RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
REMUNERAÇÃO
PRESTAÇÃO
MEDIADOR
COMITENTE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
VONTADE REAL DOS DECLARANTES
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I - No contrato de mediação imobiliária, para a obrigação do pagamento da remuneração pelo comitente é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.
II - No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade simples, o comitente não está impedido de proceder ele próprio à angariação de interessado.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO



1.1.- A Autora - MEDIAPREDIUM – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra THREE MIND, S.A., actualmente denominada “COMPANHIA DAS NAÇÕES ALIADAS – SICAFI ESPECIAL, S.A.”,

Para tanto, alegou, em síntese, que:

A autora, no exercício da actividade de mediação imobiliária, celebrou, em 13/04/2017, um contrato de mediação imobiliária, com a ré, em regime de exclusividade, nos termos do qual esta se obrigou diligenciar no sentido de conseguir interessado no arrendamento, das 27 fracções autónomas, identificadas pelas letras A, C a AC, que fazem parte do prédio urbano constituído em regime de Propriedade Horizontal, sito na Avenida ... e Rua ..., mediante a remuneração para a primeira, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), acrescido de IVA, à taxa legal em vigor.

No cumprimento do contrato a autora desenvolveu para o efeito, acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos, que se concretizaram.

Em 20/04/2017, a ré procedeu ao pagamento da quantia de €61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros), através do cheque com o nº...64, no âmbito do contrato de mediação imobiliária, não tendo procedido ao pagamento de qualquer outra quantia.

Pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor, bem como dos juros, vencidos desde a citação até integral pagamento.

1.2. - A ré apresentou contestação e deduziu reconvenção, alegando, em síntese:

Em 11/07/2016, a ré celebrou um contrato-promessa de arrendamento tendo por objecto o imóvel, “o que fez com a sociedade promitente arrendatária integrada num conhecido grupo hoteleiro internacional. O referido contrato-promessa de arrendamento converter-se-ia e converteu-se automaticamente em contrato de arrendamento, nos termos nele estabelecidos, uma vez verificados os condicionalismos e condições previstos contratualmente. Por força desta circunstância contratual, após a celebração do contrato-promessa de arrendamento, não foi celebrado, com a arrendatária, qualquer contrato de arrendamento”, ou seja, mais de 9 (nove) meses antes da data do contrato de mediação imobiliária, invocado pela autora.

A entrega da quantia de €61.500,00 (€50.000,00 + IVA), à autora, foi efectuada a título de adiantamento da remuneração que lhe seria devida pela execução do contrato de mediação;

A autora não teve qualquer intervenção na procura, na angariação e na identificação da promitente arrendatária, nem efectuou qualquer diligência nesse sentido.

Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação da autora no pagamento da quantia de €61.500,00.

Alegou, em síntese, que o prazo de vigência do contrato de mediação imobiliária, invocado pela autora, extinguiu-se em 13/04/2020, sem que, no seu decurso, ou até antes e depois dele, esta tivesse conseguido qualquer interessado para a concretização do negócio.

A autora não tem direito a qualquer remuneração no âmbito e por força do contrato de mediação que identifica, incluindo a quantia de €50.000,00 cujo pagamento [€ 50.000,00 + IVA = €61.500,00], em 21/04/2017, foi efectuado a título de adiantamento.

Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé.

1.3. - Replicou a autora, alegando, em síntese, que, formalmente, o contrato de mediação imobiliária só foi assinado em 13/04/2017, mas desde o início de 2016 que estava incumbida, pela ré, de angariar um arrendatário, como efectivamente aconteceu.

Concluiu pela improcedência da reconvenção e pediu a condenação da ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

1.4. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

“a) Julga-se procedente a presente acção e condena-se a R., THREE MIND, S.A., a pagar à A., MEDIAPREDIUM – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor, mais juros comerciais desde a citação até integral pagamento.

b) Julga-se improcedente o pedido reconvencional e dele se absolve a A./reconvinda.

Custas da acção e do pedido reconvencional pela R./reconvinte”.

1.5.- Inconformada, a Ré/Recorrente interpôs recurso da sentença, e a Relação, na parcial procedência do recurso, decidiu:

“revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Ré “a pagar à A., MEDIAPREDIUM – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor, mais juros comerciais desde a citação até integral pagamento”; absolver a Ré do pedido deduzido pela autora; no mais, manter a decisão recorrida”.

1.6.- A Autora recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1)A promitente arrendatária foi identificada antes da celebração do contrato de mediação imobiliária – Cfr. factos dados como provados nos números 2, 14 e 15).

2)Contrato esse que a Relação manteve inalterado, quer quanto à qualificação como contrato de mediação imobiliária (Cfr. facto dado como provado sob o n.º 5), quer quanto à sua validade formal (Cfr.2.ª questão decidida no acórdão de que ora se recorre), bem como, manteve inalterado o primeiro pagamento efetuado pela Recorrida à Recorrente no âmbito do aludido contrato (Cfr. facto dado provado sob o n.º 5 e 4.ª questão decidida no acórdão de que ora se recorre).

3)Impunha-se, assim, analisar qual a vontade das partes, as suas expectativas, a liberdade contratual e a boa-fé aquando da celebração do contrato, o que a Relação fez tábua rasa. O mesmo já não sucedeu com a apreciação e julgamento do Tribunal de primeira instância, cujo objetivo mostra-se alcançado pela sentença aí proferia, procedente a uma análise distanciada dos motivos que estiveram na génese da celebração do contrato de mediação.

4)Assim, desde logo, considera-se relevante efetuar um prévio raciocínio e questionar qual a razão que esteve subjacente ao facto de ter sido celebrado um contrato de mediação em data posterior à outorga de um contrato de promessa de arrendamento (este que veio a converter-se em definitivo)?!

5)Por outro lado, se a Recorrida já havia, por alegadamente por si, angariado um interessado no arrendamento – com o qual celebrou um contrato de promessa de arrendamento que se veio a converter-se em definitivo –, qual a razão para a celebração com o Recorrente de um contrato de mediação em data posterior, quando bem sabia a Recorrida, sendo esse o caso, que mesmo que aquele conseguisse angariar um interessado nunca conseguiria concluir no negócio, pelo facto de sobre o mesmo objeto (imóvel) já existir uma contratação válida e eficaz?!

6)Mais, ainda nesses pressupostos, por que razão a Recorrida pagou ao Recorrente a quantia de 50.000,00€, acrescido de IVA, respeitante ao 1.º pagamento no âmbito do contrato de mediação imobiliária entre as partes celebrado (Cfr. facto dado como provado sob o n.º 5).

7) Entende o Recorrente, tal como o Tribunal de primeira instância (e bem), que nada mais nada menos, e de forma resumida, foi pelo facto da Recorrida reconhecer que efetivamente tinha que pagar àquele pelos serviços desenvolvidos. Pois de outra forma não faria sentido pagar o que não era devido, para além de que é da experiência e senso comum – essencialmente, quando estão em causa empresas que visam o lucro, como é o caso da Recorrente –, que não iria pagar nada ao Recorrente a título de adiantamento e muitos menos no valor que foi, repete-se de 50.000,00€, acrescido de IVA, quando segundo a sua tese teria já o negócio concretizado por si.

8)Pese embora, a desconsideração que a Relação fez quanto a esses factos e que levou à revogação parcial da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância – o que, com o devido respeito, não se concede –, andou bem ao considerar inexistir causa para a restituição do valor já pago à Recorrente, bem como, quanto à inexistência dessa restituição a título de enriquecimento sem causa, tendo decidido julgar improcedente o recurso quanto ao pedido formulado pela aqui Recorrida, quanto à restituição do aqui Recorrente de tal quantia já recebida (Cfr. 4.ª questão do Acórdão de que ora se recorre),

9)A vontade das partes era exatamente o que o contrato reflete, o pagamento em prestações condicionado apenas às datas nele contidos respeitantes ao primeiro e segundo pagamento e o terceiro ao pagamento da primeira renda.

10) Pelo que, afigura-se que a Relação ao considerar improcedente o pedido da ora recorrente mantendo o pedido reconvencional improcedente, padece de efetiva contradição.

11)Em face do que foi estipulado entre Recorrido e Recorrente no contrato, entende-se, com o devido respeito, que assiste razão ao Recorrente em receber os valores peticionados ainda em dívida no valor de 150.000,00€, acrescido de IVA, bem como a não restituição à Recorrida do valor por si já liquidado, no montante de 50.000,00€, acrescido de IVA.

12)Por todo o exposto, não pode manter-se a decisão recorrida, nos termos em que o fez (de forma parcial), devendo a mesma ser revogada e manter-se a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, na qual a Recorrida foi condenada ao pagamento integral da quantia ainda em dívida de 150.000,00€, acrescida de IVA.

13)Caso assim não se entenda – o que não se concede, mas que por mera cautela de patrocínio se equaciona –, teria sempre a Recorrente direito a receber no mínimo a segunda prestação da renumeração, no montante de 50.000,00€, acrescida de IVA, estipulada no contrato de mediação imobiliária em apreço, e de acordo, com a consciência, vontade livre e sem reservas e liberdade contratual das partes, e que tal pagamento ficou apenas condicionado a uma data - apenas e tão, não sujeito a qualquer outra obrigação associada, como bem se extrai do contrato de medicação, junto aos autos a fls. …

14)Para o Recorrente não subsistem dúvidas que o Acórdão objeto de recurso viola de normativos legais, nomeadamente disposições previstas no Código Civil e RJAMI, Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, bem como existe uma violação de lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação e, ainda, violação dos próprios princípios da liberdade e autonomia contratual, previstos nomeadamente, nos artigos 236.º, 238.º e artigo 405.º, todos do Cód. Civil, e, ainda, expetativas e vontades das partes e dos negócios jurídicos, certeza e segurança jurídica dos negócios que não foram tidas em consideração.

15)As normas e os princípios violados, porque não foram aplicados na atividade interpretativa em toda a sua plenitude e sentido, pelo Tribunal recorrido, com o devido respeito, levaram a que se decidisse como se decidiu, quando devia ter sido ter confirmada a decisão proferida pelo Tribunal primeira instância.

16)Cada parte deve outorgar o seu comportamento de acordo com a regras de boa-fé como assinala o n.º 2 do art.º 762. Do Código Civil, o que se mostra especialmente relevante tendo em conta a expectativas mútuas, a Relação ao concluir como conclui fez incorreta determinação ou aplicação do direito.

17)Não se consegue extrair do contrato – porque efetivamente e objetivamente não foi essa a vontade das partes – de condicionar o pagamento dos valores devidos ao Recorrente à prática de quaisquer outras obrigações (para além do normal para um contrato de medicação com exclusividade simples),- nem tão pouco, que foi convencionado uma qualquer outra remuneração, condicionada como contraprestação e/ou contrapartida da satisfação do cliente angariado pela celebração do contrato-promessa, bem como, que o pagamento ficasse afeto e/ou dependente da conclusão do contrato definitivo.

18) O Acórdão recorrido violou, entre outros normativos que Vossas Excelências doutamente suprirão, os art.ºs 236.º, 238.º, 405.º, 762.º, do Código Civil, 16.º e 19.º do RJAMI, Lei 15/2013 de 08 de fevereiro.

1.7. A Ré contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1.- O objecto do recurso

A questão essencial submetida a revista, delimitada pelas conclusões consiste em saber se assiste à Autora (mediadora) o direito à remuneração com base no contrato de mediação imobiliária celebrado com a Ré.

2.2. – Os factos provados (descritos no acórdão)

“1) A Autora é uma pessoa colectiva que se dedica ao exercício da actividade de mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI n.º 9063, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos e da Construção, I.P.

2) No âmbito dessa actividade celebrou em um contrato de mediação imobiliária, com a ora Ré, o qual incidia sobre as fracções indicadas em 8).

3) Contrato que foi celebrado em regime de exclusividade, tudo com os seus efeitos legais e contratuais, tal como faz constar da cláusula 3º do referido contrato.

4) Tendo sido fixada a remuneração à Autora, no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no caso de a Autora conseguir interessado para a concretização do negócio visado pelo supra identificado contrato - cláusula 4º do contrato de mediação imobiliária aqui em causa.

5) Em 20/04/2017, a Ré procedeu ao pagamento do cheque com o nº6357553764, no valor de €61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros), no âmbito do contrato de mediação.

6) Tendo a Autora emitido factura com o nº FA 2017L/29 a favor da Ré.

7) A Ré, por missiva de 30 de Novembro de 2021, enviada ao Mandatário da Autora, afirmou que “não reconhece como desconhece qualquer valor em dívida à sociedade que V.ª Ex.ª., representa”, e mais afirma, “após pesquisa exaustiva nos nossos arquivos qualquer contrato ou factura que titule ou justifique o valor em causa”.

8) A Ré é legitima proprietária e possuidora de 27 fracções autónomas, identificadas pelas letras A, C a AC, que fazem parte do prédio urbano constituído em regime de Propriedade Horizontal, sito na Avenida ... e Rua ..., da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...setenta e quatro, de ..., e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artº 9750, com a licença de utilização nº 92, emitida pela Câmara Municipal ....

9) Da cláusula 2ª do contrato mencionado no ponto 1 consta: “A Mediadora em exclusivo identificará interessado, potencial Arrendatário/Arrendatários para o prédio identificado na cláusula anterior, cujos termos negociais, onde se inclui: o valor da renda, o prazo de duração do contrato de arrendamento, e as demais contrapartidas (como seja: determinar qual o contraente a quem incumbe terminar o prédio, o tipo de acabamento, nºs de quartos, etc.) e garantias, serão a definir pelas partes aquando da negociação do arrendamento”.

10) Sendo que a remuneração a Autora seria devida da seguinte forma:

a) 1º pagamento do valor de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, até 21/04/2017;

b) 2º pagamento do valor de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, até 31/10/2017;

c) 3º pagamento do valor de 100.000,00 € (cem mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, aquando do recebimento da primeira renda do contrato de arrendamento que vier a ser celebrado.

11)…

12) Autora e Ré acordaram que a emissão da factura seria no dia que a Ré efectuasse o pagamento.

13) Até à data de hoje a Ré não procedeu a mais nenhum pagamento do valor em dívida, nomeadamente o pagamento das duas restantes tranches, no valor global de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, apesar de ter sido interpelada pela Autora.

14) Em 11.07.2016, a Ré celebrou um contrato-promessa de arrendamento tendo por objecto o imóvel descrito no artigo anterior, e todas as referidas fracções, o que fez com a sociedade promitente arrendatária integrada num conhecido grupo hoteleiro internacional

15) O referido contrato-promessa de arrendamento converter-se-ia e converteu-se automaticamente em contrato de arrendamento, nos termos nele estabelecidos, uma vez verificados os condicionalismos e condições previstos contratualmente.

16) Por força desta circunstância contratual, após a celebração do contrato-promessa de arrendamento não foi celebrado, com a arrendatária, qualquer contrato de arrendamento.

17) O arrendatário é uma empresa subsidiária do Grupo Hotusa, detentora dos Hotéis Eurostars.

18) AA é accionista da ré e foi seu administrador, nomeadamente nos anos de 2016 e 2017.

19)A Autora não teve qualquer intervenção na procura, angariação e identificação da promitente arrendatária.

2.3. – Os factos não provados (descritos no acórdão)

a) No âmbito do contrato identificado no ponto 1, a Autora tenha diligenciado no sentido de conseguir interessado no arrendamento, do supra identificado imóvel;

b) No cumprimento do contrato identificado no ponto 1, a Autora tenha desenvolvido acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos;

c) O arrendatário tenha sido angariado pela Autora;

d) O gerente da Autora seja amigo do Dr. BB;

e) O administrador da ré, BB, tenha incumbido a Autora de angariar potenciais interessados para arrendar ou comprar o imóvel;

f) O arrendatário tenha sido identificado e apresentado pela Autora;

g) A Autora tenha sido incumbida, pela Ré, desde o início de 2016, para angariar um arrendatário;

h) O contrato de mediação não foi assinado antes, dado a relação de amizade, existente entre o Administrador da Ré, o Dr. BB e o gerente da Autora;

i)O contrato de mediação só foi assinado em 13/04/2017, dado nesta data ter sido acordado pelas partes que seria efectuado, o pagamento da 1ª prestação da remuneração;

j) A autora não tenha efectuado qualquer diligência no sentido de angariar e identificar promitente arrendatária, no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado em 13/4/2017, com a ré;

l) A Autora nada tenha feito, nem dado conhecimento à Ré de ter praticado

m) A Autora não tenha procurado, nem identificado, nem apresentado à Ré qualquer entidade interessada na concretização do negócio visado;

n) A Autora não tenha efectuado qualquer diligência antes ou após a data do contrato de mediação imobiliária, para celebração do contrato pretendido pela Ré;

o) Não foi celebrado, nem sequer negociado, entre a Ré e outra entidade, qualquer contrato tendo por objecto o prédio identificado no ponto 8 e as suas fracções, que tenha sido conseguido ou resultado das diligências da Autora;

p) Não foi celebrado, nem sequer negociado, qualquer contrato, definitivo, de promessa ou outro, visado pelo contrato de mediação invocado pela Autora.

2.4. - O contrato de mediação imobiliária e o direito à remuneração da Autora

Não se discute a qualificação do contrato como de mediação imobiliária celebrado, em 13 de Abril de 2017 entre Autora (mediadora) e a Ré ( comitente) com cláusula de exclusividade, tendo por objecto diligenciar no sentido de conseguir interessado para arrendamento, das 27 fracções autónomas, identificadas pelas letras A, C a AC, que fazem parte do prédio urbano constituído em regime de Propriedade Horizontal, sito na Avenida ... e Rua ..., aplicando-se o regime instituído pela Lei nº 15/2013 de 8/2 ( RJAMI).

O contrato de mediação pressupõe, essencialmente, a incumbência, a uma pessoa, de conseguir interessado para certo negócio, feita pelo mediador, entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio, entre estes, como consequência adequada da actividade do mediador.

A obrigação principal do mediador é a de aproximar diferentes pessoas, através da sua intermediação, na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas (obrigação de fazer), numa relação de causa/efeito (obrigação de resultado). Por seu turno, a obrigação principal do comitente é a de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, sendo, por isso, um contrato oneroso, já que tanto o mediador (que é remunerado), como o comitente (que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.

Neste contexto, o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade a remuneração é devida não só com a conclusão e perfeição do contrato visado (art.19 nº1), nos termos gerais, mas também quando o negócio visado não se realize, desde que seja por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel (art.19 nº2). Por outro lado, no contrato de mediação com a cláusula de exclusividade simples, o comitente não está impedido de proceder ele próprio à angariação de interessado (cf. Ac STJ de 12/4/2023 (proc nº 11768/19), do aqui relator, disponível em www dgsi., que se segue de perto).

Tendo em conta o art. 19 nº1 da Lei nº 15/2013 (“a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”) é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

Na situação dos autos, para além de se julgar não provado que “a Autora tenha sido incumbida, pela Ré, desde o início de 2016, para angariar um arrendatário” que “o arrendatário tenha sido angariado pela Autora”, que “o arrendatário tenha sido identificado e apresentado pela Autora”, provou-se até que “a Autora não teve qualquer intervenção na procura, angariação e identificação da promitente arrendatária”.

Daqui resulta claramente a falta de nexo de causalidade entre a actuação da Autora e o arrendamento, caindo pela base o direito da Autora à preconizada remuneração.

A recorrente alega que, segundo o critério dos arts.236 e 238 CC, a vontade das partes foi no sentido de que o contrato de mediação, embora assinado em 13/4/2017, fora concluído anteriormente, e que o arrendamento foi por si angariado.

A vontade real está expressa nos factos julgados provados e, afinal, o que a Autora pretende na revista é infirmar o julgamento de facto e a alteração levada a efeito pela Relação.

Porém, como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art.46 da Lei nº62/2013 de 26/8 (“Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito”), e se positiva expressamente nos arts.662 nº4, 674 nº3, e 682 nº2 CPC.

Por isso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está limitada aos casos previstos no art.674 nº3 ( 2ª parte) e 682 nº3 CPC, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ( isto é, violação das regras direito probatório material), reenvio do processo para ampliação dos factos ( devido ao vício da insuficiência ) ou contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica.

Assim, o STJ não pode a partir dos factos provados (descritos em 5 e 6, e 14 a 17) dar como provado, com base numa presunção judicial, os factos enunciados de a) a i) do elenco dos factos não provados.

E não pode, por duas razões: porque o STJ não julga aqui de facto, e porque não se pode dar como provado um facto presumido se o mesmo facto for julgado não provado.

Acresce não se verificar o vício da contradição de facto, que pressupõe uma colisão lógica de tal forma que se anulam simultaneamente.

Por fim, mesmo que se entendesse, na lógica da recorrente, que o contrato de mediação fora celebrado anteriormente, a verdade é que não está demonstrada a intervenção da Autora na angariação do arrendamento, o que tanto basta para postergar a pretensão da Autora.

2.5. – Síntese conclusiva

- No contrato de mediação imobiliária, para a obrigação do pagamento da remuneração pelo comitente é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

- No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade simples, o comitente não está impedido de proceder ele próprio à angariação de interessado.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido

2)


Condenar a recorrente nas custas


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Abril de 2024.


Jorge Arcanjo (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Nelson Carneiro