindo a condenação solidárias dos R.R.: ao pagamento duma indemnização de €350.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento; a removerem de todos os sites de que sejam proprietários, designadamente do http://www.(...).pt/; http://www.(...).pt/, todos os conteúdos onde são relatados factos da vida privada do A. e/ou em que seja divulgada a sua imagem e identidade, em concreto, nos episódios 6 a 9 e 11 e 12 da reportagem “O Segredo dos Deuses”; a condenação das 4.ª e 5.ª R.R. a absterem-se de difundir qualquer facto que diga respeito à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizadas por este para esse efeito; e todos os R.R. jornalistas e diretor, quer o diretor R. atual, quer aqueles que lhe vierem a suceder nas funções, a absterem-se de divulgar factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e dos R.R. jornalistas a absterem-se de divulgarem factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por estes para esse efeito; e decretar a proibição dos R.R. de difundirem, em qualquer suporte dos quais sejam proprietários ou colaboradores, (nomeadamente, na televisão, Internet ou imprensa escrita) factos da vida privada do A., designadamente que digam respeito ao processo de adoção e à sua vida privada e familiar, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e solidariamente a pagar ao A., a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, no concernente aos custos em que o A. incorrer para remover os conteúdos dos episódios acima identificados, criados e emitidos pelos R.R., dos diversos suportes, meios e plataformas digitais; e a fixar, nos termos e para os efeitos do Art.º 829.º-A do CC, uma sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento da decisão a proferir nos presentes autos, em valor não inferior a €1.000,00, por cada infração de cada providência decretada por cada um dos R.R..
Para tanto, alegou em síntese, que as 1.ª e 2.ª R.R. são jornalistas e desenvolverem a sua atividade nos canais de televisão “T…” e “T…”, tendo sido as autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida nesses canais, denominada “O Segredo dos Deuses”, enquanto o 3.º R. era o diretor do serviço de programas e responsável pela informação dos referidos canais, tendo aprovado a elaboração e execução dessa reportagem. Por sua vez, a 4.ª R. é proprietária dos serviços de programas televisivos da T… e da T…, enquanto a 5.ª R. é proprietária dos sites desses canais e do portal …, onde estão alojadas as notícias e os vídeos referentes a essa reportagem, sendo a sua entidade gestora e tendo o poder para incluir e retirar os conteúdos que aí se encontram disponíveis.
A reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” foi, antecipadamente, publicitada como o novo escândalo que iria abalar Portugal e como o segredo mais bem guardado da Igreja … (I…), referia-se a crianças levadas de Portugal numa rede internacional de adoções, revelando aspetos da vida privada do A. sem que este tenha dado autorização ou consentimento para o efeito.
A exibição da reportagem decorreu entre os dias 11-12-2017 e 22-12-2017 e foi transmitida no serviço de programas T… e T…, sendo constituída por 10 episódios, em parte dos quais o A. é visado, divulgando os R.R. a sua identidade e imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, bem como a identidade dos adotantes e as circunstâncias da sua adoção, à semelhança do que fazem relativamente a outros menores.
A história do A. e do seu irmão biológico é contada nos episódios 7 e 8 e a sua imagem e nome expostos nos episódios 6 e 9, voltando a ser abordada a sua alegada história nos episódios 11 e 12, que foram emitidos ulteriormente em 19-04-2018 e em 20-04-2018, os quais são descritos no articulado, detalhadamente e por referência a cada um dos períodos temporais de cada um desses episódios.
Defende que o relato efetuado na reportagem não corresponde à verdade, sendo apresentado como um processo de adoção à margem da lei, exibindo-se a imagem do A. enquanto criança e trazendo a público a sua infância problemática e o facto dos pais serem toxicodependentes e de a mãe se prostituir, bem como ter um sinal escuro peludo no braço, referindo-se, inclusive, num dos debates que se seguiram à exibição dos episódios, que este vive no Brasil e que trabalha para uma rádio da I…, quando o A., na realidade, é marceneiro e o processo de adoção seguiu todos os trâmites de forma legal.
Entende que as jornalistas procuraram criar uma telenovela assente numa suposta rede ilegal de adoções, afirmando que a mãe biológica do A. nunca teria sido ouvida pelo tribunal ou dado o consentimento para a adoção, e que alguém se teria feito passar por esta para conseguir que fossem encaminhados para a adoção, sem que tenham contactado o autor ou consultado os processos de adoção por forma a atestar da veracidade da sua teoria.
Referiu-se ainda ao seu percurso de vida e às circunstâncias em que passou a viver no Lar da I… e de ter sido para aí encaminhado pela Santa Casa da Misericórdia, no seguimento da avó não ter condições para o ter e ao seu irmão, e à existência de processos judiciais que terminaram com a sua adoção, com base no consentimento prévio para o efeito concedido pela sua mãe biológica, acabando por ser adotado pelos seus pais adotivos por se ter criado uma relação próxima, sendo a mãe a antiga diretora do Lar e o pai pastor evangélico da I….
Na reportagem, o nome e a imagem do A. surgem associados aos factos que são relatados, enquanto a sua mãe biológica, que intervém na reportagem, fala sem que a sua imagem seja visível e com um nome fictício.
Finalmente, alega que, em consequência da exibição da reportagem, teve de reviver episódios da sua infância que procurou esquecer e que passaram a ser do conhecimento de milhares de pessoas, sendo abordado por desconhecidos que pretendiam falar sobre o tema e a quem teve de dar explicações.
Sentiu angústia, dor e humilhação, nomeadamente por ver os seus pais adotivos vilipendiados e acusados de o terem roubado, tendo ficado chocado e consternado, o que afetou a sua relação com a sua mulher, que estava grávida, não a conseguindo acompanhar, como pretendia, por andar enervado e irritado com a situação, tendo, inclusive, necessitado de ajuda psicológica.
Considera por isso que, ainda que alguns dos factos relatados na reportagem sejam de interesse público, poderiam os R.R. ter feito o relato sem expor o A., nomeadamente, sem incluir a sua imagem enquanto criança ou adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros, assim como não necessitavam de referir o seu verdadeiro nome, até por o terem feito em relação à mãe biológica, sem que tal impedisse de contar a história que pretendiam.
Ao não o fazerem, e sendo, inclusive, falsos os factos relatados na reportagem, violaram a sua vida privada, sem que tivesse consentido ou autorizado a revelação de factos relativos à sua vida ou a divulgação da sua imagem, nem sido contactado previamente para o efeito, continuando a 1.ª R. a divulgar esses factos nas redes sociais e a contribuir para aumentar a devassa da sua vida privada.
Por último, requereu a apensação aos autos dos autos de procedimento cautelar previamente intentado e que determinou a remoção pelas 4.ª e 5.ª R.R. da imagem e do nome verdadeiro do A. do conteúdo da reportagem, os quais foram, subsequentemente, apensados a estes autos principais.
Citados os R.R. contestaram.
Os 1.º a 3.ºs R.R., pessoas singulares, vieram apresentar contestação conjunta na qual pugnam pela sua absolvição de todos os pedidos formulados, sustentando não terem divulgado ou afirmado factos falsos na reportagem em causa nos autos, sendo incontestável a relevância jornalística do seu conteúdo e o manifesto interesse público, entendendo terem cumprido todas as regras jornalísticas e tratar-se a presente ação de uma estratégia da I…, ou das pessoas que lhe são próximas, destinada a limitar a sua atuação como jornalistas, nomeadamente, através da propositura de diversas ações judiciais, conforme já fez no Brasil e que configuram uma situação de bullying judicial.
No mais, alegaram que a investigação jornalística que deu origem à reportagem durou, em dedicação exclusiva, mais de sete meses e recorreu a múltiplas e diversificadas fontes de informação, verificadas e cruzadas, tendo-se procurado ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis e tentado consultar o processo de adoção do A., o que foi sucessivamente negado pelo tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Defenderam que apenas foi apresentada a imagem e identidade dos jovens adotados quando tal se revelava indispensável para a total compreensão dos factos, e de forma proporcional face à realidade ou ao que os próprios ou terceiros com a sua autorização já haviam revelado publicamente sobre a sua história de vida e compatível com a utilização que os mesmos têm publicamente promovido da sua imagem e os seus fins.
Referiram-se ainda ao contexto e conteúdo da reportagem, em grande medida com referência à situação aí relatada nos primeiros episódios que não se referiram ao A., sendo certo que em relação aos episódios em que este é referido alegam ser mais uma das histórias que se cruza com o Lar e com a I… e os seus membros, e que as referências ao A. surgem de forma acessória em relação ao processo do seu irmão F que, como outras crianças, foi escolhido e adotado por familiares diretos do responsável da I…, o bispo E..
Acrescentaram, nesse sentido, que a imagem do A. apenas muito esporadicamente foi revelada, e com base em ter sido primeiramente tornada pública pelo próprio, uma vez que foi a sua própria família adotiva que com o seu conhecimento e autorização – pelo menos tácita – que primeiro expôs e revelou publicamente a sua história de vida passada e presente, tendo o próprio utilizado essa imagem nas redes sociais para realizar os seus interesses e capitalizar a atenção para a instituição para quem trabalha, pelo que não se deve sobrepor a proteção da identidade e da imagem ao exercício da liberdade de expressão.
No que se refere ao conteúdo da reportagem, sustentam ser este factualmente correto e ser falso que a mãe biológica do A. tenha prestado o consentimento prévio para a adoção perante um magistrado, ser falsa a assinatura constante da declaração emitida pela mãe biológica e ter a adoção do A. sido ilegal, por fraude à lei, beneficiando de relatórios e informações falsas sobre os seus progenitores biológicos, tendo a gravidade dos factos dado origem à abertura de um processo crime pelo Ministério Público.
As 4.ª e 5.ª R.R., pessoas coletivas, vieram apresentar contestação conjunta na qual defendem, igualmente, a sua absolvição dos pedidos contra si formulados, remetendo, a título de nota prévia, para todas as razões de facto e de direito aduzidos na contestação apresentada pelos demais R.R..
No mais, impugnaram especificadamente os factos alegados na petição inicial, bem como parte dos documentos, nomeadamente, o auto de declarações referente ao consentimento para adoção e a declaração emitida pela mãe biológica, e ainda um documento proveniente da SCML.
Confirmaram genericamente a atuação de cada um dos R.R. pessoas singulares e alegaram ser a 4.ª R. proprietária dos serviços de programas televisivos em causa e a 5.ª R. proprietária dos sites e do Portal … sem que, contudo, seja proprietária dos respetivos conteúdos neles difundidos ou pelo seu alojamento (entendendo-se as referências à revista … e às atrizes e apresentadoras mencionadas nos arts. 44.º, 46.º, 47.º, 50.º da contestação a mero copy paste de outra ação que não a presente).
No que se refere ao teor da reportagem, defendem que esta procurou a verdade material e realizar o Estado de Direito através do dever de informação, sendo sustentada num enorme acervo documental e testemunhal, referindo-se detalhadamente ao conteúdo de cada episódio da reportagem em que surgem referências ao aqui A..
Invocaram, igualmente, e à semelhança da demais contestação, ter sido o próprio A., os seus familiares adotivos e a I… quem decidiram divulgar, previamente à emissão da reportagem, a imagem e história de vida daquele, nomeadamente na internet e nas redes sociais, onde dá a conhecer a empresa onde trabalha, as suas preferências musicais e literárias, e fotografias com a sua companheira e em criança, pelo que não foi a R. a primeira a divulgar a imagem do A., bem como informações acerca da sua vida privada, não existindo por isso dever de proteger o que o próprio quis divulgar, não tendo tal causado qualquer dano.
Finalmente, impugnaram os danos invocados, não só por a reportagem ter sido apenas transmitida na comunicação social portuguesa, mas também por o seu tema central nada ter a ver com o A., tendo apenas sido com o propósito de concretizar as situações de ilegalidade das adoções que foram mencionados o A. e a sua história. Acrescentam não terem as R.R. sido movidas pelo aumento de audiências, por já serem o líder de audiência, defendendo que o valor peticionado a título de indemnização era manifestamente exagerado.
O A. veio a responder a essas contestações, reafirmando que, mesmo que existisse interesse público nos factos relatados na reportagem, poderiam os R.R. ter atuado sem expor o A., à semelhança do tratamento dado à sua mãe biológica, não sendo do interesse público, ou de relevância jornalística, a exibição de imagens do A. ou a divulgação do seu nome completo. Acrescentou que os factos relatados são falsos e, ainda que não o fossem, a sua divulgação constituiria violação da vida privada do A., sem que o tivessem contactado previamente ou pedido autorização para a divulgação da sua imagem ou da sua história, não tendo, nomeadamente, assegurado o contraditório na elaboração da reportagem conforme concretizam no seu articulado.
No que se refere à matéria de exceção relativa à licitude da atuação dos R.R., atento o comportamento público do A. e da sua família, defende que a defesa confunde a sua situação com a de outras crianças a que se refere a reportagem, nomeadamente, com o seu irmão. Acresce o facto da sua página no Facebook ser restrita à sua rede de “amigos”, não o tornando uma figura pública o facto de algumas fotografias surgirem no seu perfil como públicas, dependendo a limitação de direitos de personalidade de uma atuação voluntária pelo próprio, sem que corresponda à verdade que tenha alguma vez promovido a I… para quem já prestou serviços de marceneiro.
Respondeu, ainda, no que se refere à contestação das R.R. pessoas coletivas, que inexistem fundamentos que desresponsabilizem a 4.ª R. e, relativamente à 5.ª R., não corresponder à verdade que não tem responsabilidade pelos conteúdos alojados nos seus sites, designadamente, por ter a sua gestão e poder incluir e retirar conteúdos, tendo sido nessa qualidade que foi demandada.
Findos os articulados, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, onde foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, concedendo-se às partes prazo para apresentarem reclamações e reformularem os requerimentos probatórios.
Nesse contexto, veio a ser junta aos autos de certidão do despacho final proferido no processo de inquérito crime, bem como das respetivas perícias, que tinha por objeto os factos relatados na reportagem, tendo esses elementos sido remetidos pela Procuradoria da República da Comarca de Lisboa.
As reclamações do despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, apresentadas pelas 4.ª e 5.ª R.R., foram indeferidas, tendo sido igualmente indeferida a junção de elementos referentes a inquirições e depoimentos prestados em processos crime distintos, assim como indeferido o requerimento para juntar aos autos os processos de adoção do A. e do seu irmão, atenta a natureza secreta desse processo e por, a serem apensados ou consultados, o deverem ser ao processo de inquérito crime.
Ficaram, então, os autos a aguardar informação sobre o estado do processo de inquérito objeto de arquivamento e em relação aos quais tinha sido parcialmente requerida a abertura de instrução, até ter sido prestada informação pelos Juízos de Instrução Criminal no sentido de terem julgado prescrito o procedimento criminal dos crimes aí em causa.
Na sequência, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, por diversas sessões e, finda a produção da prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª R.R., solidariamente, a pagarem ao A. a quantia de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais, montante já atualizado à data da sentença; condenando ainda os R.R. a absterem-se difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do A., nomeadamente relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do A. que permitam a sua identificação.
É dessa sentença que, quer o A., quer os R.R., vieram interpor recursos de apelação.
No final das suas alegações de recurso, o A. apresentou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, o qual decidiu julgar parcialmente procedente a ação instaurada pelo Autor, com a consequente condenação dos Réus, solidariamente, (a) no pagamento ao Autor da quantia de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais, montante já atualizado à data da presente sentença e a (b) a absterem-se difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação.
2. No caso sub judice, cumpria ao Tribunal a quo decidir: i) se estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil por violação do direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada do autor; (ii) se existia alguma causa de justificação ou limitação voluntária do autor aos seus direitos de personalidade; (iii) qual o quantum indemnizatório a fixar, nomeadamente, por danos não patrimoniais; (iv) qual a medida da responsabilidade de cada um dos réus; (v) se devia haver alguma condenação relativamente à abstenção de comportamentos ou aplicação de outras sanções.
3. O que, adiante-se, o Tribunal a quo fez (ainda que não se concorde com a indemnização fixada a final por este).
4. No entanto, pecou o Tribunal a quo na fixação do quantum indemnizatório em cujo o pagamento condenou os Réus, porquanto o mesmo é manifestamente insuficiente em face das circunstâncias do caso concreto e da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo na decisão proferida.
5. Assim, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, ao não aplicar justa e equitativamente os critérios para valoração dos danos de natureza não patrimonial aí definidos, fixando uma indemnização manifestamente injusta e insuficiente.
6. A condenação dos Réus no parco montante indemnizatório de €60.000,00 (sessenta mil euros), não só não assume qualquer efeito dissuasor da sua conduta ilícita, como, pelo contrário, acaba por chancelar e incentivar atuações idênticas, porquanto feita a ponderação económico-financeira entre as suas receitas e a indemnização em que ora vêm condenados, resultará economicamente mais vantajoso para os Réus continuarem a violar os direitos das vítimas lesadas, em face dos proveitos que obtêm por via dessa linha sensacionalista, jornalisticamente reprovável e ilícita.
7. Entendeu o Tribunal a quo – e bem – não subsistirem dúvidas do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art.º 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art.º 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art.º 80.º do CC.
8. Ficou sobejamente demonstrado que o 3.º Réu, enquanto diretor e responsável pela informação dos referidos canais televisivos, orientou e supervisionou a elaboração e execução da reportagem, a qual aprovou, e ainda que os mencionados Réus tinham conhecimento que os processos de adoção e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público, tendo-lhes, inclusive, sido formalmente negada a consulta do processo de adoção do Autor.
9. Os Réus não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção, de acordo com o art.º 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.
10. O Tribunal a quo concluiu ainda que os ditames e standards jornalísticos não foram cumpridos pelos Réus, porquanto a sua conduta consubstancia uma infração dos deveres a que se refere o Estatuto dos Jornalistas, com referência ao art.º 14.º a respeito do dever do jornalista exercer a sua atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhe, designadamente, nos termos do n.º 1, als. a) e e), evitar o carácter sensacionalista da reportagem e quanto à obrigatoriedade de audição dos visados com interesses atendíveis (que, no caso, não se verificou) e, em especial os deveres de respeito da privacidade e da salvaguarda das imagens que se encontravam sujeitos, nos termos do n.º 2, als. d), f) e h) do referido Estatuto, reforçado pelas orientações de soft law que decorrem do Novo Código Deontológico dos Jornalistas.
11. Tampouco se verificam, em termos fácticos ou jurídicos, quaisquer circunstâncias que, nos termos do art.º 335.º do CC, justificassem a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que nunca se poderia considerar que a matéria em causa na reportagem, visando factos da intimidade do Autor relativos à sua infância e ao seu processo de adoção, com inclusão de fotografias, em criança e em adulto, que permitem a sua identificação e associação aos factos gravosos relatados pela reportagem, se encontraria fora da salvaguarda da tutela dos mencionados direitos de personalidade.
12. Aliás, logrou provar-se que a reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe biológica do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.
13. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
14. Daqui resulta, conforme explica Menezes Leitão, que a indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.
15. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.
16. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro”.
17. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias da adoção, de carácter secreto, (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.
18. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés T… e M… (cfr. factos 93 a 113 da sentença recorrida).
19. Importa ainda salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímico-psicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de violência e maus tratos vividos durante a infância com a sua família biológica e, bem-assim, forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos.
20. O Autor sentiu-se consternado, irritado, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas perante largos milhares de pessoas.
21. O Autor sentiu-se exposto pela sua vida privada ter sido divulgada, em termos que não associa inteiramente às memórias que guarda, perante milhares de pessoas (vide facto 84 da sentença recorrida).
22. O Autor ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada (vide facto 85 da sentença recorrida).
23. O Autor sentiu um grande desgosto, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas (vide factos 85 e 86 da sentença recorrida), tendo sentido também uma tristeza profunda e um enorme sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais adotivos e à ideia transmitida de que o teriam roubado, quando os via como alguém que o acolhera, lhe dera um lar, amor e carinho (vide facto 87 da sentença recorrida).
24. Face ao supra exposto, não há como não considerar manifestamente desequilibrado, inadequado e insuficiente o valor da indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor fixado pelo Tribunal a quo, no montante de €60.000,00 (sessenta mil euros), numa cabal violação dos critérios previstos no art.º 494.º ex vi artigo 496.º do CC, nomeadamente, o grau de culpa do lesante e a sua capacidade económica, reforçada com as audiências e publicidade geradas pela exibição da reportagem.
25. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente “o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).
26. Não se pode ignorar a realidade que resulta provada nos presentes autos, designadamente:
27. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
28. A T… e a T… foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
29. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
30. No conjunto desta série de reportagens e das respetivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
31. Em 2017, a semana em que a T… registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
32. Em 2017, houve um rendimento em publicidade na TV de 101 milhões de euros, nos canais T…, T…, T… Internacional, T… Ficção, T… África e T… Reality.
33. A soma do investimento a preço de tabela da T…, T…, T… Ficção e T… Reality foi de 2.825 milhões 563 mil euros, com destaque para a T... (com 94% deste investimento, totalizando 2.655 milhões 132 mil euros), podendo assumir que o Grupo M… pratica um desconto comercial na ordem de pelo menos 96,5%.
34. Com base no investimento por tabela na T… em 2017, 2.886 milhões e 334 mil euros, e assumindo que o grupo M… pratica o tal desconto comercial na ordem dos 96,5%, então em 2017 a T… teve um rendimento na Publicidade na ordem dos 101 milhões de euros, o que se traduz numa média de 277 mil euros diários de rendimentos operacionais provenientes de publicidade.
35. A T… ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.
36. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €438 mil euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da T… imediatamente após a exibição das 12 reportagens.
37. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da M…, os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.
38. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.
39. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da T… como no YouTube da T….
40. Assim, e conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da T….
41. Ao que acresce o facto de a T... ser o primeiro canal de TV generalista com um milhão de seguidores no Facebook e a marca de televisão mais seguida na rede social Instagram.
42. Para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá, pois, atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
43. Tudo com o objetivo de, após adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
44. A verdade é que a factualidade dada como provada na sentença recorrida não se coaduna com o diminuto montante indemnizatório fixado, o qual não representa, de modo algum, um montante compensatório adequado, proporcionado e justo a reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu.
45. A indemnização fixada não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos Réus, porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita, suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de €60.000,00 (sessenta mil euros), por outro.
46. Assim, para a justa compensação dos danos sofridos pelo Autor, por tudo quanto se expôs, deveria o Tribunal a quo, ter feito um prudente e criterioso uso da equidade a que está vinculado atento o disposto no artigo 496.º do CC e, por conseguinte, ter fixado a indemnização no montante peticionado pelo Autor no valor de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros).
47. Por todas estas razões, impunha-se a procedência total da ação e por consequência a condenação Réus no pagamento da indemnização ao Autor na quantia €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros).
48. Pelo que deverá a douta decisão do Tribunal a quo ser substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, condene os Réus a pagar ao Autor o montante de EUR 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos por força da atuação dos Réus, conforme factualidade provada na sentença recorrida, mantendo-se, no restante, o já decidido.
Pede assim que seja o recurso julgado procedente, alterando-se a decisão recorrida nos termos peticionados e condenando-se os R.R. no pagamento de uma indemnização ao A. no montante de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), sob pena de violação dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
Os 1.º a 3.ºs R.R. também recorreram, sobrelevando das suas alegações as seguintes conclusões:
A) Os recorrentes não podem conformar-se com a douta sentença sob recurso e entendem que a mesma julgou incorretamente a matéria de facto, não soube enquadrar devidamente a instrumentalização desta ação cível para servir os interesses e propósitos da I... (I…) e o reduzido interesse em agir do autor, fazendo uma errada interpretação da lei e da ponderação do conflito de direitos existente entre os direitos alegados pelo autor e os dos réus jornalistas aqui Recorrentes, que resultou numa quantia indemnizatória ilegal, injusta e desproporcional.
B) O Mmo. Juiz a quo, apesar de reconhecer nos factos provados e na motivação da decisão da matéria de facto da sentença que a I... influenciou, apoiou e está profundamente ligada a esta ação, e que as testemunhas apresentadas pelo autor, na esmagadora maioria ligadas profundamente à I... não mereciam credibilidade por “(…)não terem demonstrado isenção nem distância em relação aos factos em causa nos autos, que se inserem num litígio mais vasto relacionado com a reportagem.”, foi incapaz de extrair dessa realidade qualquer consequência relevante para a decisão, quer no que tange ao interesse em agir do autor, quer, naturalmente, no elevadíssimo quantum indemnizatório concedido.
C) Ficou claro ao longo de todo o julgamento que esta ação, mais do que defender os interesse e direitos do autor, servia a necessidade da I... de estabelecer uma narrativa sobre os polémicos processos de adoção patrocinados pelo Lar Universal e para justificar a atuação dos seus membros, designadamente da família do denominado Bispo E….
D) Sendo uma peça na estratégia de constrangimento e condicionamento dos Recorrentes jornalistas, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos que possam dizer respeito à I... ou aos seus líderes.
E) Estratégia que concretizaram por via da multiplicação de ações judiciais e dos seus elevados pedidos de indemnização e que não pode deixar de ter os devidos e necessários reflexos processuais e judiciais.
F) Este processo judicial é claramente uma ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against public participacion) - ações judiciais estratégicas contra a participação pública – tendo sido desenhado e proposto com o principal objetivo de censurar, intimidar e silenciar os jornalistas Recorrentes e todos os demais que pretendessem investigar e divulgar notícias que não são do interesse da I....
G) Os processos judiciais abusivos contra a participação publica têm um impacto significativo na vida e exercício profissional dos jornalistas envolvidos, visando ter consequências na sua reputação e credibilidade, para além de esgotarem os seus recursos financeiros e os dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, perturbando seriamente o seu trabalho e a sua liberdade editorial.
H) O recurso a este tipo de processos judiciais está a aumentar radicalmente nos países da União Europeia, incluindo Portugal, e são cada vez mais utilizados numa tentativa de silenciar o debate público e impedir a divulgação de informação relevante e de manifesto interesse publico e comunitário.
I) Tendo sido objeto da Recomendação EU 2020/758 da Comissão Europeia de 27 de abril de 2022, que não só reconhece a importância e impacto deste tipo de ações e a necessidade de proteger os jornalistas dos seus efeitos, como recomenda a adoção de várias medidas legais e processuais para as prevenir e combater.
J) Entendem os Recorrentes, que não só a presente ação preenche claramente os pressupostos elencados na referida Recomendação, como o quadro jurídico nacional prevê formas de combate eficazes contra a sua disseminação, designadamente o instituto do abuso de direito – que foi invocado na contestação dos agora Recorrentes.
K) Como foi demonstrado na contestação e nos documentos juntos, a I... reagiu de imediato às reportagens referidas nos autos atacando os jornalistas e ameaçando-os com a instauração de inúmeros processos judiciais, replicando uma estratégia posta em prática pela instituição por diversas vezes no Brasil para condicionar os jornalistas e a comunicação social a não publicarem notícias que entendiam como desfavoráveis à instituição.
L) Foi aliás o próprio mandatário do autor, como se encontra alegado na contestação e demonstrado documentalmente, que também é mandatário da I... em diversos outros processos judiciais contra os recorrentes, que em comunicado aos meios de comunicação social no dia 12 de dezembro de 2017 o anunciou e confirmou em declarações prestadas ao jornal Observador
M) Este anunciado conjunto de ações judiciais, das quais a presente é parte integrante, não tem como propósito primário defender o bom nome e consideração ou a imagem e intimidade dos cidadãos proponentes, mas apenas o propósito intimidar, constranger e condicionar o regular desempenho da atividade profissional dos jornalistas Recorrentes e o saudável exercício da sua liberdade de expressão e de opinião.
N) O autor, sob forte domínio e influencia da I..., foi uma peça nessa estratégia pensada e delineada pela I... para constranger os Recorrentes a abandonar a investigação jornalística que tinham em curso e que tinha como foco a atividade da igreja e dos seus membros, dessa forma condicionando gravemente a sua liberdade de informação e de expressão.
O) O Tribunal a quo, apesar de parcialmente ter verificado esta realidade e a instrumentalização do autor, reconhecendo a influência e apoio da I... na ação e a falta de isenção e credibilidade das testemunhas por este apresentadas, foi incapaz de retirar desta manipulação do sistema judicial português qualquer consequência processual e legal, omitindo inclusivamente a apreciação da alegação dos Recorrentes na sua contestação de que a presente ação havia sido proposta com manifesto abuso de direito.
P) O que, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, constitui nulidade da sentença, pois o juiz não se pronunciou sobre uma das questões mais sérias deste processo e que notoriamente devia apreciar.
Q) O autor ao propor a presente ação, com os fundamentos apresentados, peticionando uma quantia absurda aos Recorrentes, agiu em claro abuso de direito, nos termos do disposto no art.º 334.º, do Código Civil, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e ou económico do direito que invoca, o que torna ilegítima o seu exercício e paralisa a sua invocação.
R) O autor atuo fora do fim social e económico do direito a que se arroga, já que é notório que a ação que propôs não visa satisfazer em primeiro lugar um interesse próprio atendível, mas antes exercer um direito para benefício de uma terceira pessoa – no caso a I... – que delineou uma estratégia de constrangimento e perseguição judicial contra os Recorrentes para os silenciar e punir pelas sua atividade jornalística.
S) Tendo em consideração a vasta documentação junta aos autos e o facto de a audiência de discussão e julgamento se encontrar documentada por gravação existe a possibilidade de reapreciação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto.
T) De acordo com os meios de prova disponíveis, é possível concluir que, pelo menos, os factos identificados sobre os n.ºs 16, 32, 33, 41, 57, 72, 77, 78, 79, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 90 e 91 da douta decisão devem ser corrigidos, quando não eliminados, já que não se encontram minimamente suportados pelo conjunto da prova junta ao processo, não decorrem de qualquer confissão ou contém ínsitas conclusões que não decorrem e/ou contrariam a prova junta aos autos.
U) O Mmo. Juiz a quo, na fundamentação da decisão da matéria de facto, nada refere em específico sobre a matéria do facto 16, apenas genericamente referindo que essa matéria que “(…) resultou tal igualmente assente nos autos pela visualização da reportagem.”
V) A generalização constante de tal facto provado a todos os jovens adotados e à revelação da suas identidade e imagem, não corresponde ao que efetivamente se pode ver nas 10 reportagens exibidas e juntas aos autos, sendo notório que foram relatados casos em que a imagem e identidade dos adotados não foi revelado.
W) Deve por isso o facto 16 ser retirado da matéria de fato dada como provada, pois não corresponde à prova constante dos autos
X) Da mesma forma, os factos provados 32 e 33 contém expressões manifestamente conclusivas e valorativas que, para além do mais não resultam nem da prova documental junta aos autos, de nenhum depoimento testemunhal, nem de confissão.
Y) As expressões “enquanto no que diz respeito ao autor é utilizada sempre a sua imagem” são claramente conclusivas e valorativas, sendo claramente desnecessária a sua alusão por ser uma repetição do já dado como provado no antecedente ponto 18.
Z) Deve por isso ser corrigido o facto 32 passando apenas a constar que: No decurso dos referidos episódios da reportagem, é utilizado um nome fictício para a mãe biológica do autor e a sua imagem não aparece visível.
AA) Relativamente ao facto 33, para além de tal fundamentação nada referir especificamente sobre a matéria de facto aí vertida, nada esclarecendo sobre as razões que efetivamente conduziram à sua fixação, compulsados os autos, nenhuma prova documental, gravada ou outra, existe que a possa minimamente sustentar e fundamentar, sendo claro que se trata de matéria conclusiva e valorativa, devendo, por isso, ser totalmente eliminado.
BB) A afirmação constante do facto 41 é claramente contrariada pela visualização da reportagem de 19/04/2018, resultando evidente que a imagem do autor nessa reportagem não foi revelada, sendo respeitado o seu desejo de que a sua imagem não fosse divulgada, o que só pode determinar a eliminação deste facto provado.
CC) No caso do facto 57, que também não se encontra minimamente fundamentado na motivação da decisão de facto, nenhum documento dos autos sustenta tais factos, nem em audiência os testemunhos permitem e possibilitam as conclusões aí vertidas, devendo, por isso, ser eliminado dos factos provados, até porque não se compreende a sua relevância para a solução de direito a aplicar no presente processo.
DD) Quanto aos factos referidos sob os n.ºs 77, 78 e 79, são claramente conclusivos e valorativos, repetem o conteúdo factual do facto 76 e não têm qualquer suporte na prova documental ou testemunhal junta aos autos, pelo que que devem ser totalmente eliminados dos factos dados como provados
EE) Entendem também os Recorrentes que da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 82, 83, 84, 85, 86, 87, 90 e 91, uma vez que a prova produzida em audiência é manifestamente frágil sobre tais factos, não permitindo a extração de tais conclusões.
FF) As testemunhas referenciadas como sendo a base da convicção do Tribunal a quo, DDM, JDM e JB, não tinham contacto e proximidade suficiente com o Autor e conhecimento das circunstâncias em que o mesmo vivia ou sentia, para que se possam dar como provados os factos destacados.
GG) E o autor, nas suas declarações de parte e a propósito das alegadas explicações que teve dar a terceiros refere apenas que foi contactado por duas pessoas, pelo Facebook, e que no trabalho teve de explicar ao seu gestor (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 01:03:37 e seguintes), não conseguindo concretizar nada mais sobre esse tema.
HH) Para além do autor, apenas a testemunha JDM, sua mãe adotiva, mencionou que o autor teria recebido mensagens pelo Facebook, mas também não conseguiu concretizar a sua quantidade, ou o seu teor, uma vez que tal conhecimento decorre apenas do que o autor lhe terá dito e não do seu contacto direto com os factos (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:14 e as 11:57, concretamente no minuto 01:38:53 e seguintes).
II) Devendo realçar-se que a testemunha JB, quando questionada sobre as consequências que a reportagem teve na vida do autor, nada referiu sobre o alegado facto de aquele ter sido reconhecido ou abordado por outras pessoas (cf. gravação de 03-12-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:43 e as 11:35, concretamente no minuto 00:22:18 e seguintes), aliás, disse mesmo que este continuava a ser um cidadão anónimo (cf. minuto 00:11:02 e seguintes).
JJ) A testemunha DDM nada referiu sobre o tema (cf. Gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12).
KK) A indicação vaga e genérica, por parte do autor, da existência de duas pessoas que o contactaram pelo Facebook e a mera indicação de que teve de explicar o que estava a acontecer no trabalho ao seu chefe, sem qualquer concretização do conteúdo das referidas mensagens ou das explicações dadas, não permite atribuir credibilidade ao depoimento prestado, para mais quando não existe mais nenhum outro meio probatório válido e concreto que corrobore a versão apresentada por este.
LL) Assim, nos termos elencados supra, errou o tribunal a quo ao considerar os factos 82 e 83 como provados, razão pela qual deverá o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
MM) Relativamente ao alegado impacto que a reportagem teve na vida pessoal e familiar do autor, nomeadamente o facto de “ter ficado chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem” ter sentido “ um grande desgosto e frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privadas devassadas” ou “não ter dado à gravidez toda a atenção que pretendia, o que se repercutiu no seu relacionamento com a mulher” e de ter-se visto “obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo de adoção, pois esta apenas sabia que o autor tinha sido adotado, desconhecendo os detalhes da sua infância com a família biológica”, constantes dos factos 84, 85, 86, 87, 90 e 91, apenas foram ouvidas as declarações do Autor, que é parte manifestamente interessada no desfecho da ação e claramente pouco isenta nas declarações que prestou.
NN) Acresce que, na motivação da decisão de facto sobre cada um dos factos apresentados, não se entende qual é o critério utilizado pelo tribunal a quo na formação da sua convicção, já que a decisão recorrida apresenta uma versão claramente antagónica sobre a credibilidade dos depoimentos.
OO) O que nos conduz à impossibilidade de considerar estes factos como provados e, ao fazê-lo, errou o tribunal a quo, razão pela qual deverá o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
PP) Por outro lado, o Tribunal a quo efetuou uma errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos entre os direitos do autor e os das aqui recorrentes.
QQ) Os Recorrentes, no caso concreto, agiram no âmbito do exercício da liberdade de expressão, prevista no art.º 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, e não decorre dos autos, que tenham sido excedidos os limites que têm vindo a ser definidos para o exercício de tal liberdade. Até muito pelo contrário.
RR) A Liberdade de Imprensa está constitucionalmente consagrada como modalidade especial de liberdade de expressão - art.º 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa - fazendo parte dos Direitos Fundamentais a que é aplicável o regime específico dos artigos 17.º e 18.º da C.R.P., sendo ainda tributária da liberdade de opinião e expressão constante da Declaração Universal dos Direitos do Homem, para a qual remete – art.º 16.º n.º 2-, e constando também do art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos de Homem, em vigor em Portugal.
SS) O douto Tribunal a quo entendeu de forma diversa, mas, fê-lo, adotando uma errada interpretação e fazendo uma errada aplicação dos preceitos constitucionais que está em claro desuso e minoria na doutrina e na jurisprudência, afirmando o primado do direito à privacidade sobre a liberdade de expressão e informação.
TT) Tanto a reserva da intimidade da vida privada, como a liberdade de expressão, são corolários da ideia de estado de direito assente na dignidade da pessoa humana que a constituição da república portuguesa proclama logo no primeiro dos seus preceitos.
UU) Do princípio da dignidade humana decorre a consagração do direito do indivíduo a exprimir livremente o seu pensamento. O direito a ser informado prende-se com o reconhecimento de o Homem tem direito a ser devidamente esclarecido sobre a realidade que o rodeia, sem qualquer espécie de manipulação ou censura.
VV) Entre os direitos consagrados nos art.s 26.º e 37.º da CRP, direito à reserva da vida privada e a liberdade de expressão, não é possível estabelecer qualquer relação de hierarquia, pois, ambos se revestem de idêntica dignidade constitucional, a avaliar quer pela respetiva inserção sistemática, no capítulo da Lei Fundamental dedicado aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, quer pela sua submissão ao regime especial de proteção conferido pelo art.º 18.º da CRP.
WW) A nossa Constituição, no seu art.º 37.º, rejeita por completo a submissão do exercício da liberdade de expressão e de informação a qualquer forma de censura, apenas admitindo limites ao seu exercício, reconhecendo que as infrações cometidas no seu exercício ficam sujeitas aos princípios gerais de direito criminal e do ilícito de mera ordenação social.
XX) Compete ao julgador ponderar os valores e interesses envolvidos, avaliando a eventual medida da restrição, em face da necessidade prática de aplicar os dois direitos em conflito, definindo qual o que deverá ceder no caso concreto de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art.18.º, n.º 2, da CRP.
YY) É o que dispõe o art.º 335.º, do Código Civil, considerado como materialmente constitucional, que concede ao intérprete um critério para a resolução prática do conflito de direitos.
ZZ) No caso em apreço, os Recorrentes, com a emissão das reportagens dos autos pretenderam apenas e só cumprir a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse para o público português em geral.
AAA) Em sede de apreciação da concordância prática entre os direitos do autor e dos requeridos deve ser determinada a prevalência do direito de liberdade de expressão de que beneficiam todos os Recorrentes enquanto jornalistas, pois atuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir um conteúdo jornalístico, tendo-o feito de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo a informação e o esclarecimento da opinião pública num caso de evidente e manifesto interesse publico e jornalístico.
BBB) Para os Recorrentes, do que se trata, é apenas e só de esclarecer a opinião pública, fornecendo toda a informação que para isso possa ser relevante, quer ela seja coincidente com a versão defendida por uns, ou oposta à versão defendida por outros.
CCC) Sendo manifesto que o principal objetivo desta ação judicial não é a proteção e defesa dos interesses e direitos do autor, mas a defesa de interesses e estratégias de terceiros, designadamente da I....
DDD) Impõe-se assim que, em sede de apreciação da concordância prática entre os direitos do requerente e os das recorrentes, se determine a prevalência do direito de liberdade de expressão de todas as requeridas, pois atuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir uma reportagem informativa, e fizeram-no de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo o esclarecimento da opinião pública, pela difusão das duas principais versões dos acontecimentos em conflito.
EEE) Ao decidir como consta da douta decisão, o Mmo. Juiz a quo, violou o disposto nos art.s 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos de Homem e nos art.s 70.º e 335.º do Código Civil.
FFF) Tendo também efetuado uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 483.º, 487.º, 494.º e 496.º do Código Civil.
GGG) Encontrando-se a atuação dos ora Recorrentes enquadrada no exercício de um direito – o direito de informar – cujos limites, como vimos, não foram excedidos, não se pode preencher o pressuposto da ilicitude, conditio sine qua non da responsabilidade civil e consequente dever de indemnizar invocado pelo autor.
HHH) Está também totalmente ausente o requisito da culpa na produção de qualquer prejuízo ao autor na medida em que a culpa deve ser apreciada segundo o critério de um bom pai de família, nos termos do disposto no art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil.
III) Nenhum facto dado como provado sustenta a decisão do douto Tribunal a quo, que entendeu que os Recorrentes agiram com culpa na divulgação das reportagens.
JJJ) No nosso ordenamento jurídico, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
KKK) E só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei, conforme o n.º 2 do mesmo artigo legal.
LLL) Havia interesse público no conhecimento da matéria, pois estava em causa a atuação de várias entidades públicas, sobre quem recaia, entre outros, o dever de agir com imparcialidade e com observância do interesse público.
MMM) É patente a relevância social da matéria publicada e neste contexto, afigura-se como legítimo o exercício do direito à liberdade de expressão e informação, consagrado no art.º 37.º, da Constituição da República Portuguesa.
NNN) Trata-se, pois, de uma clara situação, que pelo circunstancialismo revelado, determina que o direito à liberdade de expressão e informação prevaleça, neste caso, sobre o direito à privacidade e à vida privada.
OOO) Para além da ilicitude, para que surja a obrigação de indemnizar, é ainda necessária a culpa. E essa prova não foi feita.
PPP) Não sendo ilícita nem culposa a conduta dos Recorrentes afastada fica a responsabilidade civil extracontratual de todos, pois sem esses pressupostos inexiste obrigação de indemnizar.
QQQ) Ainda que se verificasse o requisito da ilicitude ainda seria discutível o dever de indemnizar a título de danos não patrimoniais.
RRR) Não cremos que se possa concluir que o autor tenha sofrido danos da natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito, tendo em consideração tudo o que foi aqui referido e a motivação da presente ação, fortemente influenciada e apoiada pela I... para beneficiar os seus interesses.
SSS) Ter-se o autor sentido chocado, consternado, desgostoso ou frustrado, nada nos diz quanto à dimensão da correspondente turbação ou sofrimento psicológico porventura padecidos, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência.
TTT) Não sendo em qualquer caso de presumir, a partir do facto ilícito, quando ocorra, a verificação de danos por aquele ocasionados.
UUU) Caso assim se não entenda, sem conceder, deve o montante da indemnização fixado na Sentença recorrida ser reduzido, atento o disposto no art.º 494° do Código Civil, pois a quantia que o tribunal a quo entendeu considerar justa reparação – €60.000,00 - é manifestamente ilegal, absurda, excessiva e desproporcional, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil que deverá ser, em última instância, objeto de reapreciação.
VVV) Ao decidir como consta da douta decisão, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, os artigos, 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil os artigos 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 335.º do Código Civil, devendo, por isso, ser proferida nova sentença que absolva integralmente os Réus.
Concluíram assim pela revogação da sentença e sua substituição por outra decisão que determine a improcedência da ação.
Por sua vez, a 4.ª R. apresentou as seguintes conclusões:
A. Foram os Réus, incluindo a ora Recorrente T... – Televisão Independente, S.A., solidariamente condenados a pagar ao Autor uma quantia total de €60.000,00.
B. Entende a ora Recorrente que o tribunal a quo procedeu a uma incorreta análise dos factos e da prova produzida e efetuou uma extrapolada e errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos em causa que culminou na condenação dos Réus e no decretamento de uma indemnização num valor bastante elevado.
C. Os factos atinentes ao comportamento dos Réus, mas também os relativos ao comportamento do Autor, e a prova aqui devidamente salientada impõem nova apreciação pelo tribunal ad quem, e a conclusão de que a sentença recorrida se revela desadequada e desproporcional, na medida em que Réus atuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir uma reportagem (ao abrigo dos direitos constitucionais de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, consagrados nos artigos 36.º e 37.º da Constituição da República Portuguesa), e fizeram-no de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo o esclarecimento da opinião pública, pela difusão das duas principais versões dos acontecimentos em conflito.
D. O conteúdo da reportagem não possui qualquer carácter danoso, lesivo ou atentatório dos direitos do Autor, já que o tema central da reportagem nada tem que ver com o Autor, mas antes com a denúncia de uma rede de adoções irregulares.
E. A perfeita compreensão e assimilação de todos os factos impunha que se fundamentassem devidamente e veiculassem transparentemente os concretos processos de adoção e as concretas circunstâncias de vida das pessoas visadas, vítimas e responsáveis – tendo sido, apenas com este propósito, mencionado o Autor e a sua história de vida (como uma das crianças adotadas).
F. As imagens do Autor foram utilizadas e transmitidas na estrita medida do necessário, e apenas dentro do que já tinha sido dado a conhecer ao público, pelo próprio e pela sua família, na Internet e nas redes sociais, não tendo nenhum jornalista captado a imagem do Autor, especificamente para o efeito.
G. A isto acresce que é habitual os jornalistas serem os primeiros a ter conhecimento de situações lesivas de interesses particulares e do próprio interesse público. Ao investigar e divulgar essas violações, os jornalistas muitas vezes agem como denunciantes lato sensu, desempenhando um papel determinante na descoberta e prevenção de violações, bem como na salvaguarda do bem-estar da sociedade, desde que, como os Réus fizeram, prossigam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário, adequado e proporcional ao cumprimento da função pública de informar.
H. Obviamente, a notícia, tal como pode ter sido investigada e depois dada, não pode constituir uma verdade absoluta, tal como não constituiu no presente caso, mas essa busca pela verdade deve ser materializada no dever jornalístico de investigar e divulgar com objetividade seguindo um critério assente numa convicção séria sobre aquela verdade.
I. Atingido esse estádio, imediatamente surgem um interesse público e dever de dar a conhecer ao público todos os factos que, embora potencialmente lesivos da esfera privada dos visados, resultam da investigação séria e objetiva já mencionada.
J. Não reformar a sentença ora recorrida implica, mais do que a violação do direito de informar, um desencorajamento da denúncia, mas também da investigação jornalística isenta, imparcial e objetiva, pelo que assume particular importância encontrar um equilíbrio que implique uma robusta proteção do trabalho jornalístico como também do interesse privado dos visados.
K. Não obstante, os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio e dos blog’s pessoais da família adotiva do seu irmão e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da I..., tanto que é do conhecimento da comunidade da I... e de notório conhecimento público, que F é filho adotivo de C… e R…., neto adotivo do Bispo E., que este é irmão biológico do Autor e que este foi adotado pelo Bispo SS e a sua mulher JDM.
L. O tribunal a quo considerou que o Autor sofreu danos de natureza não patrimonial (cf. factos provados n.º 80 a 91), tendo a sua convicção por base as declarações do Autor e os depoimentos prestados pelas testemunhas JDM, DDM e JB.
M. No momento da fundamentação sobre a atribuição da credibilidade dos depoimentos quanto a cada um dos factos apresentados, não é percetível qual o critério utilizado pelo tribunal a quo na formação da sua convicção, já que a decisão recorrida apresenta uma versão claramente antagónica sobre a credibilidade dos depoimentos.
N. Na ótica do tribunal a quo, o Autor e as testemunhas JDM, DDM e JB são, ao mesmo tempo, tão credíveis quando referem um facto, vertendo a sua versão na matéria dada como provada, e nada credíveis quando referem outro facto, vertendo a sua versão na matéria dada como não provada.
O. Esta circunstância não é, de todo, coerente, e suscita a legítima dúvida sobre a sua possível contaminação perante toda a decisão condenatória.
P. Considera a ora Recorrente que a credibilidade concedida ao depoimento da testemunha DDM e da testemunha JB está ferida de manifesto erro, na medida em que a primeira, irmã do Autor, extrapola manifestamente as consequências que a reportagem terá causado na vida deste, ao referir o uso de drogas por parte do Autor (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12, concretamente no minuto 00:09:18 e seguintes) – facto que é manifestamente e perentoriamente contrariado pelo próprio Autor, que refere que:
 (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 00:48:08 e seguintes).
Q. Já em momento anterior aos esclarecimentos, o Autor tinha afirmado que apenas que começou a beber (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 00:11:39 e seguintes), não tendo feito qualquer alusão ao consumo de drogas.
R. Novamente a testemunha DDM, apesar de irmã do Autor, admite que o contacto entre ambos é “bem esporádico” e é feito pela aplicação whatsapp, tendo confirmado que muito do que sabe lhe foi transmitido pela Mãe de ambos, JDM (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12, concretamente no minuto 00:22:18 e seguintes).
S. Também a testemunha JB admite que o contacto com o Autor foi maioritariamente feito pelo telefone (cf. gravação de 03-12-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:43 e as 11:35, concretamente no minuto 00:12:40 e seguintes).
T. A circunstância de o contacto ser esporádico e remoto faz com que grande parte da informação se perca, sendo completamente diferente assistir ao comportamento de uma pessoa, pessoalmente, ou pelo telefone, a milhares km’s de distância, e com um fuso horário completamente diferente.
U. Assim, a credibilidade atribuída a estas testemunhas está claramente enviesada e extrapolada, contaminando toda a decisão condenatória, em particular, o quantum indemnizatório.
V. Entende a Recorrente que, da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 82, 83, 86, 90 e 91, porquanto a prova produzida sobre tais factos é manifestamente débil, não podendo extrair-se as conclusões que aí se afirmam.
W. Relativamente aos factos n.º 82 e 83, refere o Autor, a propósito das alegadas explicações que teve dar a terceiros sobre a sua vida, que apenas foi contactado por duas pessoas, pelo Facebook, e que, no trabalho, teve de explicar ao seu gestor (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 01:03:37 e seguintes), nada mais conseguindo concretizar sobre o tema.
X. Para além do Autor, apenas a testemunha JDM mencionou que aquele terá recebido mensagens pelo Facebook, mas também esta testemunha não conseguiu concretizar a quantidade nem o seu teor, uma vez que tal conhecimento decorre apenas do que o Autor lhe disse e não da sua real observância dos factos (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:14 e as 11:57, concretamente no minuto 01:38:53 e seguintes).
Y. A testemunha JB, quando questionada sobre as consequências que a reportagem teve na vida do Autor, nada referiu sobre o alegado facto de aquele ter sido reconhecido ou abordado por outras pessoas (cf. gravação de 03-12-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:43 e as 11:35, concretamente no minuto 00:22:18 e seguintes), aliás, disse mesmo que o Autor continuava a ser um cidadão anónimo (cf. minuto 00:11:02 e seguintes).
Z. Do mesmo modo, a testemunha DDM também nada referiu sobre o tema (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12).
AA. A indicação vaga e genérica, por parte do Autor, da existência de duas pessoas que o contactaram pelo Facebook e a mera indicação de que teve de explicar o que estava a acontecer no trabalho, ao seu gestor – uma única pessoa! – sem qualquer concretização do conteúdo das referidas mensagens ou das explicações dadas, não permite atribuir credibilidade ao depoimento prestado, mais a mais quando não existe mais nenhum outro meio probatório válido e concreto que corrobore a versão apresentada pelo Autor.
BB. Relativamente aos factos n.º 90 e 91, concretamente, ao alegado impacto que a reportagem teve na vida familiar do Autor, nomeadamente o facto de “não ter dado à gravidez toda a atenção que pretendia, o que se repercutiu no seu relacionamento com a mulher” e de ter-se visto “obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo de adoção, pois esta apenas sabia que o autor tinha sido adotado, desconhecendo os detalhes da sua infância com a família biológica” apenas foram ouvidas as declarações do Autor, que é parte manifestamente interessada no desfecho da ação.
CC. A esposa do Autor não foi sequer ouvida, não tendo sido possível corroborar a versão do Autor.
DD. Aplicando a orientação jurisprudencial ao caso concreto, também aqui não poderia o tribunal a quo valorar exclusivamente e singularmente as declarações do Autor, não corroboradas por qualquer outro meio probatório válido, na medida em que tais declarações são feitas pela parte interessada, sendo parciais e não isentas, porquanto quem as produz tem um manifesto interesse na ação.
EE. Tal facto conduz-nos à impossibilidade de considerar estes factos como provados e, ao fazê-lo, errou o tribunal a quo, razão pela qual deverá o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
FF. Nesta medida, devem os factos n.º 82, 83, 86, 90 e 91 serem considerados como não provados.
GG. Entende o tribunal a quo que os (alegados) danos que os Réus causaram ao Autor são indemnizáveis em 60.000 euros, no entanto, considera a Recorrente que a indemnização decretada é ilegal porque o tribunal a quo procedeu a uma incorreta análise dos factos e a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil, porquanto:
a. a emissão da reportagem e os conteúdos da mesma não violentaram os direitos do Autor, já que os jornalistas apenas pretendiam cumprir com a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse para o público português em geral;
b. nenhum jornalista captou a imagem do Autor, de propósito para o efeito, tendo a imagem do Autor sido utilizada na estrita medida do necessário;
c. os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio (pelo do Facebook) e dos blog’s pessoais da família adotiva do seu irmão (F) e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da I...;
d. é do conhecimento da comunidade da I... e de notório conhecimento público, que FC é filho adotivo de C… e R…, neto adotivo do Bispo E., que este é irmão biológico do Autor e que este foi adotado pelo Bispo SS e a sua mulher JDM – pelo que não é minimamente credível o facto de a esposa do Autor ou outras pessoas com quem lidava não saberem que o mesmo é adotado;
e. as testemunhas DDM e JB, cujo depoimento foi essencial para a formação da convicção do julgador, não tiveram contacto regular ou direto com o Autor, mas apenas telefónico ou por via do WhatsApp, não tendo, por isso, o seu conhecimento, o alcance atribuído pela decisão recorrida;
f. não foi ouvida a principal conhecedora do impacto causado no Autor: esposa do mesmo, para que corroborasse parte das declarações prestadas.
HH. No entanto, por cautela de patrocínio, sempre se dirá que, caso assim não se entenda, não se pode confundir os sentimentos que o Autor vivenciou com as experiências traumáticas do seu passado e o impacto que essas experiências tiveram na sua vida, com os sentimentos que o Autor afirma agora ter vivenciado ao assistir à reportagem e as consequências que indica ter tido na sua vida atual.
II. Entende a Recorrente que é precisamente esta confusão que o tribunal a quo faz, ao imputar aos Réus as consequências que o Autor relata na sua vida, após a emissão da reportagem e que deram origem aos factos n.º 81, 84, 85, 87, 88, 89.
JJ. A ora Recorrente não pode concordar com posição do tribunal a quo ao condenar os Réus no pagamento de qualquer indemnização, muito menos a concreta indemnização decretada que é excessiva e desproporcional, em virtude de o Autor não ser o visado na reportagem!
KK. Não estamos, com isto, a afirmar que os direitos de personalidade do Autor não são, em geral e abstrato, importantes e graves, estamos simplesmente a afirmar que, no caso concreto, o tribunal a quo confundiu claramente o que pode ou não ser imputado aos Réus, desde logo o que o Autor afirma ter sentido, sem prejuízo do que já afirmámos sobre a prova isolada produzida em declarações de parte.
LL. A quantia que o tribunal a quo entendeu considerar justa reparação é, pois, manifestamente absurda, excessiva e desproporcional, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil que deverá ser, em última instância, objeto de reapreciação.
MM. Ao decidir como consta da douta decisão, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, os artigos, 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil os artigos 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 335.º do Código Civil, devendo, por isso, ser proferida nova sentença que absolva integralmente os Réus,
NN. Incluindo a condenação de absterem-se de difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do Autor, com a obrigação de removerem da reportagem e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do Autor que permitam a sua identificação, porquanto manifestamente desproporcional.
Pede assim que o recurso seja julgado totalmente procedente, devendo os R.R. ser totalmente absolvidos do pedido.
A 5.ª R., apresentou também as seguintes conclusões de recurso, no final das suas alegações:
A. Foram os Réus solidariamente condenados a pagar ao Autor uma quantia total de €60.000,00.
B. Não obstante a ora Recorrente M... S.A. (…) não ter sido condenada no pagamento solidário de tal montante, foi, ainda assim, condenada a abster-se de “difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação”.
C. Entende a ora Recorrente que o tribunal a quo procedeu a uma incorreta análise dos factos e efetuou uma extrapolada e errada ponderação dos interesses em jogo no conflito de direitos em causa que culminou na condenação dos Réus e no decretamento de uma indemnização num valor bastante elevado.
D. Os factos atinentes ao comportamento dos Réus, mas também os relativos ao comportamento do Autor, e a prova aqui devidamente salientada impõem nova apreciação pelo tribunal ad quem, e a conclusão de que a sentença recorrida se revela desadequada e desproporcional, na medida em que Réus atuaram unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir uma reportagem (ao abrigo dos direitos constitucionais de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, consagrados nos artigos 36.º e 37.º da Constituição da República Portuguesa), e fizeram-no de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo o esclarecimento da opinião pública, pela difusão das duas principais versões dos acontecimentos em conflito.
E. O conteúdo da reportagem não possui qualquer carácter danoso, lesivo ou atentatório dos direitos do Autor, já que o tema central da reportagem nada tem que ver com o Autor, mas antes com a denúncia de uma rede de adoções irregulares.
F. A perfeita compreensão e assimilação de todos os factos impunha que se fundamentassem devidamente e veiculassem transparentemente os concretos processos de adoção e as concretas circunstâncias de vida das pessoas visadas, vítimas e responsáveis – tendo sido, apenas com este propósito, mencionado o Autor e a sua história de vida (como uma das crianças adotadas).
G. As imagens do Autor foram utilizadas e transmitidas na estrita medida do necessário, e apenas dentro do que já tinha sido dado a conhecer ao público, pelo próprio e pela sua família, na Internet e nas redes sociais, não tendo nenhum jornalista captado a imagem do Autor, especificamente para o efeito.
H. A isto acresce que é habitual os jornalistas serem os primeiros a ter conhecimento de situações lesivas de interesses particulares e do próprio interesse público. Ao investigar e divulgar essas violações, os jornalistas muitas vezes agem como denunciantes lato sensu, desempenhando um papel determinante na descoberta e prevenção de violações, bem como na salvaguarda do bem-estar da sociedade, desde que, como os Réus fizeram, prossigam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário, adequado e proporcional ao cumprimento da função pública de informar.
I. Obviamente, a notícia, tal como pode ter sido investigada e depois dada, não pode constituir uma verdade absoluta, tal como não constituiu no presente caso, mas essa busca pela verdade deve ser materializada no dever jornalístico de investigar e divulgar com objetividade seguindo um critério assente numa convicção séria sobre aquela verdade.
J. Atingido esse estádio, imediatamente surgem um interesse público e dever de dar a conhecer ao público todos os factos que, embora potencialmente lesivos da esfera privada dos visados, resultam da investigação séria e objetiva já mencionada.
K. Não reformar a sentença ora recorrida implica, mais do que a violação do direito de informar, um desencorajamento da denúncia, mas também da investigação jornalística isenta, imparcial e objetiva, pelo que assume particular importância encontrar um equilíbrio que implique uma robusta proteção do trabalho jornalístico como também do interesse privado dos visados.
L. Não obstante, os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio e dos blog’s pessoais da família adotiva do seu irmão e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da I..., tanto que é do conhecimento da comunidade da I... e de notório conhecimento público, que FC é filho adotivo de C… e R…, neto adotivo do Bispo E., que este é irmão biológico do Autor e que este foi adotado pelo Bispo SS e a sua mulher JDM.
M. O tribunal a quo considerou que o Autor sofreu danos de natureza não patrimonial (cf. factos provados n.º 80 a 91), tendo a sua convicção por base as declarações do Autor e os depoimentos prestados pelas testemunhas JDM, DDM e JB.
N. No momento da fundamentação sobre a atribuição da credibilidade dos depoimentos quanto a cada um dos factos apresentados, não é percetível qual o critério utilizado pelo tribunal a quo na formação da sua convicção, já que a decisão recorrida apresenta uma versão claramente antagónica sobre a credibilidade dos depoimentos.
O. Na ótica do tribunal a quo, o Autor e as testemunhas JDM, DDM e JB são, ao mesmo tempo, tão credíveis quando referem um facto, vertendo a sua versão na matéria dada como provada, e nada credíveis quando referem outro facto, vertendo a sua versão na matéria dada como não provada.
P. Esta circunstância não é, de todo, coerente, e suscita a legítima dúvida sobre a sua possível contaminação perante toda a decisão condenatória.
Q. Considera a ora Recorrente que a credibilidade concedida ao depoimento da testemunha DDM e da testemunha JB está ferida de manifesto erro, na medida em que a primeira, irmã do Autor, extrapola manifestamente as consequências que a reportagem terá causado na vida deste, ao referir o uso de drogas por parte do Autor (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12, concretamente no minuto 00:09:18 e seguintes) – facto que é manifestamente e perentoriamente contrariado pelo próprio Autor, que refere que:
(cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 00:48:08 e seguintes).
R. Já em momento anterior aos esclarecimentos, o Autor tinha afirmado que apenas que começou a beber (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 00:11:39 e seguintes), não tendo feito qualquer alusão ao consumo de drogas.
S. Novamente a testemunha DDM, apesar de irmã do Autor, admite que o contacto entre ambos é “bem esporádico” e é feito pela aplicação whatsapp, tendo confirmado que muito do que sabe lhe foi transmitido pela Mãe de ambos, JDM (cf. gravação de 26-11-2021, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12, concretamente no minuto 00:22:18 e seguintes).
T. Também a testemunha JB admite que o contacto com o Autor foi maioritariamente feito pelo telefone (cf. gravação de 03-12-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:43 e as 11:35, concretamente no minuto 00:12:40 e seguintes).
U. A circunstância de o contacto ser esporádico e remoto faz com que grande parte da informação se perca, sendo completamente diferente assistir ao comportamento de uma pessoa, pessoalmente, ou pelo telefone, a milhares km’s de distância, e com um fuso horário completamente diferente.
V. Assim, a credibilidade atribuída a estas testemunhas está claramente enviesada e extrapolada, contaminando toda a decisão condenatória, em particular, o quantum indemnizatório.
W. Entende a Recorrente que, da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 82, 83, 86, 90 e 91, porquanto a prova produzida sobre tais factos é manifestamente débil, não podendo extrair-se as conclusões que aí se afirmam.
X. Relativamente aos factos n.º 82 e 83, refere o Autor, a propósito das alegadas explicações que teve dar a terceiros sobre a sua vida, que apenas foi contactado por duas pessoas, pelo Facebook, e que, no trabalho, teve de explicar ao seu gestor (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 14:35 e as 15:43, concretamente no minuto 01:03:37 e seguintes), nada mais conseguindo concretizar sobre o tema.
Y. Para além do Autor, apenas a testemunha JDM mencionou que aquele terá recebido mensagens pelo Facebook, mas também esta testemunha não conseguiu concretizar a quantidade nem o seu teor, uma vez que tal conhecimento decorre apenas do que o Autor lhe disse e não da sua real observância dos factos (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:14 e as 11:57, concretamente no minuto 01:38:53 e seguintes).
Z. A testemunha JB, quando questionada sobre as consequências que a reportagem teve na vida do Autor, nada referiu sobre o alegado facto de aquele ter sido reconhecido ou abordado por outras pessoas (cf. gravação de 03-12-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB depoimento prestado entre as 10:43 e as 11:35, concretamente no minuto 00:22:18 e seguintes), aliás, disse mesmo que o Autor continuava a ser um cidadão anónimo (cf. minuto 00:11:02 e seguintes).
AA. Do mesmo modo, a testemunha DDM também nada referiu sobre o tema (cf. gravação de 26-11-2021, disponibilizada na plataforma CITIUS.WEB, depoimento prestado entre as 15:44 e as 16:12).
BB. A indicação vaga e genérica, por parte do Autor, da existência de duas pessoas que o contactaram pelo Facebook e a mera indicação de que teve de explicar o que estava a acontecer no trabalho, ao seu gestor – uma única pessoa! – sem qualquer concretização do conteúdo das referidas mensagens ou das explicações dadas, não permite atribuir credibilidade ao depoimento prestado, mais a mais quando não existe mais nenhum outro meio probatório válido e concreto que corrobore a versão apresentada pelo Autor.
CC. Relativamente aos factos n.º 90 e 91, concretamente, ao alegado impacto que a reportagem teve na vida familiar do Autor, nomeadamente o facto de “não ter dado à gravidez toda a atenção que pretendia, o que se repercutiu no seu relacionamento com a mulher” e de ter-se visto “obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo de adoção, pois esta apenas sabia que o autor tinha sido adotado, desconhecendo os detalhes da sua infância com a família biológica” apenas foram ouvidas as declarações do Autor, que é parte manifestamente interessada no desfecho da ação.
DD. A esposa do Autor não foi sequer ouvida, não tendo sido possível corroborar a versão do Autor.
EE. Aplicando a orientação jurisprudencial ao caso concreto, também aqui não poderia o tribunal a quo valorar exclusivamente e singularmente as declarações do Autor, não corroboradas por qualquer outro meio probatório válido, na medida em que tais declarações são feitas pela parte interessada, sendo parciais e não isentas, porquanto quem as produz tem um manifesto interesse na ação.
FF. Tal facto conduz-nos à impossibilidade de considerar estes factos como provados e, ao fazê-lo, errou o tribunal a quo, razão pela qual deverá o tribunal ad quem proferir decisão final no sentido de que os mesmos factos terão de ser considerados não provados.
GG. Nesta medida, devem os factos n.º 82, 83, 86, 90 e 91 serem considerados como não provados.
HH. Entende o tribunal a quo que os (alegados) danos que os Réus causaram ao Autor são indemnizáveis em 60.000 euros, no entanto, considera a Recorrente que a indemnização decretada é ilegal porque o tribunal a quo procedeu a uma incorreta análise dos factos e a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil a prova em que está assente a decisão recorrida é manifestamente débil, porquanto:
a. a emissão da reportagem e os conteúdos da mesma não violentaram os direitos do Autor, já que os jornalistas apenas pretendiam cumprir com a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse para o público português em geral;
b. nenhum jornalista captou a imagem do Autor, de propósito para o efeito, tendo a imagem do Autor sido utilizada na estrita medida do necessário;
c. os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio (pelo do Facebook) e dos blog’s pessoais da família adotiva do seu irmão (F) e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins da I...;
d. é do conhecimento da comunidade da I... e de notório conhecimento público, que FC é filho adotivo de C… e R…, neto adotivo do Bispo E., que este é irmão biológico do Autor e que este foi adotado pelo Bispo SS e a sua mulher JDM – pelo que não é minimamente credível o facto de a esposa do Autor ou outras pessoas com quem lidava não saberem que o mesmo é adotado;
e. as testemunhas DDM e JB, cujo depoimento foi essencial para a formação da convicção do julgador, não tiveram contacto regular ou direto com o Autor, mas apenas telefónico ou por via do WhatsApp, não tendo, por isso, o seu conhecimento, o alcance atribuído pela decisão recorrida;
f. não foi ouvida a principal conhecedora do impacto causado no Autor: esposa do mesmo, para que corroborasse parte das declarações prestadas.
II. No entanto, por cautela de patrocínio, sempre se dirá que, caso assim não se entenda, não se pode confundir os sentimentos que o Autor vivenciou com as experiências traumáticas do seu passado e o impacto que essas experiências tiveram na sua vida, com os sentimentos que o Autor afirma agora ter vivenciado ao assistir à reportagem e as consequências que indica ter tido na sua vida atual.
JJ. Entende a Recorrente que é precisamente esta confusão que o tribunal a quo faz, ao imputar aos Réus as consequências que o Autor relata na sua vida, após a emissão da reportagem e que deram origem aos factos n.º 81, 84, 85, 87, 88, 89.
KK. A ora Recorrente não pode concordar com posição do tribunal a quo ao condenar os Réus no pagamento de qualquer indemnização, muito menos a concreta indemnização decretada que é excessiva e desproporcional, em virtude de o Autor não ser o visado na reportagem!
LL. Não estamos, com isto, a afirmar que os direitos de personalidade do Autor não são, em geral e abstrato, importantes e graves, estamos simplesmente a afirmar que, no caso concreto, o tribunal a quo confundiu claramente o que pode ou não ser imputado aos Réus, desde logo o que o Autor afirma ter sentido, sem prejuízo do que já afirmámos sobre a prova isolada produzida em declarações de parte.
MM. A quantia que o tribunal a quo entendeu considerar justa reparação é, pois, manifestamente absurda, excessiva e desproporcional, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil que deverá ser, em última instância, objeto de reapreciação.
NN. Ao decidir como consta da douta decisão, o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, os artigos, 483.º, 487.º e 496.º do Código Civil os artigos 17.º, 18.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 335.º do Código Civil, devendo, por isso, ser proferida nova sentença que absolva integralmente os Réus,
OO. Incluindo a condenação de absterem-se de difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do Autor, com a obrigação de removerem da reportagem e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do Autor que permitam a sua identificação, porquanto manifestamente desproporcional.
Pede assim também que o seu recurso seja julgado totalmente procedente, por provado, devendo os R.R. ser totalmente absolvidos.
Apenas o A. exerceu o direito de responder aos recursos apresentados, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
1. No caso sub judice, cumpria ao Tribunal a quo decidir: i) se estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil por violação do direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada do autor; (ii) se existia alguma causa de justificação ou limitação voluntária do autor aos seus direitos de personalidade; (iii) qual o quantum indemnizatório a fixar, nomeadamente, por danos não patrimoniais; (iv) qual a medida da responsabilidade de cada um dos réus; (v) se devia haver alguma condenação relativamente à abstenção de comportamentos ou aplicação de outras sanções.
2. A sentença recorrida não merece qualquer censura nos pontos supra contestados (à exceção do quantum indemnizatório que se considera insuficiente e o qual já foi objeto de recurso autónomo pelo Autor) sendo, aliás, uma dupla vitória para a Justiça.
3. A referida reportagem divulgou a história de vida do Autor, designadamente o seu processo de adoção e os problemas que o mesmo tinha enquanto vivia com a sua família biológica, associando-o a outras crianças em relação às quais é apelidado o processo de adoção de ilegal, sem que este tenha dado autorização para tal, nem alguma vez tenha querido ver a sua vida nem o facto de ser adotado exposto publicamente, muito menos através de um órgão de comunicação social e em prime time.
4. Concomitantemente, ficou também provado que o conteúdo da reportagem relatou factos que sugeriam ter o Autor sido retirado da sua mãe biológica e levado para o estrangeiro através de uma adoção ilegal, bem como outros acerca da situação social e familiar desfavorecida e do comportamento ilícito do casal que o veio a adotar – os ora seus pais – sendo expressamente mencionado o nome verdadeiro do Autor e exibida a sua imagem, em criança e em adulto, sem qualquer tipo de distorção.
5. Os RR. expõem detalhes do processo de adoção do Autor (o qual, per se, é um processo de natureza secreta), divulgando a imagem em criança e em adulto do Autor, o seu nome verdadeiro, o nome pelo qual é conhecido, o meio em que se encontra e a profissão que exerce, tudo isto sem o consentimento do Autor, evidentemente.
6. Ficando, assim, o Autor, ora Recorrido, inevitavelmente associado, contra a sua vontade, a uma história profundamente negativa e traumática, história essa que – tal como contada pelos RR. não é sequer verdadeira – faz parte da esfera mais privada da intimidade do Autor.
7. Pelo que é indubitável que os RR. tiveram uma atuação absolutamente reprovável, reveladora de um total desrespeito pelas regras deontológicas que regem o jornalismo e, bem-assim pelos direitos de personalidade do Autor, que conscientemente escolheram vilipendiar.
8. No contexto da reportagem sub judice, os RR. entenderam proteger a identidade das “mães biológicas” e de outros intervenientes da reportagem, não revelando as suas identidades, mas, pelo contrário, decidiram não só expor como colocar um holofote sobre determinadas pessoas, entre as quais o Autor.
9. Bem sabendo que a sua reportagem poderia perfeitamente ter sido emitida sem revelar a imagem e nome do Autor e, bem-assim, sem informação abrangida por segredo (dada a natureza secreta de qualquer processo de promoção e proteção com vista à adoção e de adoção).
10. Aliás, nunca antes se tinha visto uma atuação similar de um órgão de comunicação social – com a extensão e gravidade que o caso que dá origem aos presentes autos atingiu – nem em Portugal, nem em qualquer outra parte do mundo.
11. Razão pela qual a sentença recorrida assume um papel preponderante na punição dos órgãos de comunicação social nacionais, procurando ter um efeito dissuasor fundamental, de modo a evitar que os órgãos de comunicação social possam violar impunemente os direitos de personalidade de qualquer cidadão comum.
12. Os RR. vêm apregoar que são vítimas bullying jurídico e económico, incluindo a presente ação no que denominam de “estratégia institucional da I... de constrangimento e condicionamento dos Recorrentes jornalistas, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos que lhe possam dizer respeito ou aos seus líderes”, mais afirmando que o presente processo judicial é “uma ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against public participation)”.
13. Porém, convenientemente, os RR. ignoram que foram os próprios que violaram cabalmente os seus deveres deontológicos, não só não assegurando o contraditório nem procurando esclarecer junto do aqui Autor a história que pretendiam relatar, como inclusive – em atuação nunca antes vista em Portugal – escancararam a história de vida do Autor, em prime time na televisão nacional e nos sítios da internet, relevando dados confidenciais de processos judiciais de natureza secreta, divulgando ad nauseam a imagem e nome do Autor, em adulto e em criança, como resulta amplamente provado da factualidade assente na sentença recorrida.
14. Pretendem os RR. ignorar que o Autor é uma pessoa singular, natural e juridicamente distinta da I... ou qualquer outra, o qual é titular de direitos de personalidade legalmente tutelados que foram absolutamente vilipendiados pelos RR.
15. O Autor limitou-se a recorrer aos meios judiciais que tinha ao seu alcance para tentar conter os danos causados pela atuação dos RR., tendo apenas instaurado contra eles um procedimento cautelar com o intuito de impedir a divulgação massiva da sua imagem e da sua história de vida e, por conseguinte, a ação judicial que dá origem aos presentes autos e que tem apenso o mencionado procedimento cautelar, onde também obteve ganho de causa.
16. Não se vislumbrando, assim, qualquer excesso de atuação judicial do Autor, nem tal se enquadrando em qualquer estratégia que não seja a de o Autor tentar proteger os seus direitos de personalidade e a esfera da sua vida privada.
17. Importa clarificar que as chamadas ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP) dizem respeito a ações manifestamente infundadas (o que, como é sobejamente evidente, não sucede in casu) destinadas a silenciar as pessoas que se pronunciam sobre questões de interesse público (o que também não sucede porquanto o Autor apenas pretendia que a sua imagem, nome e os detalhes privados e secretos da sua adoção fossem divulgados, o que não consubstancia, per se, um tema de interesse público).
18. Ao contrário do que pretendem os RR. fazer crer, a única vítima aqui é o Autor que viu a esfera mais privada da sua vida manipulada e divulgada, nacional e internacionalmente, através da televisão e da internet, tudo para monetização e ganho próprio dos RR.
19. Entendem os Recorrentes que face à matéria de prova junta aos presentes autos se impõe uma decisão diferente sobre vários pontos da matéria de facto dada como provada, entre os quais os factos identificados sobre os n.ºs 16, 32, 33, 41, 57, 77, 78, 80 a 91.
20. O que não se concede, porquanto não tem qualquer fundamento e se afigura contrário à prova produzida nos presentes autos.
21. No que concerne o facto 16 da sentença recorrida, onde se lê: “Na reportagem são divulgadas a identidade dos menores adotados, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adotantes e as circunstâncias de vida das crianças adotadas”, entendem os RR. SF, AB e JF que tal “não corresponde à prova constante dos autos, nem muito menos resulta de qualquer confissão dos Recorrentes na sua contestação”.
22. Porém, como bem entendeu o Tribunal a quo, tal facto foi aferível, desde logo, pela visualização da reportagem, onde surgem imagens em criança e em adulto de diversos jovens adotados, entre os quais o Autor e o seu irmão F, para além de L… e os seus irmãos, V… e F…, tendo ficado também sobejamente demonstrado através da prova documental junta com a petição inicial como documentos 19 a 59.
23. O referido facto 16 é também corroborado pela prova testemunhal produzida nos autos, de que é exemplo o depoimento da testemunha DDM, prestado no dia 26.11.2021 (cf. gravação de 26.11.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 15:44:45 e as 16:12:11, concretamente entre os minutos 00:13:07 e 00:13:30).
24. Pelo que não pode proceder a alegação dos RR., porquanto o facto 16 dado como provado encontra fundamento suficiente na abundante prova produzida nos presentes autos, pelo que deverá manter-se inalterado.
25. Relativamente aos factos 32 e 33 da sentença recorrida, entendem os RR. SF, AB e JF que o mesmo “contém matéria claramente conclusiva, opinativa e valorativa que, para além do mais, não resulta nem da prova documental junta aos autos, de nenhum depoimento testemunhal, nem de confissão”.
26. Evidentemente tal resulta de uma valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida em sede de julgamento – como, aliás, lhe compete – estando o referido facto sustentado por diversos meios de prova, designadamente pela visualização da reportagem que dá origem aos presentes autos se pode constatar que os RR. optaram por não divulgar a imagem ou identidade das alegadas mães biológicas das crianças adotadas, tendo, ainda assim, emitido a reportagem e pela prova testemunhal produzida, entre a qual se destaca o depoimento a testemunha JB, cujo depoimento foi prestado no dia 03.12.2021 (cf. gravação de 03.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:43:49 e as 11:35:54, concretamente entre os minutos 00:01:27 e 00:01:52).
27. Pelo que, também não merece o Tribunal a quo qualquer reparo na fixação dos factos 32 e 33 na matéria de facto dada como provada, porquanto os mesmos se encontram amplamente fundados na prova documental e testemunhal produzidas nos autos e, bem-assim, nas regras de experiência comum que legitimamente permitiram ao Tribunal a quo extrair a factualidade aí vertida e que, decorrem, em primeira linha, da visualização da reportagem objeto dos presentes autos.
28. No que concerne ao facto 41 da sentença recorrida – A respeito do episódio 11, no contexto do autor se ter encontrado no mesmo espaço físico que a sua mãe biológica, a imagem do autor foi incluída na reportagem, apelidando tal de reencontro – em relação ao qual os RR. SF, AB e JF alegam que foi respeitado o desejo do Autor de que a sua imagem não fosse divulgada, ainda que se possam estar a referir a um momento recente específico, a verdade é que a imagem do Autor, em fotografias anteriores, continua a aparecer no decurso do episódio 11, como resulta da visualização dos episódios da reportagem sub judice.
29. Relativamente ao facto 57 da sentença recorrida – No período em que o autor esteve no Lar criou-se uma ligação afetiva com JDM, tendo a criança evoluído positivamente – que os RR. SF, AB e JF entendem não estar sustentado, a verdade é que o mesmo não merece qualquer censura, porquanto se encontra devidamente fundado em diversa prova testemunhal produzida nos autos, designadamente no depoimento da testemunha JDM, prestado no dia 26.11.2021 (cf. gravação de 26.11.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:14:17 e as 11:57:03, concretamente entre os minutos 00:15:16 e 00:18:10), igualmente corroborado pelo Autor nas suas declarações de parte prestadas no dia 26.11.2021 (cf. gravação de 26.11.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 14:35:47 e as 15:03:48, concretamente entre os minutos 00:09:58 e 00:10:40).
30. Entendem também os RR. SF, AB e JF que factos 77, 78 e 79 da sentença recorrida “são claramente conclusivos” e “não têm qualquer suporte na prova documental ou testemunhal junta aos autos”.
31. O facto 77 da sentença recorrida encontra-se indubitavelmente fundado no documento que consubstancia a queixa apresentada pela R. AB à Procuradoria-Geral da República meses antes da emissão da reportagem, que se encontra junto aos autos no requerimento probatório do Autor sob a referência citius 32700238, no qual a R. jornalista identificava não só o Autor como os seus pais adotivos.
32. Os factos 78 e 79 resultam, evidentemente, de uma valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida em sede de julgamento – como, aliás, lhe compete – estando o referido facto sustentado por diversos meios de prova, entre os quais a prova testemunhal produzida, designadamente pelos depoimentos de JDM e JB.
33. Desde logo, pela mera visualização da reportagem que dá origem aos presentes autos se pode constatar que os RR. optaram por não divulgar a imagem ou identidade das alegadas mães biológicas das crianças adotadas, tendo, ainda assim, emitido a reportagem.
34. Donde facilmente se conclui que também a identidade e imagem destas crianças, hoje adultos, poderia ter sido preservada, bastando que lhes fosse também atribuído um nome fictício e pixelizado a sua imagem, por exemplo. O que, não afetaria em nada a história, de dito interesse público, sobre uma alegada rede de adoções ilegal que os RR. pretendiam contar.
35. No que concerne os factos 80 a 91, entendem todos os RR. que os mesmos não podem resultar provados porquanto, grosso modo, as testemunhas que baseiam a convicção do Tribunal a quo “não tinham contacto e proximidade suficiente com o Autor e conhecimento das circunstâncias em que o mesmo vivia ou sentia, para que se possam dar como provados os factos destacados.”
36. O que se afigura absolutamente falso e diretamente contraditório com os depoimentos das testemunhas ouvidas nos presentes autos, com as quais o Autor tinha, à data dos factos, contacto regular e próximo, como resulta dos depoimentos da testemunha JDM, no seu depoimento prestado no dia 26.11.2021 (cf. gravação de 26.11.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:14:17 e as 11:57:03, concretamente entre os minutos 00:18:11 e 00:40:30) e da testemunha JB, cujo depoimento foi prestado no dia 03.12.2021 (cf. gravação de 03.12.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 10:43:49 e as 11:35:54, concretamente entre os minutos 00:10:18 e 00:21:00) e ainda das declarações de parte do Autor prestadas no dia 26.11.2021 (cf. gravação de 26.11.2021, disponibilizada na plataforma citius.web, depoimento prestado entre as 14:35:47 e as 15:03:48, concretamente entre os minutos 00:02:04 e 00:42:42).
37. No que concerne ao depoimento da irmã adotiva do Autor, DDM, os RR. pretendem criar dúvida e confusão onde nada se afigura dúbio, porquanto o que a testemunha DDM refere – que em nada contraria o que o Autor declara – é que ela temeu pela forma como o seu irmão, aqui Autor poderia reagir à reportagem, uma vez que o mesmo tinha histórico de um comportamento muito instável que incluía o uso de drogas.
38. Nunca a testemunha referiu que, na sequência da reportagem transmitida pelos RR., o Autor havia consumido drogas, mas antes que ela temeu pela sua reação, porquanto o Autor tinha um historial instável que, nalgum momento da sua vida, tinha incluído o consumo de drogas.
39. Como tal, facilmente se constata que não existe qualquer contradição entre o seu depoimento e as declarações de parte do Autor, ao contrário do que os RR. pretendem fazer crer a este douto Tribunal.
40. Os depoimentos das testemunhas demonstraram-se bastante consistentes e – ainda que usando as suas próprias palavras – todos atestaram que a reportagem transmitida pelos RR. havia passado uma história bastante negativa sobre a vida privada do Autor, ao mesmo tempo que divulgava ad nauseam a sua imagem e identidade sem autorização para tal, tendo abalado profundamente o Autor, fazendo-o reviver momentos traumáticos e sujeitando-o aos escrutínio e abordagem de terceiros que o questionaram.
41. Mais, vêm ainda os RR. alegar que o Autor não conseguiu concretizar as consequências e os danos que a reportagem lhe havia causado quando, facilmente se depreende pela audição das declarações de parte do Autor acima supra transcritas, que o seu depoimento foi absolutamente genuíno e comovido, revelador do grande sofrimento e trauma que lhe causou reviver os factos vertidos pelos RR. na reportagem sub judice e tudo o que daí adveio.
42. Pelo que, o facto de, no entender dos RR., o Autor “não concretizar”, com o detalhe que os RR. entendiam, o impacto que a reportagem teve na sua vida, não significa que a mesma não o tenha impactado e abalado, não só nos termos em que o próprio referiu, mas também que as testemunhas unanimemente corroboraram e ainda que resultam claramente das mais elementares regras de experiência comum, porquanto qualquer pessoa, perante uma reportagem daquele teor, se veria profundamente abalada.
43. Também no que concerne à isenção e imparcialidade dos testemunhos, importa salientar que o Tribunal a quo fez, como lhe competia, a sua apreciação ao abrigo dos princípios da livre apreciação da prova, imediação e oralidade, tendo exposto de forma clarividente, a sua convicção, conjugando e sopesando assertivamente toda a prova produzida, analisando-a criticamente, de acordo com as regras da experiência e da verosimilhança dos factos, em conjugação com a prova documental que enunciou.
44. Quanto à alegação de que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, que não se verificou nem a violação dos direitos do Autor e que não lhe foram causados danos de natureza não patrimonial, tal não pode proceder porquanto não apresenta qualquer sustentação legal ou fatual in casu.
45. Em primeiro lugar, cumpre ressalvar que da factualidade dada como provada na sentença recorrida, resulta indubitavelmente, entre outros, a gravidade do conteúdo de natureza privada e legalmente secreta (por se tratar de uma adoção) publicamente divulgado pelos RR., num total desrespeito pelos direitos de imagem e reserva da vida privada do Autor, assim como a exposição e o alcance da reportagem em apreço e, por conseguinte, os sérios danos que a atuação dos RR. causou ao Autor, amplamente demonstrados, para além dos depoimentos das testemunhas, pelo conteúdo dos comentários deixados na página de Facebook do Autor e que espelham bem a animosidade e inclemência própria da utilização das redes sociais.
46. De igual modo, resultou sobejamente demonstrada a dimensão, presença mediática e o poder económico dos Réus, assim como os proveitos financeiros que os Réus lograram gerar com a transmissão dos vários episódios da reportagem que deu origem aos presentes autos, onde expuseram indiscriminadamente a vida privada e a imagem do Autor, tal como consta dos factos dados como provados, sustentados na confissão dos Réus e no relatório de contas do grupo M....
47. Face a tal factualidade, entendeu o Tribunal a quo – e bem – não subsistirem dúvidas do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art.º 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art.º 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art.º 80.º do CC.
48. Bem esteve o Tribunal a quo ao concluir que se encontravam verificados os requisitos da ilicitude por força da violação dos mencionados direitos subjetivos, e também da culpa, nos termos e para os efeitos do art.º 487.º do CC, porquanto as Rés, jornalistas e autoras responsáveis pela reportagem, sabiam que a reportagem incluía a referência ao nome verdadeiro e continha imagens do Autor, e mesmo assim decidiram exibi-la nos termos em que o fizeram, em contraste com o tratamento dado a outros intervenientes na reportagem, designadamente, a mãe biológica do Autor que surgiu com um nome fictício e sem que a sua imagem fosse exibida.
49. Os RR. não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção, de acordo com o art.º 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.
50. Concluiu igualmente o Tribunal a quo que os ditames e standards jornalísticos não foram cumpridos pelos RR., porquanto a sua conduta consubstancia uma infração dos deveres a que se refere o Estatuto dos Jornalistas, com referência ao art.º 14.º a respeito do dever do jornalista exercer a sua atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhe, designadamente, nos termos do n.º 1, als. a) e e), evitar o carácter sensacionalista da reportagem e quanto à obrigatoriedade de audição dos visados com interesses atendíveis (que, no caso, não se verificou) e, em especial os deveres de respeito da privacidade e da salvaguarda das imagens que se encontravam sujeitos, nos termos do n.º 2, als. d), f) e h) do referido Estatuto, reforçado pelas orientações de soft law que decorrem do Novo Código Deontológico dos Jornalistas.
51. Não se verificam, em termos fácticos ou jurídicos, quaisquer circunstâncias que, nos termos do art.º 335.º do CC, justificassem a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, na medida em que nunca se poderia considerar que a matéria em causa na reportagem, visando factos da intimidade do Autor relativos à sua infância e ao seu processo de adoção, com inclusão de fotografias, em criança e em adulto, que permitem a sua identificação e associação aos factos gravosos relatados pela reportagem, se encontraria fora da salvaguarda da tutela dos mencionados direitos de personalidade.
52. Aliás, logrou provar-se que a reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe biológica do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.
53. Os RR. não atuaram pois, com a contenção exigível para o correto exercício do direito de liberdade de imprensa.
54. Como tal, o Tribunal a quo entendeu que a utilização da imagem e dos factos relativos à vida privada do Autor não era, de todo, necessária à compreensão do conteúdo da reportagem, nem proporcional ao fim relevante que a esta presidiu que foi a denúncia de uma alegada rede de adoções ilegal e com ligações à I..., pois que, sendo este o enfoque e objeto principal da reportagem, não era necessária a exploração, inclusive da forma como foi exibida, da intimidade e da imagem do Autor que, no fundo, não seria mais do que uma das alegadas vítimas do relato feito na reportagem.
55. Concomitantemente, concluiu – e bem – o Tribunal a quo que o facto da imagem do Autor se encontrar disponível nas redes sociais, não permite que esta seja usada para os fins que lhe foram dados e que, no limite, atenta a circunstância dos Réus pessoas singulares atuarem profissionalmente e das Rés pessoas coletivas serem sociedades, visaram a obtenção do lucro e por isso, se destinarem a exploração comercial.
56. No mais, também decidiu o Tribunal a quo que o argumento das imagens estarem disponíveis na internet, nomeadamente, em redes sociais como o Facebook em que o próprio divulga a sua imagem pessoal presente e passada sem limitar a sua visualização a terceiros que peçam para aí aceder, não permite concluir que tal constitui uma qualquer forma autorização ou de limitação voluntária dos direitos de personalidade do Autor nos termos do art.º 81.º do CC ou que tal dispensa o consentimento do Autor, nos termos do art.º 79.º, n.º 2, do CC.
57. Ora, a convicção do Tribunal a quo encontra-se devidamente fundada e a aplicação e interpretação que faz da lei é sustentada pelos entendimentos jurisprudenciais e doutrinárias, designadamente socorrendo-se do critério analítico auxiliar fornecido pela “teoria das esferas”, sendo a qual é forçoso concluir que a matéria em causa na reportagem, e concretamente aquela que é retratada a respeito do processo de adoção do Autor e respetivos condicionalismos, prévios e ulteriores, se encontra no âmago da intimidade da sua personalidade.
58. Por tudo quanto antecede, em termos de colisão de direitos, nos termos do artigo 335.º do CC, nunca se poderia mostrar justificada a compressão dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do Autor, face à liberdade de expressão e de imprensa, podendo, através da anonimização das referências ao nome do Autor e à ocultação da sua imagem, e mesmo subtraindo certos factos da vida íntima do Autor, ser exibida e transmitida a reportagem, assim se alcançando uma equilibrada e efetiva concordância prática dos direitos em conflito.
59. Face ao supra exposto, dúvidas não podem restar que os direitos do Autor à imagem e reserva da intimidade da vida privada foram violados, que tal lhe causou danos de natureza não patrimonial como dado como provado pelo Tribunal a quo e amplamente sustentado na prova produzida, tampouco se verificando qualquer erro na interpretação e aplicação da Lei.
60. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
61. A indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.
62. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.
63. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro”.
64. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias da adoção, de carácter secreto, (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.
65. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés T... e M... (cfr. factos 93 a 108 da sentença recorrida).
66. Importa salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímico-psicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de violência e maus tratos vividos durante a infância com a sua família biológica e, bem-assim, forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos.
67. O Autor sentiu-se consternado, irritado, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas perante largos milhares de pessoas.
68. O Autor sentiu-se exposto pela sua vida privada ter sido divulgada, em termos que não associa inteiramente às memórias que guarda, perante milhares de pessoas (vide facto 84 da sentença recorrida).
69. O Autor ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada (vide facto 85 da sentença recorrida).
70. O Autor sentiu um grande desgosto, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas (vide factos 85 e 86 da sentença recorrida), tendo sentido também uma tristeza profunda e um enorme sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais adotivos e à ideia transmitida de que o teriam roubado, quando os via como alguém que o acolhera, lhe dera um lar, amor e carinho (vide facto 87 da sentença recorrida).     
71. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente “o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).
72. Sem prejuízo, logicamente, da obrigação de pôr termo ao facto gerador do dano, evitando que este se perpetue no tempo comprometendo o efeito útil da indemnização em causa.
73. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
74. A T... e a T... foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
75. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
76. No conjunto desta série de reportagens e das respetivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
77. Em 2017, a semana em que a T... registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
78. A audiência do horário nobre mais do que duplicou, e o canal subiu da 11ª posição para a 1ª posição.
79. A T... ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.
80. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €438 mil euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da T... imediatamente após a exibição das 12 reportagens.
81. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da M..., os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.
82. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.
83. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da T... como no YouTube da T....
84. Conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da T....
85. Ao que acresce o facto de a T... ser o primeiro canal de TV generalista com um milhão de seguidores no Facebook e a marca de televisão mais seguida na rede social Instagram.
86. A factualidade dada como provada na sentença recorrida não se coaduna com o diminuto montante indemnizatório fixado, o qual não representa, de modo algum, um montante compensatório adequado, proporcionado e justo a reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu e atendendo aos proveitos e notoriedade ganhos pelos Réus.
87. Pelo que, não só a indemnização fixada não se afigura “excessiva e desproporcional”, como é, pelo contrário, insuficiente para reparar os danos sofridos pelo Autor, no contexto da factualidade provada in casu.
88. Mais, não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos RR., porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita, suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de €60.000,00 (sessenta mil euros), por outro.
89. Pior, a condenação dos Réus neste quantum indemnizatório pelo Tribunal a quo, não só não assume um cariz punitivo ou dissuasor, como, ao invés, incentiva a perpetuação da conduta ilícita dos Réus, neste e em outros casos semelhantes, não cumprindo, assim, o Tribunal a quo, a função que deve assumir no seio de um Estado de Direito Democrático.
90. Termos em que, também não deve proceder a alegação dos RR. quanto à fixação do montante indemnizatório, devendo, inclusive, ser o mesmo fixado em valor superior nos termos peticionados no recurso autónomo intentado em momento anterior pelo Autor, aqui Recorrido.
91. Por último, atendendo às repercussões que a reportagem sub judice teve na vida do Autor, é por demais proporcional a condenação na inibição de divulgação de factos atinentes à vida privada do Autor, assim como à constituição da obrigação de remoção das referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação no âmbito da reportagem.
Pede assim que seja negado provimento aos recursos de apelação interpostos pelos R.R.-Recorrentes, mantendo-se a sentença recorrida, sem prejuízo da apreciação do recurso por si interposto, referente ao quantum indemnizatório.
O Tribunal a quo ao admitir os recursos, debruçando-se especificadamente sobre a alegada nulidade da sentença recorrida, tal como invocadas pelos 1.º a 3.º R.R., ao abrigo do Art.º 617.º do C.P.C. deixou consignado que, a seu ver, não vislumbrava a apontada nulidade por omissão de pronúncia, por resultar da fundamentação da sentença ter a questão do abuso do direito sido aí expressamente apreciada, nomeadamente nas páginas 69 e 70 da sentença.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art.º 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
b) A impugnação da matéria de facto;
c) A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil dos R.R.;
d) O abuso de direito de ação;
e) O quantum indemnizatório; e
f) A proporcionalidade da obrigação de abstenção de divulgar imagens e factos da vida privada do A..

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A 1.ª R., AB, e a 2.ª R., JF, são jornalistas e desenvolveram a sua atividade profissional nos canais de televisão T... e T....
2. A 1.ª e a 2.ª R.R. são as jornalistas autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida na T... e T…, denominada “O Segredo dos Deuses”.
3. O 3.º R., SF, foi o diretor das áreas de informação da T... e da T..., sendo, na altura dos factos, o responsável pela informação dos referidos canais.
4. Enquanto diretor, o 3.º R. é responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões transmitidas nos canais de televisão T... e T....
5. O 3.º R. aprovou a elaboração e execução de uma grande reportagem sobre o tema “O Segredo dos Deuses”.
6. Na semana que antecedeu a transmissão da reportagem objeto dos autos, a T... e a T... anunciavam num vídeo promocional, que iriam transmitir uma reportagem, apresentada como “O novo escândalo que vai abalar Portugal”.
7. Contendo, ainda, referências a tratar-se do segredo mais bem guardado da I (I...) e a crianças levadas de Portugal numa rede internacional de adoções ilegais sendo, inclusive, colocada nessa divulgação a expressão “Mães Roubadas”.
8. O 3.º R., enquanto diretor, e a direção da T... e T... tiveram conhecimento prévio da sua existência e conteúdo da reportagem, tendo o 3.º R. acompanhado o processo de investigação liderado pelas jornalistas, sabendo que na mesma se tratariam temas que implicavam o relato de situações relativas à vida e processo de adoção de crianças, incluindo do A., P.
9. A 4.ª R. T..., S.A. é um operador televisivo com autorização para o exercício da atividade de televisão através dos serviços de programas T... e T....
10. A 5.ª R., M... , S.A., é proprietária dos sites da T... e da T... e do portal … onde estão alojadas as notícias e vídeos referentes à reportagem denominada “O Segredo dos Deuses”, sendo a sua entidade gestora e responsável pela conservação de dados dos utilizadores do site.
11. Consta das condições gerais relativas à prestação de serviços pela 5.ª R. relativamente a serviços a utilizadores autenticados na rede por si explorada que a reprodução, alteração, cópia, uso, distribuição, comercialização, comunicação pública ou privada, aproveitamento, descarregamento ou qualquer outra forma de utilização e exploração dos materiais e conteúdos dos sites e dos serviços, não é permitida sem a sua autorização prévia, por escrito, nos termos do ponto 6 do doc. n.º 8 junto com a p.i..
12. Consta, ainda, das referidas condições gerais que é direito exclusivo da 5.ª R. gerir o design, layout e disposição de toda a informação, conteúdos e materiais dos sites e/ou dos serviços, assim como eliminar, modificar ou acrescentar quaisquer conteúdos, serviços, opções ou funcionalidades ou ainda modificar os respetivos URL’s, bem como que a R. removerá, sem necessidade de aviso prévio, todo e qualquer conteúdo ou material disponibilizado pelos utilizadores através dos sites e/ou dos serviços ou armazenado nos seus servidores cuja ilicitude for manifesta ou quando tal for determinado por uma entidade competente nos termos legais, nos termos do ponto 10 do doc. n.º 8 junto com a p.i..
13. No dia 11-12-2017, foi iniciada a transmissão no serviço de programas T... e T... da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses”, a qual foi transmitida até ao dia 22-12-2017.
14. A reportagem é constituída, inicialmente, por 10 episódios e tem por objeto a divulgação de uma alegada rede de adoções ilegais de crianças levada a cabo pela I....
15. Ao longo desses 10 episódios são relatadas as alegadas circunstâncias em que decorreram vários processos de adoção que são apelidados de ilegais.
16. Na reportagem são divulgadas a identidade dos menores adotados, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adotantes e as circunstâncias de vida das crianças adotadas.
17. O A. foi uma das crianças referidas na reportagem como tendo sido objeto de uma dessas adoções.
18. Na reportagem, o autor é identificado pelo nome, associando ainda a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, identificando, ainda, os seus pais adotivos, quer pelo nome, quer pela imagem.
19. O A. não deu autorização para tal, nem nunca quis ver a sua vida nem o facto de ser adotado exposto publicamente, muito menos através de um órgão de comunicação social.
20. Na reportagem, é feita referência à história de vida do A. e os problemas que o mesmo tinha enquanto vivia com a sua família biológica.
21. O relato da história do A. é associado ao de outras crianças, em relação às quais é apelidado o processo de adoção de ilegal, com base na existência de uma alegada rede internacional de adoções ilegais.
22. A história do A. e do seu irmão biológico é contada nos episódios 7 e 8, sendo, ainda, a sua imagem e o seu nome exposto nos episódios 6 e 9.
23. Posteriormente, a história de adoção do A. e do seu irmão biológico volta a ser abordada nos episódios 11 e 12, tendo estes sido emitidos numa continuação da reportagem transmitida em 19-04-2018 e 20-04-2018.
24. Em concreto, no dia 18-12-2017, foi transmitido o episódio 6 da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
- No final deste episódio surge uma mulher, que não é possível identificar pelo facto de a sua imagem ter sido ocultada, mas que de seguida é identificada como sendo a mãe biológica do autor e do seu irmão F, sendo-lhe dado o nome fictício de “Clr”;
- De seguida é afirmado, oralmente, o seguinte:
Narrador: E Clr nunca mais viu os seus filhos depois de entrarem no Lar da I….
Clr: A I..., a Igreja, os Bispos, os pastores, aquela seita toda que pertence essa Igreja roubaram os meus filhos.
- De seguida, começa a ser narrada a alegada história do autor e do seu irmão biológico:
Narradora: Foi na Av. …, para onde o lar da Universal mudou, deixando para trás as degradadas instalações em Camarate, que a mãe de Clr deixou os seus netos.
Clr tinha apenas pedido à avó das crianças para cuidar dos seus filhos enquanto endireitava a vida mas a mãe de Clr achou que estariam melhor no Lar da I….
Clr: Diz-me ela assim: “Ft, eu já arranjei um sítio para os teus filhos irem, para estudarem, para dormirem, para comerem, para de hoje para amanhã serem uns homens e serem alguém na vida.” E eu digo: Então mas vão para onde? Colégio? “Aí não te preocupes que pertencem à Igreja, eu conheço. Não te preocupes que eles vão ficar bem até tu consigas sair da vida em que tu andas.”
Jornalista: A sua mãe era da Igreja I…?
Clr: A minha mãe é da Igreja I…. A minha mãe é doente por essa Igreja.
- Este episódio termina a anunciar o teor do episódio seguinte, designadamente a alegada história da adoção do autor e do seu irmão biológico.
Narrador: No próximo episódio, fique a conhecer a adoção relâmpago da outra filha do Bispo M.
Testemunha Oculta: Era um doce de menino, super bem comportado, lindo de morrer, louro de olho azul.
Narrador: O bebé Cerelac de três anos, que qualquer casal deseja, foi adotado em tempo recorde com documentos que terão sido falsificados.
Clr: Eu nunca na minha vida estive sentada num tribunal.
Narrador: Conheça a história triste da separação de dois irmãos que foram entregues no lar pela própria avó, crente da I....
Clr: A minha mãe é doente por essa Igreja.
Narrador: Novas revelações nesta investigação exclusiva T... sobre “O Segredo dos Deuses” da I....
25. Neste episódio aparece a imagem do autor e do seu irmão biológico enquanto crianças.
26. No dia 19-12-2017, foi transmitido o episódio 7 da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
- Logo no início do episódio surge a mãe biológica do autor, sendo afirmado o seguinte:
Narrador: A verdadeira história dos filhos adotados por bispos da I....
Clr: A I..., a Igreja, os Bispos, os Pastores, aquela seita toda que pertencem essa Igreja roubaram os meus filhos.
Narrador: Uma história sem voz revelada agora em exclusivo na T....
- De seguida volta a surgir “Clr”, mãe biológica do autor, que, enquanto relata a sua suposta história de vida folheia fotografias do autor e do seu irmão biológico enquanto crianças.
- Prosseguindo:
Clr: Este é o meu filho, F. É o meu F, é o meu filho.
Jornalista: Foi mais ou menos com essa idade que o deixou…
Clr: Foi. Foi, sim.
Jornalista: Era assim?
Clr: Era. É o meu F.
- De seguido é afirmado pela jornalista:
Narradora: Este é F. Outra criança que desapareceu do lar da I....
Clr: A I..., a Igreja, os Bispos, os Pastores, aquela seita toda que pertencem essa Igreja roubaram os meus filhos.
- São mostradas fotografias do irmão biológico do autor enquanto criança.
- Surgindo novamente a mãe biológica do autor, proferindo as seguintes afirmações:
Clr: A I..., a Igreja, os Bispos, os Pastores, aquela seita toda que pertencem essa Igreja roubaram os meus filhos.
Narradora: F foi levado para Londres pela mão da outra filha do Bispo E..
C… é a filha mais velha do líder da I…. Trabalha na TV …, no Brasil, ao lado do marido, o Bispo R…, com quem casou quando tinha apenas 17 anos.
- Mais à frente, e a propósito do processo de adoção do irmão biológico do autor é afirmado:
Narradora: Em 1997, quando vivem em Londres, C… muda de ideias e avança para um esquema de adoção que envolve a escolha de um bebé de sonho num lar da I..., em Portugal. (...)
Testemunha oculta: Este é o F.
Jornalista: O F foi adotado?
Testemunha oculta: Foi adotado pela C….
Jornalista: Pela filha do Bispo M?
Testemunha Oculta: Pela filha do Bispo M, sim. Era assim um bebé Cerelac, um bebé que toda a gente queria, era lindo de olho azul, lourinho, muito mimoso, muito dengoso.
Narradora: um processo que, como verá, é bem diferente de uma adoção normal e foi feito em tempo recorde.
- Também aqui são exibidas fotografias do irmão do autor enquanto criança, assim como do próprio A..
- Ao mesmo tempo que é afirmado o seguinte:
Narradora: F era o mais novo de dois irmãos. Ele e P, o mais velho, foram vítimas de violência doméstica. O pai, toxicodependente, tinha a mãe sequestrada em casa, prendia-a com cordas para a obrigar a drogar-se e, depois de viciada, a prostituir-se para conseguir dinheiro. Clr, a mãe biológica destes irmãos, assume o seu passado e conta como conseguiu fugir.
Clr: Se eu consegui escapar, se eu consegui fugir daquilo tudo eu posso, eu devo ao meu filho mais velho que discorreu em desprender-me para a gente poder fugir.
Jornalista: Que tinha seis?
Clr: Que tinha seis anos. Ele conseguiu desprender as cordas, ele foi com os dentes, desprendeu-me as cordas, as primeiras cordas que ele me desprendeu foi a dos braços para eu poder desprender as das pernas. Eu disse: tenta aqui os braços da mãe, tenta! E ele tentou e conseguiu. E depois fui eu que tirei o das pernas, saltei pela janela do quarto porque ele tinha as portas trancadas, essas janelas, a casa não tinha gradeamentos, não é verdade, levantar os estores, abrir a janela de correr, sai primeiro, o meu P deu-me o pequenino, o meu F, e depois ajudei o meu P e depois a gente foi “pernas para que te quero”, apanhei um táxi e fugi.
- A reportagem em causa prossegue da seguinte forma:
Narradora: Com medo do marido, Clr refugia-se em casa do seu pai e pede-lhe ajuda.
Clr: E escondeu-me no fosso do elevador, a mim e aos meus filhos.
Jornalista: Estiveram escondidos?
Clr: Estivemos escondidos porque o pai deles foi à minha procura. Foi à minha procura e eu estava escondida no quinto andar, no fosso do elevador.
Narradora: Nesse momento, decide avançar para uma desintoxicação e pede ajuda à avó das crianças para cuidar delas só que, em vez disso, a avó entrega-as, sem o consentimento da mãe nas novas instalações do Lar da I....
Clr: “Já arranjei um sítio para os teus filhos irem, para estudarem, para dormirem, para comerem, para de hoje para amanha serem uns homens e serem alguém na vida.” E disse-lhe: Então mas vão para onde? Colégio? “Aí, não te preocupes que pertencem à Igreja, eu conheço, não te preocupes que eles vão ficar bem até que tu consigas sair da vida em que tu andas.”.
Jornalista: A sua mãe era da I…?
Clr: A minha mãe é da I…. A minha mãe é doente por essa Igreja.
- Voltando a ser mostradas fotografias do A. e do seu irmão biológico enquanto crianças.
- Prossegue a reportagem relatando a vivência do A. e do seu irmão biológico no Lar, assim como o processo de adoção:
Narradora: Clr visitava os filhos no lar da I... e acreditava nas falsas promessas que lhe faziam mas, a verdade, é que nunca terá havido nenhum registo da sua presença.
Clr: Eu poderia ir as vezes que eu quisesse vê-los, pronto, que não haveria problema nenhum, que ia continuar a ter sempre contacto com eles, nunca os ia perder na vida.
Jornalista: E assinava algum papel? Assinava algum livro?
Clr: Não. Nem à entrada, nem à saída. Nunca assinei nada. Nunca.
Jornalista: Não assinou o livro de visitas?
Clr: Não havia livro de visitas.
Narradora: Mais uma vez, o mesmo esquema. Enquanto o lar parece tentar garantir a tese de abandono dos filhos pelos pais biológicos, os funcionários da I... alimentam falsas promessas à mãe.
Clr: Eu ia-me afastar da prostituição, da droga por eles. “Sim, senhora. Faça, consiga a sua cura arranje a sua vida e depois eles estarão cá para si.”. Coisa que isso nunca aconteceu. Eu refiz a minha vida, tive força de largar tudo até hoje…Os meus filhos nunca mais os vi, nunca mais pus a vista em cima deles.
Narradora: Mais uma vez, a escolha é feita por fotografia.
Jornalista: Mas a senhora lembra-se do bispo E. lhe ter pedido as fotografias dos miúdos?
Antiga Funcionária do Lar (testemunha oculta): Sim, ele tinha acesso às crianças, às fotografias das crianças mas pedir, não a mim. À Diretora e à responsável…
Jornalista: À JDM?
Antiga Funcionária do Lar: À Jacqueline e à moça que estava na (…), que era o braço direito da dona JDM. Ela é que tinha acesso às fotografias e ela é que levava as fotografias. Eu nunca levei fotografia de ninguém.
Jornalista: Mas levava as fotografias a quem? Porquê?
Antiga Funcionária do Lar: Não faço a mínima ideia. Exatamente como é que as coisas eram escolhidas, não faço a mínima ideia.
Jornalista: Mas eram escolhidas as crianças?
Antiga Funcionária do Lar: Eram.
Jornalista: E levadas para o estrangeiro?
Antiga Funcionária do Lar: Foram levadas para o estrangeiro. Aquele casal, aquelas três, sim.
Jornalista: E a da C… também. Porque foi para Londres…O F.
Antiga Funcionária do Lar: Exatamente. Sim, o F sim porque era o irmão do que ficou com a dona JDM.
Jornalista: Era o P.
Narradora: É uma simples fotografia como esta que muda o rumo da vida destas crianças.
Uma fotografia que no final de 1996 chega às mãos da filha mais velha do Bispo M.
- Mais à frente volta a ser mostrada a imagem do Autor e do seu irmão biológico ainda crianças.
- Ainda mais à frente é referido o seguinte:
Narradora: Ainda hoje, Clr continua à procura dos filhos nas redes sociais. Confirmou agora, vinte anos depois, pela T... que uma das crianças foi adotada pela filha do Bispo em 1999.
- Sendo, de seguida, mostradas imagens do autor como é hoje em dia, já adulto.
- Voltando a ser mostrada a fotografia do autor e do seu irmão biológico enquanto crianças, e uma fotografia do autor com os seus irmãos adotivos, também enquanto crianças.
- Seguidamente é relatado que o autor e o seu irmão biológico foram acolhidos por famílias diferentes e ainda é descrito que o Autor tinha uma marca característica no corpo, um sinal muito grande no braço:
Narradora: A escolha de C… leva à separação forçada dos dois irmãos. A filha do Bispo M não quis ficar com o P o mais velho dos irmãos.
Clr: O P não foi adotado?
Jornalista: Foi. Por outro Bispo. Da I....
Clr: Certo.
Narradora: F e P eram muito cúmplices e próximos mas a breve passagem pelo lar separou-os para a vida.
Testemunha oculta: O P já era uma criança mais arisca, já era mais problemático, mais birrento. Tinha um sinal assim um bocadinho feio num braço que era muito grande e com pêlo.
Jornalista: O seu filho P tinha algum sinal no corpo?
Clr: Tem, sim. O meu P tem um sinal num dos braços, assim grande, sinal castanho, bem castanho.
Jornalista: Aonde? Mas é aqui? (aponta para a zona da parte superior do braço) Clr: É aqui, assim. É aqui que ele tem o sinal.
Jornalista: Tem um sinal grande, castanho?
Clr: Grande, sim.
Jornalista: Você tem algum sinal?
Clr: Eu tenho um sinal na mão.
Jornalista: Igual ao dele?
Clr: O meu é mais pequeno. O do meu filho consegue ser grande, enorme. Consegue ser enorme.
- Sendo, de seguida, novamente, mostradas imagens do autor e do seu irmão biológico enquanto crianças.
- São igualmente identificados os pais adotivos do A.:
Jornalista: Havia um P e um F que fossem irmãos?
SMN: Sim. Sim, eu lembro-me do P. O P tinha assim um sinal muito grande.
Jornalista: Sabes por quem é que foi adotado?
SMD: Não, não me lembro. S? Não? Sim! Pelo Bispo S e a tia JDM.
Jornalista: Que chegou a ser diretora do Lar.
SMD: Sim.
Narradora: C… recusou adotar os dois irmãos. Rejeitou P, o menino mais velho, que tinha um sinal escuro e peludo no braço.
Rt (testemunha oculta): O P fica triste e fica ali desamparado porque o irmão acaba por ser uma referência, não é? Ele não estava sozinho naquela experiência nova que é estar num lar.
Antiga Funcionária do Lar: Do F sei porque a Dª JDM ficou com o P e comentou que o F seria para a outra filha do Bispo E..
Narradora: É a diretora do lar, JDM, mulher do Bispo S da I…, que acaba por adotar P, o irmão de F.
AA: Até foi o Bispo, o Bispo M que ordenou a eles para adotarem.
Quando tinha outras pessoas, outras pessoas que não tinham filhos, mas não, eles já tinham dois filhos, e o Bispo falou: “JDM, você adota o menino.”, o irmão. Coitada, a JDM até ficou assim a olhar para ele mas sabe que tem que obedecer e ela obedeceu.
- Novamente é mostrada a imagem do A. enquanto criança.
- Sendo, igualmente, apresentadas imagens dos pais adotivos do A..
27. No mesmo episódio 7 são feitas diversas referências ao processo de adoção do irmão biológico do A., F, por parte de C…, filha do bispo E., chefe máximo da I..., e à ilegalidade desse procedimento, sendo referido a respeito da mãe biológica do A. nunca ter esta sido ouvida pelo tribunal e nunca ter dado o consentimento para a adoção deste e do aqui A., nomeadamente, o seguinte:
Narradora: O plano terá passado, mais uma vez, por reservar a criança escolhida através do art.º 19.º da OTM. A advogada da I... montou um esquema aparentemente legal para contornar o sistema regular se adoções.
(…)
Narradora: Se Clr, a mãe biológica dos menores, garante que nunca foi a Tribunal, nem deu consentimento para a adoção dos seus filhos, quem é que afinal esteve no Tribunal de família de Lisboa a dar os menores para adoção em 1998? Quem foi a mulher que se terá feito passar pela mãe biológica destas crianças? Sem consentimento prévio para adoção, a Lei exige que, no mínimo, os pais da criança sejam ouvidos pelo Tribunal, o que também nunca aconteceu.
28. Ainda no episodio 7 e no que se refere à ida da mãe biológica a tribunal para prestar consentimento prévio para adoção e a ter perdido o Bilhete de Identidade, pode visualizar-se o seguinte:
Jornalista: Nunca (es)teve num tribunal? Nunca…
Clr: Nunca.
Jornalista: …fez este consentimento prévio?
Clr: Nunca, nunca.
Jornalista: Então como é que explica que o tribunal tenha um consentimento prévio para a adoção em seu nome?
Clr: Não faço a mínima ideia. Alguém, alguém o fez por mim mas eu não fui.
Jornalista: Mas como é que alguém o pode ter feito por si?
Clr: Fizeram por mim, devem-no ter feito por mim porque eu nunca me sentei, nunca lá fui e desapareceu-me um bilhete de identidade. Deve ter sido por aí, devem-mo ter tirado para poder fazer isso.
Jornalista: Na altura não foi à polícia dizer que desapareceu?
Clr: Não, não. Eu fui aos registos centrais, pensei que tinha perdido o Bilhete de Identidade, nem sequer dei como roubado. Cheguei lá e disse que não tinha o Bilhete de Identidade e fui tratar de outro. E tratar duma segunda via.
Jornalista: E onde é que desapareceu esse Bilhete de identidade?
Clr: O meu Bilhete de Identidade, esse que desapareceu, desapareceu na casa da minha mãe.
Jornalista: E, portanto, admite a hipótese de a sua mãe ter entregue a…
Clr: Admito.
Jornalista: A alguém da Igreja?
Clr: Admito. Eu penso que foi tudo feito com a Igreja. Por isso me desapareceu o Bilhete de Identidade.
Narradora: A T... confirmou que, na altura, Clr deu como perdido o Bilhete de Identidade conforme documento conforme documento do Registo a que esta investigação teve acesso.
- Foi, então, exibido uma imagem de uma consulta informática da resultará que a mãe biológica do autor em 05-02-1998 renovou o bilhete de identidade tendo declarado perdido o anterior.
29. Após a transmissão do episódio 7, no mesmo dia 19-12-2017, teve lugar um debate sobre a reportagem conduzido pelo jornalista JAC, com a presença da 1.ª R. e da mãe biológica do A. no qual se pode visualizar o seguinte:
- O referido programa começa com a seguinte apresentação:
JAC: Estamos a desenvolver um cobertura especial a partir da investigação das jornalistas AB e JF. Em estúdio esta noite tenho “Clr”, nome fictício, é a mãe biológica de P e F, cuja história começamos por ouvir na reportagem desta noite. (…)
JAC: Vou começar por si, Clr, muito boa noite, bem-vinda. Percebeu-se pela reportagem que quem tomou a iniciativa de entregar os seus filhos naquele local foi a sua mãe. Já falou com ela sobre estas revelações.
Clr: Destas revelações não, ainda não falei com ela, tenho evitado falar.
JAC: E o pai das crianças?
Clr: Não sei do paradeiro. Desde que eu saí…desde que eu consegui fugir daquela casa junto com os meus dois filhos, foi pessoa que eu nunca mais vi.
JAC: E depois a Clr ainda os foi visitar algumas vezes?
Clr: Eu fui visitar três vezes os meus filhos ao Lar, a quarta vez quando lá fui foi-me dito que os meus filhos já não estavam. Então eu fui ter com a minha mãe a perguntar o que é que teria acontecido para eles não estarem lá e a minha mãe diz-me “Filha, está descansada que os teus filhos estão bem, estão com bispos e com pastores”.
JAC: E, portanto, tem ideia de quanto tempo é que foi, mais ou menos, entre…ou seja…entre a sua fuga e o momento em que deixou de ver os seus filhos, passaram quê…meses?
Clr: Quando eu consegui fugir fui para casa dos meus pais. Pronto três dias de estarmos em casa da minha mãe foi quando ela mos entregou ao Lar. Eu continuava lá. “Ah, vens comigo, vamos ver os meninos ao Lar, vais ver que eles estão bem, está tudo bem”. Fui lá três vezes. Isto no mínimo do mínimo durou…eles estarem no Lar durou 2 ou 3 meses.
JAC: 2 ou 3 meses?
Clr: 2 ou 3 meses não foi mais do que isso. E a partir daí nunca mais os vi até hoje.
- A 1.ª R. refere que a mãe biológica do A. era toxicodependente e que se dedicava à prostituição, mencionado o nome próprio do A.:
AB: A Clr procurou os filhos. É verdade, e ela não esconde, que o pai dos miúdos a colocou numa vida de toxicodependência e prostituição, da qual ela conseguiu fugir graças ao P, que tinha 6 anos. Pediu ajuda. A quem? Aos pais, como seria normal. (…) E o que ela encontrou foi uma mãe, crente da I..., que colocou os filhos dela num lar à revelia dela.
- No debate é repetida a exposição da história da reportagem da adoção do A. e do seu irmão mais novo, mencionando a 1.ª R. os nomes próprios destes e de uma irmã, acabando por se referir à mãe biológica do A. pelo seu nome verdadeiro de F…:
JAC: Para percebermos um pouco melhor, podemos perceber o que é que aconteceu com o F e o P?
AB: Basicamente e resumindo, a filha do Bispo M vê por fotografia o filho da Clr, escolhe aquela criança e aquela criança tinha um irmão e eles eram muito unidos, tal como a Clr pode testemunhar. Até porque normalmente quando a vida é difícil… tal como na V…, a V… era quase maternal para os seus irmãos, era a mais velha e protegia…tendencialmente aqui o P protegia o F. O que é que acontece? A filha do Bispo M escolhe o F e o Bispo M decide que alguém tem de adotar o P para ele não ficar sozinho na instituição. Mas estas crianças não estavam em fase de adotabilidade. Estas crianças tinham sido colocadas recentemente num lar e ainda nem se tinha estudado o projeto de vida delas. Não se sabia se a Clr tinha condições, se havia uma família alargada…
JAC: Não estavam abandonadas.
AB: Não estavam…tinha de se estudar isso e quem decide isso depois é um tribunal. Agora, perante informações falsas, perante alguém que vai dizer - que não é a F… - alguém que foi ao Tribunal com um documento da F… dizer que dava os filhos para a adoção. A F… não diz isso.
JAC: A Clr.
AB: A Clr.
JAC: E hoje em dia é possível identificar o paradeiro deles?
AB: Hoje em dia sabemos perfeitamente que o F está entregue à C…, filha do Bispo, e que o P está entregue a um outro Bispo da I… e à JDM, que era diretora do Lar, não sei se na sua altura. Lembra-se dela?
Nádia (antiga criança do lar): Eu lembro-me. A tia JDM que era casada com outro bispo…
AB: Com outro bispo, com o bispo S
Nádia (antiga criança do lar): Certo, sim, sim.
30. No dia 20-12-2017, foi transmitido o episódio 8 da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
- Narrador: A outra filha do Bispo não consegue ter filhos e escolhe o bebé de sonho por fotografia.
Testemunha oculta: Era assim um bebé Cerelac toda a gente queria, lindo de olho azul, loirinho, muito mimoso, muito dengoso
Narrador: Adota F no lar da I... mas recusa o seu irmão mais velho.
Pessoa não identificada: Eu lembro-me do P. O P tinha assim um sinal muito grande.
Narrador: Várias crianças desaparecem do lar da I... para serem entregues aos homens de Deus.
C…: Vamos adotar uma criança e dar a ela uma família e salvá-la do inferno e criar um homem de Deus.
Narrador: A verdade 20 anos depois numa investigação exclusiva T....
- Novamente é passada a imagem do A. enquanto criança.
- Ao mesmo tempo que são passadas as imagens do A. e do seu irmão biológico, é afirmado:
Jornalista: F sabe que é adotado. Sabe que P é seu irmão. E que foram separados pela adoção. Os irmãos acreditam que Clr, a mãe biológica, os abandonou no lar da I....
“Clr”: Eu nunca esqueci os meus filhos. Nunca. Eu nunca os vou esquecer nunca. Mesmo que eles não queiram saber de nada, não queiram saber de mim, eles são uma parte de mim. Eles continuam aqui dentro. São meus filhos. E continuo a amá-los do mesmo jeito. Que era como quando eles eram pequeninos, quando eu estava com eles.
(…)
Jornalista: P vive no Brasil com os pais adotivos. JDM que à época era diretora do lar e S, bispo na I..., O irmão mais velho de F trabalhou numa radio da Igreja e também ele não quis ser pastor nem bispo.
(…)
- A reportagem refere-se à vida atual do A. e do seu irmão biológico, ao mesmo tempo que passa a imagem do A., assim como do seu irmão biológico enquanto adultos, bem como dos seus pais adotivos.
31. No dia 21-12-2017, foi transmitido o episódio 9 da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
- No início do mesmo é novamente feita referência à história do A. e do seu irmão biológico.
Narrador: o confronto com avó que deu os netos à I… sem a mãe saber
Avó: cada um tomou conta dos meninos, não ficaram no mesmo.
Mãe: a mãe está a dizer-me que eles foram separados?
Avó: Sim
Narrador: Uma avó fanática da I... que sempre soube que eles iam acabar nas mãos de bispos e pastores da igreja.
Narrador: A vida de drogas do bebé Cerelac. F: “Depois da maconha, fui para a cocaína”.
Narrador: A investigação do segredo dos Deuses na T... …
- Voltando a passar a imagem do autor e do seu irmão biológico enquanto crianças.
32. No decurso dos referidos episódios da reportagem, é utilizado um nome fictício para a mãe biológica do A. e a sua imagem não aparece visível, enquanto no que diz respeito ao A. é utilizada sempre a sua imagem, sem qualquer tipo de distorção e o seu nome verdadeiro.
33. A reportagem é marcada por um forte carácter emocional e sentimental, com sucessivas repetições e chamadas de atenção, visando caracterizar uma situação de escândalo público.
34. A reportagem relata factos, entre os quais se incluem referências ao processo de adoção do A., sugerindo que este teria sido retirado da sua mãe biológica e levado para o estrangeiro, através de uma adoção ilegal, feita no âmbito do que apelidaram de uma rede internacional de adoções ilegais.
35. Em Abril de 2018, e igualmente com a autoria das 1.ª e 2.ª R.R., foram transmitidos na T... e na T..., novos episódios da reportagem, que foram igualmente disponibilizados no site da T....
36. No dia 19-04-2018, foi transmitido o episódio 11 da reportagem, intitulado “O Reencontro”, a propósito do encontro do A. e do seu irmão com a sua mãe biológica, aquando da sua vinda a Portugal para prestar declarações no âmbito do processo de inquérito, no qual se pode visualizar o seguinte:
Jornalista voz off: Esta história começou em 1996, quando Clr fugiu da casa de um marido violento que a obrigava a drogar-se com dois filhos menores, P de 6 anos e F de 3.
Foi a casa da avó pedir ajuda para ficar com os netos, enquanto se ia desintoxicar, mas a mãe de Clr entregou os meninos no Lar da I....
“Clr”: Eu consegui ir ver 3 vezes os meus filhos. Quando fui à quarta vez para ir ver os meus filhos já tinha desaparecido.
- Foi voltada a divulgar a infância do A., o facto de a sua mãe ser toxicodependente, o facto de ele e o irmão terem sido colocados no lar e depois adotados por “bispos e pastores da I...”.
- Prosseguiu o programa do seguinte modo:
Jornalista voz off: Na altura informaram-na que estavam com Bispos e Pastores da Igreja, o que não lhe disseram é que as crianças tinham sido separadas. P seguiu viagem para casa do Bispo S e de JDM, a diretora do Lar. F, o bebé Cerelac, foi levado para Londres pela mãe de C…, a filha de E., fundador da I.... Um documento a que a T... teve acesso e que foi feito com um bilhete de identidade que Clr deu como perdido, garante que a mãe biológica de F o entregou nos braços da filha do Bispo para esta o levar para Londres. Um documento feito no exato dia em que Clr já tinha uma guia para um novo bilhete de identidade, conforme a T... confirmou junto do Instituto de Registos e Notariado.
Jornalista: Sabe que há um documento…e vendo por si…dizem assinado em que a C… e o R… dizem que foi a Clr que lhes deu o F nos braços para cuidar porque não tinha condições.
“Clr”: O Sr. R… e a D. C… devem estar a sonhar porque eu nunca na minha vida eu passei o meu filho para os braços de ninguém, pura e simplesmente deixei os meus filhos na casa da minha mãe para me ajudar.
Jornalista voz off: Clr garante que nunca assinou este documento e que, na altura, não esteve neste Cartório. Foram necessárias duas funcionárias, uma do Lar e outra da própria I... para atestar que quem lá foi assinar era a mãe biológica de F. Foram exigidas essas testemunhas justamente porque quem lá foi não levava o bilhete de identidade de Clr.
“Clr”: Nunca ninguém me procurou para assinar um papel, fosse o que fosse.
- Na reportagem, a propósito da adoção do A. e do seu irmão biológico ter sido ilegal e feita com recurso a falsificação de documentos e de assinaturas, consta o seguinte:
Jornalista voz off: Num documento ilegível que o advogado da I... fez chegar à T... diz-se que a mãe biológica de F foi a tribunal dar o consentimento prévio para a adoção do filho.
“Clr”: Eu nunca na minha vida estive sentada num tribunal, nem perante um juiz, nem com advogados, eu nunca estive.
Jornalista: Nunca assinou nada sobre a adoção dos seus filhos?
“Clr”: Nunca assinei nada. Nunca.
37. Após a transmissão do episódio 11 da reportagem, teve lugar, no mesmo dia 19-04-2018, na T...24, um debate conduzido pelo jornalista JAC, que contou com a presença, entre outros, da mãe biológica do A., do seu mandatário e da 1.º R..
38. No início do debate, o jornalista e pivot, JAC, começa por contextualizar o assunto e introduzir a discussão da temática no seguimento do episódio emitido na T...:
JAC: Avançamos para o debate depois deste primeiro capítulo das novas revelações d’ O Segredo dos Deuses. Estamos numa nova fase da investigação em que tentamos acompanhar a sequência vertiginosa, nalgumas circunstâncias, de acontecimentos que tiveram lugar e que foram desencadeados pelas investigações originais em que expusemos pela primeira vez na T... esta rede de adoções ilegais praticada pelos dirigentes da I… num lar também da Igreja, da I..., que esteve em situação ilegal durante muitos anos, nomeadamente na altura em que têm lugar estas adoções.
39. Uma vez mais, a mãe biológica do A. surge com a sua identidade ocultada e nome fictício, enquanto continuam a ser revelados detalhes sobre a vida privada do A. e do seu irmão, bem como revelados os seus nomes verdadeiros:
JAC: Tenho em estúdio a Clr, que é a mãe biológica de P e F.
Clr é o nome que lhe continuamos a atribuir. Clr eu gostava de a ouvir, boa noite, bem-vinda de regresso. Eu gostava de… Ouvimo-la nesta reportagem há pouco a explicar como é que sentiu a armadilha. Sentiu que estava a abraçar um estranho? Porque a Clr abraçou os dois filhos, não foi?
Clr: Sim. Eu só contava que cá estivesse o meu F, mas reencontrei também o meu filho P.
JAC: Que era o mais velho?
Clr: Que é o mais velho.
JAC: E foi diferente, o que teve com um e com outro? O que sentiu com um e com outro?
Clr: Sim, sim. Foi totalmente diferente. Já antes de me encontrar com o F cá em Portugal, eu já sabia, eu já tinha sentido que F não estava a ser verdadeiro e acabei por ter a certeza depois de me encontrar com ele.
JAC: Foi quê? Foi através da maneira como ele se aproximou de si? O que ele lhe disse? A maneira como lhe disse? O que é que se diz, o que é que se pode dizer quando se vai reencontrar a mãe biológica ao fim de 20 anos?
Clr: Deveria ser… deveria ser uma alegria, como foi a minha alegria de poder… de estar a abraçar os meus filhos como abracei, como foi visto, de alegria, de felicidade. E ele não estava como tal. F estava… nunca me encarou, nunca me olhou nos olhos, disfarçava…como se vê nas imagens.
JAC: Neste momento, posso-lhe perguntar Clr, tem algum tipo de contacto com ele?
Clr: Não, nunca mais tive contacto com o F.
JAC: E com o P?
Clr: Com o P falei umas vezes com ele e com a esposa de meu filho. Sim, algumas vezes.
- E, posteriormente:
Clr: Não era isto que eu tinha idealizado no encontro que tive. Eu fui com a maior alegria do mundo, com a maior felicidade e depois em troca recebo… recebo o beijo de Judas como eu já referi.
JAC: Durante o pouco tempo que acabaram por estar… que acabaram por estar juntos… os seus filhos… não sei se posso perguntar isto, se não puder responder também não responda, já sabe Clr esse é o princípio aqui, ninguém é obrigado a nada, pelo contrário. Eles têm memórias suas? E deles os dois enquanto… Eles saíram… eles foram adotados, não é, quando o P, o mais velho, tinha cerca de 7 anos e o F, o mais novo, tinha cerca de 4.
Clr: Sim.
(…)
JAC: Percebeu se eles tinham memórias parte a parte, mútuas do seu relacionamento como irmãos e também suas?
Clr: Não faço ideia. Eu só quando encontrei o meu filho…quando estive um bocadinho a falar com o meu filho P, eu disse-lhe que não tinha a culpa de nada e que eu não o quis abandonar e que ele me ajudou a fugir e ele disse “eu sei mãe, eu sei mãe”. Agora qual é as memórias que ele tem dessa altura, eu não faço ideia.
(…)
JAC: (…) e foi nomeadamente este seu filho mais velho, o P que a ajudou a libertar-se da cadeira onde estava amarrada…
Clr: Da cama…
JAC: Da cama onde estava amarrada pelo seu companheiro da altura…
Clr: Sim.
JAC: E a fugirem os três dessa casa…
Clr: Pela janela.
JAC: E depois disso a Clr só viu o P… depois disso eles acabaram por ir poucos dias depois para o lar, entregues pela sua mãe…
Clr: Exatamente, a minha mãe entregou-os no lar. Eu ainda cheguei a ir a esse lar umas três vezes para ver os meus filhos, vi os meus filhos, e depois nunca mais os vi. Quando lá vou, sensivelmente pela quarta vez, me disseram que F e P já não se encontravam na instituição, que tinham ido…que tinham ido sair com bispos e pastores.
JAC: AB, deixa-me tentar perceber aqui uma das dimensões desta situação em concreto do F e do P, que é a separação dos irmãos.
Independentemente das circunstâncias de vida, deste início de vida deles os dois, não á, até aos 6, 4 anos, um e outro, separação de irmãos é algo de inusitado nos processos de adoção, não é?
AB: E sobretudo na Santa Casa da Misericórdia que tem um princípio que é não separar irmãos e foi exatamente com a conivência da Santa Casa que estes irmãos foram separados. E isto é curioso porque na segunda reportagem nós vamos perceber que estes irmãos, teoricamente, porque essa técnica foi entrevistada por nós e ela garante que não fez o relatório do F. Os relatórios foram feitos com 4 dias de diferença. Qualquer pessoa percebia que eram irmãos. Houve candidaturas à adoção quando estes miúdos já estavam com as famílias, não seria este o procedimento. Houve intervenção direta da senhora Provedora MCR à data dos factos com assinaturas de documentos, ela própria, a reformular confianças judiciais.
JAC: Nós temos falado de documentos falsificados muitas vezes ao longo deste processo.
AB: Temos falado porque este processo tem este vício.
40. No dia 20-04-2018, foi transmitido o episódio 12 da reportagem, intitulado “A Armadilha”, também disponibilizado no site da T..., no qual se pode visualizar o seguinte:
- Voz-Off: 23 anos depois, mãe e filhos que desapareceram do lar ilegal da I... abraçam-se. Os irmãos, F e P, foram entregues no lar ilegal da I… em Lisboa em 1996, pela própria avó.
Avó: Eles são adotados, mas pelo… pelos pastores e…
Jornalista: Pelos pastores…
Avó: E esposas.
Jornalista: Exato.
Avó: Não é por um qualquer.
- Mais à frente é afirmado:
Voz-Off: Clr aproveita a presença dos filhos para lhes esclarecer todas as dúvidas e é surpreendida pela memória de P, quando tinha 6 anos, quando a ajudou a fugir de casa pela janela, para escaparem a um pai violento.
Clr: Quando abracei o meu filho e agradeci-lhe por ele me querer ver, eu agradeci “obrigado meu filho”, é… no meio da nossa conversa disse-lhe “filho, foste tu que me salvaste”, e o meu filho P disse “eu sei mãe, eu sei”.
Voz-Off: P recusa ser filmado, mas assiste emocionado ao encontro, ele e Mr, a mãe biológica de V…, L… e F…, os três irmãos que desapareceram do lar ilegal da I..., na mesma altura, e dois deles acabaram nas mãos de V…, a filha mais nova do Bispo M. (…)
Voz-Off: Enquanto Clr abraçava e beijava F, o seu filho mais novo, Mr aproveitava para falar com P, o irmão mais velho.
Mr: O P perguntou porque é que nós não corremos atrás e eu disse-lhe, “P, corremos, corremos muito, eu posso dizer que eu cheguei a dormir nos degraus da Igreja …, à espera… e entrava em Igrejas à espera de ver um rosto, qualquer coisa, fui à polícia, mas ninguém me ouviu, e depois, saídos do país, jamais, e eu não sabia entretanto que já tinham saído do país, a realidade dos factos eu soube-a quando a T... me encontrou.
Voz-Off: P foi separado do irmão F pela adoção. Tudo terá acontecido com a concordância da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde CRM, a técnica social à ata, a julgar pelos documentos a que a T... teve acesso, terá tratado de ambos os relatórios dos irmãos com a diferença de quatro dias. P, na Quinta e F na Segunda-feira seguinte.
41. A respeito do episódio 11, no contexto do A. se ter encontrado no mesmo espaço físico que a sua mãe biológica, a imagem do autor foi incluída na reportagem, apelidando tal de reencontro.
42. O A. não deu autorização aos R.R. para procederem à filmagem, nem para que fosse relatado o que ali se passou.
43. No decurso do episódio 12 é feita alusão a que os relatórios e os documentos da Santa Casa da Misericórdia (SCML), que serviram de base à adoção do A. e do seu irmão biológico teriam sido falsificados e que a SCML não tinha conhecimento de que se tratavam de dois irmãos, e ainda que, por nas candidaturas dos pais adotivos do A. e do seu irmão biológico constarem já os nomes das crianças a adotar, não foi seguido o procedimento normal das adoções.
44. A 1.ª R. apresentou uma participação, em 14-11-1997, junto da PGR relativamente a ter, na sequência de um trabalho de investigação apurado factos relacionados com o “desaparecimento de umas crianças portuguesas que terão sido vítimas de uma rede internacional de adoções” relativamente às crianças que identificou, e que tinham estado no Lar I…, e nas quais se incluía o A..
45. No teor dessa participação é feita referência à existência de um consentimento prévio para a adoção mas que as mães garantiam nunca ter acontecido, ou sido notificadas em qualquer processo de adoção ou qualquer outro tipo de processo a respeito dos seus filhos.
46. Tal participação deu origem ao processo de inquérito n.º 704/17.9TELSB, que correu termos na 9.ª secção do DIAP de Lisboa, no qual, após a realização de diversas diligências, foi proferido, em 14-05-2019, despacho de arquivamento no que se refere aos factos de natureza criminal relacionados, nomeadamente, com a adoção do A., em virtude de eventuais responsabilidades criminais se encontrarem prescritas.
47. No âmbito desse inquérito foi realizada uma perícia às assinaturas da mãe biológica do A., nos documentos correspondente ao requerimento para designação de data para a prestação de consentimento prévio e da procuração que ao acompanhava, datados de 28-09-1998, tendo o Laboratório de Polícia Científica concluído, em 29-06-2018, como muito provável que a escrita suspeita seja da mãe biológica do A..
48. Foi requerida abertura de instrução, a qual correu termos, sob o mesmo número de processo, junto do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 1, tendo em 19-11-2020, sido proferido decisão a concluir pela prescrição do procedimento criminal com os mesmos fundamentos.
49. O autor nasceu em 24-02-1990, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, tendo sido registado com o nome de P.
50. O A. é filho biológico de …, sem que tenha sido registado o nome de qualquer pai.
51. Foi instaurado processo de averiguação oficiosa de paternidade que correu termos sob o n.º 51/1997 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, o qual veio a ser arquivado.
52. A mãe biológica do A. era toxicodependente e dedicava-se à prostituição, tendo deixado o A. e o irmão, F, entregues à avó materna.
53. A avó materna era fiel da I... e frequentava a igreja …, em Lisboa, tendo pedido a responsáveis da igreja que o A. e o irmão fossem recebidos no Lar I… pertencente à Obra Social da I....
54. O A. e o irmão deram entrada no Lar I… no ano de 1995, tendo a mãe biológica tido conhecimento desse facto.
55. Na altura, o A. era uma criança com um estado de saúde debilitado e com diversos traumas devido às situações que vivenciara, tendo uma personalidade fechada e menos sociável.
56. O A. e o irmão chegaram a ser visitados no Lar pela avó materna e também pela mãe biológica.
57. No período em que o A. esteve no Lar criou-se uma ligação afetiva com JDM, tendo a criança evoluído positivamente.
58. JDM exercia, então, as funções de Diretora do Lar e era casada com SS, então pastor … e que veio a ser bispo da I..., tendo já dois filhos do seu casamento.
59. Em 31-03-1998, JDM e SS inscreveram-se junto do serviço de adoções da SCML para adotarem uma criança.
60. Preencheram, cada um, um questionário da SCML, encontrando-se o questionário assinado por JDM datado de 24-04-1998, enquanto o de SS não foi por este nem assinado, nem datado.
61. Resulta das respostas a esse questionário que, apesar das questões não se referirem a qualquer criança concreta, foi o mesmo respondido por ambos por referência à intenção de adotarem o autor com quem já tinham contacto.
62. Por requerimento entrado em tribunal em 28-09-1998, apresentado em nome da mãe biológica do A., e dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal de Família de Lisboa, foi requerido que fosse designada data e hora para a prestação de consentimento prévio por esta para a adoção do A. e do seu irmão F, tendo em vista a futura adoção destes.
63. O requerimento em causa encontra-se assinado pela mãe biológica do A., com aposição de carimbo relativo ao reconhecimento notarial da respetiva assinatura, e ainda assinado pela advogada NOM, que juntou procuração forense emitida em seu favor.
64. A advogada NOM exercia também as suas funções profissionais em favor do Lar I… e foi igualmente mandatária de JDM e de SS, enquanto casal adotante.
65. Com data de 22-10-1998 foi lavrada ata de tomada de declarações à mãe biológica do A., na presença do juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Família da Comarca de Lisboa, e com a presença da curadora, da funcionária e da mandatária, tendo a mãe biológica do A. declarado que prestava o consentimento prévio para adoção do A. e do seu irmão, tendo o juiz considerado válido o consentimento prévio prestado.
66. Por escrito datado de 18-01-1999, a advogada NOM dirigiu à Dra. CRM, técnica de serviço social da SCML, os assentos de nascimento do A. e do seu irmão F, com vista à “confirmação da permanência a cargo”.
67. Com data de 04-02-1999, a referida técnica CRM elaborou um relatório relativo ao A. do qual consta a referência à inscrição, em 31-03-1998, como casal adotante de JDM e de SS, e que “o Serviço iniciou todas as diligências previstas no nº 1 do Art.º 6.º do Decreto-Lei nº 120/98 de 8 de Maio, constatando-se que o referido casal viera mais tarde a assumir como filho o menor P, de 8 anos de idade”.
68. Nesse relatório é feita referência à situação do A. e do agregado familiar do casal adotante, no qual o autor se integrara, concluindo que “O projeto de adoção apresenta-se fundamentado na legítima defesa dos interesses desta criança pelo que este Serviço considera poder confirmar-se a sua permanência a cargo do casal (…)”.
69. Por ofício da SCML, datado de 01-03-1999, e dirigido ao Delegado do Procurador da República junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, assinado pela Provedora MCR, sob o assunto “Confirmação de Permanência a Cargo”, consta o seguinte: “Nos termos da alínea a) do nº 5 do Artº 8 do Decreto-Lei nº 120/98, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, vem comunicar a V. Exa. que em 7/01/99 decidiu a confirmação de permanência a cargo do menor P ao casal candidato a adotante constituído por SS e JDM (…), com vista à sua futura adoção”.
70. Em 14-05-1999 deu entrada a petição inicial de adoção plena do A. por parte de SS e JDM, mediante articulado subscrito pela advogada NOM, requerendo-se a modificação dos apelidos do menor para DM.
71. Em 23-12-1999 foi sentença proferida no processo de adoção n.º 1148/M/99, que correu termos na 2.ª Secção, do 3.º Juízo, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, a decretar a adoção plena do autor que passou a chamar-se P…DM.
72. A SCML tinha contactos regulares com o Lar e sabia que o A. era irmão de F, tendo procedido à sua confiança administrativa a casais distintos.
73. A 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas nunca consultaram o processo de adoção do A., por o respetivo acesso lhe ter sido negado pelo tribunal, tendo, contudo, tido acesso a algumas cópias de peças que deste constariam.
74. Os R.R. pessoas singulares sabiam que os processos de adoção e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público.
75. As 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas não contactaram o A. previamente à exibição da reportagem, tendo apenas a “Equipa de Investigação da T...”, por email de 07-12-2017, remetido dias antes da transmissão do episódio 1 para responsáveis da I... solicitado os contactos de 6 membros da I... a fim de serem contactados a propósito da reportagem a emitir, sem que aí conste fazer referência ao A. ou aos seus pais adotivos.
76. As 1.ª e 2.ª R.R. nunca contactaram o A. para esclarecimento de quaisquer factos ou pedirem autorização para a divulgação da sua imagem, da sua identidade e da sua história de vida.
77. As 1.ª e 2.ª R.R. jornalistas sabiam a identidade do A. e dos seus pais adotivos e tinham possibilidades contactar previamente o A., sem que o tenham feito.
78. Pelo facto de na reportagem terem sido difundidas imagens recentes do A., já maior de idade, é possível reconhecê-lo nos dias de hoje em qualquer local público por parte de quem visualizar a reportagem, ainda que este resida no Brasil.
79. A reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do A. enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, conforme sucedeu em relação à mãe biológica do A. cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados, sem que, pelo menos em relação à história da adoção do A., tal impedisse a 1.ª a 2.ª R.R. de contar a história que pretendiam.
80. Decorre da reportagem a associação do A. a uma criança que foi raptada pela I..., roubada à sua família biológica e ter tido uma infância difícil.
81. Por causa da transmissão da reportagem o A. acabou por reviver episódios da sua infância que, ao longo de 20 anos tentou esquecer, nomeadamente, relacionados com episódios de violência e maus tratos.
82. O autor, na sequência da transmissão da reportagem, foi identificado por terceiros, tendo-se visto forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos, nomeadamente através do Facebook.
83. O A. foi, também, contactado e teve de dar explicações por ser associado ao seu irmão biológico F que era conhecido por ter sido adotado por uma filha do bispo E..
84. O A. sentiu-se exposto pela sua vida privada ter sido divulgada, em termos que não associa inteiramente às memórias que guarda, perante milhares de pessoas.
85. O A. ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada.
86. O A. sentiu um grande desgosto e frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas.
87. O A. sentiu-se triste e com um sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais adotivos e à ideia transmitida de que o teriam roubado, quando os via como alguém que o acolhera, lhe dera um lar, amor e carinho.
88. O A., embora soubesse ser adotado e ter ainda memórias da sua mãe biológica, apenas no seguimento da reportagem teve conhecimento do paradeiro desta com quem nunca mais tinha tido contactos, tendo tal causado uma forte perturbação na sua vida.
89. Na altura em que os primeiros episódios da reportagem foram transmitidos, o A. era casado e encontrava-se à espera do seu primeiro filho, o qual veio a nascer em 14-03-2018, com cerca de 34 meses de gestação.
90. O A. ficou irritado e perturbado com a transmissão da reportagem, da qual veio a ter conhecimento no Brasil, não tendo dado à gravidez toda a atenção que pretendia, o que se repercutiu no seu relacionamento com a mulher.
91. O A. viu-se obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo de adoção, pois esta apenas sabia que o autor tinha sido adotado, desconhecendo os detalhes da sua infância com a família biológica.
92. O A. não trabalhou para uma rádio da I..., conforme se refere na reportagem, sendo antes marceneiro e trabalhou como funcionário não qualificado na área da manutenção para a I..., em São Paulo, no Brasil.
93. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 437 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
94. Para além da transmissão televisiva, os vários episódios da reportagem foram colocados no site da T... e T....
95. A T... e a T... foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
96. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
97. No conjunto desta série de reportagens e das respetivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
98. Em 2017, a semana em que a T... registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de Dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
99. Os episódios eram exibidos em simultâneo na T... e T... (à exceção do dia 20-12-2017), sendo repetidos nesse mesmo final de noite T....
100. Para além disso, após a exibição de cada reportagem, a T... realizava um debate sobre cada episódio.
101. Nos dias em que houve debate, este era sempre o conteúdo que mais audiência dava ao canal, que por sua vez fazia com que a média subisse.
102. Assim, por exemplo, a audiência média da T... das 20:00 e as 24:00 nos dias:
- sem debate (1, 4, 5, 6, 7, 8, 20, 25, 26, 27, 28 e 29 de Dezembro): 49 mil telespectadores, 1,2% de share e apenas o 11º canal mais visto no cabo.
- com debate (11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 21 e 22 de Dezembro): 108 mil telespectadores, 2,6%de share e líder de audiência no cabo.
103. A audiência do horário nobre mais do que duplicou e o canal subiu da 11ª posição para a 1ª posição.
104. No ano de 2017, registou-se um rendimento em publicidade na TV de 98 milhões e 193 mil euros, nos canais T..., T..., T... Internacional, T... Ficção, T... África e T... Reality.
105. A soma do investimento a preço de tabela da T..., T..., T... Ficção e T... Realista foi de €2.825.563,00, com destaque para a T... (com 94% deste investimento, totalizando €2.655.132,00 mil euros), podendo assumir que o Grupo M... pratica um desconto comercial na ordem de pelo menos 96,5%
106. Com base no investimento por tabela na T... em 2017 (de €2.886.334,00), e assumindo que o grupo M... pratica o tal desconto comercial na ordem dos 96,5%, então em 2017 a T... teve um rendimento na Publicidade na ordem dos €101.000.000,00, o que se traduz numa média de €277.000,00 euros diários de rendimentos operacionais provenientes de publicidade.
107. A T... ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição €12.510.000,00.
108. Assumindo os habituais descontos de 96,5%, chegamos a um valor de €437.850,00 euros de rendimentos operacionais provenientes da publicidade somente da T... imediatamente após a exibição das 12 reportagens.
109. Por outro lado, a ré era a estação de televisão portuguesa líder de audiências há mais de 10 anos, quer na vertente informação, quer na vertente entretenimento, pelo que tinha os seus blocos de publicidade em “prime time” completos.
110. A Reportagem teve, ainda, um grande impacto digital, tendo todos os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da T... como no YouTube da T....
111. No que toca à plataforma Youtube os utilizadores, no caso a ré, recebem um valor por cada mil visualizações (“Cost Per Thousand”, vulgo “CPM”), existindo plataformas que calculam a receita que um titular recebe pela visualização de cada vídeo.
112. Só na plataforma do Youtube, até ao dia 03-01-2019, foram contabilizadas as seguintes visualizações:
- Episódio 1: 152 mil visualizações
- Episódio 2: 83 mil visualizações
- Episódio 3: 40 mil visualizações
- Episódio 4: 54 mil visualizações
- Episódio 5: 63 mil visualizações
- Episódio 6: 39 mil visualizações (contagem por referência a 31.01.2018; vídeo republicado em 31.01.2018 com 898 visualizações)
- Episódio 7: 38 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)
- Episódio 8: 33 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)
- Episódio 9: 32 mil visualizações (vídeo entretanto removido; valor por referência a 31.01.2018)
- Episódio 10: 37 mil visualizações
- Episódio 11: 8 mil visualizações
Total: 534.000 visualizações
113. No seguimento da transmissão da reportagem, a I... e parte dos visados pela reportagem têm vindo a recorrer aos meios jurisdicionais, demandando a T... e outros responsáveis pela sua elaboração e transmissão, dividindo-se estas ações judiciais em dois grandes grupos:
- providências cautelares que visam essencialmente a remoção do conteúdo da reportagem do sítio da internet da ré; e,
- ações de processo comum cujos pedidos de indemnização se quantificam em somas avultadas.
114. Em 28-03-2018, o Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas português, pronunciou-se através de comunicado, no qual se pode ler:
«O Conselho Deontológico manifesta a sua preocupação com o fenómeno que classifica de Bullying económico, uma forma de pressão económica exercida através de instrumentos jurídicos, sobre os jornalistas e os órgãos de comunicação social, a qual condiciona fortemente a investigação jornalística e põe em causa o livre exercício da Liberdade de expressão.
O fenómeno por nós classificado de Bullying económico é também conhecido por bullying jurídico (ou, na expressão inglesa SLAPP – strategic lawsuit against public participation) e consiste na “utilização abusiva de ações judiciais dirigidas à proteção da honra, do bom nome e da reputação com objetivo primordial de silenciar a crítica pública por parte dos meios de comunicação social e dos cidadãos, como definem Jónatas Machado e Iolanda Rodrigues de Brito na obra Difamação de Figuras Publicas.(…)
No presente momento, a T... está a ser vítima deste tipo de condicionamento, na sequência da emissão do trabalho da autoria das jornalistas JF e AB, intitulado “O Segredo Dos Deuses”, em que eram relatados factos de relevante interesse público sobre os responsáveis da I….
Desde Janeiro, quer as duas jornalistas responsáveis pela investigação, quer a direção de informação da T..., quer a M... têm sido alvo de inúmeros processos judiciais onde surge o respetivo pedido de indemnização.»
115. Após a transmissão da reportagem, a 1.ª ré tem promovido e divulgado a reportagem, nomeadamente, na sua página de Facebook, sugerindo que esta seja partilhada por terceiros nas redes sociais.
116. A investigação jornalística que deu origem à reportagem, durou em dedicação exclusiva de alguns profissionais cerca de sete meses, com recurso a diversas fontes de informação, nomeadamente, pessoais e documentais.
117. O A. não é referido nem retratado em muitos dos episódios da reportagem, surgindo o seu nome, história e imagem, a maior parte das vezes, associadas ao foco informativo relativo ao processo de adoção do seu irmão biológico F, por este ter sido uma das crianças adotadas por familiares diretos do responsável máximo da I..., bispo E..
118. O A. tem contas em redes sociais como o facebook, em que regularmente divulga a sua imagem pessoal – presente e passada –, sem que se encontre limitada a sua visualização a terceiros que peçam para às mesmas aceder.
119. Algumas das fotografias do A. que aparecem na reportagem foram retiradas e editadas a partir das imagens que constam das redes sociais.
*
O Tribunal deu por não provados os seguintes factos:
A. A reportagem foi entregue para edição um mês e meio antes da emissão do primeiro episódio.
B. Na reportagem, são feitas diversas afirmações a respeito da infância e do processo de adoção do A. que os R.R. sabiam ser falsas, nomeadamente, no que se refere à falta de consentimento da mãe biológica do autor para a adoção.
C. Na elaboração da reportagem muitas vezes as fontes eram ameaçadas e na investigação eram frequentemente usadas pessoas sem carteira profissional de jornalista e que, de facto, não eram jornalistas, embora se apresentassem como fazendo parte da “Equipa de Investigação da T...”.
D. Na ocasião em que a avó materna do A., a então diretora do Lar, JDM, explicou-lhe que só poderia receber as crianças caso estas fossem encaminhadas pelas entidades competentes, in casu pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou pela Segurança Social, sugerindo à avó materna do autor que procurasse ajuda junto destas entidades.
E. Embora o contacto inicial com o Lar tenha sido feito pela avó materna do A., a institucionalização dos dois menores só ocorreu após o Lar ter sido contactado por uma assistente social a solicitar duas vagas para que aí fossem recebidas estas duas crianças.
F. Nos dias subsequentes a este contacto, o Lar foi acionado pela SCML para ir buscar duas crianças que, segundo uma denúncia recebida, passavam o dia sozinhas num quarto na zona da ….
G. Foi neste contexto que, a secretária do Lar foi buscar o A. e o seu irmão biológico a um quarto na zona da …, encontrando-se aí já a polícia e uma assistente social.
H. A funcionária do Lar recolheu então os dois irmãos que foram transportados para o Lar, onde ingressaram.
I. O processo do A. e do seu irmão sempre foi acompanhado pelas autoridades competentes, Segurança Social e Santa Casa da Misericórdia.
J. O Lar encetou vários esforços para localizar a mãe biológica do A. e do seu irmão, tendo alguns funcionários procuraram a sua avó materna do A. que lhes terá mostrado um postal, expedido de Sesimbra, que havia recebido da filha e a partir daí a secretária e o motorista do Lar partiram à procura de pistas sobre o paradeiro da mãe biológica do A. que os levaram a Coimbra e a Braga, onde a encontraram num bordel.
K. O A. viu associado o seu nome associado a um enredo novelesco e fraudulento onde ele, sem o querer, é protagonista.
L. O A. telefonava à sua mãe adotiva a chorar compulsivamente, dizendo que tinha medo de a perder.
M. Todo o clima de instabilidade vivido pelo A. no momento da transmissão da reportagem levou a que a gravidez da sua mulher se tornasse numa gravidez de risco, e fez com que o filho nascesse prematuro.
N. O A. teve de procurar ajuda psicológica depois de ter sido obrigado a reviver todos estes traumas da sua infância com a família biológica.
O. Os vários episódios da reportagem permanecem no site da T... e T..., até à data de hoje, no link http://www.(T...).pt/segredo-dos-deuses.
P. O A. terá de gastar muito dinheiro para conseguir “ir atrás” de todos os meios e suportes onde se encontram disponíveis os episódios supra referidos, para que esses conteúdos sejam removidos.
Q. A investigação jornalística na verificação e cruzamento da informação, procurou ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis na sua divulgação.
R. Os visados na reportagem, e em particular o A. já haviam revelado publicamente a sua história de vida e tem publicamente promovido a sua imagem com os seus fins.
S. Foi a família adotiva do irmão do A. e a sua própria que com o seu conhecimento e autorização – pelo menos tácita - que, à sua maneira e de forma a servir os seus interesses pessoais e os da organização da I..., primeiramente expuseram e revelaram publicamente a sua história de vida passada e presente.
T. O autor e a sua família adotante assumem e exercem no presente um papel na estrutura da I..., sendo o seu pai adotivo um dos mais influentes bispos e líderes da instituição da I....
U. O próprio A. utiliza e beneficia da revelação da sua imagem e vida privada, promovendo a sua difusão nas redes sociais para realizar os seus interesses e capitalizar a atenção para a instituição para a qual também trabalha – a I....
V. O A. nas suas contas em redes sociais, como o facebook e instagram, divulga as suas atividades ao serviço da igreja.

Tudo visto, cumpre apreciar.
*

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Os 1.º a 3.º R.R., na sua alegações de recurso, vieram suscitar a questão da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do Art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., porquanto este processo se traduziria numa ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against public participacion), tendo sido desenhado e proposto com o principal objetivo de censurar, intimidar e silenciar os jornalistas Recorrentes e todos os demais que pretendessem investigar e divulgar notícias que não são do interesse da I..., visando a reputação e credibilidade dos jornalistas e esgotando os seus recursos financeiros e os dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, perturbando seriamente o seu trabalho e a sua liberdade editorial.
Essa situação veio a ser mesmo objeto da Recomendação EU 2020/758 da Comissão Europeia de 27 de abril de 2022, que reconhece a importância e impacto deste tipo de ações e a necessidade de proteger os jornalistas dos seus efeitos, recomendando a adoção de várias medidas legais e processuais para as prevenir e combater. Para além disso, também se verificaria uma situação de abuso de direito que foi invocada na contestação dos Recorrentes, onde se realça que a I... reagiu às reportagens referidas nos autos atacando os jornalistas e ameaçando-os com a instauração de inúmeros processos judiciais, replicando uma estratégia posta em prática pela instituição por diversas vezes no Brasil para condicionar os jornalistas e a comunicação social a não publicarem notícias que entendiam como desfavoráveis à instituição. Ao que acresce que o mandatário do A. também patrocina a I... em diversos outros processos judiciais contra os Recorrentes, não tendo esta ação como propósito primário defender o bom nome e consideração ou a imagem e intimidade dos cidadãos proponentes, mas apenas o propósito intimidar, constranger e condicionar o regular desempenho da atividade profissional dos jornalistas Recorrentes e o saudável exercício da sua liberdade de expressão e de opinião.
Ora, no entender dos R.R., o Tribunal a quo, apesar de ter verificado esta realidade, foi incapaz de retirar desta manipulação do sistema judicial qualquer consequência processual e legal, omitindo a apreciação da alegação dos Recorrentes na sua contestação, relativo ao manifesto abuso de direito, em violação do Art.º 615.º n.º 1, al. d), do C.P.C..
O A., nesta parte Recorrido, sem tocar especificamente nesta questão da nulidade, não deixou de realçar que os R.R. não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do A. relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção (cfr. Art.º 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09), não tendo observado os deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da sua vida privada.
Por sua vez, o Tribunal a quo veio sustentar, nos termos do Art.º 617.º do C.P.C., que não havia omissão de pronúncia, porque a questão do abuso de direito é explicitamente abordada as páginas 69 a 70 da sentença recorrida.
E, efetivamente, nessas páginas pode ler-se o seguinte:
«Finalmente, quanto à questão suscitada, configurável como uma exceção inominada, relativa à presente ação se inserir ou constituir parte de uma estratégia de bullying judiciário no quadro de outras ações intentadas pela I... e como tal suscetível de afastar a ilicitude ou obviar, quiçá, ao direito indemnizatório, importa atender ao que resultou provado.
«Assim, considerou-se demonstrado que, no seguimento da transmissão da reportagem, a I... ou parte dos visados na reportagem, têm vindo a recorrer aos meios jurisdicionais, demandando, nomeadamente, a aqui ré T..., mediante a instauração de procedimentos cautelares e ações de processo comum peticionando indemnizações avultadas, tendo ainda o Conselho Deontológico do
Sindicato dos Jornalistas emitido um comunicado a este propósito.
«Simplesmente, e sem prejuízo das dificuldades da caracterização ou do relevo de tal figura, que eventualmente poderíamos enquadra numa forma de abuso de direito de ação (cfr. a obra de António Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa, Almedina), não se mostra evidenciado nos autos, em particular da matéria de facto provada e, em concreto, na atuação
do aqui autor, o circunstancialismo necessário, não se provando que a instauração da presente ação, se enquadre numa intenção de condicionamento da liberdade de expressão ou de imprensa com o intuito de a limitar (cfr. enunciado pelo comunicado).
«Ao invés, importa ter em consideração que, conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 16-12-2003, Proc. n.º 8263/2003-7, disponível em www.dgsi.pt: “o direito de ação é um dos vários direitos que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais (...). Mas para o seu exercício, em concreto, existe uma exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Porque se litiga com má fé, exerce uma atividade ilícita e, como tal, incorre em responsabilidade civil processual subjetiva com base na culpa (artigo 457.º do Código de Processo Civil), por um exercício abusivo do direito de ação ou de defesa. Fora do caso de litigância de má fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha, não comete qualquer ilícito”.
«Ora, no caso, não se vislumbram razões para entender que o direito exercido pelo autor, mediante a instauração da presente ação, e desde logo por o autor, enquanto pessoa e titular dos direitos de personalidade em causa nos autos não coincidir com a I..., mesmo que seja por esta auxiliado, corresponda a qualquer uso indevido do seu direito de ação, consagrado no art.º 20.º da CRP, pelo que não se acolhe esta exceção invocada pelos réus.
«Verificam-se, pois, os mencionados requisitos da responsabilidade civil, sem que os fundamentos de exclusão da responsabilidade invocados pelos réus possam ser atendidos, pelo que se passa a apurar do respetivo quantum indemnizatório».
Apreciando, o Art.º 615.º n.º 1 al. d), 1.ª parte, do C.P.C. estipula que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Como todos os restantes vícios previstos nesse preceito, trata-se de um vício formal, traduzido num error in procedendo, ou erro de atividade, que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do Art.º 608.ºdo C.P.C., onde se estabelece que: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Já Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143) escrevia a este respeito que: «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Por outras palavras, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, o que é uma realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (vide, neste sentido os acórdãos do STJ de 7/7/1994, in BMJ n.º 439, pág. 526 e de 22/6/1999, in CJ Tomo II, pág. 161; da RTL de 10/2/2004 in CJ Tomo – I, pág. 105, de 6/3/2012, Proc. n.º 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl).
A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir por via de ação, exceção ou reconvenção, não constituindo nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a procedência ou improcedência da ação, nem as situações em que a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento doutra que a prejudica. É também claro que não é necessário ao juiz esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Ora, no caso, em face dos termos como a questão foi colocada nas alegações de recurso e confrontando-a com a transcrição feita da parte da sentença que sobre a matéria se debruçou, é por demais evidente que não existe qualquer omissão de pronúncia que pudesse preencher a previsão do Art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., no sentido supra exposto. Pelo que improcede nesta parte o recurso dos 1.º a 3.º R.R. e as correspondentes conclusões.
2. Da impugnação da matéria de facto.
Os R.R. vieram todos impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pondo em causa o julgamento dos factos  16, 32, 33, 41, 57, 77 a 79, 82 a 91, que entendiam dever ser dados por não provados, ou ser eliminados da seleção dos factos provados, explicitando as razões e os meios de prova que, no seu entender, deveriam conduzir a essa decisão, transcrevendo pontualmente alguns dos depoimentos gravados que entenderam relevar para esse efeito.
Estabelece o Art.º 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art.º 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No caso, foram suficientemente cumpridos os ónus de impugnação previstos na lei processual, cumprindo assim apreciar o julgamento dos factos que especificamente foram postos em causa.
2.1 Do facto provado no ponto 16.
O primeiro facto cujo julgamento é posto em causa pelos 1.º a 3.º R.R. é o que ficou a constar do ponto 16, onde ficou dado por assente que na reportagem é divulgada a identidade dos menores adotados, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, e ainda a identidade dos adotantes e as circunstâncias de vida das crianças adotadas.
Curiosamente, os 1.º a 3.º R.R., impugnaram o facto provado 16, mas não impugnaram os factos provados 17 (onde se diz que o A. foi uma das crianças referidas na reportagem como tendo sido objeto de uma dessas adoções), 18 (onde se diz que, na reportagem, o A. é identificado pelo nome, associando ainda a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, identificando, ainda, os seus pais adotivos, quer pelo nome, quer pela imagem), 20 (onde se diz que na reportagem é feita referência à história de vida do A. e os problemas que o mesmo tinha enquanto vivia com a sua família biológica), 21 (onde se diz que o relato da história do A. é associado ao de outras crianças, em relação às quais é apelidado o processo de adoção de ilegal, com base na existência de uma alegada rede internacional de adoções ilegais), 22 (onde se menciona que a história do A. e do seu irmão biológico é contada nos episódios 7 e 8, sendo a sua imagem e o seu nome expostos nos episódios 6 e 9), 23 (onde se refere que a história de adoção do A. e do seu irmão biológico volta a ser abordada nos episódios 11 e 12, tendo estes sido emitidos numa continuação da reportagem transmitida em 19-04-2018 e 20-04-2018), 24 e 25 (onde se faz uma descrição pormenorizada do teor das entrevistas, imagens, fotos e referências às histórias das crianças no episódio 6, transmitido no dia 18-12-2017), 26, 27 e 28 (com iguais menções relativas ao episódio 7, transmitido a 19-12-2017), 29 (por referência ao debate após a exibição do episódio 7, com revelação de pormenores da vida dessas duas crianças), 30 (por referência ao episódio 8, transmitido em 20-12-2017, com entrevistas relativas a características físicas do P e mais exibições de imagens das crianças em adulto e dos seus pais adotivos) 31 (por referência ao episódio 9, transmitidos em 21-12-2017, com novas referências à história do A. e do seu irmão biológico, voltando a passar a imagem do A. e do seu irmão enquanto crianças) 32 (este, por acaso, impugnado, como adiante se verá, mas onde se diz que no decurso dos referidos episódios da reportagem é utilizado um nome fictício para a mãe biológica do A. e a sua imagem não aparece visível, enquanto no que diz respeito ao A. é utilizada sempre a sua imagem, sem qualquer tipo de distorção e o seu nome verdadeiro), 34 (onde se faz menção ao relato na reportagem de factos relativos ao processo de adoção do A., sugerindo que este teria sido retirado da sua mãe biológica e levado para o estrangeiro, através de uma adoção ilegal, feita no âmbito do que apelidaram de uma rede internacional de adoções ilegais), 35 (relativos à disponibilização dessas reportagens no site da T...), 36 (referente ao episódio 11, transmitido em 19-04-2018, onde se volta a falar da família biológica do A., de pormenores da sua visa e do seu processo de adoção), 39 (referente ao debate posterior à exibição do episódio 11, com menção a que continuam a ser revelados detalhes sobre a vida privada do A. e do seu irmão, com indicação dos seus nomes verdadeiros) e 40 (relativo ao episódio 12, transmitido em 20-04-2018, onde se faz menção ao A. e seu irmão e a outras 3 crianças, todas pelo seu nome).
No entanto, sustentam os Recorrentes que a “generalização” constante do concreto facto impugnado não corresponde ao que efetivamente se pode ver nas 10 reportagens exibidas e juntas aos autos, sendo notório que foram relatados casos em que a imagem e identidade dos adotados não foram reveladas, sendo que no artigo 27.º da contestação apresentada pelos R.R. havia sido dito que na reportagem não foram identificadas todas as crianças cujos casos foram retratados, apenas revelando a imagem e identidade dos jovens adotados nas circunstâncias noticiadas quando tal se revelava indispensável para a total compreensão dos factos.
Ocorre que, nas reportagens, são apresentados casos específicos de crianças, concretizando-se desse modo as situações relatadas, havendo algum enfoque específico no caso de 2 mães (biológicas) e dos correspondentes filhos, que são 5 crianças que servem de “casos exemplificativos”. Ora, é sobre essas situações que se refere fundamentalmente o ponto 16 dos factos provados, o qual só se compreende em função da sequência dos factos provados seguintes, que na sua generalidade (com exceção do ponto 32 e 33, com o sentido que adiante se verá) não foram impugnados, e têm algum suporte, no que se refere ao A., nas reproduções juntas aos autos a fls. 72 verso a fls. 91 (cfr. doc.s n.º 19 e ss., juntos com a petição inicial). Por isso não existe qualquer motivo para alterar a redação desse ponto 16, nem para o retirar, ou, muito menos, para o dar por não provado.
2.2 Dos factos provados nos pontos 32 e 33.
O segundo conjunto de factos cujo julgamento é posto em causa pelos 1.º a 3.º R.R. reportam-se ao que ficou a constar dos pontos 32 e 33. No primeiro dos quais faz-se menção a que, no decurso dos referidos episódios da reportagem, é utilizado um nome fictício para a mãe biológica do A. e a sua imagem não aparece visível, enquanto no que diz respeito ao A. é utilizada sempre a sua imagem, sem qualquer tipo de distorção, e o seu nome verdadeiro. Já no segundo é dito que a reportagem é marcada «por um forte carácter emocional e sentimental, com sucessivas repetições e chamadas de atenção, visando caracterizar uma situação de escândalo público».
A questão, tal como suscitada pelos Recorrentes, têm a ver com o caráter “conclusivo” da redação desses pontos da matéria de facto e não com a veracidade do afirmado ou a sua desconformidade com a prova produzida a seu respeito.
Sucede que, no que se refere ao ponto 32, o facto provado não contém qualquer menção conclusiva ou valorativa. Tratam-se de factos puros e simples, que podem ser evidentemente objeto de apreciações valorativas, mas a sua descrição está muito concretizada em realidades palpáveis e perfeitamente percetíveis.
Já a redação do ponto 33 pode ser um pouco mais discutível, mas ainda assim a descrição do “forte caráter emocional e sentimental” da reportagem pode ser afirmada como um facto, porque é objetivável e essa objetividade, que facilmente se constata, é muito relevante no contexto desta ação.
Quanto à finalidade da reportagem ser uma visada caracterização de uma situação de “escândalo público”, também pode ser afirmada como facto se foi efetivamente esse o fim da reportagem. Ora, nós não temos dúvidas que era isso mesmo que era pretendido, dada a ênfase objetiva empregada, seja em termos promocionais prévios à difusão das reportagens, seja no próprio contexto das transmissões feitas no espaço nobre do jornal da noite da T....
Julgamos assim que, independentemente de estar ínsita na descrição fáctica uma certa valoração da realidade, toda a descrição fáctica assim feita releva como objetivada da realidade transmitida e como tal não é conclusiva em si mesma. Nessa medida, julgamos não existir fundamento para eliminar dos factos provados a matéria que ficou a constar dos pontos 32 e 33 da sentença recorrida.
2.3 Dos factos provados no ponto 41.
O ponto seguinte que os 1.º a 3.º R.R. impugnam refere-se à matéria do ponto 41 dos factos provados, onde é feita menção à circunstância de, no episódio 11, no contexto do reencontro do A. com a sua mãe biológica, a imagem do A. é incluída na reportagem.
Dizem os Recorrentes que, o A. pediu então para não serem tiradas imagens desse reencontro com a mãe biológica, o que foi respeitado. No entanto, o A., nas contra-alegações, não deixou de relevar que no episódio 11, a sua imagem, suportada apenas em fotografias anteriores, continuou a aparecer, como resulta da visualização dos episódios da reportagem.
Há que dizer que, os Recorrentes têm razão quanto às imagens do reencontro do A. com a sua mãe.
Aliás, o próprio A. disse, em declarações de parte, que pediu para não o filmarem nessa ocasião e que, embora sem certezas, pensava que tinha sido respeitado, reconhecendo que não haviam efetivamente sido passadas imagens desse reencontro com a sua mãe biológica. Mas uma coisa são as imagens atuais do “reencontro” com a mãe biológica, propriamente dito, outra coisa são a repetição da passagem de imagens antigas do A. no episódio 11.

2.4 Dos factos provados no ponto 57.
Pretendem ainda os 1.º a 3.º R.R. pôr em causa o julgamento do ponto 57 dos factos provados, que se refere à circunstância de, no período em que o A. esteve no Lar (da I...), se ter criado uma ligação afetiva com a sua futura mãe adotiva, tendo evoluído positivamente como criança.
Entendem os Recorrentes que nenhum documento dos autos sustenta tais factos, nem em audiência os testemunhos permitem e possibilitam a sua afirmação, até porque o Tribunal, na explanação da sua motivação, sustenta que a prova testemunhal carece de credibilidade e encontra-se contaminada pelos interesses e posições da I....
O Recorrido, por seu turno, contrapõe com o depoimento da mãe adotiva (gravação aos minutos 10:14:17 a 11:57:03 e 00:15:16 e 00:18:10) e com as declarações do próprio A. (gravação aos minutos 00:09:58 e 00:10:40).
Tendo ouvido a prova gravada, temos de dizer que, independentemente das alegadas “ocultas” influências da I... em toda este processo, sobre estes factos não nos assolou qualquer dúvida sobre a sua veracidade.
As declarações de parte do A. pareceram-nos nesta parte íntegras e reveladoras duma sincera sensibilidade por parte do depoente, que traduzem um profundo agradecimento para com a sua mãe adotiva, descrevendo os factos de forma que nos pareceu verdadeira e “em primeira mão”, diretamente da boca da pessoa a que os mesmos se referem. O mesmo se devendo dizer do depoimento da testemunha JDM, mãe adotiva do A..
Ambos esses depoimentos acabaram por ser corroborados, de forma mais indireta, é certo, pela testemunha MM, avó biológica do A., que confirmou que o seu neto estava a ser bem tratado no Lar e com carinho. Mas também, pela testemunha DCR, filha da mãe adotiva do A. e, portanto, irmã adotiva do A.; e pela testemunha CRM, que foi a técnica da Santa Casa da Misericórdia que fez o relatório para o processo de adoção que corria termos no Tribunal de Família, confirmando a existência desses laços afetivos.
Omitimos naturalmente qualquer referência ao depoimento de NOM, porque não conseguimos perceber como foi possível que a mesma tenha produzido um depoimento testemunhal relativamente a factos a que teve acesso, apenas e só, no exercício da sua profissão como advogada, ainda para mais como advogada constituída no próprio processo de adoção (?!) (segundo a própria admitiu), não constando do processo qualquer autorização pela Ordem dos Advogados para prestar depoimento sobre estes factos (tenha-se aqui em atenção o disposto no Art.º 92.º n.º 1, n.º 4 e n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Pormenores à parte, sobre este facto concreto, pensamos que a prova foi suficientemente segura, não nos suscitando dúvidas para confirmarmos que estamos convictos da certeza do que ficou consignado no ponto 57 dos factos provados.

2.5 Dos factos provados nos pontos 77 a 79.
Os 1.º a 3.º R.R. impugnam ainda o julgamento dos pontos 77 a 79 dos factos provados na sentença recorrida, com o argumento essencial de que são conclusivos, por terem natureza valorativa, repetirem o conteúdo factual do ponto 76 e não terem qualquer suporte na prova documental ou testemunhal junta aos autos. Nessa medida, defendem a sua pura eliminação.
O A., aqui Recorrido, sustenta que os mesmos resultam da valoração que o Tribunal fez da prova produzida em sede de julgamento, designadamente pelos depoimentos de JDM e JB, e ainda da circunstância de, pela mera visualização da reportagem, se poder constatar que os R.R. optaram por não divulgar a imagem ou identidade das alegadas mães biológicas das crianças adotadas, tendo ainda assim emitido a reportagem, sendo que, de acordo com as regras de experiência comum, a reportagem poderia perfeitamente ter sido emitida sem incluir imagens do A., seja enquanto criança, seja enquanto adulto.
Ponderando os factos em causa, temos que no ponto 77 está provado que as 1.ª e 2.ª R.R. sabiam da identidade do A. e dos seus pais adotivos e tinham a possibilidade de o contactar previamente, sem o terem feito. Esse facto foi referido, quer pelo A. em declarações de parte, quer pela mãe adotiva, que foi ouvida como testemunha, mas também decorre do facto evidenciado nas reportagens de que as R.R. conseguiram facilmente encontrar a mãe biológica do A. e a mãe de outras 3 crianças, para além da avó biológica do A.. Acresce que também conseguiram fotos do Facebook do A., resultando daqui que poderiam perfeitamente, se quisessem, ter entrado em contacto com o A. e, efetivamente, não o fizeram. Portanto, apesar deste facto reforçar o facto já provado em 76, não existe motivo para eliminar o ponto 77, que não é sequer minimamente valorativo ou conclusivo, mas mera descrição fática da realidade.
O facto constante do ponto 78 é uma mera constatação de facto. Ou seja, aí se afirma que, tendo sido difundidas imagens recentes do A., agora é possível reconhecê-lo, ainda que resida no Brasil. Essa constatação não deixa de ser um facto, que poderia ser sustentado em regras de experiência comum, mas também na circunstância de o Tribunal a quo ter podido confrontar a imagem atual do A., que inquiriu em audiência de julgamento, com as imagens mais atuais que foram divulgadas nas reportagens que visualizou.
A possibilidade de a reportagem poder ser feita sem a difusão de imagens do A. ou sem indicação do seu nome, sendo que assim se havia procedido relativamente à sua mãe biológica, o que não inviabilizava que as R.R. pudessem contar a história que pretendiam, tal como ficou provado no ponto 79, também é uma constatação de facto, suportada no tratamento objetivo e diferenciado das duas situações aí indicadas e ainda nas regras de experiência comum e do elementar bom senso. Realce-se, no entanto, que poderia existir um qualquer obstáculo técnico à possibilidade de anonimizar ou descaracterizar o nome ou a imagem do A.. Por isso, a afirmação deste facto assume relevância prática.
A este último propósito, temos de recordar que foram ouvidas como testemunhas: RF, repórter de imagem da T..., que procedeu à edição das reportagens que vieram a ser emitidas por esse canal da televisão; e ainda RT, Diretor da área digital da M.... Ora, ambos referiram ser perfeitamente possível, em termos técnicos, eliminar as referências aos nomes e ocultar a imagem do A..
Pelo exposto, motivos não existem para eliminar nenhum dos factos dados por provados nos pontos 77 a 79.
2.6 Dos factos provados relativos aos “danos não patrimoniais”.
Segue-se um conjunto de factos, que foram impugnados por todos os R.R., aqui Recorrentes, identificados como estando relacionados com o tema dos alegados “danos não patrimoniais” sofridos pelo A..
O fundamento essencial da impugnação apresentada pelos R.R. centra-se muito numa alegada incoerência interna da decisão recorrida que, por um lado, descredibiliza as declarações de parte e os depoimentos testemunhais, levando a que alguns factos, relacionados com esta temática, tenham sido julgados por não provados (v.g. alíneas L) a N) dos factos não provados), mas depois, com base nesses mesmos meios de prova, vem a afirmar como provados estes pontos aqui impugnados. Aproveitaram ainda para explorar pequenos pormenores em que se verificam algumas contradições entre esses depoimentos, concluindo pela fragilidade da prova produzida a este respeito. No final, apesar de reportarem a impugnação aos factos 80 a 91 da sentença recorrida, acabam por centra-se mais nos factos provados 82 a 87, 90 e 91, que pretendem ver julgados por não provados.
O Recorrido A., nesta parte, vem a valorar os depoimentos prestados pelo A. e pelas testemunhas JDM, D e JB, sustentando a decisão recorrida.
Temos de referir, antes de mais, que a sentença recorrida é particularmente extensa e rica, do ponto de vista da explanação da sua fundamentação da sua decisão sobre a matéria de facto. Dela resulta, nos segmentos que importa relevar, o seguinte:
«No que se refere à matéria dos danos não patrimoniais causados ao autor por efeito da reportagem, e não obstante a prova destes tenha resultado essencialmente do depoimento das testemunhas e das declarações do próprio, valorou o tribunal os documentos que foram apresentados a esse respeito, nomeadamente, (i) os prints das trocas de mensagens do autor com terceiros acerca do conteúdo da reportagem; (ii) a certidão de casamento do autor no Brasil ; (iii) a certidão de nascimento do filho do autor no Brasil; (iv) e a declaração e anota de alta referente à gravidez e nascimento do filho do autor (…).
«Por sua vez, e no que se refere aos documentos juntos com as contestações, para além da remissão para os documentos que já haviam sido juntos com a oposição ao procedimento cautelar, entretanto apenso, e que se referem a diversas fotografias e extratos da página de facebook do autor (tendo algumas destes prints sido também juntos com a contestação da 4.ª e da 5.ª ré), não valorou o tribunal, em especial medida, os demais documentos juntos com as contestações.
«(…) foram parcialmente atendidos os demais documentos juntos com o mencionado requerimento de 13-03-2019, relativos ao denominado bullying judicial imputado à I..., e, ainda que esta não seja parte nos autos, consignou-se na matéria de facto o que resulta do conhecimento funcional do tribunal relativamente à diversidade de ações e procedimentos cautelares, e ainda o teor de uma posição pelo Sindicato dos Jornalistas, sendo os demais elementos despiciendos para o efeito. (…)
«No que se refere à prova testemunhal importa, para já, enunciar terem no decurso da audiência, e ao longo de diversas sessões, sido inquiridos como testemunhas (i) JDM, mãe adotiva do autor e antiga diretora do Lar; (ii) MM, avó biológica do autor; (iii) DDM, irmã do autor (por via da adoção do autor); (iv) MM, mãe biológica do autor; (v) CRM, técnica de serviço social da SCML; (vi) JB, responsável pelo compliance da I...; (vii) MF, editor de imagem da reportagem e funcionário da T...; (viii) JAC, jornalistas e funcionário da T...; (ix) RF, repórter de imagem e funcionário da T...; (x) RT, diretor da área digital da M...; (xi) NOM, advogada interveniente no processo de adoção; e (xii) MAP, ex-funcionária da I....
«A referida prova testemunhal, não obstante a sua multiplicidade e extensão dos depoimentos, pelas razões infra referidas e melhor concretizadas a respeito de cada segmento probatório, foi valorada pelo tribunal, na maior parte dos casos, com grandes reservas. Para tal, militou a circunstância de parte das testemunhas não terem demonstrado isenção nem distância em relação aos factos em causa nos autos, que se inserem num litígio mais vasto relacionado com a reportagem.
«Ficou, inclusive, evidenciado terem sido já existido participações criminais ou processos de natureza cível envolvendo algumas testemunhas, conforme sucedeu, nomeadamente, com a mãe biológica do autor, com a técnica CRM ou terem tido um papel decisivo e comprometido com as adoções, como foi o caso da advogada NOM, sendo que em relação às testemunhas apresentadas pelo autor tinham, de uma forma ou de outra, alguma relação com a I... e, mesmo não o confirmando, não deixavam de ter alguma razão de animosidade contra os aqui réus, tendo, aliás, na generalidade os depoimentos das testemunhas não sido os primeiros que prestavam a respeito da reportagem, afetando tal a sua espontaneidade.
«A título complementar, foi ainda ouvido o autor em declarações de parte, o qual admitiu ter-se deslocado a Portugal com o apoio da I... e ser o seu advogado o mesmo de outras ações, tendo, em todo o caso, as suas declarações a respeito das consequências na sua vida da exibição da reportagem ido ao encontro e confirmado os depoimentos das testemunhas. Assim, apesar do seu natural interesse no desfecho da causa, face à matéria em causa se referir à sua infância e vicissitudes da adoção, atentas as regras de experiência comum e verosimilhança, considerou o tribunal credíveis as suas declarações, incluindo, o estado emocional que revelou na audiência de julgamento quando se referiu ao seu percurso de vida.
*
«(…) Na verdade, a prova produzida, nomeadamente testemunhal, a respeito da factualidade concreta relativa ao autor e à sua infância, foi valorada pelo tribunal com especial cautela, atenta a circunstância de este ser um, entre muitos processos que trataram da temática das adoções de crianças no Lar da I..., sendo a verdade dos factos já dificilmente apurável uma vez que toda a prova se encontra muito condicionada, ou mesmo “contaminada”, pelo programa televisivo, pela polémica mediática e até social e política que este gerou, bem como pelos muitos processo e declarações prestadas pela testemunhas noutros processo, e até pelo seu interesse direto ou indireto no tema, sem que tenha sido sequer possível recorrer à investigação criminal por estar não ter apurado factos mas ter-se restringido a um juízo de prescrição do procedimento criminal.
«Como tal, deu o tribunal como provado apenas o que foi possível apurar com o grau de certeza necessário em processo civil, tendo o julgador recorrido aos critérios de distribuição do ónus da prova previstos no art.º 342.º do CPC, e, nos casos de dúvida sobre a realidade de um facto, ao critério do art.º 414.º do CPC.
«Os referidos meios de prova, designadamente no que se refere aos meios de prova sem valor legal tarifado, foram valorados de acordo com o princípio da livre apreciação do tribunal, tendo também em atenção as regras de experiência nos termos que se concretizam infra., assim formando o tribunal a sua convicção quanto à prova dos factos
*
«(…) entendeu o tribunal que os depoimentos prestados a este respeito, pelas razões já enunciadas relativas à falta de isenção, interesse ou conflitualidade gerada a respeito da reportagem, não mereciam total credibilidade, aqui se incluindo, nomeadamente, (i) o depoimento de JDM, mãe adotiva do autor e profundamente ligada à I... com o consequente ressentimento relativamente à reportagem na qual é retratada e quanto aos réus, (ii) o depoimento de DDM que, apesar de mais espontâneo e seguro, tem de ser enquadrado na circunstância de ser familiar próxima e casada com um pastor da I...; (iii) o depoimento de CRM, técnica que teve intervenção no processo na SCML e chegou a participar nos programas televisivos e que se viu confrontada com um processo movido pela I... pela sua atuação contraditória e que gerou desconfiança, nomeadamente, pela sua deslocação ao Brasil à custa dos pais adotivos para elaborar o relatório que instruiu a adoção, e, finalmente, da testemunha (iv) JB que, tendo prestado um depoimento seguro e veemente, acabou por equivaler, praticamente, a um representante legal da I... que, sem ser parte no processo, tem um interesse indireto neste e cujo conhecimento, na sua maior parte, derivava do procedimento de compliance que a I... iniciou no seguimento da reportagem, não tendo assim a necessária isenção e distanciamento para convencer o tribunal, designadamente, quanto aos factos que estiveram subjacentes ao processo de adoção.
«No mais, uma referência ainda para, no total dos depoimentos, ter o tribunal desconsiderado, em absoluto, o depoimento da testemunha (v) NOM, por, independentemente da veracidade ou não dos factos a que se referiu, todo o seu depoimento se encontra condicionado pela circunstância de ter atuado triplamente como advogada no que se refere ao processo de adoção, pois foi mandatária da mãe biológica no consentimento para adoção e mandatária dos pais adotivos, para além de ser advogada do Lar e ter-se comprovado ser a pessoa que tinha conhecimentos jurídicos e mantinha contactos com a SCML relativamente às adoções de crianças que se encontravam no Lar e que, admitiu, terem sido, em muitos casos, adotadas por pessoas ligadas à I..., com base em situações de facto que se iam criando.
«Neste contexto, acabou o tribunal por considerar mais credível, até por ter sido a primeira vez que era ouvida em tribunal e por não ter sequer atendido à reportagem, o depoimento da avó biológica do autor, a testemunha (vi) MM, a qual, ainda que num depoimento condicionado pela sua idade e fraca capacidade de expressão decorrente da sua presumível baixa instrução, se referiu às circunstâncias de vida do autor e do irmão quando estavam com a mãe, e aos seus múltiplos e graves problemas, tendo afirmado ter sido quem pediu para os seus netos serem adotados por alguém da I..., igreja de que é fiel, por ser o melhor para a vida deles.
«Deixa-se, por fim, uma breve referência ao depoimento da testemunha (vii) JAC, que como jornalista e pivot dos programas de debate que se seguiam à transmissão dos episódios da reportagem, afirmou não estar ligado à investigação e ter ficado com a impressão que a mãe biológica do autor, seria quem seria menos credível na versão que apresentava, sendo certo que o depoimento da testemunha (viii) MAP, se limitou a confirmar ter conhecido o autor quando era criança e saber ter este estabelecido uma relação afetiva com diretora do Lar, sua futura mãe adotiva, sem que as restantes testemunhas se tenham referido a esta factualidade.
«(…) Passando, agora, à convicção do tribunal relativamente à demonstração da matéria relativa aos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo autor (cfr. factos provados n.º 80 a 91), sem prejuízo de uma minoria desses factos não terem parecido verosímeis ou não ter sido possível estabelecer o respetivo nexo de causalidade (cfr. factos não provados L a N), ficou o tribunal efetivamente convencido que, tendo chegado ao conhecimento do autor, o teor da reportagem, este ficou bastante abalado e perturbado com o relato que aí era feito do seu passado, das circunstâncias da sua adoção e do papel dos seus pais biológicos. A tal se referiram, de forma que se entendeu credível, por conforme com as regras de experiência e com a seriedade e gravidade dos factos relatados na reportagem, a mãe adotiva do autor JDM, a sua irmã DDM, que apesar de viver na Alemanha tem contacto com o autor, e JB que mantém contacto regular com este. Assim, relataram estes as circunstâncias de vida deste no Brasil, e os problemas que teve com alcoolismo e como toda a situação o perturbou, em especial quando estava à espera do primeiro filho, conforme se comprova dos documentos já acima referidos, e que complementaram pelas referências a terceiros o abordarem sobre o assunto, ainda que por via da sua relação com o irmão.
«As testemunhas em causa, não obstante a sua proximidade com o autor, relataram com precisão e credibilidade as circunstâncias de vida do autor e os efeitos que a reportagem nele causou, tendo, para além de esclarecerem não se tratar de pessoas com responsabilidades na I... e não terem os seu pais a projeção ou relevo pretendido pela defesa, afirmado unanimemente ter o autor atravessado um período difícil que o fez regressar a traumas de infância, com prejuízo para a estabilidade emocional e relacionamento familiar, ainda que não tenha posto em causa o papel dos seus pais adotivos, antes sentido como sendo alvo de um tratamento injusto.
«Ainda a este respeito, e com base no conjunto da prova produzida, na visualização do último bloco de episódios e, nos termos do próprio depoimento da mãe biológica do autor MM, consignou o tribunal na matéria de facto que o autor não tinha qualquer contacto ou conhecimento do paradeiro desta, resultando tal facto adquirido pelo tribunal da instrução da causa com a possibilidade das partes exercerem o contraditório. Foi como tal, tal circunstância considerada pelo tribunal como instrumental para ficar convencido que, o reencontro do autor com a mãe biológica, atentas todas as circunstâncias traumáticas e singulares em que se processou a adoção e a própria exibição da reportagem, foram aptas a transtornar o autor no seu quotidiano e estabilidade, sendo, pois, demonstrativas dos sentimentos de exposição, consternação e desgosto que terão sido vivenciados pelo autor que, há vários anos se encontrava afastado das suas vivências de infância.
«De resto, as declarações de parte do autor foram neste sentido igualmente esclarecedoras e credíveis, referindo-se, com alguma emoção, aos problemas que vivenciou e às explicações e diferença no relacionamento conjugal, sendo certo que entender o contrário ou negar o efeito que uma reportagem, que comprovadamente teve grande destaque público em Portugal e não só, e na qual é retrata uma situação do passado de vida difícil do autor e suscita dúvidas a respeito dos contornos da adoção e a idoneidade da pessoa dos adotantes, não se afigura como razoável nem compatível com a normalidade das coisas, tendo, pois, o tribunal com recurso aos elementos probatórios produzidos e às regras de experiência, dado como provados os mencionados factos relativos aos danos sofridos pelo autor». (sublinhados nossos).
Visto isto, e ouvida a prova gravada, ficámos exatamente com a mesma sensação que se mostra expressa na fundamentação agora transcrita.
De facto, é com muitas reservas que se pode relevar a prova testemunhal e por declarações de parte do A., porque é claro que existe subjacente a este processo um “apoio assistencial” da I..., que não é de todo inocente e, sobre certo ponto de vista, esta ação servirá os seus interesses estratégicos, que nos parecem ser muito reais e indiscutíveis.
O próprio A. e a sua mãe adotiva tiveram a honestidade, nas declarações gravadas a que tivemos acesso, de reconhecer que as suas deslocações a Portugal, e as suas estadias neste país, estão a ser suportadas inteiramente pela Igreja, embora tenham negado que será a I... a suportar os honorários do advogado, que patrocina causas semelhantes à presente, ou em que se discute genericamente o mesmo tema das alegadas “adoções ilegais da I...”, contra os mesmos R.R..
Sem prejuízo do exposto, não pode ser escamoteado que existe também um interesse pessoal do A. nesta ação e é especificamente esse interesse que aqui se pretende fazer valer, o qual merece tutela do direito e o respeito que lhe é devido, não se podendo, sem mais, tomar-se a nuvem por Juno.
Na verdade, este tipo de processos tem uma sensibilidade pessoal muito própria, encontrando-se-lhe subjacente um conjunto de direitos e interesses individuais que é muito natural que tenham sido afetados pela divulgação das reportagens aqui em causa. Ora, ouvida a prova gravada, muito particularmente as declarações de parte do A. e da sua mãe adotiva, pareceu-nos que existiu uma afetação real e efetiva da vida do A., que se revelou ser uma pessoa genuinamente sensível e perturbada com o conhecimento que teve da divulgação destas reportagens.
A emoção revelada, principalmente por esses dois depoimentos (do A. e sua mãe adotiva), pareceu-nos genuína, verdadeira e adequada aos factos relatados e à forma como foram vivenciados por essas pessoas.
Mas, vejamos cada facto impugnado “per se”.
Os factos 82 e 83, relativos à alegada circunstância de terceiros terem contactado o A., a seguir à transmissão da reportagem, obrigando-o a dar explicações, foi confirmada pelo próprio, que identificou pelo menos duas situações em que isso ocorreu, através do Facebook, por ser associado ao seu irmão biológico, como filho adotado por uma filha do bispo E. (cfr. gravação aos minutos 21:23 a 22:20).
Os factos constantes dos pontos 84 a 87 foram igualmente expostos nesses termos pelo A. em termos emocionados e credíveis, sendo confirmado praticamente nesses termos pelos depoimentos da sua mãe e sua irmã, adotivas.
Reconhecemos que existiram outros depoimentos testemunhais sobre esta matéria, como os de JB ou CRM. Mas, o primeiro pareceu-nos ser só indireto e muito forçado pela sua intervenção nestes processos como pessoa ligada ao Departamento de “Compliance” da I..., e a segunda também nos pareceu apenas indireto e sustentado fundamentalmente em considerações de alegada razoabilidade.
Quanto aos factos constantes dos pontos 90 e 91, sendo certo que não foi ouvida a esposa do A. como testemunha – facto a que os Recorrente pretendem dar uma relevância extrema e para além do normal –, diremos que esses factos foram transmitidos, tal como provados, quer pelo A., quer pelas testemunhas sua mãe e irmã adotivas, sem qualquer divergência essencial, sendo que os seus depoimentos, nesta parte, pareceram-nos totalmente credíveis e razoáveis, dentro da imagem que nos foi transmitida da vivência familiar do A. e da forma como o mesmo o sentiu e fez sentir aos demais membros da sua família mais próxima.
Em conclusão, julgamos que o tribunal a quo fez uma apreciação correta da prova produzida e fixou a factualidade provada em total coerência com a convicção a que chegou, a qual, após a audição das gravações, se nos afigura ser acertada.
Em suma, não havendo motivo algum para proceder a qualquer alteração nos factos provados, improcede a impugnação apresentada pelos R.R., aqui Recorrentes.
3. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil dos R.R.
Fixada a factualidade relevante para o conhecimento do mérito da causa, cumpre então proceder ao seu enquadramento jurídico.
Recorde-se que a presente ação visava, numa primeira linha, a condenação dos R.R. no pagamento de indemnização, por factos ilícitos culposos que causaram danos de natureza não patrimonial ao A., na sequência da divulgação do seu nome e imagem num conjunto de episódios de reportagem, sem a sua autorização ou consentimento, no contexto da verificação de alegadas “adoções ilegais” em benefício de bispos da I....
Por outras palavras, o A. fundava a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual dos R.R., reportando-se o ilícito típico invocado a uma forma de abuso de liberdade de imprensa no quadro da divulgação de notícias através da televisão. Portanto, as questões a resolver na ação partiam da verificação e reconhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.
Nos termos do Art.º 29º n.º 1 da Lei n.º 2/99 de 13/1, que aprova a Lei da Imprensa, a responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa fica sujeita aos princípios gerais.
De igual modo, no Art.º 70.º da Lei da Televisão, aprovada pela Lei n.º 27/2007 de 30 de julho (aqui já com alterações da Lei n.º 8/2011 de 11/4) estabelece-se que: «1 - Na determinação das formas de efetivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais. 2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com exceção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de retificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador».
Os princípios gerais da responsabilidade civil, para onde nos remetem as normas acabadas de referir, vêm regulados essencialmente no Código Civil que, no seu Art.º 483º n.º 1, estabelece o seguinte: «Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São assim pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conforme realça o Prof. Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral” - Vol. I, 10ª ed., pág. 526): 1) o facto voluntário do lesante; 2) a ilicitude; 3) a imputação do facto ao lesante (ou culpa); 4) o dano; e 5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Vejamos então, de “per se”, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual com vista a verificarmos se assiste ao A. o direito que o mesmo se arroga.
           
3.1. Do facto voluntário.
A doutrina inclui dentro do conceito de facto voluntário do lesante todos os comportamentos voluntários ou formas de conduta humana (cfr. Antunes Varela, in Ob. Loc. Cit., pág. 527).
Assim, não há dúvida que escrever textos, produzir reportagens, fazer entrevistas, editar as respetivas imagens e promover a sua divulgação em programa, através de canal da televisão, com o conhecimento e sem a oposição da respetiva direção de informação, são factos voluntários, juridicamente relevantes, que podem determinar a responsabilidade solidária dos jornalistas, autores dessas peças noticiosas, da direção de informação da empresa titular do canal televisivo que as difunde (cfr. Art.º 35.º n.º 1 e n.º 2 da Lei da Televisão) e do próprio operador de televisão (cfr. Art.º 70.º n.º 1 e n.º 2 da mesma Lei). Neste contexto, verifica-se claramente o primeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos.

3.2. Da ilicitude.
Quanto à ilicitude, decorre dos termos do Art.º 483º do C.C. que ela poderá resultar, ou da violação dos direitos de outrem, ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Na primeira das mencionadas formas de ilicitude – ou seja a “violação de direitos de outrem” – a doutrina compreende basicamente a tutela dos direitos absolutos (Antunes Varela - Ob. Cit., pág. 533), sendo essa que fundamentalmente interessa ao caso dos autos.
No caso concreto, em causa estaria desde logo o direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada, cuja natureza de direito absoluto, oponível “erga omnes”, resulta dos Art.s 70.º, 79.º e 80º do C.C..
Nos termos do Art.º 70.º do C.C. a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, prevendo-se mesmo que, independentemente da responsabilidade civil, possam ser requeridas providências adequadas a evitar a consumação das ameaças ou atenuar os efeitos das ofensas já cometidas.
O Art.º 79.º n.º 1 do C.C. proíbe a exposição, reprodução ou lançamento no comércio do retrato de uma pessoa, sem o seu consentimento.
Finalmente, o Art.º 80.º do C.C. obriga todos ao dever de guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem, sendo a extensão da reserva definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas visadas.
Mas, para que o facto seja ilícito, é necessário que o comportamento, considerado lesivo de um direito absoluto, seja objetivamente contrário ao direito, sendo, portanto, contrário à norma que tutela o direito considerado. Por outro lado, mesmo partindo da verificação que houve uma violação do direito de outrem, é necessário ainda, pela negativa, ponderar se não se verifica nenhuma situação de exclusão da ilicitude, como seja o exercício legítimo de um direito, ou se não se verifica nenhuma causa de justificação da ilicitude, como sejam, a legítima defesa, ação direta ou o consentimento do lesado (Vide: Pessoa Jorge in “Ensaios Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil”, 1999, págs. 153 a 281; e Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 9ª Ed., págs. 520 e ss.).
No caso concreto, estamos perante factos voluntários que consistem na divulgação noticiosa, através de reportagens que passaram na televisão, em espaço vocacionado para a informação geral do público, em canais que são detidos pela 4.ª R., que é uma operadora televisiva, com autorização para o exercício da atividade de televisão, através dos serviços de programas da T... e T… (cfr. facto provado 9), sendo que as mesmas reportagens vieram ainda a ficar disponíveis em sites, na internet, que são controlados e disponibilizados ao público pela 5.ª R. (cfr. factos provados 10 a 12).
A Lei da Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99 de 13/1, no seu Art.º 1.º, garante a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da Lei, o que abrange o direito de informar e de ser informado, sem impedimentos ou discriminações, sendo proibida toda a forma de censura.
De igual modo, na Lei da Televisão, aprovada pela Lei n.º 27/2007 de 30/7, no seu Art.º 26.º, que regula a “autonomia dos operadores”, estabelece-se que: «1 - A liberdade de expressão do pensamento através da televisão integra o direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à democracia e ao desenvolvimento social e económico do País. 2 - Salvo os casos previstos na presente lei, o exercício da atividade de televisão assenta na liberdade de programação, não podendo a Administração Pública ou qualquer órgão de soberania, com exceção dos tribunais, impedir, condicionar ou impor a difusão de quaisquer programas».
Aliás, o atentado à liberdade de informação e à liberdade de imprensa são crimes tipificados, respetivamente, no Art.º 19º do Estatuto dos jornalistas (Lei n.º 1/99) e no Art.º 33º da Lei de Imprensa (Lei n.º 2/99), sendo puníveis com pena de prisão.
Estamos assim perante um pilar fundamental da República Portuguesa, tal como ela é concebida desde a revolução do 25 de Abril de 1974, que está a fazer 50 anos de aniversário, e que mereceu consagração na nossa Constituição de 1976.
Logo no seu Art.º 1º, a Constituição afirma que: «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária».
O propósito da construção duma sociedade livre passa pelo exercício da liberdade de expressão, de informação, pela liberdade de imprensa e pelo direito à palavra, que são definidos como direitos fundamentais nos Art.s 37º, 38º e 26º n.º 1 da nossa Constituição.
Assim, nos termos do Art.º 37º da Constituição é garantido a todos o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos, nem discriminações, sendo especialmente proibida toda e qualquer forma de censura.
Estes conceitos são evidentemente muito caros à 3ª República, porque resultam da afirmação do valor da liberdade, por contraposição clara aos constrangimentos e limitações verificados no regime autoritário e ditatorial pretérito. Poderemos mesmo dizer que foi um dos fatores essenciais de rotura relativamente ao regime político anterior, e um dos motivos centrais de refutação do sistema constitucional da 2ª República.
O Art.º 38º da constituição garante, por seu turno, a liberdade de imprensa, que implica, entre outras, a liberdade de expressão e criação dos jornalistas (n.º 1 e n.º 2 al. a) do citado preceito constitucional).
Finalmente, o direito à palavra é regulado no Art.º 26º n.º 1 da Constituição como um direito reconhecido e necessário à realização livre e integral da personalidade humana.
O Art.º 9.º da Declaração Europeia dos Direitos Humanos consagra igualmente a liberdade de pensamento e o Art.º 10.º a liberdade de expressão, que comporta a liberdade de opinião, de receber e transmitir informações e ideias sem que possa haver ingerência das autoridades públicas, sem prejuízo da responsabilidade e respeito pelos deveres legais consagrados numa sociedade democrática em nome da proteção da saúde ou da moral, da honra ou dos direitos de outrem, impedindo a divulgação de informações confidenciais, ou com o propósito de garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
Visto isto, se a liberdade de expressão e de imprensa é um direito fundamental, a dignidade da pessoa humana também o é.
Aliás, o Art.º 1º da Constituição menciona a dignidade da pessoa humana antes mesmo de referir o seu propósito de construir uma sociedade livre.
Como escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2005, pág. 53): «A dignidade da pessoa humana é um prius. A vontade popular está-lhe subordinada; não se lhe contrapõe como princípio com que tenha que se harmonizar, porquanto é a própria ideia constitucional de dignidade de pessoa humana que a exige como forma de realização; não há respeito da vontade do povo português (para repetir o preâmbulo) sem respeito da dignidade da pessoa humana».
Por outro lado, a Constituição reconhece igualmente a todos o direito à sua identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à imagem e à reserva da intimidade da sua vida privada e familiar e à proteção legal contra todas as formas de discriminação (cfr. Art.º 26.º n.º 1), obrigando a lei ordinária a estabelecer garantias efetivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias (cfr. Art.º 26.º n.º 2).
Resulta assim desde já claro, dos termos como foi conformado o conflito dos autos, que estão em confronto direto vários direitos fundamentais, que merecem tutela constitucional. Por um lado, o direito à imagem e à reserva da vida privada e familiar (Art.º 26º Constituição). Por outro, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, pela imagem ou qualquer outro meio, sem qualquer censura (Art.ºs 26º n.º 1 e 37º da Constituição), conjugados com a liberdade de imprensa, seja na vertente dos direitos de expressão e criação dos jornalistas, seja na vertente de assegurar a liberdade e independência dos órgãos de comunicação social na divulgação de informações de natureza jornalísticas (Art.º 38º da Constituição).
Como é evidente, a realização plena destes direitos constitucionais pode determinar a existência de conflitos entre eles.
Ora, a Constituição estabelece a clara prevalência material e hierárquica das normas que respeitam aos direitos, liberdades e garantias que define. Aliás, essas normas constitucionais aplicam-se diretamente, e de forma vinculativa, quer às entidades públicas, quer aos privados (Art.º 18º n.º 1 da Constituição).
A vinculação dos privados às normas sobre direitos, liberdades e garantias implica também a conformação dos comportamentos das pessoas físicas, mesmos nas relações jurídicas meramente civis, com as normas constitucionais, na estrita medida em que tais comportamentos possam afetar a realização plena de direitos fundamentais. É aquilo a que a doutrina chama de efeito horizontal dos direitos fundamentais (Vide, a propósito: Gomes Canotilho in “Direito Constitucional”, 4ª Ed., pág. 465 a 472 e Jorge Miranda e Rui Medeiros in Ob. Loc. Cit. pág. 157).
Sucede que, a nossa lei fundamental também admite que a lei ordinária possa restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo, no entanto, as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda doutros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (Art.º 18º n.º 2 da Constituição).
Assim, mesmo que, por hipótese, se negue a eficácia externa imediata das normas constitucionais que atribuem direitos fundamentais, a verdade é que, por força do n.º 1 do Art.º 18º da Constituição, em que estabelece a vinculação das entidades privadas aos direitos, liberdades e garantias, torna-se inevitável que se possam verificar colisões desses direitos.
A solução desses conflitos tem sido feita pela doutrina e jurisprudência com recursos ao “critério da ponderação de bens”, ao “princípio da concordância prática”, à análise do “âmbito material da norma”, ao “princípio da proporcionalidade”, à ideia do “abuso de direitos fundamentais” e ao “princípio da otimização de direitos e bens constitucionais com vista ao estabelecimento de limites aos direitos colidentes por forma a conseguir uma autêntica eficácia ótima de ambos os direitos” (Vide, a propósito Gomes Canotilho, in Ob. Loc. Cit., pág. 496). Nas palavras de Gomes Canotilho (Ob. Loc. Cit., pág. 496), para a solução destes conflitos: «a diretiva fundamental é esta: todos os direitos têm, em princípio, igual valor, devendo os seus conflitos solucionar-se preferentemente mediante o recurso ao princípio da concordância prática».
A este propósito, o Tribunal Constitucional, por mais de uma vez e desde há muito, já reconheceu que a liberdade de expressão não é um direito absoluto ou ilimitado, estando sujeito, como os restantes direitos fundamentais, a limites imanentes (implícitos na sua própria definição constitucional e circunscrevendo o próprio âmbito de proteção) e a limitações exigidas pela necessidade de realização de direitos fundamentais de outrem (v.g. os direitos à integridade moral, ao bom nome e à intimidade da vida privada) - (Vide, a propósito: Ac.s TC n.º 11/85 BMJ (S) 15, n.º 185/85 BMJ 360 (S) – 755; e n.º 75/88 BMJ 375 – 420).
Como sustentam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Ob. Cit. pág. 430), a liberdade de expressão e de informação está sujeita à concordância prática com outros direitos fundamentais, como sejam os direitos pessoais (v.g. Art.º 25º e 26º da Constituição), estabelecendo a lei garantias efetivas contra a utilização abusiva e contrária a dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias (v.g. Art.º 26º n.º 2 da Constituição).
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos também tem vindo a ser chamado a resolver este tipo de conflitos, e apesar de vir a assentar numa jurisprudência muito punitiva relativamente aos Estados Membros da Convenção, particularmente em relação a Portugal, não deixa de ponderar esta realidade, em termos teoricamente semelhantes.
A título exemplificativo, reproduzimos aqui, o segmento mais relevante do acórdão do TEDH de 29 de novembro de 2005, no caso “Umbelino Rodrigues contra Portugal”:
«25. O Tribunal lembra os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.:
«i. A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais próprios das sociedades democráticas e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2, esta é válida não só para as «informações» ou «ideias» recebidas livremente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que contradizem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º, o exercício desta liberdade está sujeito a formalidades, condições, restrições e sanções que todavia devem interpretar­se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente (ver, entre outros, Jersild c. Danemark, acórdão de 23 de Setembro de 1994, Série A n.º 298, págs. 23­24, n.º 31; Janowski c. Pologne [GC], n.º 25716/94, n.º 30, CEDH 1999­I; Nilsen et  Johnsen c. Norvège [GC], n.º 23118/93, n.º 43, CEDH 1999­VIII).
«ii. Estes princípios revestem uma importância particular para a imprensa. Se esta não deve ultrapassar os limites fixados em vista, em particular, da «proteção da reputação de outrem», incumbe­-lhe, no entanto, comunicar informações e ideias sobre as questões políticas bem como sobre os outros temas de interesse geral. A garantia que o artigo 10.º oferece aos jornalistas no que respeita às contas que prestam sobre as questões de interesse geral é subordinada à condição que os interessados agem de boa fé de forma a fornecer informações exatas e dignas de crédito no respeito da deontologia jornalística (Bladet Tromsø et Stensaas c.  Norvège [GC], n o 21980/93, n.º 65, CEDH 1999­III); a mesma regra deve aplicar­-se às outras pessoas que se empenham no debate público, tendo o Tribunal reconhecido que «a liberdade jornalística compreende também o possível recurso a uma  determinada dose  de  exagero, mesmo de  provocação» (ver, por exemplo, Bladet Tromsø supracitado, n.º 59, ou Präger et Oberschlick c.  Autriche, acórdão de 26 de Abril de 1995, Série A n o 313, n.º 38).
«iii. A verificação do carácter «necessário numa sociedade democrática» da ingerência litigiosa impõe ao Tribunal averiguar se esta correspondia a  uma «necessidade social imperiosa», se era proporcional aos fins legítimos prosseguidos e se os fundamentos apresentados pelas autoridades nacionais para  a  justificarem são  pertinentes e suficientes (acórdão Sunday Times c. Royaume­Uni (n o 1) de 26 de Abril de 1979, Série A n o 30, pág. 38, n.º 62). Para determinar se existe tal «necessidade» e que medidas devem ser adotadas para lhe dar resposta, as autoridades nacionais gozam de uma certa margem de apreciação. Porém, esta não é ilimitada mas anda de par com um controlo europeu exercido pelo Tribunal, que deve decidir em última instância se uma restrição se concilia com a liberdade de expressão tal como decorre do artigo 10.º (ver, entre muitos outros, o acórdão Nilsen et Johnsen supracitado, n.º 43). O Tribunal não tem por papel, quando exerce esta função, de se substituir às jurisdições nacionais: trata-se apenas de controlar, sob o ângulo do artigo 10.º e à luz do conjunto do caso, as decisões proferidas por estas em conformidade com o seu poder de apreciação (ibidem)».
Dito isto, uma das manifestações concretas do reconhecimento e relevância deste conflito de direitos está precisamente na consagração legal de ilícitos de natureza penal relativos ao exercício da liberdade de expressão.
Efetivamente, a publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos, como sejam a honra (Art.º 180º do C.P.), ou a reserva da vida privada (Art.º 192º do C.P.), são considerados ilícitos, punidos com pena de prisão, nos termos da lei penal geral (cfr. Art.º 30º da Lei da Imprensa – Lei n.º 2/99 de 13/1).
Sintomaticamente, a lei pretérita falava em crime de abuso de liberdade de imprensa (Art.º 25º n.º 1 do Dec.Lei n.º 85-C/75 de 26/2). Esta expressão – abuso de liberdade –, pela sua plasticidade e especial adequação, entranhou-se no vocabulário comum e é plena de conteúdo e sentido jurídico, porque reflete precisamente a ideia de estarmos perante um exercício de um direito de que se não pode abusar, desde logo por ter limites intrínsecos.
É no domínio do Direito Penal que a questão da liberdade de imprensa costuma ser focado com mais profundidade, precisamente por ser o primeiro nível de análise da ilicitude dos comportamentos que motiva uma reação do sistema jurídico que, por natureza, é mais forte, na medida em que a violação dos direitos de personalidade pode levar à privação da liberdade daquele que ilegitimamente abusou da liberdade de expressão ou de informação.
No domínio da doutrina penalista há um texto absolutamente lapidar, que é recorrentemente citado a este propósito, e que reflete a ponderação do conflito de direitos fundamentais em causa, da autoria de Figueiredo Dias (“Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português” in R.L.J - ano 115º, págs. 100 e ss.).
Figueiredo Dias, no texto considerado, também parte do princípio da proporcionalidade, segundo o qual se deve obter a harmonização ou “concordância prática” dos bens jurídicos em colisão, o que se traduz numa mútua compressão dos direitos, por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.
Assim, sustenta Figueiredo Dias que, em certas circunstâncias impõe-se um recuo da tutela jurídico-penal da honra e doutros direitos de personalidade, introduzindo a estes também algumas limitações, na medida do indispensável à conservação do núcleo essencial do direito à informação, “maxime” no que toca ao livre exercício da função pública da imprensa.
Conforme escreve o mencionado autor (Ob. Loc. Cit. pág. 137): «se o direito de informação constitui um direito fundamental e enquanto tal garantido pela Constituição, então é o próprio exercício – e não quaisquer outras exigências dogmáticas, como o dolo específico ou da permissão da “exceptio veritatis” – que há-de valer como justificação jurídico-penal de qualquer ofensa à honra que aquele haja conseguido».
Ainda quanto à veracidade dos factos relatados relativos à vida privada, o mesmo autor escreve (Ob. Loc. Cit. a pág. 135): «é compreensível e aceitável que não se possam trazer à luz da publicidade factos ofensivos da honra, ainda que verdadeiros, relativos a “particulares” quando não exista qualquer interesse legítimo na divulgação ou quando esteja em causa a sua vida privada ou familiar».
Mas, o mesmo autor também escreve (Ob. Loc. Cit.), para justificar os casos em que há interesse público na divulgação desses factos que: é «(…) indispensável à correta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra se revele como meio adequado e razoável de cumprimento da sua função pública de imprensa; ou mais exatamente: do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto». Mas, «o meio utilizado, não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido», «qualquer excesso pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito».
É ainda o mesmo autor que afirma a propósito (Ob. Cit., pág. 170): «parece de exigir que, no exercício da sua atividade, a imprensa tenha atuado com civismo ou a intenção de cumprir a sua função pública e, assim, de exercer o seu direito e dever de informação; ou que pelo menos não esteja em concreto excluído ter sido em tal cumprimento o motivo da sua atuação».
Poderemos, portanto, concluir, da posição deste autor, que estão delineados os limites da liberdade de imprensa do seguinte modo: admite-se que a honra, ou outros direitos de personalidade, possam ser atingidos pelo exercício da liberdade de expressão, através da imprensa, na estrita medida da veracidade dos factos noticiados e da existência de interesse público nessa informação, desde que observada a necessária contenção de meios e de forma na divulgação dos factos, pois qualquer excesso torna o comportamento ilícito.
No entanto, esta posição deve ser atualizada e corrigida em função da jurisprudência do TEDH, que vem alargando os limites da liberdade de expressão e informação, aceitando restrições aos direitos de personalidade, na medida em que aceita certa dose de “exagero” ou mesmo de “provocação”.
Ainda no quadro dos ilícitos criminais, há que ter em conta que eles pressupõem sempre um comportamento doloso (cfr. Art.º 13º do C.P.), ao contrário do que sucede nos ilícitos de natureza meramente cível, para os quais basta a negligência ou mera culpa (Art.s 483º n.º 1 e 494º do C.C.). Portanto, é no domínio jurídico-penal que assume maior relevância a intenção do autor dos textos jornalísticos, sendo evidente que o “animus injuriandi vel diffamandi” se traduza na forma de imputação subjetiva comum deste tipo de crimes. Mas a doutrina penalista tem também focado, a este propósito, condutas que revelam “animus jocandi” (em que o objetivo do agente não é ofender a honra, mas antes brincar, gracejar, gozar, caçoar…), “animus consulendi” (o objetivo do agente é aconselhar, advertir ou informar), “animus corrigendi” (o objetivo é repreender ou admoestar alguém, com vista à correção de vícios ou defeitos), “animus narrandi” (a intenção é de relatar a alguém o que viu, sentiu ou ouviu acerca de outrem), e o “animus defendendi” (quando está em causa a defesa do agente e não a intenção de ofender quem quer que seja). Todas estas formas de conduta, objetivamente consideradas, não são genericamente valoradas como ilícitos penais, embora fosse comum o entendimento de que o poderiam ser se ultrapassassem os limites do aceitável (Vide, a propósito: Leal Henriques e Simas Santos in “O Código Penal de 1982”, 1986, pág. 198).
É também essencialmente no quadro legal do Direito Criminal que a jurisprudência se vinha debruçando mais sobre a ponderação deste conflito de direitos fundamentais.
Inicialmente os tribunais superiores vinham a definir de forma mais rígida, que o direito ao bom nome e reputação se sobrepunha ao direito à informação e crítica da imprensa (Ac. S.T.J. de 26/4/1994 in C.J.S.T.J – Tomo II, pág. 54 e Ac. R.L. de 17/12/1998 in C.J., Tomo II, pág. 147); e que o direito de informar nunca poderia ofender os direitos fundamentais inerentes à personalidade humana, os quais, em caso de colisão com aquele, devem prevalecer, por serem superiores (Ac. R.L. de 17/1/2002 in C.J. – Tomo I, pág. 134 e Ac. R.C. de 3/7/1993 in C.J., Tomo IV, pág. 71); ainda que, em certos casos, também se tenha decidido que o exercício do direito de informar pode justificar a lesão à honra de uma pessoa através da imprensa, mas respeitando a adequação, proporcionalidade, razoabilidade e o interesse público (cfr. Ac.s S.T.J. de 29/10/1996 in C.J.S.T.J., Tomo III, pág. 80; Ac. R.L de 12/10/1994 in C.J., Tomo IV, pág. 149).
Também se considerou que não era punível o abuso de liberdade de imprensa através da imputação de factos ofensivos para o bom nome, honra e consideração de alguém se, para além da realização de legítimo interesse público de informar, se provar, cumulativamente, a verdade da imputação, ou houver fundamento sério para, em boa-fé, o agente a reputar como verdadeira (Ac. S.T.J. de 16/9/1993 in C.J.S.T.J., Tomo III, pág. 203 e, no mesmo sentido: Ac. R.P. de 25/1/1993 C.J., Tomo I, pág. 215). Se o direito de expressão, através da comunicação social, observasse o intuito informativo relevante, for de interesse público e verdadeiro quanto ao seu conteúdo, poderia não ser penalizado se houvesse adequação do meio, por forma a não lesar, além do necessário, a reputação do visado (Ac. R.L. de 8/11/2005 in C.J., Tomo V, pág. 133). Os jornalistas têm o direito de informar, mas também o dever de relatar os factos com rigor e exatidão e de os comprovar ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso (Ac. R.C. de 21/3/1997 in C.J. II, pág. 49), não cometendo o crime de abuso de liberdade de imprensa, aqueles que, após investigação, e no convencimento sério de que as notícias eram verdadeiras, em função da diversidade, idoneidade e controlo das fontes de informação consultadas, escrevem num jornal um artigo denunciando irregularidades praticadas por uma empresa de interesse público (Ac. R.E. de 18/12/1998 in C.J., Tomo V, pág. 289).
Chegou-se a defender que o sensacionalismo, gerador de leitores, não justificava a lesão dos direitos de personalidade (Ac. R.L. de 29/11/1994 in C.J., Tomo V, pág. 171), tal como não seriam aceitáveis juízos valorativos ofensivos, que acompanham a descrição dos factos, salvo se a ofensa à honra se revele como o meio adequado e razoável ao cumprimento da função pública da imprensa (Ac. R.P. de 25/1/1995 in C.J., tomo I, pág. 242).
Com relativo maior interesse para o caso dos autos, já havia sido decidido que não integram o abuso de liberdade de imprensa: o programa de televisão que promove o debate sobre um problema de interesse público, como é a adoção legal, com as demoras e dificuldades decorrentes da lei então vigente, aos alternativos caminhos clandestinos da adoção, ao tráfico de crianças e as irregularidades de instituições privadas que acolhem crianças (Ac. R.L. de 30/3/1993 in C.J., Tomo III, pág. 154); tal como não integravam tal ilícito o exercício, em democracia, do direito à crítica da atuação das instituições, ainda que com sarcasmo, mas com o intuito de melhorar a qualidade dos serviços (Ac. R.P. de 30/10/1996 in C.J., Tomo IV, pág. 253).
Sucede que, toda esta jurisprudência tem vindo a ser mitigada em função das decisões que o TEDH vem produzindo, nomeadamente contra o Estado Português, não deixando o Supremo Tribunal de Justiça de admitir isso mesmo, como resulta, exemplificativamente do sumário do acórdão de 10 de dezembro de 2019 (Proc. n.º 16687/16.0T8PRT.L1.S1 – Relator: Ilídio Sacarrão Martins, disponível em www.dgsi.pt), que aqui reproduzimos:
«I- A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstrata. II- A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos. III- É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável. IV- De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objeto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente. V- Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática. VI- A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos. VII- O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de proteção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral. VIII - A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação».
Todos os apontamentos feitos por referência, essencialmente, ao Direito Criminal, são relevantes para o caso, na estrita medida que a ilicitude é aferida, no Direito Civil, em função do ordenamento jurídico considerado na sua globalidade. Pelo que, um ilícito penal é necessariamente um ilícito de natureza civil, se dele resultar a lesão de bens jurídicos tutelados por normas de direito civil.
Dito isto, o enquadramento jurídico da ilicitude na responsabilidade civil vai beber muito do seu conteúdo à ponderação que atrás fizemos sobre a colisão de direitos fundamentais feita no seio do Direito Constitucional e às considerações que fizemos a propósito da ilicitude no Direito Criminal. A comprová-lo está, desde logo, a conformidade com o quadro constitucional considerado (v.g. o Art.º 18º n.º 2 da Constituição) com a regra geral de direito prevista no Art.º 335º do C.C..
Dispõe o n.º 1 deste último citado preceito que: «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes». Mas, se os direitos em conflito forem desiguais, ou de espécie diferente, então deve prevalecer o que deva considerar-se superior (cfr. n.º 2 do Art.º 335º do C.C.).
Como referido, a ilicitude pressupõe a verificação duma conduta objetivamente contrária ao direito, a qual determinou, como consequência, uma violação a um direito absoluto do lesado. Pelo que, também no Direito Civil a conclusão da ilicitude de um comportamento, quando em causa está o exercício de um direito, tem a sua complexidade teórica e prática.
De facto, em princípio, quem exerce um direito – como seja o de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, incluindo o direito de informar, exercendo-o através da imprensa escrita, ou por transmissão radiofónica ou televisiva, e da liberdade de expressão e criação jornalística – não pratica um ato ilícito.
O Código Civil de 1867, no seu Art.º 13º, consagrava precisamente esta regra: «Quem, em conformidade com a lei, exerce o próprio direito, não responde pelos prejuízos que possam resultar desse mesmo exercício». Tratava-se da consagração legal do brocado latino “qui iure suo utitur nemini facit iniuriam”.
O Código Civil vigente não consagrou expressamente esta norma, mas o princípio mantém-se: quando se exerce um direito de forma legítima, não se pratica nenhum ato ilícito.
A tal acresce o princípio básico da liberdade e do respeito pela natureza e exercício típico dos direitos subjetivos, que determinam que, por regra, cada direito pode ser exercido pelo seu titular de forma plena, para o fim para que foi criado. Não se pode propriamente exigir ao titular de um direito que abdique de o exercer só porque tal implicará uma eventual colisão com os direitos de outrem.
No entanto, inevitavelmente, a justificação doutrinária da ilicitude resultante do exercício de um direito que entra em choque frontal com o direito de outrem há de partir, não só do respeito pela possibilidade de realização plena e prática de cada direito considerado, mas também da ponderação de limites ao exercício de direitos em conflito.
Desde logo há um limite extremo ao exercício dos direitos, que resulta dos excessos injustificados.
Efetivamente, o Art.º 334º do C.C. estabelece que é ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito.
Portanto, o exercício abusivo dum direito, nos termos do Art.º 334º do C.C., é relevante para a consideração da ilicitude do comportamento, verificados que sejam também os demais requisitos da responsabilidade civil (Vide, a propósito: Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, 10.ª Ed., pág. 544; Pessoa Jorge in “Ensaios sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1999, pág. 202 a 204; e Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 5ª Ed., pág. 296 e 297).
Recorrendo à tipologia proposta por Menezes Cordeiro (in “Boa Fé No Direito Civil”, 1997, pág. 853 e ss. e in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 239 e ss.), a forma de abuso de direito, com relevância típica para o caso concreto, seria a situação de “desequilíbrio no exercício”, com recurso aos critérios do “exercício danoso inútil” ou da “desproporção entre a vantagem do titular e do sacrifício por ele imposto a outrem” (in “Tratado”, págs. 341 e ss.).
Menos exigente será a posição doutrinária segundo a qual a “não cedência”, em caso de colisão de direitos, constitui por si só um facto ilícito específico com relevância para efeitos de responsabilidade civil.
Neste quadro, propõem estes autores (v.g. Menezes Leitão in Ob. Loc. cit. pág. 298) que, quando estamos perante o exercício de um direito, ele deixa de ser legítimo e, portanto, passa a ser um facto ilícito, se, o titular, tomando consciência do conflito com os direitos de outrem, não ceder o necessário ao direito que objetivamente se deva considerar superior (Art.º 335º n.º 2 do C.C.), ou não permita que o direito, com o qual está em conflito, se realize de igual modo (Art.º 335º n.º 1 do C.C.).
A solução que passa pela conclusão da existência da obrigação de indemnização, em caso de violação de direito alheio emergente de um mero conflito de direitos, não é tão clara como aquela que resulta da verificação do abuso de direito. Mas, no Direito português a questão tem sido equacionada de forma clara ao nível do confronto dos direitos subjetivos (vide: Menezes Cordeiro in Ob. Cit., pág. 347).
Para nós não custa admitir que a violação de deveres de conduta, emergentes da necessidade de ponderação da existência de conflito de direitos fundamentais no momento do seu exercício, possa consistir num facto ilícito, desde de que dele resulte a efetiva violação dos direitos de outrem. Aliás, é precisamente deste tipo de raciocínio que nasce o juízo de censura jurídico-penal nos termos já supra considerados.
Toda esta forma de problematização da ilicitude civil tem de ser transposta para os casos concretos em que se coloca a questão dos limites dos direitos quando relativos ao exercício da liberdade de expressão e de informação.
Menezes Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”- Parte Geral I, Tomo III, Pessoas, 2004, pág. 150), à semelhança de Figueiredo Dias (Ob. Loc. Cit.), propõe que a delimitação das fronteiras entre o direito à honra, e outros direito de personalidade, e a liberdade de expressão parta da consideração de dois critérios: o da absoluta veracidade; e o do interesse político-social.
Assim, por um lado, nenhuma liberdade de comunicação justifica notícias inverídicas. Pelo contrário, a liberdade de informar e de comunicar exige uma verdade pura, sem equívocos ou sem sombras.
Por outro, as informações têm de corresponder a um interesse político-social, só interessando revelar factos de interesse geral e não pormenores que só interessam à vida particular das pessoas, constituindo a sua revelação numa forma de apoucar o visado. O interesse político-social permitirá ainda a reposição da verdade perante “honras imerecidas”, ou a divulgação de prevenções contra os métodos ou conselhos não científicos, como de astrólogos, curandeiros, etc. (Vide, sobre todo o exposto: Menezes Cordeiro, in Ob. Loc. Cit. pág. 150 a 151).
Poderemos assim concluir que a divulgação pela imprensa de factos falsos é proibida e, logo assim, ilícita. Quanto aos factos verdadeiros, a ilicitude da sua difusão pela imprensa dependerá do interesse social e público dessa informação (Vide, a propósito e em resumo das posições em confronto: Menezes Leitão in Ob. Loc. cit. pág. 298 a 300).
Pedro Pais Vasconcelos (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2ª Ed., págs. 60 a 63), releva ainda a restrição complementar da relevância do interesse público da informação, que subordina ao princípio do mínimo dano relativamente aos direitos à honra e privacidade, pois a ofensa a estes direitos será sempre ilícita, ainda que haja interesse público, quando se verifique qualquer excesso. No entanto, a ponderação deste “excesso”, em função da jurisprudência do TEDH, deve ser entendida como “excesso manifesto”, ou seja, muito para lá do razoável, pois admite-se uma certa dose de exagero, aceitando-se a linguagem «forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável» (cfr. Ac. STJ de 10/12/2019 - Proc. n.º 16687/16.0T8PRT.L1.S1 – Relator: Ilídio Sacarrão Martins, disponível em www.dgsi.pt supra citado). Diremos mesmo que, em função da jurisprudência do TEDH, quando em causa está a liberdade de imprensa e de informação, o ilícito deve ser encontrado fundamentalmente no seio do abuso de direito (v.g. Art.º 334.º do C.C.), quando se excede de forma manifesta os limites impostos objetivamente pela boa-fé e pelo fim social do direito de informar.
Em suma, os critérios de análise propostos pela doutrina penal e demais entendimentos jurisprudenciais mais moderados já supra mencionados, temperados pela jurisprudência mais permissiva do TEDH relativamente à liberdade de imprensa, devem aqui merecer pleno acolhimento, nomeadamente no que se refere à ponderação do princípio da proporcionalidade e adequação, no contexto duma perspetiva de maximização da eficácia prática dos direitos em conflito.
No caso concreto, a sentença recorrida não se debruçou especificamente sobre a questão da veracidade das notícias, ou dos factos relatados nos vários episódios das reportagens, ou sobre o interesse público das mesmas, pois essa questão não foi tida como central à ponderação da ilicitude.
Em todo o caso, sempre se deverá dizer que nas reportagens foram relatados factos, sustentados em fontes e documentos apresentados, que na sua aparência, e por referência ao tempo em que esses programas foram para o ar, se poderiam ter por verdadeiros.
Naquele momento, tudo indiciava que existiam boas razões para as jornalistas, autoras dessas peças de reportagem, terem acreditado que esses factos eram verdadeiros e, por isso, os noticiaram.
Evidentemente que, entretanto, em função do que pudemos apreciar com a audição da prova gravada, ficou claro que há testemunhas que deram “o dito por não dito” e, neste momento, os indícios então recolhidos já se mostram substancialmente fragilizados.
Não podemos deixar de realçar o autêntico “golpe de teatro” que consistiu o depoimento da testemunha mãe biológica do A., que agora diz ser mentira tudo aquilo que antes sempre afirmou, sobre o facto de não ter autorizado a adoção dos seus filhos e não ter assinado documento algum nesse sentido.
Desconhece-se até que ponto essa prova não tenha sido influenciada pela intervenção posterior da I.... Certo é que, neste momento, será muito difícil saber se todos os factos relevantes, relativos a “ilegalidade” das adoções, relatados pelas jornalistas nessas peças jornalísticas, eram verdadeiros ou se nunca corresponderam à verdade.
Em todo o caso, parece-nos que a preocupação das jornalistas foi de relatar os factos, tal como a eles tiveram acesso, sem qualquer intenção difamatória (“animus diffamandi”), havendo uma preocupação principal, que não podemos dizer que não fosse genuína, de apresentar uma realidade assente em fontes, que só agora se revelam menos consistentes (“animus narrandi”).
No que se refere à questão do interesse público da “ilegalidade” das adoções, temos de reconhecer que a sensibilidade e apelo do tema é evidente, até porque sobre tal foram produzidas enumeras convenções internacionais, que se prendem com a tutela os direitos das crianças e também com a problemática do rapto internacional de crianças. Portanto, trata-se de preocupação evidente dos Estados civilizados, como o Estado português, que esses processos sejam íntegros e isentos de censura, do ponto de vista da sua conformidade com a Lei, com a Constituição e com as Convenções Internacionais que foram subscritas sobre essas matérias. Em suma, o interesse público das reportagens era evidente.
Em face do exposto, o problema da ilicitude dos comportamentos considerados está umbilicalmente ligado à problemática da ponderação da razoabilidade e proporcionalidade dos danos causados ao A., no contexto do exercício legítimo da liberdade de imprensa.
Deve ainda dizer-se que está evidenciado que o A. não era o “personagem principal” da história divulgada nas reportagens aqui postas em crise. O A. foi, por assim dizer, um “dano colateral” de um conjunto de reportagens que visavam essencialmente a I... e os seus bispos “mais importantes”, no contexto da realização de atos, tidos por ilegais, relacionados com a adoção de crianças que estavam à sua guarda, em Lares destinados ao seu acolhimento. O A. foi apenas um dos exemplos, entre vários, deste tipo de adoções, descritas como “ilegais”.
No entanto, o A. foi um exemplo particularmente documentado, porque revelaram o seu nome, a sua imagem, seja em criança, seja em adulto, tendo sido feitas entrevistas à sua mãe biológica e a outras pessoas, revelando pormenores da sua vida pessoal.
Esta situação ganha particular relevância, porque estamos perante a revelação de situações pessoais de particular melindre, tendo em atenção que os processos de adoção têm um caráter secreto (cfr. Art.º 4.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015 de 8/9) e a violação do secretismo desses processos pode constituir crime (cfr. Art.º 4.º n.º 5 do mesmo diploma legal). O que assim já era no quadro do Art.º 169.º da OTM, aprovada pela Lei n.º 314/78 de 27/10, entretanto revogada.
Recorde-se ainda que o secretismo dos processos de adoção também é previsto no Art.º 20.º da Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, emanada do Conselho da Europa, que é a organização no seio do qual foi aprovada a Declaração Europeia dos Direitos Humanos, cuja inobservância pode permitir a competente intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).
A circunstância duma criança ter sido adotada é um facto eminentemente ligado à vida privada dessa pessoa, que se prende inevitavelmente com a sua história particular e com a sua identidade. Pelo que, a revelação desses factos, através de meios de comunicação social, deve necessariamente estar rodeada de cuidados muito particulares, dada a sensibilidade que lhe está associada.
O segredo do processo de adoção previsto na lei serve, entre outros, os interesses da própria criança adotada. A pessoa adotada, se assim o entender, tem o direito a manter essa parte da sua vida em segredo relativamente ao público em geral, ou mesmo relativamente a pessoas que lhe são mais próximas, sejam elas seus familiares diretos ou não. Pelo que, coloca-se aqui em causa o problema do direito à privacidade.
Temos de reconhecer que a privacidade é um conceito de difícil definição, necessariamente indeterminado, que tem como contraponto a disponibilização da informação correspondente. Por princípio, cada pessoa tem a liberdade de conduzir a sua vida privada como entender e de evitar, ou controlar na medida do possível, a tomada de conhecimento de informação pessoal pelos outros. Sucede que, mesmo que se queira subtrair à atenção dos outros e viver, por assim dizer, no “anonimato”, pode sobre si ser suscitado um qualquer inusitado interesse público motivado pela sua natural vivência em comunidade. Nessas situações, será sempre muito difícil ao visado afastar esse inevitável interesse sobre estas vertentes da sua vida pessoal no contexto da sua relação com a sociedade.
Ainda assim, no Art.º 12.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece-se que ninguém pode sofrer “intromissões arbitrárias” na sua vida privada ou na sua família. No Art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra-se também o direito ao respeito pela vida privada e familiar, em consonância com o Art.º 26.º n.º 1 da nossa Constituição, existindo igualmente um capítulo no Código Penal relativo a “crimes contra a reserva da vida privada” (v.g. Art.s 176.º a 185.º), que incluem a intromissão na vida privada pela divulgação de imagens (Art.º 180.º do C.P.) e divulgação de factos por referência à vida privada (Art.º 178.º do C.P.).
Em termos estritamente civilísticos, nos termos do Art.º 80.º do C.C. parece, no entanto, restringir-se a tutela desse direito à “intimidade da vida privada”.
Portanto, pressupõe-se que existe uma vida geral, pública e mundana de cada indivíduo, que se contrapõe a uma vida pessoal e privada. A intimidade da vida privada recorta-se nesta última e reporta-se certamente a segredos sobre aspetos da vida duma pessoa que esta tem interesse legítimo que não sejam conhecidos por outrem e, muito menos, que sejam divulgados (vide, a propósito: Paulo Mota Pinto in “Direitos de Personalidade e Direitos Fundamentais – Estudos”, págs. 524 a 540).
Rabindranath Capelo de Sousa (in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 326 e ss.), escreveu a propósito que: «a reserva desdobra-se em círculos de resguardo, nos quais se poderá tomar (em certas circunstâncias) conhecimento de determinadas manifestações das pessoas mas que são ilícitos a divulgação ou o aproveitamento das mesmas, e em círculos de sigilo, nos quais são liminarmente ilícitas a intromissão e a tomada de conhecimento das respetivas manifestações». Acrescentando, logo de seguida que: «Só que também é muito variável a profundidade do dever de reserva face aos bens resguardados. Desde logo, é menor a intensidade da tutela nos casos em que a vida privada dos indivíduos é adjacente à esfera pública dos mesmos, nomeadamente, quando o indivíduo se movimenta em lugares públicos, como estradas, restaurantes, praias, cerimónias públicas, recintos culturais (…) ou desportivos, mas em que a privacidade da sua vida impõe mesmo aí uma certa reserva. Depois, podem considerar-se zonas intermédias de resguardo, já mais sensíveis e interditas à publicidade, os elementos privados da atividade profissional e económica. Mas é sobretudo na intimidade da vida familiar, doméstica, sentimental e sexual e no ser do homem para si mesmo que reside uma maior eficácia da reserva, originando um crivo muito mais apertado de eventuais causas de justificação da ilicitude da ofensa a tais bens».
Retoma-se assim aqui a “teoria das esferas”, que pretende retratar, em termos sociológicos, a vida social e particular duma pessoa, através da representação de círculos concêntricos, com diversa amplitude, que teve origem em Heinrich Hubmann (in “Das Perskr”). Falava-se, então, numa esfera pessoal de intimidade, que compreenderia os sentimentos íntimos, a situação patrimonial, os valores ideológicos o estado de saúde físico e mental; numa esfera privada que compreenderia informações que apenas se partilham com o círculo mais restrito de família e amigos; e numa a esfera pública ou social, isenta de reserva, por só compreender informações suscetíveis de ser conhecidas por todos.
Tese que depois sofreu outros desenvolvimentos, num deles, falando-se já em cinco esferas distintas: (i) A esfera pública, própria de figuras com notoriedade política, artística ou desportiva, entre outras, em que o comportamento humano está deliberadamente virado para o público; (ii) A esfera individual-social que diz respeito ao relacionamento social normal que as diversas pessoas estabelecem com amigos, colegas e conhecidos; (iii) A esfera secreta que corresponde às questões que o seu titular tenha decidido não partilhar; (iv) A esfera privada correspondente às questões da vida privada comum da pessoa acessíveis apenas a familiares e amigos chegados; e (v) A esfera íntima que diz respeito à vida sentimental e familiar num sentido ainda mais restrito (vide: Joana Costa Lopes in “Os Desafios à Tutela Judicial Civil do Direito à Imagem na Era Digital, RFDUL, Homenagem ao Professor José de Oliveira Ascensão”, Ano LXIV, 2023, n.º 1, Tomo 2, págs. 1179).
Seja qual for a construção que se adote, a conclusão só pode ser uma: no caso concreto as peças jornalísticas em causa, apesar de terem interesse público e de relatarem factos tidos por verdadeiros (pelo menos, tendo em atenção as fontes ao tempo verificadas), objetivamente violaram a reserva da intimidade da vida privada do A. ao divulgarem aspetos da sua vida pessoal identitária mais íntima, que até estava sujeita a segredo legal (cfr. Art.º 4.º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Adoção – RJPA), estabelecido também no interesse da pessoa adotada, expondo realidades ao público de que o A. tinha legítimo interesse que não fossem divulgados, porque compreendidos na sua esfera pessoal mais íntima. Isto assim é, mesmo sendo certo que o A. sabia que era adotado e existia um núcleo familiar próximo que já sabia dessa realidade.
Mais, a revelação desses factos e da sua imagem, seja por fotografias ainda em criança, seja por fotografias já em adulto, não serviram qualquer propósito informativo atendível, no contexto das reportagens, ponderando que o A. não consentiu, nem na revelação do seu nome, nem na difusão da sua imagem.
Diremos que a questão da ilicitude da conduta das 1.ª e 2.ª R.R. não está na revelação dos indícios sobre a existência de adoções ilegais, ou na identificação das pessoas que possam ter realizado esses procedimentos. O problema da ilicitude está na revelação inútil da identidade das crianças adotadas, nomeadamente do A., que é identificado pelo nome e pela divulgação, não autorizada, de retratos seus, seja em criança, seja já em adulto, sem que tal sirva um propósito informativo útil, para mais quando esses factos estão a coberto por norma legal que consagra o secretismo do processo de adoção.
Cumpre ainda dizer que nós concordamos plenamente com a sentença recorrida e com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018 aí citado, prolatado nos autos de providência cautelar que se mostram apensos, quando aí se refere que: «(…) a alegação de que estas imagens terão sido retiradas do facebook do requerente, não tem qualquer relevância, face ao disposto no Art.º 79.º n.º 1 do C.C. nem se pode considerar uma limitação voluntária dos direitos de personalidade, por parte do requerente.
«Denote-se que, nos termos do disposto no Art.º 81.º do CC, os direitos de personalidade só podem ser limitados por ato do próprio titular, exceto se for contrária aos princípios da ordem pública.
«Ora, se hoje se vulgarizou o uso de plataformas eletrónicas na internet, tais como o facebook, o instagram e outras, para divulgação de mensagens, fotografias e aspetos da vida privada dos seus titulares (ou daquela que se quer apresentar, como vida mais ou menos privada), tal não significa uma autorização implícita para que estes conteúdos sejam reproduzidos noutras sedes e com outros fins, sejam publicitários, comerciais, divulgação de notícias, etc.».
Aliás, esse acórdão mostra-se publicado no site da “dgsi”, e do seu sumário pode ler-se: «I– O direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, integra a categoria dos direitos absolutos, constitucionalmente protegidos e como tais oponíveis a todos os terceiros que os têm de respeitar. II– Idêntica proteção destes direitos, é conferida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujas normas são objeto de automática receção no nosso ordenamento jurídico (art.º 8 nº1 da C.R.P.), que no seu art.º 12, estabelece que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio, ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e consideração. III– O direito de exprimir e de divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, goza de idêntica cobertura quer na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 10º), quer na nossa constituição (art.ºs 37 e 38 da C.R.P.). IV– Existindo conflito entre o direito à liberdade de informação e o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, deve este ser resolvido de acordo com os princípios gerais (art.ºs 18 º2, 37.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 29.º, n.º 1 da Lei da Imprensa), na medida em que o conflito entre direitos iguais ou da mesma espécie resolve-se pela cedência de todos, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (art.º 335., n.º 1 do Cód. Civil). V– O direito a informar deve ser exercido com respeito pela dignidade da pessoa humana, devendo garantir, na medida do possível, a reserva da intimidade da vida privada e da imagem dos cidadãos, sendo que estes direitos de personalidade só podem ser limitados por ato do próprio titular, exceto quando essa limitação for contrária aos princípios da ordem pública. VI– Constando de reportagens televisivas, a divulgação de factos respeitantes à adoção do requerente, com divulgação do nome e identidade dos adotantes, dos menores adotados (incluindo o requerente) e de fotografias destes, quer enquanto crianças, quer já adultos, resulta violado, não só o carácter secreto do processo de adoção, mas o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada do requerente, sem que o interesse público na divulgação de alegados factos ilícitos envolvendo um “suposto “esquema de adoções ilegais por parte de uma igreja de grande expressão e divulgação públicas, o justifique. VII– Permanência destas reportagens na internet, em site da T..., com continuação da divulgação do nome e imagem do requerente, constitui uma violação do direito do requerente ao seu bom nome, imagem e reserva da intimidade da sua vida privada, que se prolonga com a continuação do visionamento destas reportagens sem as limitações introduzidas pela decisão recorrida-ocultação ou remoção do nome e imagem do requerente- sendo esta providência adequada a evitar esta lesão (permitindo ainda assim o direito constitucional de informação das recorridas)». Tratam-se de afirmações de princípio com as quais concordamos, pelo que já fomos expondo.
Em suma, entendemos que foram violados os normativos previstos no Art.º 79.º n.º 1 e 80.º n.º 1 do C.C., onde se estabelece a tutela especifica dos direitos de personalidade relativos à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada do A., todos eles com igual tutela, quer nos termos da Constituição, quer da Declaração Europeia dos Direitos Humanos.
Esse comportamento deve julgar-se como ilícito, porque apesar de ter sido realizado no contexto do exercício da liberdade de informação e de imprensa, com um propósito de informação do público sobre determinadas situações relacionadas com a legalidade de processos de adoção em que intervieram pastores da I..., excedeu manifestamente o fim social para o qual a Lei e a Constituição a estabeleceu quando expõe inutilmente a identidade e imagem do A..
Por um lado, tornou-se evidente que a finalidade informativa e de esclarecimento do público poderia perfeitamente ter sido alcançada com a anonimização do A., através da ocultação da sua imagem e do seu nome, tal como sucedeu com a imagem e nome da sua mãe biológica. No final, a inobservância desse elementar dever de cuidado relativamente ao A. traduziu-se num tratamento diferenciado, incompreensível e desajustado.
Por outro, o desrespeito dos direitos de personalidade, relativos à imagem e à intimidade da vida privada, traduziu-se, no caso concreto, na imposição ao A. de um dano excessivo e completamente inútil, já que, a serem verdadeiros todos os factos relatados nas reportagens – conclusão que, como vimos, já pode ser posta em causa –, não poderemos deixar de ter em consideração que também o A. é uma vítima inocente de todo estes eventos, vendo-se agora duplamente penalizado, seja (eventualmente) pelos atos alegadamente realizados pela I..., tal como noticiados (caso sejam verdadeiros), seja (certamente) pela exposição pública do seu caso particular (independentemente de serem ou não verdadeiros os factos noticiados), por uma divulgação despropositada e não consentida da sua identidade e imagem.
Finalmente, este comportamento é também ilícito, porque relativamente a ele não se verifica qualquer causa de justificação da ilicitude, principalmente por não se ter salvaguardado o consentimento da pessoa lesada (v.g. Art.º 340.º do C.C.) que é a causa de justificação típica mais relevante para o caso (cfr. Art.º 79.º n.º 1 e 80.º n.º 2 do C.C.), em função da natureza eminentemente pessoal dos direitos violados.
3.3. Da culpa.
Passando agora para a imputação subjetiva dos factos aos R.R., ou ao pressuposto da culpa, começaremos por dizer não existe qualquer dúvida sobre a autoria das reportagens que determinaram a lesão dos direitos de personalidade do A..
Nesse contexto, as 1.ª e 2.ª R.R. agiram com discernimento e liberdade de determinação suficientes na sua conduta (Art.º 488º do C.C.), pelo que o seu comportamento pode ser objeto de um juízo de censura.
É certo que as R.R. agiram principalmente com uma intenção de informar. Ou seja, quiseram dar conta aos espectadores do programa de determinados factos relevantes, de interesse público, que apuraram em função das fontes a que tiveram acesso e até apresentaram explicitamente nas reportagens, ainda que ocultando a imagem das pessoas que entrevistaram, tendo inclusivamente alterado o seu nome para preservar a sua identidade. O problema é que não procederam do mesmo modo com as crianças, agora adultas, que haviam sido objeto dos processos de adoção, aí qualificados como “ilegais”.
Veja-se que, de acordo com a Lei n.º 1/99 de 13/1, que aprovou o “Estatuto do Jornalista”, existe um dever deontológico imposto ao exercício dessa profissão de «Respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas» (cfr. Art.º 14.º al. g) do EJ), para além de também deverem «Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique» (cfr. al. i) mesmo Art.º 14.º).
De igual modo, a Lei n.º 2/99 de 13/1, também estabeleceu no Art.º 3.º, como limites à liberdade de imprensa, os decorrentes da Constituição e da lei «de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir o direito ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática».
Portanto, o exercício da atividade jornalística está sujeito a regras específicas, de natureza deontológica, que não podem deixar de ser conhecidas e observadas por quem prossegue profissionalmente essa atividade, como é o caso das 1.ª e 2.ª R.R..
As R.R. deveriam saber que tinham de respeitar a privacidade das crianças, entretanto já adultas, a que se reportavam os processos de adoção, ainda que indiciariamente tivessem razões para entender que esses processos não haviam respeitado a legalidade.
A sensibilidade que revelaram na proteção da identidade das pessoas que entrevistaram, ocultando a sua cara e alterando o seu nome, deveria ter sido replicada relativamente às crianças adotadas, que no fundo também são, e sempre foram, as verdadeiras “vítimas” de todo este caso.
A preocupação com a salvaguarda da imagem e reserva da vida privada dessas crianças deveria ter sido a prioridade primária na realização dessas reportagens, não se compreendendo que assim não tivesse sido.
Ao agirem desse modo, não só desrespeitaram elementares deveres deontológicos de que deveriam ter conhecimento necessário, como violaram os direitos de personalidade do A., sendo-lhe exigível proceder doutro modo, nomeadamente dando tratamento às crianças adotadas igual àquele que dispensaram às testemunhas que entrevistaram.
Na verdade, a ideia central transmitida nessas reportagens, consubstanciada nos factos que aí se relataram, apesar de veiculadas num programa de televisão, em que a imagem assume maior relevância, não carecia em absoluto, para atingir o propósito informativo pretendido, da exibição de fotografias que permitissem a identificação clara das crianças adotadas, nomeadamente, e muito em particular, do A..
Essa clara violação do direito à imagem, já que não houve autorização do A. para a exibição dos seus retratos, bem como do direito à reserva da intimidade da sua vida privada, deveria ter sido percecionada pelas R.R., no mínimo, como consequência bastante provável da sua conduta.
Evidentemente que não podemos acreditar que as R.R. procederam desse modo com a intenção direta de causar essa lesão aos direitos de personalidade do A., até porque este nem sequer era o objeto principal das reportagens. Pelo que, não podemos falar em dolo direto. Mas, no mínimo, em função da factualidade provada, poderemos identificar uma situação de dolo eventual. Sendo certo que, ao contrário do acontece com o Direito Criminal (v.g. Art.º 13º do C.P.), a censurabilidade subjetiva duma conduta objetivamente ilícita não depende a verificação do dolo, bastando a negligência ou “mera culpa” (cfr. Art.º 483º n.º 1 do C.C.).
Em todo o caso, a imputação subjetiva de determinado comportamento a um sujeito implica a distinção de um elemento intelectual e um elemento volitivo do agente.
Assim, o comportamento doloso traduz a consciência da ilicitude do comportamento por parte do agente (elemento intelectual) e a vontade de realização desse comportamento (elemento volitivo).
É essencialmente com base no elemento volitivo que a doutrina distingue os vários tipos de comportamentos dolosos em dolo direto, necessário ou eventual.
Age com dolo eventual, aquele que, tomando consciência da ilicitude do seu comportamento, não quer a lesão do bem jurídico tutelado como consequência necessária da sua conduta, mas admite essa possibilidade, conformando-se com ela. Já a negligência consciente traduz o comportamento do agente que não está seguro da ilicitude, prevê a possibilidade de lesão do bem jurídico tutelado pela norma que estabelece a proibição, mas decide agir, não se conformando, por mera incúria pessoal, com a possibilidade dessa lesão.
Inevitavelmente que existe uma diferente graduação da gravidade da culpa relativamente a um comportamento doloso, que não se pode verificar relativamente a situações de mera negligência. Mesmo sendo certo que, em qualquer dos casos, haverá sempre imputação subjetiva para efeitos da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos, prevista no Art.º 483º n.º 1 do C.C.. Seja como for, será em sede de fixação da indemnização que essa gravidade da culpa assumirá maior relevância, atento ao disposto no Art.º 494.º do C.C..
Dito isto, não iremos aqui perder mais tempo com esta questão, pois o que nos interessa agora é a conclusão de que se justifica um juízo de censura, que é próprio da consideração da culpa, porque apesar das R.R. terem agido animadas por um “animus narrandi” (propósito de relatar os factos de forma objetiva), acabam por extravasar manifestamente os limites ao direito de informação, atingindo de forma completamente desnecessária o direito à imagem e à reserva da vida privada do A., atropelando inclusivamente a proibição de revelar factos sujeitos a segredo legal, a qual é estabelecida no interesse público, mas também no interesse da pessoa adotada.
A diligência de um “bom pai de família” determinaria que as R.R. tivessem percecionado que a divulgação da imagem em fotografias, sem o consentimento do A., bem como a revelação da sua identidade enquanto criança adotada, não serviria qualquer propósito noticioso e até violaria a norma expressa no Regime do Processo de Adoção, que reconhece o caráter secreto a esses processos no interesse do próprio adotado (v.g. Art.º 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015 de 8/9). Pelo que, poderemos dizer que as R.R. agiram com culpa.
Em sede de culpa deve também ser apreciada a eventual responsabilidade do lesado pela ocorrência do facto, para o efeitos do Art.º 570º do C.C.. No entanto, o A. foi claramente vítima de todo este caso, que correu à sua revelia ou apesar da sua vontade, pelo que não haverá a considerar o contributo do lesado para a ocorrência do facto lesivo.
3.4. Dos danos.
Quanto aos danos, cumprirá dizer que a obrigação de indemnização depende necessariamente da existência de danos ou prejuízos decorrentes de factos ilícitos culposos.
Os danos constituem a perda “in natura” que o lesado sofreu nos seus interesses materiais, espirituais ou morais em consequência do facto lesante e que o direito tutela.
No caso dos autos, o A. reclama apenas a reparação por danos de natureza não patrimonial, que contabilizou em €350.000,00.
Os danos de natureza não patrimonial caracterizam-se pelo facto de não serem suscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, pelo que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma verdadeira indemnização (Antunes Varela - Ob. cit. - Vol. I, págs. 602 e ss.).
Ora, ficou provado que decorre da reportagem em causa nos autos que o A. foi uma criança que foi raptada pela I..., roubada à sua família biológica e teve uma infância difícil (cfr. facto provado 80). Sendo que, o A. tinha feito um trajeto de vida em que tinha tentado esquecer os maus tratos e situações de violência que tinha vivido em criança, tendo sido obrigado, com a visualização da reportagem, a reviver todos esses episódios traumáticos da sua infância (cfr. facto provado 81). Acresce que, terceiros também viram essa reportagem e confrontaram o A., forçando-o a dar explicações a desconhecidos, através do Facebook (cfr. factos provados 82 e 83), tendo-se sentido exposto em pormenores da sua vida privada, que não correspondem à memória que tem dos factos (cfr. facto provado 84), ficando chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem, sentindo-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada e com grande desgosto, frustração e impotência (cfr. factos provados 85 e 86), para além de triste e com um sentimento de injustiça pelas referências feitas na reportagem aos seus pais adotivos e à ideia transmitida de que o teriam roubado, quando os via como alguém que o acolhera, lhe deram um lar, amor e carinho (cfr. factos provados 87).
Também sentiu forte perturbação com as referências ao paradeiro da sua mãe biológica (cfr. facto provado 88), tendo ficado irritado e perturbado com a transmissão da reportagem (cfr. facto provado 90), vendo-se obrigado a dar explicações à sua mulher acerca da sua vida e do processo de adoção, pois esta apenas sabia que o A. tinha sido adotado, desconhecendo os detalhes da sua infância com a família biológica (cfr. facto provado em 91).
Este conjunto de danos de natureza não patrimonial, pela sua gravidade e persistência no tempo, merecem evidentemente tutela do direito, devendo aos mesmos corresponder uma indemnização (Art.º 496º n.º 1 do C.C.).
Como já referido, estes danos, pela sua própria natureza, não têm o valor económico certo, mas ainda assim a lei obriga a que se fixe um montante indemnizatório com recurso a critérios de equidade (Art.º 496º n.º 3 do C.C.).
Nomeadamente, deverá ter-se em atenção a culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias que no caso se justifiquem considerar (Art.º 494º “ex vi” Art.º 496º n.º 3, ambos do C.C.).
Mas estas questões serão oportunamente apreciadas, com maior profundidade, quanto nos debruçarmos sobre o “quantum” indemnizatório.
3.5. Do nexo causal.
Resta ainda apreciar o pressuposto da imputação objetiva dos danos aos factos ilícitos e culposos considerados, ou seja, o estabelecimento do nexo causal.
Sem necessidade de grandes desenvolvimentos sobre este tema, diremos que na doutrina vem predominando, com ligeiras atualizações de pormenor, o reconhecimento da consagração legal da teoria da causalidade adequada, no quadro do Art.º 563.º do C.C..
Esta teoria propõe um raciocínio de prognose póstuma que obriga o julgador a colocar-se no lugar do autor facto lesante e perguntar se, nessa altura, seria normal ou adequado que essa conduta poderia vir a provocar um determinado resultado.
Em função do caso concreto, esta teoria é bastante e fornece a resposta adequada ao estabelecimento do nexo causal, sem termos de recorrer a mecanismos corretores decorrentes da teoria do âmbito de proteção da norma ou da teoria de risco, que sempre levariam à mesma conclusão.
É fácil de perceber que os factos lesantes das R.R. foram causa adequada dos danos verificados, que emergem direta e principalmente das peças jornalísticas consideradas, como decorre da sua descrição fática, tal como provada.
Segundo um juízo de prognose póstuma, os danos sofridos pelo A. podiam ser previstos como consequência normal do comportamento das R.R., pois qualquer pessoa colocada no lugar dos lesantes poderia prever como consequência normal e possível das suas condutas os danos decorrentes das peças jornalísticas em causa, em atenção ao seu conteúdo objetivo e às circunstâncias específicas de nelas se terem revelado a imagem do A., sem o seu consentimento ou autorização, bem como o seu nome.
3.6. Da responsabilidade dos R.R.
Em suma, verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil relativamente às 1.ª e 2.ª R.R., que agiram em coautoria (cfr. Art.º 490.º do C.C.).
Quanto ao 3.º R., enquanto diretor de informação, é o mesmo responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões (cfr. Art.º 36.º n.º 1 da Lei da Televisão), sendo por isso responsável pela informação veiculada e pelo respetivo conteúdo.
No que se refere à 4.ª R., enquanto operadora de televisão, também está vinculada a garantir que, na sua programação, é observado o respeito pela dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais e demais valores constitucionais, em especial o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes (cfr. Art.º 34.º n.º 1 da Lei da Televisão), sendo evidente que os 1.ª a 3.º R.R, agiram no âmbito da sua empresa, no seu interesse e no cumprimento das concretas funções que lhes havia atribuído.
A 5.ª R. não foi condenada no pedido de indemnização e, nessa parte, a decisão transitou em julgado, nada mais havendo a decidir.
Portanto, os 1.º a 4.º R.R. são solidariamente responsáveis pela obrigação de indemnização, emergente da responsabilidade civil (cfr. Art.º 497.º n.º 1 do C.C.).
4. Do abuso de direito de ação.
Deixámos propositadamente para depois da análise da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil a questão do abuso de direito de ação, porque, na verdade, tal como invocada, ela coloca-nos perante um problema que extravasa o direito que se pretende fazer valer nesta ação.
Muito resumidamente, entendem os R.R., nesta parte Recorrentes, que o presente processo se traduziria numa ação contra a participação pública, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against public participacion). Ou seja, esta ação teria por principal objetivo intimidar e silenciar os jornalistas Recorrentes e todos os que pretendessem investigar e divulgar notícias contra a I..., com o propósito de afetar a sua reputação e credibilidade e de fazer esgotar os seus recursos financeiros e os dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, perturbando o seu trabalho e a sua liberdade editorial.
Aliás, este tipo de situações veio a ser objeto da Recomendação EU 2020/758 da Comissão Europeia de 27 de abril de 2022, que reconhece a importância e impacto deste tipo de ações e a necessidade de proteger os jornalistas dos seus efeitos, recomendando a adoção de várias medidas legais e processuais para as prevenir e combater.
Nós já deixámos expressa a nossa perceção, nomeadamente na apreciação da impugnação da matéria de facto, debruçando-nos sobre a prova gravada em audiência final, mas também em alguns pormenores da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, no sentido de que estamos convencidos que a I... teve efetivamente intervenção nos “bastidores”, nesta e noutras ações contra os mesmos R.R., relativamente à temática destas notícias relacionadas com as “adoções ilegais”.
O problema é que não podemos deixar de relevar que o interesse principal desta ação não é, nem pode ser, o interesse da I.... Interesse esse que, para a apreciação do caso “sub judice”, é completamente irrelevante.
O objeto deste processo é, apenas e só, a alegada violação dos direitos de personalidade do A. e o consequente ressarcimento dos danos assim verificados. Ora, estando em causa direitos eminentemente pessoais, verificados na esfera individual e estrita do A., não reconhecer a tutela legal indemnizatória, se provados todos os pressupostos da responsabilidade civil, seria uma pura denegação de justiça, traduzida numa injustificada limitação do acesso aos tribunais para que os cidadãos aí possam defender os seus direitos e interesses, em violação direta do disposto no Art.º 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Colocada a questão apenas na perspetiva do abuso de direito de ação, ou culpa in agendo, a solução não diverge essencialmente do exposto, porque ela pressupõe a conclusão de que o A., ele mesmo, tem a intenção de prejudicar os R.R. de forma marcantemente injusta (cfr. Menezes Cordeiro in “Litigância de má-fé Abuso de Direito e Culpa “In Agendo””, 2006, págs. 33 a 43), materializada, nomeadamente na doutrina alemã, na proibição de consubstanciar dolosamente posições processuais, nas proibição de venire contra factum proprium , na proibição de abuso de poderes processuais ou na suppressio (cfr. Ob. Cit., págs. 85 a 86).
A grande dificuldade da consideração da relevância jurídica deste tipo de comportamento está precisamente no facto de estarmos perante o exercício de um direito que, só em condições extremas, de manifesta e objetiva desproporcionalidade, poderá ser tida em conta e funcionar como obstáculo à sua realização material.
Nestes casos, mesmo que o direito pretendido fazer valer esteja conforme com o direito substantivo, poderá haver abuso de direito de ação se for violada a tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente, nomeadamente através da provocação de dano inutilmente danoso em situação de manifesto desequilíbrio no exercício do direito.
Ora, nada disso se verifica no caso concreto.
O que ficou patente, até por admissão do próprio A., ainda que não refletido na matéria de facto provada, foi que o mesmo beneficia da assistência material da I... nas suas deslocações e estadias em Portugal.
Também nos pareceu que alguma prova testemunhal foi influenciada pelas suas ligações à I... e por “jogos de bastidores” que não serão estranhos aos interesses dessa organização. Mas, daí a concluirmos que houve abuso do direito de ação por parte do A., quando estamos perante uma violação ostensiva dos seus direitos de personalidade e se provaram os danos daí consequentes, é uma conclusão que se nos afigura não caber no caso.
Concordamos, por isso, com tudo o que a propósito foi dito na sentença recorrida e que foi parcialmente transcrito no ponto 1. do presente acórdão.
5. Do quantum indemnizatório.
A sentença recorrida veio a condenar os 1.º a 4.º R.R. no pagamento duma indemnização de €60.000,00.
Nem o A., nem os R.R., por razões diametralmente opostas, concordam com o valor assim fixado. O primeiro, por sustentar que o valor da indemnização deveria corresponder ao pedido de €350.000,00. Os segundos, por entenderem que a indemnização é excessiva.
Como já vimos, concluímos que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos culposos, tal como os mesmos vêm definidos no Art.º 483º n.º 1 do C.C., restando considerar o “quantum” indemnizatório devido solidariamente pelos R.R. ao A., em função dos danos dados por provados.
A dificuldade da fixação do “quantum” indemnizatório nasce desde logo da natureza dos bens jurídicos que foram lesados, pois, por princípio, os mesmos não têm valor económico.
Por outro lado, há que ter em atenção que o A. não era a pessoa diretamente visada pelas reportagens, embora aparecendo referido em pelo menos 6 dos 12 episódios transmitidos na televisão (cfr. factos provados 22 a 32 e 35 a 43).
Acresce que também sabemos que existem outras pessoas que intentaram contra os mesmos R.R. ações semelhantes à presente, com o intuito de serem indemnizadas pelos danos que elas concretamente possam ter sofrido. O que nos deve levar a restringir, como sempre deveria ser feito, a fixação da indemnização à concreta situação do A., evitando qualquer extrapolação do seu caso.
Ainda neste contexto, tem-se colocado a questão de saber se a indemnização deve consistir apenas e só na reparação do dano, ou se deve também cumprir uma função sancionatória relativamente ao comportamento do lesante. A nossa posição sobre esta matéria é que a indemnização não é uma “pena de talião” e não tem um carácter retributivo da culpa, salvo na situação excecional estabelecida no Art.º 494.º do C.C. e para efeitos de ser ponderada uma redução do valor da indemnização, em função do menor grau da culpa, no caso de haver mera negligência. A inversa, ou seja, que a indemnização possa ser agravada em função da maior culpa do agente, não tem cobertura na letra da lei. Portanto, a indemnização visa essencialmente a reparação do dano em si mesmo considerado e não qualquer penalização aplicada ao agente.
Também se tem sustentado que, na fixação do “quantum” indemnizatório, não deverá ser permitido que o lesante tire benefícios do seu comportamento superiores aos da lesão que infligiu. As nossas reservas a este entendimento são semelhantes às atrás expostas, sendo que, neste caso concreto, há que ponderar, em contraponto, que o A. não era diretamente visado pelas reportagens, assumindo um papel perfeitamente secundário na história transmitida nas reportagens, sendo identificado como um mero exemplo, entre outros, das alegadas “adoções ilegais”, ainda que documentado com imagens e suportado em entrevistas.
Acresce que sempre haveria de ser relevado que o A. vive no Brasil e as reportagens foram passadas, e tiveram repercussão principal, em Portugal. Ora, ficou patente que o A. perdeu as suas ligações a este país a partir do momento em que foi adotado ainda em criança, não tendo praticamente qualquer vínculo efetivo ou vivência corrente e regular em terras lusas. O A., em Portugal, continua fundamentalmente a ser uma pessoa anónima. Nessa medida, a repercussão pessoal da revelação do facto de que o A. foi adotado acaba por objetivamente ter menor relevância para si, no que se refere à circunstância de milhares, ou eventualmente milhões, de espectadores da T... ou T..., terem visto os episódios em causa (cfr. factos provados 93 a 113). Neste particular, existe apenas uma perceção subjetiva do A. relativamente à repercussão da revelação desses factos, que é relevante, mas não é objetivamente tão significativa.
Mais relevantes foram certamente as repercussões diretas sentidas pelo A. no Brasil e, muito em particular, no seio da sua família. Aí se incluem as explicações que teve de prestar a estranhos, através do Facebook (em pelo menos duas ocasiões, como decorre da prova gravada), por ter sido adotado no contexto revelado pelas reportagens (cfr. factos provados 82 e 83), e as justificações que teve de dar à sua esposa acerca da sua vida e do processo de adoção, pois sendo certo que aquela sabia que o A. era filho adotivo, desconhecia os detalhes da sua infância com a família biológica (cfr. facto provado 91).
Também não podemos deixar de relevar que o A. sabia perfeitamente que havia sido adotado. Conhecimento esse que era partilhado pelo núcleo central mais próximo da sua família, incluindo-se aí a sua esposa. Não havia era necessidade de divulgação genérica e pública desse facto relativamente a pessoas que o A. pretendia reservar esse aspeto da sua vida privada. Tal como não havia qualquer necessidade de ver a sua identidade revelada no quadro dum processo para o qual em nada contribuiu, com todas as consequências que se mostram provadas (v.g. factos provados nos pontos 80 a 91).
Debruçando-nos especificamente sobre os fundamentos expedidos pelo A. Recorrente, diremos que, com o devido respeito, no contexto concreto da situação retratada nesta ação, pretender sobrevalorizar as audiências gerais da T... e da T..., ou as audiências (prováveis) no dia da transmissão desses concretos episódios, bem como os lucros ou proventos económicos da 4.ª R. realizados através da sua atividade televisiva em geral, quando em causa está uma reportagem difundida em escassos minutos, ainda que em prime time, mas em que a imagem do A. aparece ainda em menor tempo, para daí concluir que €350.000,00 seria a indemnização adequada, seja sob que ponto de vista se tome, afigura-se-nos completamente desproporcionado.
Desde logo, cumpre realçar que o padrão indemnizatório fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça em matéria de liberdade de imprensa tem sido bem diverso.
Veja-se que, no acórdão de 26/2/2004 (Revista n.º 3898/03 – 7.ª Secção – Relator Araújo Barros – disponível, como todos os restantes agora citados, nos cadernos temáticos do STJ sobre “A liberdade de expressão e informação e os direitos de personalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”), num caso em que o jornalista narrava certo facto, ou fazia afirmação ou insinuação, sabendo que dessa forma atingia a honra ou o bom nome de outrem, julgou-se justificada uma indemnização de €24.939,99, para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
No acórdão de 27/5/2004 (Revista n.º 1530/04 - 1.ª Secção – Relator: Faria Antunes) no caso duma entrevista e publicações com quebra do equilíbrio que deve existir entre o direito ao bom nome e à reputação, parte integrante da dignidade humana, e os direitos da liberdade de informação e de expressão, julgou-se adequado fixar uma indemnização de €15.000,00, confirmando a decisão do Tribunal da Relação.
No acórdão de 15/2/2005 (Revista n.º 3875/04 - 1.ª Secção – Relator: Faria Antunes), num caso em que se julgou que o lesado foi vilipendiado, amesquinhado, apoucado, no seu valor aos olhos da sociedade, com invocação de factos falsos, fixou-se a indemnização em €7.500,00.
No acórdão de 24/5/2005 (Revista n.º 1410/05 - 6.ª Secção – Relator: Salreta Pereira), num caso em que foram divulgadas no jornal fotografias da Escola onde ocorreram os factos noticiados e em que o A. foi tratado como pedófilo, imputando-lhe a tentativa de violar uma menina de 8 anos, manteve-se o montante indemnizatório fixado pela Relação de €24.940,00.
No acórdão de 27/11/2007 (Revista n.º 3341/07 - 6.ª Secção – Relator: Silva Salazar), num caso de violação dos direitos à integridade moral, ao bom nome e reputação, à imagem, à dignidade pessoal e à não utilização abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas visadas, com utilização de imagens da autora em associação com filmes de conteúdo pornográfico, foi julgada adequada uma indemnização de €20.000,00.
No acórdão de 7/2/2008 (Revista n.º 4403/07 - 2.ª Secção – Relator: João Bernardo), num caso de divulgação de irregularidade na gestão de associação com fins humanitários e apresentação de fotografia da diretora da instituição com imputação de que teria uma vida luxuosa, entendeu-se adequada uma indemnização de €12.500,00.
No acórdão de 10/7/2008 (Revista n.º 1824/08 - 1.ª Secção – Relator: Mário Cruz), num caso em que foram divulgados atos desonrosos e criminosos imputados a determinada pessoa, cujo nome e profissão foi divulgado, sendo assim facilmente identificada por quem a conhece, considerou-se ajustada a indemnização de €25.000,00.
Num acórdão de 9/12/2008 (Revista n.º 2613/08 - 6.ª Secção – Relator: Cardoso de Albuquerque), num caso de atentado ao bom nome e reputação profissional através de “mass media”, julgou-se adequado fixar a indemnização dos danos em causa no montante de €20.000,00.
Num acórdão de  29-04-2010 (Revista n.º 5583/04.3TBOER.S1 - 2.ª Secção – Relator: Oliveira Rocha), num caso abuso de liberdade de imprensa contra os direitos de personalidade, em que foram transmitidas notícias sem previamente ouvir o visado e sem correspondência com a realidade, que se transformaram em tema de conversa em todo o País, criando em muitas pessoas um clima de desconfiança relativamente ao visado, reputou-se de justa e equitativa a quantia de €40.000,00.
Num acórdão de 19/1/2012 (Revista n.º 414/07.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Sérgio Poças), num caso de imputação de plágio, ainda que sob a forma de suspeita, ofendendo a honra, bom-nome e reputação do autor, em jornal semanal de grande tiragem, julgou-se adequada a condenação pelos danos não patrimoniais sofridos em €65.000,00.
Num acórdão de 18/12/2012 (Revista n.º 352/07.1TBALQ.L1.S1 - 2.ª Secção – Relator: Pereira da Silva), referente à publicação duma carta enviada pelo autor ao diretor do jornal onde se reporta a caluniosos boatos que circulam e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou a difundir a notícia, afigurou-se adequado o montante indemnizatório de €22.500,00 a título de danos não patrimoniais.
No acórdão de 2/12/2013 (Revista n.º 1667/08.7TBCBR.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator: Paulo Sá), numa situação de exibição na televisão de um suicídio por imolação pelo fogo, com exibição de imagem de arquivo que afastava a ideia nos espectadores, e em particular nos familiares próximos, de que o visionado era o A., atribuiu-se a cada uma das vítimas, a título de danos não patrimoniais, a indemnização de €10.000,00 a cada uma, no montante global de €20.000,00.
No acórdão de 1/4/2014 (Revista n.º 218/11.0TBPDL.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator: Martins de Sousa), num caso de políticos ou figuras públicas com proeminência no governo, em que se admitiu que havia de ser mais permissivo e tolerante o tom mais elevado e intenso das críticas de que são objeto pela imprensa, julgou-se justificada a atribuição de uma compensação de €10.000,00, admitindo-se a função sancionatória da indemnização.
Mais recentemente, foram ainda publicados na “dgsi”, sobre o mesmo tema, os seguintes acórdãos:
- O Ac. do STJ de 26/10/2016 (Proc. n.º 953/09.3TASTR.E2.S1 – Relator: Pires Graça), em que foi lesada a honra profissional de magistrada judicial, estabelecendo-se uma indemnização de €15.000,00 por esses danos não patrimoniais.
- O Ac. do STJ de 2/12/2020 (Proc. n.º 24555/17.1T8LSB.L1.S1 – Relatora: Fátima Gomes) num situação de divulgação de notícias falsas, que os R.R. não poderiam ignorar, denegrindo a honra e o bom nome do autor, no domínio da sua vida privada, determinou uma indemnização de €25.000,00.
- O Ac. do STJ de 24/5/2022 (Proc. n.º 14570/16.8T8LSB.L1.S1 – Relatora: Maria Olinda Garcia), reportando-se a um caso de gravação não autorizada de imagens e áudio de interrogatório de arguido, depois transmitido na televisão, julgou que não era excessiva a indemnização de €35.000,00 por danos morais causados ao A. e, bem assim, da indemnização de €10.000,00 com a publicação de notícias falsas de que o autor teria sido detido.
Em suma, sendo certo que a maior parte dos danos não patrimoniais, emergentes de ilícitos de abuso de liberdade de imprensa, aqui mencionados na jurisprudência citada, se referem essencialmente a direitos de personalidade mais ligados aos direitos à honra e bom nome e, sendo também claro, que cada uma das decisões reflete as realidades particulares de cada processo e dos casos concretos aí apreciados, fica evidenciado que a bitola do Supremo Tribunal de Justiça não se adequa à fixação duma indemnização no valor de €60.000,00, tal como decidida pelo tribunal recorrido, com a única exceção do acórdão de 19/1/2012 (Revista n.º 414/07.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Sérgio Poças), que aparece meio desfasado neste contexto.
Entendemos, portanto, que a reparação pelo dano causado pela divulgação não autorizada da imagem do A. e pela revelação não consentida da sua identidade como uma das crianças adotadas, com as repercussões provadas nos termos dos pontos 80 a 91 dos factos provados, justifica a condenação das R.R. no pagamento duma indemnização por danos não patrimoniais no valor equitativo de €30.000,00.
Pelo exposto, atento ao disposto nos Art.ºs 496.º n.º 3, 494.º e 562.º do C.C., julgamos alterar a decisão recorrida relativamente à condenação dos 1.º a 4.º R.R., computando o valor da indemnização devida em apenas €30.000,00.
Resta ainda dizer que o valor assim fixado se considera atualizado à data da prolação do presente acórdão. Pelo que, em observância do AUJ n.º 4/2002, publicado do DR 146, Série I-A de 2002-06-27: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação».
6. Da proporcionalidade da obrigação de abstenção de divulgação de factos da vida privada do A.
Do teor das alegações de recurso dos R.R. pretende-se ainda pôr em causa a adequação da última parte condenatória da sentença recorrida.
Deve dizer-se que, nesta parte, a sentença recorrida, o que veio fazer foi somente confirmar a decisão que já havia sido tomada provisoriamente na providência cautelar apensa, confirmada, aliás, por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de dezembro de 2018, a que já tivemos oportunidade de nos referir e que se mostra publicado no site da “dgsi”.
Essa decisão tem acolhimento legal no Art.º 70.º n.º 2 do C.C., onde se estabelece explicitamente que: «2- Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida [entenda-se, nos seus direitos de personalidade] pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida».
No caso, estamos perante uma ordem destinada a atenuar os efeitos duma ofensa a direitos de personalidade já consumada, relacionada com a reprodução do retrato do A., em criança e em adulto, sem o seu consentimento (cfr. Art.º 79.º n.º 1 do C.C.) e, bem assim, com a revelação da identidade do A., pelo seu nome, em violação do direito à reserva sobre a intimidade da sua vida privada (cfr. Art.º 80.º n.º 1 do C.C.) e no respeito pela previsão do Art.º 4.º n.º 1 do RJPA.
Diga-se ainda, que, ouvida a prova gravada, ficámos a saber, pelo conteúdo dos depoimentos das testemunhas arroladas pelas R.R., que essa obrigação até já terá sido cumprida de forma eficaz, através da “pixelização” da imagem do A. e ocultação do seu nome. Competência técnica que se mostra essencialmente atribuída à responsabilidade da 5.ª R., que é quem gere os conteúdos dos sites, podendo remover da reportagem todos esses elementos identificatórios do A. pelos meios técnicos de que dispõe.
É essencialmente nos históricos e links desses sites que se encontra guardada toda essa informação que agora só pode ser usada nesses termos, não podendo os 1.º a 4.º R.R. proceder à retransmissão dessas peças jornalísticas, ou referir-se à identidade do A. ou à sua imagem, sem ser dessa forma anonimizada ou respeitando a anonimização dos elementos identificativos da imagem e identidade do A..
Estamos no domínio do chamado “direito ao esquecimento”. Por ele pretende-se impedir que estejam permanentemente a vir à liça factos que já não têm, ou nunca deveriam ter tido, relevância social, como ficou paradigmaticamente evidenciado no “Caso Mario Costeja Gonzalez vs Google Inc e Google Spain, SL”, que correu termos no TJUE, a título de decisão prejudicial para interpretação dos Art.ºs 2.º al.s b) e d), 4.º n.º 1 al.s a) e c), 12.º al. b) e 14.º, primeiro parágrafo, al. a) da Diretiva 95/46/CE e do Art.º 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, vindo depois aí a condenar-se a Google a «adotar as medidas necessárias para retirar ou eliminar da lista de resultados, obtida após a pesquisa efetuada a partir do nome do reclamante, os links das páginas web objeto da reclamação» (vide, a propósito: Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, “Direito ao Esquecimento” in Estudos de Direito Privado”, 2020, págs. 163 e ss.).
Este direito ao esquecimento veio posteriormente a merecer acolhimento no Regulamento (UE) 2016/676 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016, relativo à proteção de dado pessoais das pessoas singulares, que revogou a Diretiva 95/46/CE, permitindo-se aos respetivos titulares o direito a que os dados a que lhe digam respeito possam ser retificados ou que haja um “direito ao esquecimento”, quando a conservação dos dados violar o Regulamento ou o Direito da União ou dos Estados-Membros aplicável ao seu tratamento.
Por outro lado, no quadro da lei nacional, estas matérias são hoje reguladas na Lei n.º 58/2019 de 8/8, onde se acautela o direito ao esquecimento no Art.º 25.º n.º 4, estabelecendo-se ainda que o acesso aos dados pessoais, quando sujeitos a dever de segredo, são oponíveis ao próprio titular dos dados (cfr. Art.º 20.º n.º 1), sendo que o Art.º 26.º n.º 2 desse diploma estabelece ainda que, no exercício da liberdade de informação, no que concretamente se refere aos dados pessoais, deve ser respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição, bem como os direitos de personalidade, nela e na legislação ordinária nacional, consagrados.
Não pode, por isso, deixar de se considerar que o direito em causa merece tutela legal e não pode ser afastado pelo exercício da liberdade de imprensa.
Podemos admitir que a redação da al. b) da parte dispositiva da sentença possa ter uma formulação excessivamente ampla, que pode permitir algum equívoco, mas que rapidamente se dissiparia pela leitura da sentença recorrida.
Como vimos, a sentença recorrida pretendeu essencialmente tornar definitiva a decisão proferida na providência cautelar, que determinou apenas que os R.R. removessem, ou ocultem, dos episódios da reportagem ‘O Segredo dos Deuses’, a imagem da face do A., e o seu nome verdadeiro.
Mas, na alínea b) da parte dispositiva da sentença, decidiu-se condenar os R.R. «a absterem-se difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação». Quando o que se pretendia efetivamente dizer é que os R.R. eram condenados «a absterem-se difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor concretamente relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem, em termos definitivos, da reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” e dos respetivos sites onde se encontrava disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação».
A proibição refere-se, portanto, apenas aos segmentos concretos das reportagens onde aparecem as imagens do A. e referências ao seu nome, na medida em que por eles se permita a sua identificação e possam estar relacionados com o processo de adoção. O dever de abstenção assim reconhecido é apenas o estritamente necessário à salvaguarda do direito à imagem e à reserva da vida privada do A. que aqui concretamente se julgou ilícito.
Todas e quaisquer outras imagens, ou factos relativos à vida privada do A., não compreendidos no objeto desta ação, evidentemente que não podem estar compreendidos nesta ordem judicial, porque escapam à força positiva do caso julgado.
Por estas razões, pensamos que a decisão judicial nesta parte não deve ser alterada, por não existirem razões bastantes para tanto.
Sem prejuízo, por todo o exposto, improcedendo a apelação do A., procedem parcialmente as apelações dos R.R., devendo a sentença recorrida ser alterada na parte constante da al. a) do seu dispositivo, reduzindo-se o valor da indemnização devida ao A. para €30.000,00, atualizado à data da prolação do presente acórdão, a que acrescerão juros de mora a contar desta data.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação do A. improcedente por não provada, mas julgamos as apelações dos 1.º a 4.º R.R., parcialmente procedentes, alterando a al. a) da parte dispositiva da sentença recorrida, a qual é substituída pela condenação solidária dos 1.ª, 2.ª, 3.º e 4.ª R.R. a pagarem ao A. a quantia de €30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, montante já atualizado à data do presente acórdão, a que acrescem juros de mora a contar da presente data até integral pagamento. No mais, julgamos manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
- As custas das apelações apresentadas pelo A. e pela 5.ª R., M..., são inteiramente da responsabilidade desses recorrentes. Já as custas relativas às apelações dos 1.ª a 4.ª R.R. são pelos apelantes e pelo apelado, na proporção do decaimento decidido (Art.º 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.).
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Lisboa, 23 de abril de 2024
Carlos Oliveira
Paulo Ramos de Faria
Cristina Coelho