LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MODALIDADES DE INDEMNIZAÇÃO
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO EM COMPLEMENTO À SENTENÇA
VALOR DE HONORÁRIOS
Sumário


I O art.º 543º, n.º 3, C.P.C., prevê a possibilidade de ser liquidado o valor indemnizatório, devido ao requerente de condenação em litigante de má fé, em despacho complementar à sentença.
II Essa determinação pode ser feita só depois do trânsito em julgado da sentença relativamente ao mérito da ação, desde que a mesma sentença condene em litigante de má fé e salvaguarde essa posterior liquidação.
III O n.º 1 do art.º 543º prevê uma indemnização simples ou limitada, e uma indemnização plena ou agravada, e a opção por uma ou outra terá em conta a gravidade da conduta, tal como será esta a orientação para o quantum indemnizatório.
IV O valor de honorários a considerar deve ter por referência o definido por laudo emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
V Não pode haver duplicação entre as despesas e valor de honorários a considerar neste âmbito, e o que será atendido em sede de custas de parte, e a indemnização fixada tem de ter relação de causalidade com a conduta de má fé.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO.

Nos presentes autos, o Requerente peticionou, em sede de articulado de resposta à matéria de exceção invocada na contestação, a condenação do Requerido em indemnização, com fundamento na litigância de má-fé, em valor nunca inferior a € 3.000,00.

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Por sentença de 12/2/2020 decidiu-se:

“Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção especial de destituição de titular de órgão social totalmente procedente, termos em que decide destituir AA do cargo de gerente da sociedade comercial EMP01..., Ld.ª.---

Ademais:---
i) Julga-se procedente o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos pelo requerente contra o requerido, termos em que se condena AA em multa, que se fixa em 6 [seis] UC’s, bem como em indemnização a favor da ré, em montante a fixar oportunamente.---
ii) Julga-se improcedente o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos pelo requerido contra o requerente, termos em que se absolve este do pedido respectivamente formulado.---
Custas pelo réu.---
Registe e notifique.---
Comunique à Conservatória do Registo Comercial competente.---
Após trânsito, conclua a fim de dar cumprimento à previsão do n.º 3 do art.º 543.º do Cód. Proc. Civil.”
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Por despacho de 15/3/2020 foi retificado o seguinte segmento
Julga-se procedente o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos pelo requerente contra o requerido termos em que se condena AA em multa, que se fixa em 6 (seis) UC´s, bem como em indemnização a favor do autor, em montante a fixar oportunamente.-
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Em 16/6/2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Em face da condenação do requerido AA como litigante/s de má fé, proferida nos autos por sentença devidamente transitada em julgado, notifique-se aquele bem como o Requerente, a fim de se pronunciarem quanto à importância que deva ser fixada a título de indemnização, oferecendo as provas que entendam por convenientes, tudo nos termos do disposto no nº 3 do artº 543º do Cód. Proc. Civil.”
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Nessa sequência pelo requerente foi apresentado requerimento em 24/6/2020 em que diz:

BB, A. nos autos supra referenciados, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.543º, nº 3 do C.P.C., vem dizer o seguinte:
A má-fé do R., AA, como ressalta de todo o processado e se extrai do teor da douta sentença proferida, revela-se não só na sua falta de lisura processual mas, também, na sua falta de lisura comportamental na gestão da sociedade de que, em exclusivo, com o Requerente, seu cunhado, é sócio e que ditou a instauração da presente ação.
O A. entende que a indemnização deverá ser fixada de acordo com o preceituado no nº 1, al. a) do art.543º do C.P.C. devendo consistir “No reembolso das despesas que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários e técnicos”.

Vejamos:
A má fé do R., que age com manifesto dolo processual, é demonstrada ao longo de todo o processo.
Desde logo ao “atrever-se” a deduzir contestação nos autos, com o teor daquela que deduziu, quando sabia que tudo quanto relatado vinha na p.i. era verdadeiro;
Ao contestar esta acção o R. apenas quis entorpecer a acção da justiça, aumentando, consequentemente, o volume de trabalho quer do Autor, quer do próprio Tribunal;
Alegou factos falsos, dos quais tinha conhecimento pessoal de que o eram, deturpando-os dolosamente, com o único conspecto de entorpecer a ação da justiça e obter (mais uma vez) benefício ilegítimo.
No seu depoimento de parte, como resulta da respectiva assentada, afirma, despudoradamente, perante a Meritíssima Juiz de Direito, que depositou o valor correspondente à venda do stok da EMP01... (cerca de 51.000€) na Banco 1... na conta da EMP01..., quando, contraditoriamente, noutra acção que propôs contra a sociedade, e que corre neste mesmo Juízo do Comércio sob o processo nº 2551/18...., afirma na sua petição inicial que encontrando-se tal quantia em saldo de caixa, se apropriou dele dinheiro para pagamento de suprimentos que diz ter efectuado à EMP01... (suprimentos que ninguém lhos reconhece), cfr. cópia da petição inicial que produziu nessa acção – Doc.....
Sustentou ainda no seu depoimento de parte ter depositado na conta da EMP01... o montante proveniente das vendas dos veículos, o que também não é verdade, nem demonstrado ficou.
Por isso, perante o Tribunal mentiu de forma descarada e sem pudor. Agiu sempre com intenso dolo processual.
O princípio da boa fé processual impõe às partes o dever de não alegarem factos que tem o dever de saber que não correspondem à verdade.
Realizada a audiência prévia, onde se tentou a conciliação, em vez de “arrepiar caminho”, mantém a posição assumida nos articulados, sempre no sentido de protelar o fim do processo, aumentando a actividade quer das partes, no caso do A., e dos Tribunais.
Fruto da reorganização dos Tribunais o processo, que se iniciou no Juízo de Comp. Genérica de ..., foi remetido para este Juízo de Comércio, que se situa na capital de distrito da residência do A., da sede da sociedade e do escritório dos mandatários daquele, o que, como é obvio, elevou o custo das despesas com deslocações e tempo despendido;
Requereu o benefício do apoio judiciário, do qual não notificou, sequer, a parte contrária, o qual lhe foi deferido, e também aqui com base em declarações falsas, ocultando a propriedade de bens e rendimentos. Mais uma vez mentindo descaradamente.
Como não lhe foi notificado o A. nunca impugnou tal benefício, no entanto, quando por consulta eletrónica dos autos teve desse facto conhecimento, prontamente deu conhecimento à Seg. Social da real situação patrimonial do requerente (AA) o que levou ao cancelamento de tal benefício, como resulta dos autos.
O R. agiu com dolo, “brinca” aos processos e faz um uso reprovável da justiça, do sistema judiciário de outras instituições públicas (Seg. Social) usando, conscientemente, de estratagema engenhoso, mentiras e falsidades graves.
Em virtude da sua contestação, para além de todas as falsidades aí relatadas, atreve-se o R. a alegar (falsamente) que foi o Requerente quem vendeu o imobilizado da sociedade, locupletando-se com o produto dessas vendas. Tal facto, falso como se viu, obrigou também o Requerente a requerer as certidões narrativas do registo de propriedade dos veículos automóveis que pertenceram à sociedade, aumentando assim as despesas com o processo;
Não satisfeito, recorreu, sem qualquer fundamento sério, como ressalta do teor do douto Ac. proferido pela Relação de Guimarães, de despacho tabelar, meramente formal, recurso que para além de despropositado, pois bem sabia que não tinha qualquer relevância para a decisão de mérito da causa, teve como único intuito protelar o trânsito em julgado da douta decisão proferida nos autos, aumentado correspondentemente o tempo de trabalho despendido na gestão do processo;
É manifesto, pois, que o R. agiu sempre ao longo de todo o processo, e seus “incidentes” – apoio judiciário – com dolo, na tentativa de ludibriar a justiça e demais entidades, omitiu notificações relevantes à parte contrária, tudo com vista a obter benefício ilegítimo, como de facto obteve e de forma considerável.
Tudo ponderado, entende o A. ser justo e equilibrado fixar-se a indemnização que lhe é devida na quantia de 5.061,45€, correspondente ao total da nota de despesas e honorários, por si, devidos e já liquidados aos seus mandatários.
Para tanto, junta a respetiva nota de despesas e honorários e respetivo recibo – Docs.... e ....
Quer ainda o A. esclarecer aqui, e como também resulta dos autos, que por optar pela indemnização acima quantificada não apresentou nos autos nota justificativa das custas de parte que lhe eram devidas, evitando assim, eventual duplicação de valores e obtenção de qualquer benefício que pudesse ser considerado ilegítimo.
Finalmente, dizer ainda, que
Quando o A. se preparava para juntar aos autos o presente requerimento, eis que se depara com uma notificação eletrónica contendo requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, note-se, sem, todavia, se ter liquidado sequer a respetiva taxa de justiça, quando o benefício do apoio judiciário lhe foi cancelado, e até hoje ainda não ter existido impugnação desse cancelamento, e quando o processo se encontra, há muito, já transitado em julgado.
Tudo, mais uma vez, e como sempre, utilizado como mero expediente dilatório, devendo, consequentemente, ser tributado pelo respetivo acto.”
Mais juntou documentos –nota de despesas e honorários, fatura/recibo e uma peça processual.
*
O requerido, além do mais, veio dizer em 29/6:
“2. Porém e caso, assim, não se entenda, deve o montante da indemnização a fixar, respeitar o prudente arbítrio, o que parece razoável, reduzindo-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários a apresentar, de acordo com o n.º 3, do Art.º 543º, do C.P.C..
3. Os honorários, de acordo com os E.O.A., devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os fatores mais relevantes.
4. A indemnização, ao abrigo do disposto no artigo, supra referido, não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
5. Sendo-o na contestação, única intervenção processual do Réu, só devem ser levados em conta os atos posteriores, provocados, e só esses, pelo comportamento, expresso e considerado de má fé, na contestação, e que ultrapassou o direito do contraditório.
6. A ação foi proposta pelo Autor com o fim conseguido de destituição de gerência do Réu, com justa causa.
7. A indemnização não pode ser ressarcitória (dano na responsabilidade civil provocado), mas sim meramente sancionatória e compensatória.” (…) pelo que …”a mesma deve ser fixada nos limites da má fé processual e respetivos atos que ultrapassaram o direito do contraditório.
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Em 24/6/2021 foi proferido o seguinte despacho:
 “Em face do trânsito em julgado da decisão proferida em 1.ª instância, e entretanto confirmada, nos termos da qual, além do mais, foi julgado procedente o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos pelo requerente contra o requerido, tendo este sido condenado em multa, que se fixou em 6 (seis) UC´s, bem como em indemnização a favor do autor, em montante a fixar, determina-se a notificação das partes nos termos e para os efeitos da previsão do n.º 3 do art.º 543.º do Cód. Proc. Civil.---“

Em 29/6 o requerente renovou o seu anterior requerimento.

Por despacho de 7/6 foi dada sem efeito a segunda parte do despacho uma vez que a sentença ainda não havia transitado.
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Entretanto a sentença proferida foi confirmada por Acórdão proferido por este Tribunal, devidamente transitado em julgado.
Após a baixa dos autos foi proferido o seguinte despacho em 10/11:
“Em face da condenação do requerido AA como litigante/s de má fé, proferida nos autos por decisão devidamente transitada em julgado, e uma vez que o Requerente se já pronunciou quanto [requerimento de 24.06.2021, refª ...74], quanto à importância que deve ser fixada a título de indemnização, notifique-se agora o requerido com vista ao exercício do respectivo contraditório, tudo nos termos do disposto no nº 3 do artº 543º do Cód. Proc. Civil.”
Nessa sequência veio o requerido apresentar articulado em 25/11/2021 em que diz:

“Vem expor e requerer o seguinte:
1. Na douta sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação, já transitada em julgado, na parte decisória da condenação do requerido, como litigante de má fé, após a fixação do montante da multa, decide em tal condenação, “bem como em indemnização a favor do autor, em montante a fixar oportunamente”. (Retificação por despacho de 15/03/2020)
2. Não existem fundamentos para que o não fosse fixado, logo, na sentença, nem tal foi fixado, antes da interposição de qualquer recurso.
3. Transitada em julgado, a sentença, extinguiu-se o poder jurisdicional do Juiz.
4. A previsão do disposto, no n.º 3, do Art.º 543º, do C.P.C., em que se fundamenta o despacho, pressupõe a inexistência de elementos para se fixar, logo na sentença, a importância da indemnização.
5. Ora, tal pressuposto não é expresso na sentença transitada em julgado.
6. Assim, não tendo a Meritíssima Juíza, em tempo oportuno, fixado a indemnização, não poderá ser, após trânsito da sentença, proferida nos autos, considerado oportuno a fixação da dita indemnização, não existindo os pressupostos indicados no dispositivo do n.º 3, do Art.º 543º, do C.P.C..
7. Estamos perante a extinção do poder jurisdicional, previsto no Art.º 613º, do C.P.C..
Sem prescindir,
8. Caso, assim, não se entenda, sempre o requerimento para fixação da indemnização seria extemporâneo, pois, o mesmo, tratando-se de incidente pós-decisório, o mesmo terá que ser decidido, por despacho complementar da sentença, fazendo parte desta, e antes da interposição de qualquer recurso, da mesma.
9. Também, por tal razão, se deve considerar extemporâneo o requerimento do requerente.
Ainda, sem prescindir,
10. Entre o pedido, pelo requerente, na condenação, como litigante de má fé, do requerido e respetivo montante de indemnização (€: 3.000,00) e o apresentado no último requerimento, no montante de 5.061,45€, há, efetivamente, uma diferença considerável.
11. Pela nota de despesas e honorários junto com o requerimento, temos as despesas no montante de €: 615,00, sem qualquer documento justificativo, incluindo montantes referentes a custas de parte, que é a taxa de justiça inicial.
12. Quanto aos honorários temos, desde os pontos a. a d., inclusivé, atos e diligências, anteriores à intervenção do requerido, por isso, antes de qualquer litigância de boa ou má fé, do requerido, as quais não poderão ser levadas em conta.
13. O direito de contestar pelo requerido, princípio do contraditório, não traduz litigância de má fé, o que levaria sempre à apreciação da mesma.
14. A preparação da audiência prévia, diligência necessária, não resultado de qualquer litigância do requerido; bem como a realização da audiência, mas sim do direito ao contraditório.
15. O mesmo se diga do trabalho referente à audiência de julgamento.
16. Quanto à análise da sentença e do Acórdão, proferidos, sendo-lhes, totalmente procedentes e favoráveis, não existiu grande esforço e tempo, a não ser a sua leitura.
17. O que motivaria algum trabalho a que tenha obrigado, a má fé do requerido, seria o requerimento com a resposta às exceções invocadas na contestação, apontado no ponto f..
18. Tal, olhando à sua extensão e dificuldade, seria de apontar para duas a três horas, o que não poderia ir além de 300,00€.
19. Daí não existir qualquer consistência no montante, exageradíssimo, do requerente.
20. Impugna-se, assim, o documento junto (Nota de Despesas e Honorários) ao requerimento, para o que terá que ser solicitado laudo, à Ordem dos Advogados, quanto a honorários, para prova do valor dos mesmos.
21. Tais, além de ultrapassarem as peças e diligências que o requerente praticou, em relação à litigância de má fé do requerido manifestada, não são fixados com moderação, pois não indica, para cada trabalho e diligência, o tempo gasto em cada um e a complexidade do assunto.
22. Devendo ser considerados exagerados, os valores horários, que no final aponta.
23. Porém e caso, assim, não se entenda, deve o montante da indemnização a fixar, respeitar o prudente arbítrio, o que parece razoável, reduzindo-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários apresentados ou arbitrados pela O.A., de acordo com o n.º 3, do Art.º 543º, do C.P.C., caso venha a ser aplicado.
24. Os honorários, de acordo com os E.O.A., devem ser fixados com moderação, sendo o tempo gasto e a complexidade do assunto os fatores mais relevantes.
25. A indemnização, ao abrigo do disposto no artigo, supra referido, não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
26. Sendo-o na contestação, primeira intervenção do requerido, só devem ser levados em conta os atos posteriores, provocados, e só esses, pelo comportamento, expresso e considerado de má fé, na contestação, e que ultrapassou o direito do contraditório.
27. A indemnização não pode ser ressarcitória (dano provocado – responsabilidade civil), mas, sim, meramente sancionatória e compensatória.

Pelo exposto,
Requer, se digne V.ª Ex.ª, considerar:
A. Transitada a sentença em julgado, onde não se verificou a falta de pressupostos, para a fixação da indemnização, em momento posterior à sentença, verifica-se a extinção do poder jurisdicional, previsto no Art.º 613º, do C.P.C.;
Sem prescindir,
B. A fixação da indemnização por litigância de má fé do requerido, tendo sido prevista, na sentença, ser o montante, da mesma, oportunamente fixado, o que não aconteceu, deve ser, agora, considerada extemporânea;
C. Caso, assim, não se entenda, a mesma deve ser fixada nos limites da má fé processual e respetivos atos que ultrapassaram o direito do contraditório, respeitando o prudente arbítrio, reduzindo-se aos justos limites os honorários apresentados e sancionados pela Ordem dos Advogados.
Requer a junção do presente aos autos.
E. D.
PROVA: Requer seja solicitado à Ordem dos Advogados parecer sobre os honorários apresentados, no que se refere ao tempo e valor horário.”
***
Foi de seguida proferida a seguinte decisão com data de 29/11/2021:

“Incidente de liquidação da indemnização em consequência da condenação do requerido AA como litigante de má fé
(…)
A instância renovada, por via do incidente suscitado – cfr. artº 358º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil – mantém-se válida e regular.---
*
3.
Resulta provada, com relevância para a decisão a proferir nesta sede, a seguinte factualidade:---
1. Por força da interposição da presente lide, o Requerente constituiu mandatário, ao qual liquidou a título de despesas e honorários, a quantia de € 5.061,45.---
*
Inexiste factualidade não provada, com relevância para a decisão a proferir.---
*
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da factualidade dada como provada, nesta sede, na sequência dos elementos documentais juntos pelo Requerente, julgando-se desnecessária a produção de qualquer outra prova, aliás não requerida por qualquer das partes.---
*
4.
A indemnização baseada na litigância de má-fé pode revestir duas modalidades: (1) indemnização simples, consistente no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos [artº 543º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil]; (2) indemnização agravada, abrangendo não só o reembolso das despesas referidas como também a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé [artº 543º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil].---
Cabe ao juiz, em cada caso, optar pela indemnização que julgue mais adequada, tendo como critério fundamental a gravidade da conduta do litigante de má-fé e fixando-a sempre em quantia certa [artº 543º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil].---
Isto posto, cabe, em aplicação do que se deixa dito, definir a medida da responsabilidade do Requerido, no quadro legal supra mencionado.---
Neste ponto, e antes do mais, entende-se por mais adequada à conduta do litigante de má fé a opção de uma indemnização agravada, consistente portanto no reembolso das despesas a que a má fé dos réus obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, como a satisfação dos restantes prejuízos sofridos, nos quais se incluíram os danos não patrimoniais.--
Assim sendo, no tocante à verba reclamada pelo Requerente respeitante às despesas e aos honorários do respectivo mandatário, entende-se por razoável (para além de devidamente comprovada) fixá-la no valor peticionado, correspondente ao valor efectivamente liquidado a título de despesas e honorários, qual seja a quantia de € 5.061,45.---
A respeito do alegado pelo Requerido, no sentido de que a condenação em sujeito não poderia ultrapassar o pedido inicialmente formulado, no valor de € 3.000,00, diga-se que nem a condenação como litigante com má fé não depende de pedido da parte, nem aquele, em concreto se mostra balizado, na medida em que o Requerente peticionou um valor de indemnização “nunca inferior a 3.000,00€”.---
Em suma, impõe-se condenar o Requerido, nos sobreditos termos, a pagar ao Requerente uma indemnização, em virtude da litigância de má-fé, que, em conformidade com critérios supra explanados, se computa no valor liquidado de € 5.061,45.---
*
5.
Pelo exposto, decide-se fixar na quantia de € 5.061,45 o valor da indemnização devida pelo Requerido AA na sequência da sua condenação como litigantes de má fé, cuja liquidação foi relegada para momento ulterior.---
Custas do incidente a cargo do Requerido.---
Valor do incidente: € 5.061,45.---
Registe e notifique.”.
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Foi interposto recurso pelo requerido AA, o qual culminou na prolação da decisão sumária de 28/2/2022 que decidiu anular a decisão recorrida por verificação de nulidade processual, determinando-se que fosse pedido laudo à Ordem dos Advogados relativo ao valor dos honorários em causa, tal como requerido, anulando-se consequentemente a decisão proferida, e determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Na sequência do decidido, foi solicitado ao Exm.º Senhor Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, nos termos do Regulamento de Laudos da O.A., a emissão de laudo sobre os honorários peticionados.
O respetivo Conselho pronunciou-se nestes termos, propondo:
“Considerando os serviços que a Advogada requerida prestou e a aplicação de todos os critérios enunciados no artigo 105.o do EoA, nos termos que se deixam explanados supra, tem-se por parecer conceder laudo pelo valor peticionado de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal.
Atendendo à especificidade do presente pedido de laudo, deixa-se complementarmente consignado entender-se que ao trabalho prestado antes de 14 de janeiro de 2019, pela Advogada requerida, correspondem honorários no valor de € 1.000,00 (mil euros), acrescido de IVA à taxa legal.”
O Tribunal a quo proferiu despacho considerando:
“Atentos os elementos constantes dos autos, entende o Tribunal encontrar-se em condições para proferir de imediato decisão conhecendo do mérito quanto ao incidente de litigância de má fé suscitado nos autos, pelo que, antes do mais, ao abrigo da previsão do art.º 3.º, n.º 3 do CPC, se determina a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem, após o que deverá ser de novo aberta conclusão.”
O requerido pronunciou-se no sentido de decorrer de tal laudo, que, apenas, se pode ter em conta o trabalho realizado após a intervenção do aqui requerido; a primeira intervenção, do requerido, deu-se em 14/01/2019, com a apresentação da contestação. Mais diz que “4. Na nota de honorários, apenas se poderá considerar para quantificar os honorários, ou seja, o trabalho a partir do ponto f., da mesma, sendo que muitos se repetem e a preparação do julgamento está subsumido na preparação da audiência de inquirição de testemunhas, em 31/11/2018, feita, anteriormente, à contestação. 5. Ou seja, o trabalho realizado foi, na maioria, feito anteriormente à contestação, contrariamente, ao que faz transparecer a opinião do relator do Laudo de Honorários. 6. Na maioria das intervenções, não indica o tempo gasto, apenas em h. - 15 minutos e em m. – 10h às 12:30h e 14h às 14:55h (vide ata de 03/02/2020) – 3:25h, dando um total de 3:40h, ou seja, mais ou menos 4 horas. 7. O montante da indemnização a fixar, será dentro de um prudente arbítrio, o que parece razoável, reduzindo-se aos justos limites as verbas laudadas, de acordo com o n.º 3, do Art.º 543º, do C.P.C., tendo como origem, apenas, os consequentes dos atos que caracterizam a má fé e não quaisquer outros invocados, devendo, aqueles, serem enumerados e indicados, - Vide Ac. do STJ, de 10/07/2007, Relator Conselheiro Gil Roque, in www.dgsi.pt.”
*
De seguida foi proferida a seguinte decisão:

“INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
1.
Nos presentes autos, o Requerente peticionou, em sede de articulado de resposta à matéria de excepção invocada na contestação, a condenação do Requerido em indemnização, com fundamento na litigância de má-fé.---
Em sede de sentença proferida nos autos, a qual julgou a acção totalmente procedente e determinou a destituição do Requerido do cargo de gerente da sociedade comercial EMP01..., Ld.ª, decidiu ainda o Tribunal julgar procedente o incidente de litigância de má-fé suscitado pelo Requerente contra o Requerido, condenando este em multa, que se fixou em 6 (seis) UC’s, bem como em indemnização a liquidar oportunamente nos presentes autos. A sentença naqueles termos e arte proferida foi confirmada por Acórdão proferido pelo TRG, entretanto devidamente transitado em julgado.---
Entretanto, veio o Requerente reclamar a indemnização que lhe é devida na quantia de € 5.061,45, correspondente ao total da nota de despesas e honorários, por si, devidos e já liquidados aos seus mandatários. Juntou documentos.---
Em resposta, o Requerido impugnou os termos da liquidação da indemnização apresentada pelo Requerente, designadamente quanto ao valor e requereu a emissão de laudo, o que, após recurso, foi deferido.---
*
2.
A instância renovada, por via do incidente suscitado – cfr. artº 358º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil – mantém-se válida e regular.---
*
3.
Resulta provada, com relevância para a decisão a proferir nesta sede, a seguinte factualidade:---
1. Por força da interposição da presente lide, o Requerente constituiu como mandatária CC, advogada com a CP ....---
2. A predita causídica solicitou ao seu constituinte, BB, o pagamento de honorários no valor de € 3.500,00 (acrescido de IVA), bem como de despesas.---
3. O total de € 4.115,00 (acrescido de IVA), foi pago, segundo fatura-recibo de 24 de junho de 2020.---
4. A nota de despesas e honorários apresentada pela advogada ao respectivo constituinte, reportando-se exclusivamente a trabalho prestado no âmbito da presente acção judicial, não especificava nem datava todas as parcelas dos serviços prestados.---
5. A nota de despesas e honorários em causa distingue claramente as despesas, no valor total de € 615,00 (sobre o qual se contabiliza IVA), dos honorários, no valor total de € 3.500,00 (acrescido de IVA).---
6. No campo das despesas, são indicados os valores a título de expediente geral de escritório (€ 60,00), taxa de justiça inicial (€ 204,00), certidões do registo automóvel (€ 51,00) e deslocações (€ 300,00).---
7. Relativamente aos honorários, está em causa o patrocínio em ação para destituição de gerente com pedido de suspensão, no seio da qual foram interpostos vários recursos pelo réu AA, inclusivamente para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o autor BB, patrocinado pela Advogada que emitiu a nota de honorários em causa, não interveio activamente nas fases recursivas.---
8. O processo implicou, nomeadamente, o estudo do caso, a elaboração de petição inicial com pedido cautelar, a elaboração de requerimento com resposta a exceções, a apresentação de vários requerimentos, a inquirição de testemunhas com referência ao pedido cautelar, a preparação e a realização de audiência prévia e de audiência de julgamento (com duas sessões), com inquirição de testemunhas e depoimento de parte, e a análise das várias decisões que foram sendo proferidas nos autos, tanto em primeira instância como em sede de recursos.---
9. O autor liquidou a título de despesas e honorários, a quantia de € 5.061,45, correspondente ao total da nota de despesas e honorários que lhe fora apresentada.---
10. O réu interveio a primeira vez nos autos com a apresentação da contestação, a 14.01.2019.---
*
Inexiste factualidade não provada, com relevância para a decisão a proferir.---
*
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da factualidade dada como provada, nesta sede, na sequência dos elementos documentais juntos aos autos e, conjugados com o teor do laudo entretanto emitido pela OA, julgando-se desnecessária a produção de qualquer outro meio de prova suplementar.---
*
4.
A indemnização baseada na litigância de má-fé pode revestir duas modalidades: (1) indemnização simples, consistente no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos [artº 543º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil]; (2) indemnização agravada, abrangendo não só o reembolso das despesas referidas como também a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé [artº 543º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil].-
Cabe ao juiz, em cada caso, optar pela indemnização que julgue mais adequada, tendo como critério fundamental a gravidade da conduta do litigante de má-fé e fixando-a sempre em quantia certa [art.º 543.º, n.º 2 do CPC].---
Isto posto, cabe, em aplicação do que se deixa dito, definir a medida da responsabilidade do Requerido, no quadro legal supra mencionado.---
Neste ponto, e antes do mais, entende-se por mais adequada à conduta do litigante de má fé a opção de uma indemnização agravada, consistente portanto no reembolso das despesas a que a má fé dos réus obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, como a satisfação dos restantes prejuízos sofridos, nos quais se incluíram os danos não patrimoniais.--
Assim sendo, no tocante à verba reclamada pelo Requerente respeitante às despesas e aos honorários do respectivo mandatário, entende-se por razoável (para além de devidamente comprovada) fixá-la no valor peticionado, correspondente ao valor efectivamente liquidado a título de despesas e honorários, qual seja a quantia de € 5.061,45. Efectivamente,
A respeito do alegado pelo Requerido, no sentido de que a condenação em sujeito não poderia ultrapassar o pedido inicialmente formulado, no valor de € 3.000,00, diga-se que nem a condenação como litigante com má fé não depende de pedido da parte, nem aquele, em concreto se mostra balizado, na medida em que o Requerente peticionou um valor de indemnização “nunca inferior a 3.000,00€”. Por outro lado, porém, na esteira do que vem defendido pelo Requerido, sufragamos o entendimento de que só os serviços prestados pela Advogada do autor após a apresentação da contestação podem ter como causa a litigância de má-fé daquele.---
Em suma, impõe-se condenar o Requerido, nos sobreditos termos, a pagar ao Requerente uma indemnização, em virtude da litigância de má-fé, que, em conformidade com critérios supra explanados, atendendo aos valores de € 615,00 (IVA incluído), referente às despesas constantes da nota apresentada e de € 2.500,00 (acrescido de IVA), a título de honorários, estes últimos considerando o valor global ao qual foi concedido laudo pela OA de € 3.500,00 deduzidos os € 1.000,00, correspondentes ao trabalho prestado antes de 14 de janeiro de 2019, tudo num total de € 3.690,00 [€ 615,00 + € 3.075,00].---
*
5.
Pelo exposto, decide-se fixar na quantia de € 3.690,00 o valor da indemnização devida pelo Requerido AA na sequência da sua condenação como litigantes de má fé, cuja liquidação foi relegada para momento ulterior.---
Custas do incidente a cargo do Requerido.---
Valor do incidente: € 3.690,00.---
Registe e notifique.
*
***
Inconformado, veio o requerido AA interpor recurso, tendo apresentado alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem):

“A – O valor do incidente não poderá ser considerado o determinado no despacho recorrido, pois já tinha sido determinado em despacho anterior, no valor de €: 5.061,45, tendo o mesmo transitado em julgado.
B – Sendo o valor determinado, com transito em julgado, em €: 5.061,45, superior à alçada do tribunal recorrido, e tendo o apelante decaído em €: 3.690,00, mais de metade da alçada do tribunal recorrido, deve ser admitido o presente recurso.
C – Tendo o requerente peticionado o valor de €: 5.061,45, a pagar pelo requerido/apelante, e sendo este apenas condenado a pagar o montante de €: 3.690,00, as custas tem de ser proporcionais ao decaimento de cada parte e não ser, apenas, o requerido/apelante responsabilizado pela totalidade das custas.
D – No despacho recorrido afirma, no ponto 2.: “A instância renovada, por via do incidente suscitado – cfr. art.º 358º, n.º 2 do Cód. de Proc. Civil – mantém-se válida e regular.”
E – Porém, na sentença que condenou, o apelante, como litigante de má fé, condena-o, nos seguintes termos: “… em multa, que se fixa em 6 [seis] UC’s bem como em indemnização a favor do autor, em montante a fixar oportunamente.”
F – Em 24/06/2020, notificado pelo tribunal recorrido, o apelado fez o requerimento a dar cumprimento ao notificado, nos termos e para os efeitos do disposto, no Art.º 543º, n.º 3, do C.P.C..
G – Com tal requerimento, o apelado, não deduziu o incidente de liquidação previsto, nos Art.os 358º e segs. do C.P.C., mas o incidente pós-decisório previsto, no Art.º 543º, n.º 3, citado.
H – Neste incidente pós-decisório, não foi proferida, como devia, qualquer decisão por parte do tribunal recorrido, sobre a indemnização a fixar.
I – De tal omissão, não foi interposto, pelo apelado qualquer reclamação ou recurso.
J – Nos termos do Art.º 358º, do C.P.C., o incidente de liquidação de sentença tem de ser deduzido por quem tem legitimidade ou seja, pela parte interessada e não oficiosamente pelo Tribunal, nem tal incidente é o indicado para a fixação da indemnização por litigância de má fé.
K – Mesmo requerido, pelo apelado, o incidente de liquidação de sentença, o que não se consente, tal não poderia ser admitido, nos termos do n.º 2, do Art.º 609º, do C.P.C.. Pois, na sentença que condenou, o apelante, como litigante de má fé, não expressa a falta de elementos para fixar o objeto ou quantidade.
L – Além do mais, o despacho recorrido, não teve em linha de conta os princípios fundamentais do processo, como o da celeridade, economia, oportunidade e gestão processual, e, ainda, o da legalidade, seguindo o previsto nos Art.os 543º, n.º 3 e 617º, n.º 2, ambos do C.P.C..
M – Verificando-se a extemporaneidade da liquidação e inutilidade e ilegalidade da renovação da instância, por falta de fundamento jurídico.
N – E pela inaplicabilidade, nos autos, do incidente de liquidação de sentença, previsto nos Art.os 358º e segs. do C.P.C..
O – O apelado apresentou prova documental – documento particular -, o qual foi impugnado pelo apelante, requerendo, este, prova pericial, e sendo proferido Laudo pela OA, o mesmo, não foi atendido, nem o que foi alegado pelo apelante, no incidente. Assim, no ponto 3., do despacho recorrido, o tribunal, deixou, objetivamente, de se pronunciar sobre questões que devia tomar posição, verificando-se a nulidade prevista, na al. d), do n.º 1, do Art.º 615º, do C. P.C..
P – Com tal decisão, o tribunal recorrido, cai, objetivamente, em contradição. Pois, anteriormente, decidiu pela aplicação do disposto, no Art.º 543º, n.º 3, do C.P.C., neste despacho recorrido, ao fixar a indemnização, profere, o mesmo, no sentido da disposição prevista, no n.º 2, do Art.º 543º, do C.P.C., caso em que, se tal se aplicasse, teria fixado a indemnização na sentença condenatória, que, expressa, deixar a fixação para momento oportuno. – Vide sentença.
Q – Atendendo que, jamais se poderá conceber, fixar a indemnização pela previsão, do n.º 2, do Art.º 543º, do C.P.C., pois, a sentença prevê e determina a fixação nos termos do n.º 3, do referido Art.º 543º, a mesma, terá que ser fixada com prudente arbítrio, com razoabilidade, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e honorários apresentados pela parte, existindo caso julgado.
R – Fixando-se, tal indemnização, nas despesas e honorários consequentes dos atos que caracterizam a má fé, e não outros ocorridos antes ou sem qualquer conexão com a litigância de má fé.
S – Atendendo à multa aplicada, jamais a indemnização será fixada no montante que foi.
T – O despacho recorrido, na fixação da indemnização não seguiu a jurisprudência mais avalisada, nem, muito menos o dispositivo legal aplicável (Art.º 543º, n.º 3, do C.P.C.).
U – Na fixação da indemnização atende-se a atos e diligências do apelado, que não são consequência da litigância de má fé, em que foi condenado o apelante, sendo exagerada.
V – O despacho recorrido, infringiu, entre outros, os dispositivos legais previstos nos artigos 358º e segs. 543º, 609º, n.º 2, 615º, n.º 1, al. b) e d) e 617º, todos do C.P.C..”
Pede por isso que seja dado provimento à Apelação, sendo reconhecidas as nulidades apontadas e revogado o despacho recorrido, com todas as consequências legais.
*
Não foram apresentadas contra-alegações pelo requerente.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal.
Mais foi proferido o seguinte despacho: “Vem arguida a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.---
Cumpre, pois, proferir despacho nos termos do art.º 617.º do citado diploma.---
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da invocada nulidade, pois que da mesma consta de forma clara e inequívoca os seus fundamentos quer de facto quer de direito, não se encontrando os mesmos em oposição nem padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.---
Vssªs Exªs, porém, decidindo farão melhor Justiça.”
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II   QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Analisadas as conclusões, as questões suscitadas e a apreciar, são:
-valor do incidente;
-custas do incidente;
-o incidente de liquidação não foi despoletado pelo requerente e não tem aqui aplicação;
-a decisão não foi proferida nos termos do art.º 543º, n.º 3, C.P.C., no decurso da instância processual;
-verificando-se essa omissão e não tendo o recorrido reagido, precludiu o direito de lhe ser arbitrada a indemnização;
-o requerimento para fixação do valor indemnizatório é extemporâneo, o incidente pós-decisório devia constar de despacho complementar da sentença fazendo parte desta e antes da interposição do recurso;
-a decisão é nula por falta de fundamentos de facto e de direito;
-a indemnização pedida não tem suporte justificativo no que concerne a despesas e honorários, e quanto aos honorários não se pode atender ao que respeita a momento anterior à intervenção do requerido nos autos;
-o valor indemnizatório deve ser reduzido.
***
III MATÉRIA A CONSIDERAR.

A matéria a considerar é a que consta do relatório supra.
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IV- O MÉRITO DO RECURSO.

QUESTÃO PRÉVIA: valor do incidente.

Refere o recorrente que o valor do incidente foi fixado na decisão proferida em 29/11/2021, como sendo de € 5.061,45, a qual transitou, e por isso o agora fixado de € 3.690,00.
Sucede que a decisão de 29/11/2021 foi anulada, logo o valor aí fixado também deixou de ter existência jurídica no processo.
Prevalece, por isso, o valor fixado na decisão sob recurso e que o recorrente não questionou (por outro motivo).
Acresce que tal valor não tem qualquer influência sobre a admissibilidade do recurso, uma vez que de acordo com o disposto no art.º 542º, n.º 3, C.P.C., independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé. A fixação do valor da indemnização integra-se na decisão do incidente, pelo que vale tal princípio (-o Ac. desta Relação de 7/3/2019, proferido no processo n.º 195/14.6TBCMN.G2 e publicado em www.dgsi.pt, pondera considerar-se que estamos já no incidente de liquidação a que não se aplica tal norma).
*
Relativamente às custas do incidente, salvo o devido respeito também não assiste razão ao recorrente.
O recorrente ficou vencido no incidente, já que pedia a sua absolvição e foi condenado –cfr. art.º 527º, n.ºs 1 e 2, C.P.C. –este é o fundamento/critério que releva. E quanto ao valor da indemnização, na peça em que suscitou o incidente o recorrido pedia que a mesma fosse fixada em montante nunca inferior a € 3.000,00, sendo este valor uma mera indicação. Depois, notificado para os termos do disposto no n.º 3 do art.º 543º C.P.C., peticionou que fosse fixada em € 5.061,45. A sua concretização obedece ao disposto no art.º 543º do C.P.C..
Improcede por isso a pretensão de ser aplicado o critério do decaimento.  
*
O recorrente suscita então, antes de mais, a extemporaneidade da liquidação e inutilidade e ilegalidade da renovação da instância, por falta de fundamento jurídico, com a consequente inaplicabilidade do incidente de liquidação ao caso “sub judice”.
Em sede de tramitação processual, recorremos ao disposto no art.º 543º, que nos diz quanto a essa matéria que “2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.”
Portanto, o próprio artigo prevê a possibilidade de ser liquidado o valor indemnizatório em despacho complementar à sentença. Essa ressalva foi feita na sentença, desde logo se condenando o recorrente (em multa que se fixou em quantia certa e) em indemnização a favor da parte contrária, a fixar oportunamente, nomeadamente dizendo-se que tal seria feito após o trânsito da sentença (com o cumprimento do n.º 3 do art.º 543º C.P.C.). Esta posição não suscitou qualquer reparo.
Conforme se decidiu no Ac. desta Relação de 11-07-2017, proferido no processo nº 388/12.0TBVLN.G3, também em www.dgsi.pt, e se sumariou “I) Tendo-se, na sentença que julgou o mérito da causa, decidido que uma parte litigou de má-fé, conforme peticionara a outra, e condenado aquela, logo aí, nos respectivos efeitos – multa e indemnização –, a fixação desta, relegada, por falta de elementos, para momento posterior, nos termos do artº 543º, nº 3, do CPC: -pode ser feita só depois do trânsito em julgado da sentença relativamente ao mérito; -não constitui qualquer incidente propriamente dito, mesmo que seja a parte credora da indemnização a promover tal fixação face à verificada passividade do tribunal; -logo, não tem esta de pagar a taxa de justiça. II) O caso julgado entretanto formado não alcança a questão da fixação do quantum indemnizatório, nem, relativamente a esta, fica esgotado o poder jurisdicional.”.
De facto, em primeiro lugar, partilhamos a posição de que não estamos perante um verdadeiro incidente, para os efeitos previstos nos art.ºs 292º a 295º do C.P.C., tão pouco perante o incidente de liquidação face ao disposto no art.º 358º, n.º 2, do mesmo diploma, já que a sua tramitação está prevista nos números já citados e é bem mais simples do que esta outra tramitação.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, pág. 463 da 3ª edição) referem o “lugar paralelo do art. 609-2”, mas não passa daí a similitude.
Porém, a referência feita a essa norma não afeta, não fere de qualquer vício, a decisão. Não tem por isso qualquer (incorreta) influência que caiba corrigir.
Em segundo lugar, conhecemos a posição que defende a conveniência da “liquidação” ser feita antes do trânsito em julgado da sentença respetiva –cfr., por todos, o Ac. da Relação de Coimbra de 22/11/2016, processo n.º 79/13.5TBTCS.C2, secundando o Ac. do STJ de 30/9/2004, ambos no mesmo endereço já mencionado. Porém, nada impede que tal só ocorra após trânsito, nesta hipótese com a vantagem de já não poder vir a ser uma diligência inútil, dada a estabilização da condenação em litigância de má fé.
Resta acrescentar que a “liquidação” não é extemporânea, tendo o recorrido respondido à iniciativa do Tribunal de o notificar para os termos do n.º 3 do art.º 543º, C.P.C.. E a remessa para posterior liquidação justificou-se, tanto que foi só após essa notificação que o recorrido apresentou as despesas e honorários a considerar.
Improcedem estes argumentos.
*
Refere o recorrente que a decisão é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – alínea b), do n.º 1, do art.º 615º, do C.P.C.. Diz nomeadamente que não se indicam fundamentos para se optar pela indemnização agravada.
Dispõe o art.º 615º, n.º 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente aos termos e aos limites da sentença.
De facto, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdãos desta Relação de 4/10/2018, processo nº. 1716/17.8T8VNF.G1, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt).
A falta de fundamentação de facto e de direito que justificam a decisão foi alvo de causa específica de nulidade.
O dever de fundamentação assenta no principio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). A sanção para o desrespeito desse dever é a cominação de nulidade.
A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E, de acordo com o n.º 2 do art.º 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. O dever de fundamentação abrange todos os pedidos controvertidos e todas as dúvidas suscitadas no processo, mas também abrange o dever de explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia em determinado sentido.
Concomitantemente com o dever geral de fundamentação, existem regras específicas que devem ser observadas na elaboração da sentença, elencadas no art.º 607º, do C.P.C.: na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Daí decorre a imposição do art.º 640º C.P.C. relativamente aos ónus de impugnação da matéria de facto.
Esta exigência de fundamentação da decisão referente à matéria de facto provada e não provada exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional (cfr. “Código de Processo Civil Anotado” de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 2º vol., pag. 707 da 3ª edição, citando Fawcett, citado por Velu-Ergec, la convention européenne des droits de l’Homme, Bruxelas, Bruylant, 1990, nº. 478 (pag. 418)).
Conforme Ac. do STJ de 26/02/2019 (www.dgsi.pt) “…na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível”.
Pode divergir-se se a falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pág. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, págs. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente.
Analisa criticamente estas posições, o Prof. Rui Pinto no texto “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), publicado na Revista “Julgar” online de maio de 2020.
Conclui o autor do texto a sua posição no sentido que “(…) há que separar de um lado a sentença ou despacho não estarem fundamentados (de facto ou de direito), no todo ou em parte, e, do outro, a fundamentação estar presente, mas ser inadequada – não apresentar o mérito demonstrativo – para a parte dispositiva. A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação de modo a garantir sempre um mínimo de impugnação de tipo de reclamatório, para as sentenças que não admitam recurso ordinário. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que subscrevemos na integra a conclusão do ac. RG 18-1-2018/Proc. 75/16.0T8VRL.G1 (ANTÓNIO BARROCA PENHA), na esteira do ac. RC 17-4-2012/Proc. 1483/09.9TBTMR.C1 (CARLOS GIL), de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1 (SÉRGIO POÇAS). (…)
Situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva. Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. 2685/15.4T8MTS.P1 (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO).
Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento.”
Nesta senda, para Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221) “…esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, n.º 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 669.
Este autor e Isabel Alexandre, defendem ainda que, face à solução consagrada no CPC de 2013, de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respetiva, só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, b), do C.P.C., e não também a falta da segunda, a que será aplicável o regime previsto no art.º 662º, n.º 2, d) e n.º 3, b) e d), do C.P.C. (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, pág. 736 da 3ª edição).
No caso em apreço os factos a ter em consideração (e sua motivação) foram devidamente consignados.
Relativamente à fundamentação jurídica, facilmente se constata que não há omissão da mesma. O Tribunal a quo indicou a norma aplicável, e justificou e concretizou a sua aplicação.
Porém contém, a nosso ver, uma incongruência que se reflete no que o recorrente lhe aponta: diz que se vai optar pela indemnização agravada, abrangendo não só o reembolso das despesas referidas, como também a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé –art.º 543º, n.º 1, a), do C.P.C..
Sucede que de seguida decide fixá-la no valor peticionado, correspondente ao valor efetivamente liquidado a título de despesas e honorários. O recorrido nada mais peticionou, a não ser despesas e honorários como bem se faz notar na decisão.
No “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª edição, pág. 463, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre dizem que “Estabelece-se, no nº 1, dois tipos de indemnização, de conteúdo mais reduzido o primeiro, de conteúdo mais abrangente o segundo. No caso da alínea a), apenas são indemnizados os danos emergentes diretamente causados à parte contrária pela atuação de má-fé. No caso da alínea b), são indemnizados todos os prejuízos que ela sofre, incluindo lucros cessantes, em consequência direta ou indireta da atuação de má-fé”.
Como não oferece grandes dúvidas à jurisprudência, a indemnização será fixada tendo em conta que não são indemnizáveis todos os danos que a parte contrária sofreu em consequência do processo, mas apenas aqueles que, tendo-se produzido posteriormente ao concreto ato de litigância de má-fé, decorrem exclusivamente desta. Isso mesmo decorre da sua natureza compensatória (e não ressarcitória), e sancionatória para o litigante de má-fé (cfr. Ac. da Relação do Porto de 13/2/2017, processo n.º 30006/05.0TBGDM.P3, www.dgsi.pt). Além disso, como decorre do n.º 3, a importância da indemnização é fixada com prudente arbítrio, de acordo com o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentados pela parte.
Como se sumariou nesse acórdão, o art.º 543º do C.P.C. prevê duas modalidades de indemnização relativamente à litigância de má fé: uma simples ou limitada, contemplando os danos directamente emergentes do procedimento doloso, outra plena ou agravada, abrangendo tanto os danos directos como os indirectos. Por regra, a indemnização ao abrigo daquele preceito não pode exceder o âmbito processual em que a má fé operou.
A opção e a bitola será a gravidade da conduta.
Ora, tendo em conta que na realidade não foi aplicada a alínea b), a falta de fundamentação dessa opção passa a ser uma “não questão”.
Improcede por isso a nulidade de sentença invocada.
*
Resta a apreciação do quantum indemnizatório fixado.
Embora já resulte do que expusemos, impunha-se ouvir as partes ao abrigo do art.º 543º, n.º 3, uma vez que, no que respeita ao valor de despesas e honorários, haveria que dar ao recorrido a oportunidade de os liquidar.
Quanto aos critérios a ter em consideração, já os enunciamos.
Ora, numa primeira abordagem, quanto à prova dos danos nesta figura, sustenta-se que a sua falência não conduz ao impedimento da fixação do valor indemnizatório.
Sobre esta questão tratou o Ac. desta Relação de 11/5/2017 (processo n.º 1639/14.2 TBVCT.G2, www.dgsi.pt), assim sumariado: “(…)
3.-Já no que diz respeito à indemnização, face ao disposto nesse mesmo preceito, afigura-se-nos indubitável que ela terá de ser pedida pela parte, pois que, pese embora se nos afigure evidente que a indemnização não tem que ser formulada nos articulados, podendo inclusive ser pedida na pendência do recurso, o litigante de má fé apenas poderá ser condenado no pagamento de indemnização à parte contrária se, como diz a norma, “se esta a pedir”.
4.-Para que o crédito indemnizatório se constitua na esfera jurídica do lesado é necessária a verificação cumulativa de dois indispensáveis pressupostos:
●por um lado, a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável;
●E, por outro, que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório.
5.-Quanto à produção de prova dos prejuízos sofridos pela parte lesada duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio.
6.- Parece-nos claramente mais assertiva, por em absoluta conformidade e coerência com a lei e mais razoável a segunda por duas ordens de motivos: pode a parte lesada não conseguir reunir atempadamente os elementos necessários a produção da prova dos prejuízos sofridos ou, noutros casos, pode a mesma não conseguir identificar a totalidade desses prejuízos. Então aí competirá ao tribunal prudentemente fixar a indemnização entendida como justa.
7.-Em favor desta corrente anote-se que para arbitrar a indemnização em causa não se torna necessário que o requerente formule um pedido certo pois “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do mencionado artigo 543.º do Código de Processo Civil).”
No caso em apreço o recorrido, no seu requerimento de 24/6/2020 juntou nota de despesas e honorários, e inclusive a respetiva fatura/recibo.
Resulta dos factos assentes e não questionados o valor das despesas e a que respeitam.
Quanto a este item, temos que fazer uma restrição: as despesas a ressarcir terão de ser outras que não as contempladas na condenação em custas que o litigante de má-fé tenha sido alvo na ação na qual o incidente de litigância de má-fé teve lugar. Designadamente nas custas de parte compreendem-se as taxas de justiça pagas pela parte, que são objeto de nota discriminativa e justificativa de modo a serem suportadas pela parte vencida, pelo que será nessa sede que deverão ser reembolsadas -art.ºs 529º n.º1 do CPC e 3º, n.º 1 do RCP) (cfr. Ac. da Rel. de Évora de 20/12/2018, processo n.º 33232/15.7T8LSB.E1, www.dgsi.pt).
No caso em apreço a ação foi procedente (sendo o recorrido autor), e o recorrente condenado em custas.
Temos por isso de subtrair ao montante arbitrado € 204,00 aos € 615,00 de despesas, ficando pelos € 411,00.
As restantes despesas são de compensar, mostrando-se razoáveis.
No que concerne ao valor a título de honorários, foi deduzido o valor que se considerou adequado ao trabalho tido antes da intervenção do recorrente, portanto que não teriam relação de causalidade com a litigância de má fé. Quer para a consideração do valor “justo” de honorários peticionados, quer para a consideração do valor dessa dedução, o Tribunal a quo aceitou a conclusão do laudo determinado nos autos. E a nosso ver bem, já que se trata de apreciação que, embora não vinculativa, é levada a cabo pela entidade que melhor competência técnica tem para o efeito e encontra-se devidamente fundamentada. A jurisprudência vem atribuindo a esses laudos uma função orientadora, de valor próximo da perícia ou de “parecer técnico”, dada a especial qualificação de quem o emite, mas sujeito à livre valoração por parte do tribunal (cfr. art. 607º, nº 5).
Portanto, afigura-se também correta a ponderação feita, sendo o valor em causa razoável, equitativo e adequado à gravidade da conduta.
Note-se que, face ao “desconto” dos € 1.000,00 que se estimou como o valor devido pela parte inicial do processo, e face às taxas pagas no processo (€ 204,00, 204,00, 102,00, 102,00, € 25,50, conforme resulta da sua consulta) o ressarcimento por esta via do remanescente não colide com a possibilidade de recebimento a título de custas de parte dos 50% fixados no art.º 26º, n.º 3, c), do RCP, constituindo o valor assim apurado uma compensação a que parte vencedora tem sempre direito, não lhe sendo exigível a apresentação de documento comprovativo dos honorários pagos ao mandatário, bastando, para ter direito à compensação, que tenha tido ganho de causa, tenha constituído mandatário e tenha apresentado a nota discriminativa e justificativa nos temos resultantes da sobredita norma (cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 23/2/2023, processo n.º 21843/17.0T8LSB-C.L1-8, www.dgsi.pt). Não haverá por isso qualquer duplicação.
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Pelos fundamentos expostos, deve a apelação proceder parcialmente, fixando-se a indemnização em € 3.486,00 (€ 411,00 + € 3.075,00).
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As custas do recurso devem ser arcadas pelo recorrente uma vez que, não obstante o vencimento parcial, a parte contrária não é vencida no incidente, aplicando-se por isso o critério do proveito –cfr. art.º 527º, n.º 1, 2ª parte, C.P.C..
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IV   DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do R. parcialmente procedente, e em consequência, conceder provimento parcial à apelação, reduzindo o valor indemnizatório para € 3.486,00.
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Custas a cargo do R./recorrente (artº. 527º, nº. 1, 2ª parte, do C.P.C.).
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Guimarães, 18 de abril de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício