IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
AGRAVAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário


- Para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos:
a) existência de um enriquecimento;
b) falta de causa que o justifique;
c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição;
d) que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, todos com domicílio na Rua ... ..., na qualidade de paroquianos da paróquia de ..., do concelho ..., vieram deduzir a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra:

- Padre HH, atualmente com domicílio profissional na Largo ... ..., ...,

Com INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA, como associado dos Autores, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º e seguintes do CPC, de:
- Presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., Padre II, pároco e presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., residente na Avenida ..., ... ..., requerendo a restituição por parte do Réu, Padre HH, aos autores e ao chamado, na qualidade de representantes da paróquia de ..., da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), com fundamento em alegado enriquecimento sem causa por parte do primeiro.

Regularmente citado o Réu, o mesmo apresentou contestação/reconvenção, pedindo a improcedência da ação e a procedência da reconvenção.

Foi admitida, ao abrigo do disposto no artigo 316º e seguintes do Código de Processo Civil, a requerida, pelos AA., intervenção principal provocada do Presidente do Conselho Económico da Paróquia de ..., Padre II, como associado dos Autores.
No Despacho Saneador não foi admitido o pedido reconvencional.

*
Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

Nos termos e pelos fundamentos supra-expostos, decide-se julgar a presente Ação Improcedente, por NÃO provada, e, em consequência:
A) Absolver o Réu, Padre HH, da restituição aos Autores e ao Chamado, na pretensa qualidade de representantes legais da Paróquia de ... (só o Chamado é o respetivo representante legal, na qualidade de Presidente do Conselho Económico da dita Paróquia), da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros);
B) Absolver os Autores do pedido do Réu de condenação daqueles como litigantes de má-fé;
C) Absolver o Réu do pedido dos Autores de condenação daquele como litigante de má-fé.
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Inconformados vieram os Autores recorrer formulando as seguintes conclusões:

A. Uma das “pedras de toque” do pensamento do digno Tribunal a quo parece ser uma questão da legitimidade material dos autores, para dar impulso aos presentes autos e uma questão de quase incompetência material para apreciação dos autos.
B. Salvo o devido respeito, inegável a proximidade entre a figura da paróquia às entidades coletivas cuja atuação se restringe a circunscrições territoriais especificas e que perseguem interesses coletivos próprios dos membros dessas circunscrições.
C. A defesa dos interesses dessas entidades coletivas pertence, em primeira linha, aos seus órgãos/legais representantes, mas nada afasta a legitimidade de todos e cada um dos seus membros de agir em defesa do interesse coletivo, numa espécie de ação popular atípica e circunscrita ao direito fundamental da propriedade, consagrado no artigo 62º da CRP.
D. Dizendo de outro modo, aos autores sempre seria legitimo recorrer aos tribunais para defesa dos interesses da entidade coletiva em defesa do património (civil) desta, na medida em que estes estão ao serviço do interesse coletivo perseguido pela entidade coletiva que a paróquia constitui.
E. Ocorre que os bens em causa não detém a condição de bens de culto, por um lado, e, por outro, o Direito Canônico estabelece que o que estiver estabelecido no direito civil do território acerca dos contratos, tanto em geral como em particular, e da extinção das obrigações, no respeitante a coisas sujeitas ao poder de governo da Igreja, a não ser que seja contrário ao direito divino ou outra coisa se determine no direito canónico (Cân. 1290§ 1º). e não permite aos autores que impugnem, per si e sem a condição de membro do conselho, impugnar as deliberações tomadas.
F. Dizendo de outro modo, aos autores para defesa do interesse coletivo da paroquia apenas restava mesmo o recurso à presente ação, nomeadamente para preservação do direito fundamental consignado no artigo 62º da CRP.
G. Sendo certo que o Direito Canônico não, nem pode ser equiparado à lei do Estado Português, determinando a exclusão da sua aplicabilidade.
H. Pelo que será materialmente inconstitucional o artigo 474º do Código Civil quando interpretado no sentido de que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, equiparando a lei civil ao direito canónico.
I. Em primeiro lugar, o ponto 4 da matéria dada como provada quanto à petição, consta que «a administração do património da paróquia cabe ao respetivo Conselho Económico, tal como prevê o Cânone 1279 do Código de Direito Canônico».
J. Do referido cânone resulta, porém, que Conselho Económico detém a administração do património da Paróquia, constituindo apenas um órgão consultivo cujo parecer não é vinculativo do Pároco residente, pelo que deve aquele ponto não ser dado como provado
K. Em segundo lugar, no ponto 24 da matéria dada como provada quanto à petição consta que «no âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), todo o recheio da residência paroquial.»
L. Ora, tal facto diz respeito ao documento de fls. 14 a16, cujo teor, assinatura e autoria não foi impugnado e que, por força do disposto no artigo 376º do Código Civil tinha força probatória plena e que impõe ao Tribunal a quo dar-se como provados o concreto conteúdo dos bens vendidos à paroquia.
M. Em terceiro lugar, deu o meritíssimo juiz a quo como provado o item 14 da contestação (como consta dos factos provados), isto é, «os bens moveis em causa pertenciam legitimamente ao ora Réu»
N. Todavia pela audição da prova produzida e designadamente pela testemunha JJ, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das 15:07:10 às 16:11:05 horas – em concreto de 02m48’s a 15m09s). resulta que a mobília em causa, como a própria testemunha com conhecimento de causa direto (vide que a mesma era a empregada de limpeza), atesta o procedimento do mobiliário pertença da casa, isto é, a propriedade junta comissão fabriqueira.
O. Conjugando o depoimento desta testemunha com a referida ata de fls. 14v e 16, no negócio que o recorrente fez consigo mesmo, a venda do recheio da habitação pelo preço de 150000.00€, incluía-se bens que pertenciam à paróquia, como é o caso do quarto pertencente ao padre anterior.
P. Àqueles meios de prova acresce ainda os depoimentos das testemunhas KK, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das (das 10:03:57 às 11:00:00 ; das 11:16:23 às 11:58:53 e das 12:12:22 às 12:23:09 horas, concretamente 11m42’s a 12m35s) e LL , cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 17-03-2023 (ata Referência: ...78 tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (das 09:54:22 às 09:55:19 horas concretamente 10m41’s a 12m57s).
Q. Bem como documento de fls. 213 que consiste numa carta com a data de 15/09/2018 e assinada por D. MM (à data Arcebispo Primaz de ...) que afirma claramente «os bens objeto de preocupação do “Grupo de Paroquianos, são propriedade da Paróquia de ..., instituição essa que se encontra sob tutela da Arquidiocese de ...”.
R. Documento que a testemunha KK (depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 22-03-2023 (ata Referência: ...44), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (12:12:22 às 12:23:09 horas)) revela a admite a existência, na Cúria de ..., do entendimento de os bens alegadamente vendidos pelo Réu à Paróquia são e sempre foram bens temporais da Igreja.
S. A estes meios de prova acrescentar-se a inverosimilhança do depoimento prestado por NN, socio gerente da sociedade EMP01... Lda prestado na audiência de julgamento de 17-03-2023 (ata Referência: ...78), tendo a inquirição sido gravada através do sistema integrado de gravação digital "H@bilus", disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (15:28:31 às 16:19:47 horas).
T. Dá-se a circunstância da sociedade ter sido, na realidade, fornecedora de trabalhos de carpintaria na construção da residência paroquial avaliados no valor de quarenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e um euros e vinte cêntimos (conforme documento ... junto pelo recorrido na sua contestação).
U. Em audiência, a testemunha disse que havia recebido apenas cerca de trinta mil euros pelos trabalhos executados e afirmou ter oferecido ao réu móveis que instalou na residência paroquial no valor de doze mil euros.
V. Na sequencia do depoimento de NN foi o mesmo notificado para enquanto legal representante da “EMP01..., Lda.” e no prazo de 10 dias, «averiguar junto dos serviços de contabilidade da empresa e juntar ao processo, se possível até a manhã da próxima quarta feira, os elementos contabilísticos relativos aos móveis alegadamente confecionados por si, ora testemunha, e eventualmente imputados nos serviços da contabilidade dessa mesma empresa a título de donativos, como a mesma testemunha alegou em Tribunal».
W. Em 27/03/2023 (requerimento com a ref.ª ...74) a sociedade juntou os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2013 e 2014, sem que deles resulte a existência de qualquer oferta a quem quer que fosse, sendo inverosímil que uma empresa não registasse tal valor especificamente, fosse como donativos, fosse como perdas. 76 X. Por outro lado, apelando ao critério de qualquer bónus pater familiae, é o mais usual seria que sendo os bens da sua pertença do recorrido, o teria levado consigo, e não ter decidido, votando a seu favor a venda dos mesmos, à paroquia dona da casa onde se encontram.
Y. Em quinto lugar, o digno Tribunal a quo entra claramente em contradição quando dá como provado que «após um “abaixo-assinado” dos paroquianos, o ora Réu foi afastado da Paróquia de ...» (ponto 35 da petição inicial) e que «o Réu apenas deixou de estar ao serviço da Paróquia de ... por iniciativa própria, perante uma “guerra” ocorrida no início do ano de 2018, concretizada propositadamente por um grupo de pessoas com o intuito de expulsar o Réu da Paróquia à qual foi fiel e devoto, dedicando 12 anos de vida ao serviço da mesma e/ou de todos os paroquianos, “guerra” essa que lhe provocou danos na sua vida profissional e pessoal.» (ponto 21 da contestação).
Z. Por si só é incompatível que o réu possa ter sido afastado (isto tenha sido removido contra a sua vontade) da sua paroquia e, simultaneamente, possa dela ter saído pela sua própria vontade (por iniciativa própria). Sendo certo que, na realidade, nenhuma prova foi produzida para demonstrar que o réu havia pedido para sair da paróquia.
AA. Mas dir-se-á mais: os vários depoimentos prestados indiciam até que o réu só fez a alegada venda porque sabia que iria sair, ao ponto de ter-se afastado da paroquia, antes mesmo da chegada de quem o substituiria.
BB. Finalmente, olhando para a matéria da contestação, em boa verdade, é que não contem apenas factos, mas verdadeiras afirmações conclusivas desapegadas de quaisquer factos que as fundamentem.
CC. Vide por exemplo os pontos 2, 14, 17, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27. 28. 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 54 que misturam os poucos factos com meras conclusões.
DD. Ora, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respetivos meios incidirão (cfr. art.ºs 452.º, n.º 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º, 77 495.º, n.º 1 do NCPC), tanto mais que são os factos que o n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença.
EE. Como refere Paulo Faria se “o tema da instrução pode aqui ser identificado por referência a conceitos de direito ou conclusivos – v.g. a instrução da causa terá por objecto a residência permanente do locatário”, “terá por objecto o pagamento das quantias facturadas” ou “os danos não patrimoniais invocados”, “já a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e instrumentais (que devem transitar para a sentença) pertinentes à questão enunciada”. Concretizando depois, em nota de rodapé, que o tribunal, no “exemplo dado, não poderá dar por provado “habita no locado” – mas que lá dorme, confecciona e toma refeições, etc. -, “sofreu danos patrimoniais” – mas que ficou angustiado, etc. – ou “pagou as facturas” – mas que entregou um cheque que obteve pagamento, etc.”
FF .O CPC vigente atribui ao juiz um poder mais interventivo, mas tal não se traduz no fim do princípio dispositivo e na sua substituição pelo princípio inquisitório continuando a caber às partes a dedução das suas pretensões e a alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa, funcionando o princípio da auto-responsabilidade das partes, quanto aos factos essenciais (art.º 5.º do CPC), sendo certo que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (n.º 4 do art.º 607.º do CPC). Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.
GG. Assim, na seleção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
HH. E tanto assim é que as questões a que se reporta a al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC “são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções” (vide Ac. STJ de 22.10.2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt)
II. Dispunha o n.º4 do art.º 646.ºdo anterior CPC (disposição que não  foi mantida, ao menos em termos de direta correspondência, na disciplina homóloga da nova Codificação) que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito … assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
JJ. Contudo, “ante a sua eliminação, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o atual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (….)”[ - Ac. STJ de 29.04.2015, Proc. n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, 4.ª secção, acessível em www.dgsi.pt.)
KK. Destarte, embora tal normativo não tenha sido mantido no NCPC, a verdade é que se mantém ereta a orientação jurisprudencial no sentido de que a matéria de facto “(…) não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo indução ou conclusão jurídica” , devendo as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto considerar-se não escritas.
LL. Não se suscita, pois, dúvidas, que no atual regime processual, tal como no pretérito, “(…) na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
MM. Na verdade, dispõe o art. 607.º, n.º 4, do NCPC, “Na fundamentação (da sentença) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” – os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito” .
NN. Como assim, mesmo no âmbito da vigência do atual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
OO. Destarte, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.
PP. Impõe-se, pois, expurgar da matéria de facto da contestação dada como provada e supra identificada, uma vez que a mesma encerra exclusivamente matéria de natureza conclusiva (cfr. o art.º 607.º, n.º 4 do CPC).
QQ. Esta tem sido, aliás, a orientação já consistentemente firmada pelo STJ, relativamente e à eliminação do elenco da matéria de facto das expressões e asserções na mesma incluídas que não revistam tal natureza fáctica, já que as asserções de natureza conclusiva reconduzem-se à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum, devendo, por isso, as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual a considerar.
RR. Cabe notar que a supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objeto de prova.
SS. Pelo que deve no ponto 24 da matéria dada como provada quanto à petição deve constar que «no âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), todo o recheio da residência paroquial, ou seja, três quartos de casal completos, duas salas de estar (cinco sofás em pele, três mesas de centro e respetivos tapetes) e um escritório (uma escrivaninha, uma cadeira de escritório em pele e três cadeirões e uma banqueta e dois tapetes) havia sido de dezassete mil euros, no entanto, o pároco deixaria ficar tudo, a totalidade do mobiliário, bem como, todos os eletrodomésticos – um fogão elétrico em placa de indução vitrocerâmica, um “frigórico americano”, um forno elétrico, um micro-ondas, uma máquina de lavar loiça, uma máquina de lavar roupa, uma máquina de secar roupa, todas da marca ...”, um serviço de loiça completo, um serviço de copos e talheres, bem como todo um conjunto de tapetes (todas as divisões/cómodos da cada estavam guarnecidos de tapetes) e ainda todo o mobiliário de sala de jantar – para a paróquia pelo valor de 15 mil euros.»
TT. Pelo que observando o princípio da livre apreciação da prova consignado no 80 artigo 607º do CPC impunha ao Tribunal a quo dar-se apenas como provado que «após um “abaixo-assinado” dos paroquianos, o ora Réu foi afastado da Paróquia de ...» (ponto 35 da petição inicial) e não o ponto 21 da contestação.
UU. Dizendo de outro modo e face aos depoimentos supra indicados, conjugados com o documento cujo teor, assinatura e autoria não foi impugnado e que, por força do disposto no artigo 376º do Código Civil tinha força probatória plena e observando o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 607º do CPC impunha ao Tribunal a quo dar-se como não provado que «14. Os bens móveis em causa pertenciam legitimamente ao ora Réu.». e os pontos 2, 14, 17, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27. 28. 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 54 da contestação que misturam os poucos factos com meras conclusões.
VV. Dizendo de outro modo, aos autores para defesa do interesse coletivo da paroquia apenas restava mesmo o recurso à presente ação, nomeadamente para preservação do direito fundamental consignado no artigo 62º da CRP.
WW. Sendo certo que o Direito Canônico não, nem pode ser equiparado à lei do Estado Português, determinando a exclusão da sua aplicabilidade.
XX. Pelo que será materialmente inconstitucional o artigo 474º do Código Civil quando interpretado no sentido de que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, equiparando a lei civil ao direito canónico.
YY. A presente sentença enferma de nulidade emergente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 659º, nº 2 do Código do Processo Civil,
ZZ. Esta sentença é nula nos termos do artigo 668º, nº 1, b), porquanto não foi fundamentada a matéria de facto.
AAA. Não existe naquela sentença qualquer menção à prova produzida relativamente à propriedade dos bens – no que tange à afirmação da Curia – que afirma, por documento escrito, admitido e não impugnado, que os bens que o Recorrido vendeu são propriedade da igreja – doc de fls. ---, nada dizendo a sentença a este prepósito. 81
BBB. Ora, tal recai numa clara infundamentação da sentença, assim como em omissões tangentes à prova produzida, concluindo-se pela nulidade daquela.
CCC. Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
DDD. Pois a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
EEE. A fundamentação da sentença tem regulamentação específica no artigo 659º do Código Processual Civil, que dispõe que: “1. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 3. Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. “
FFF. Ora o referido no nº 3 deste artigo não se verificou em parte alguma da sentença, resultando num claro vazio de fundamentação.
GGG. Não existe qualquer menção da prova documental relativa à propriedade dos bens in casu, que levou às conclusões de facto refletidas na sentença.
HHH. Não tendo sido fundamentada a este prepósito, esta sentença, é, sem mais, nula.
III. Nos termos do citado preceito, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) ) e quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
JJJ. A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 659º, nº 2, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
KKK. Significa isto que, como claramente resulta da norma, na fundamentação de facto da sentença o juiz terá de tomar em consideração não só os factos que o julgador da matéria de facto deu como provados em função da sua livre apreciação das provas oferecidas, mas ainda outros que se lhe impõe independentemente desta, mas por força da lei, quais sejam os admitidos por acordo, os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e é em relação a estes que o artigo 659º, n.º 3 do Código de Processo Civil lhe impõe que faça o exame crítico das respetivas provas já que, em relação às demais, essa tarefa fora já feita pelo julgador da matéria de facto, como sucedeu em relação aos documentos juntos pelos Réus e aos depoimentos das testemunhas pelo que, não o fazendo, a sentença não incorre em omissão alguma.
LLL. Ora, no caso dos autos ocorreu esta particularidade, pelo que, a fundamentação da matéria de facto, dada como provada e não provada, nada consta a prepósito deste facto – documentalmente provado e não impugnado.
MMM. Assim, verifica-se nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 668.º1 d) do CPC – o que se argui.
NNN. Destarte, salvo melhor entendimento, houve um erro na interpretação ou aplicação do artigo 473.º, n.º 2 do C.C., na medida em que deveria ter sido aplicada a previsão legal relativa a causa que deixou de existir.
OOO. No que ao caso sub iudice interessa impõe-se sublinhar que esta situação, do desaparecimento posterior da causa, corresponde à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), tipificada na enumeração exemplificativa do consignado n.º 2 do art.º 473.º do Código Civil, que se caracteriza por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, caso em que o nosso ordenamento jurídico força a repor o equilíbrio patrimonial rompido com aquela deslocação patrimonial, por não tolerar que essa vantagem perdure, constituindo o accipiens no dever de restituir o recebido, donde, verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2016 (Processo n.º 390/09.0TBBAO.P1.S1), desta 7ª Secção, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2017 (Processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1), desta 83 7ª Secção, in, www.dgsi.pt.
PPP. Sublinhando que para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda exigível mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, importa também anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respetivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento, conforme decorre das regras estatuídas no direito substantivo civil acerca do ónus da prova (artsº. 342° e 344°, n.°1 do Código Civil, ou seja, O ónus da prova respeita aos factos da causa distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios.
QQQ. In casu, uma vez que o recorrido locupletou de valores, que não são devidos, terá de restituir na exata medida do enriquecimento sem causa do outro empobrecido, sendo que a restituição a fazer-se terá que ser a correspondente à situação real e atual dos benefícios pois, como é entendimento pacífico, o instituto do enriquecimento sem causa não se propõe reparar o dano sofrido pelo lesado (este é o objetivo da responsabilidade civil), tão só e apenas o de impedir que se reconheça o enriquecimento que o beneficiado obteve à custa do lesado/empobrecido, sendo que tal enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada, importando, como no caso sub iudice, que a elisão do enriquecimento não seja possível a não ser pela restituição em dinheiro, sendo que, revertendo ao caso sub iudice, e considerados os factos demonstrados que o locupletamento do recorrido importou na quantia de €15.000,00 (quinze mil euros).
RRR. Demais e quanto às custas do processo, falta de fundamentação da decisão
SSS. Decorre do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são 84 fundamentadas na forma prevista na lei.
TTT. Por sua vez, o artigo 154º do CPC refere que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
UUU. Ora, no caso em concreto, o tribunal a quo decidiu condenar o recorrente em custas, nomeadamente 10 UCS contudo, sem referir qualquer fundamento para tal.
VVV. O tribunal de qual se recorre apenas se dignou a condenar o recorrente em custas dizendo fixando-se a título solidário no que se concerne ao pedido principal e ao pedido de condenação do réu como litigante de má fé, fixa-se na globalidade a taxa de justiça em 10 UC- artigo 527º nº 1 1ª parte, 2, 3 528º/1, 529º/2, 530º/4 e 607º todos do Código Processo Civil, nada dizendo sobre os fundamentos que levaram àquela tomada de posição e consequente condenação.
WWW. Fica claramente patente a falta de fundamentação daquela decisão
XXX. Fundamentação essa imposta por lei e constitucionalmente consagrada.
YYY. Dispõe o artigo 154.º n.º 1 do CPC que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o seu n.º 2 que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição…”.
ZZZ. Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
AAAA. Concluindo, face à não fundamentação, quer de facto quer de direito, da decisão em que o recorrente foi condenado no pagamento em custas, então, deverá a mesma ser considerada nula, não produzindo qualquer efeito.
BBBB. Caso assim não se entenda, não procedendo o primeiro fundamento do presente recurso, o que se admite por mera hipótese académica, mas não se aceita, impõe-se a redução do valor em que o recorrente fora condenado a pagar a título de custas.
CCCC. Termos em que, entendem os recorrentes, salvo o devido e douto entendimento, que a douta sentença, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art.º 473º do Código Civil, 154º do CPC e artigo 205º CRP.
DDDD. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a sentença em crise e aqui recorrida, ser revogada.

ASSIM DECIDINDO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, MUITO ILUSTRES DESEMBARGADORES FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA!
           
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Foram apresentadas contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.    
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Questões a decidir:

- Verificar se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação;
- Verificar se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- Verificar se a prova foi bem julgada na Primeira instância;
- Reanalisar as questões jurídicas suscitadas no recurso, nomeadamente, verificar se no caso estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e se deve ser reduzido o montante em que os Autores foram condenados a título de custas processuais.
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Factos considerados provados na primeira instância:

1. Os Autores, juntamente com o Chamado, fazem parte da Paróquia de ..., do concelho ....
2. O Chamado é Pároco daquela freguesia, nomeado no dia 18/07/2018, na sequência da saída do Padre HH, ora Réu.
3. Como tal, o Chamado assume atualmente e desde aquela data a qualidade de Presidente do Conselho Económico daquela Paróquia.
4. A administração do património da Paróquia cabe ao respetivo Conselho Económico, tal como prevê o cânone 1279 do Código do Direito Canónico.
5. O Conselho Económico é representado pelo Chamado, Padre II.
15. A Paróquia é representada pelo Chamado.
17. O Réu foi Pároco e Presidente do Conselho Económico no período compreendido entre 16/07/2006 e 08/03/2018, da freguesia ..., do concelho ....
18. Quando chegado àquela Paróquia, apesar de durante vários anos, como infra se explicará (cfr. factos provados da Contestação) não ter residido na Freguesia ..., alguns paroquianos, beneméritos, ofereceram bens de uso pessoal, concretamente não apurados, para o Réu colocar na sua residência paroquial.
22. A Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., no dia 06/03/2018, pelas vinte e uma horas, reuniu na residência paroquial de ....
23. Na dita reunião estiveram presentes o Réu, na qualidade de Presidente, OO, na qualidade de Secretário, PP, na qualidade de Tesoureiro e os Vogais, QQ, GG, DD e EE.
24. No âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), todo o recheio da residência paroquial.
25. Esta proposta não colheu aceitação por parte de alguns elementos da corporação, ora Autores.
26. Os Autores GG, DD e EE solicitaram o inventário de todos os bens existentes na residência paroquial, faturas da respetiva aquisição e uma avaliação externa de modo a apurar o valor real do recheio.
27. e 28. Perante esta condição, o então Pároco, ora Réu, afirmou que não estaria disposto a solicitar tais faturas a quem lhe ofereceu os bens, alegando que, por outro lado, não dispunha da maioria das faturas no que concerne ao mobiliário adquirido por si.
29. Foi, ainda, afirmado e deliberado que não se iria aguardar pela elaboração de qualquer inventário dos bens.
30. e 31. Finda a discussão, procedeu-se à votação e três elementos da corporação votaram a favor da compra pela Paróquia do recheio, pelo valor proposto pelo Pároco, ora réu, sendo que os restantes três membros, ora Autores, votaram contra a referida aquisição, pelo que para desempatar o Pároco e então Presidente da Comissão Fabriqueira, exercendo o seu voto de qualidade, votou a favor da aludida aquisição.
32. Por conseguinte, foi deliberada a aquisição pela Corporação Fabriqueira, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), do mobiliário e equipamentos identificados.
33. e 34. Perante tal decisão, inconformados, os ora Autores e então membros da Comissão Fabriqueira que votaram contra tal negócio, elaboraram uma “carta aberta” dirigida aos paroquianos de ..., na qual demonstraram o seu desagrado e a sua posição.
35. Após um “abaixo-assinado” dos paroquianos, o ora Réu foi afastado da Paróquia de ....
36. e 37. De modo a demonstrar o seu descontentamento e porque entendem que ocorreu uma alegada dissipação dos bens da Paróquia de ..., este grupo de paroquianos, por intermédio da sua Mandatária, endereçou uma missiva ao Arcebispo Primaz de ..., alegando que, na ótica dos ora Autores, o ora Réu locupletou-se, injustificadamente, à custa de diversos bens alegadamente pertencentes à Paróquia.

Da CONTESTAÇÃO

2. A ata da Corporação Fabriqueira está datada de 06 de março de 2018, sendo que da mesma consta que foi efetuada a deliberação de compra e venda dos bens móveis, vários documentos, entre eles uma “carta aberta” que foi lida e exposta na Igreja, tudo de modo a descredibilizar o Réu, perante o Tribunal, enquanto Pároco e enquanto pessoa.
14. Os bens móveis em causa pertenciam legitimamente ao ora Réu.
17. Os ora Autores, apenas sete, não representavam nem representam a Igreja nem os paroquianos da Freguesia ....
19. À data de 2006 e nos anos seguintes, o Réu não viveu em ... e muito menos na residência paroquial.
20. O Réu tomou solenemente posse da Paróquia de ..., em finais do ano de 2006, bem como das Paróquias da freguesia ..., ... e mais tarde ..., presidindo ao Conselho Económico, como a lei eclesiástica exige.
21. O Réu apenas deixou de estar ao serviço da Paróquia de ... por iniciativa própria, perante uma “guerra” ocorrida no início do ano de 2018, concretizada propositadamente por um grupo de pessoas com o intuito de expulsar o Réu da Paróquia à qual foi fiel e devoto, dedicando 12 anos de vida ao serviço da mesma e/ou de todos os paroquianos, “guerra” essa que lhe provocou danos na sua vida profissional e pessoal.
22. Antes da sua nomeação e da tomada solene de posse da Paróquia, concretamente no dia 1 de outubro de 2006, o Réu vivia na residência paroquial de ..., juntamente com o condiscípulo Padre RR, e manteve-se nessa residência paroquial até ao ano de 2011, altura em que o seu colega foi nomeado coadjutor da Paróquia da Matriz da ... e para aí foi viver.
23. Durante todo esse tempo que viveram juntos, cerca de 6/7 anos, ambos compraram, para as suas comodidades e a expensas exclusivamente suas, vários bens para a sua então habitação, tais como mobílias (para todas as divisões), louças de cozinhas, eletrodomésticos, concretamente máquina de lavar roupa, máquina de secar roupa e objetos de adorno.
24. Após a nomeação do então Padre RR para a ... e a sua mudança, deixou de fazer sentido que o ora Réu continuasse a viver distanciado das suas paróquias, pelo que o objetivo passou a ser residir na Paróquia de ....
25. Entre eles dividiram os bens que tinham adquirido a suas expensas e cada um levou consigo os bens móveis que lhes ficaram a pertencer, sendo que ao ora Réu coube as máquinas de lavar e de secar roupa, algum mobiliário, entre outros bens.
26. Como a então existente Casa Paroquial de ... estava degradada e sem qualquer condição de habitabilidade, tendo apenas uma mobília de quarto e uns cadeirões velhos (o antecessor Pároco, Sr. Padre SS, levou os seus pertences quando cessou funções) o Réu foi viver para um pequeno apartamento, pertença de uma das paroquianas, sito em ..., em agosto de 2011.
27. Nessa altura, o ora Réu abeirou-se dos seus amigos pessoais com quem mantinha relações muito próximas e de profunda amizade, a saber a família KK na pessoa do Dr. KK que se ofereceu para lhe equipar o referido apartamento, quer com mobílias de quarto, mobília de sala de jantar e de entrada, sendo que o Réu já detinha os restantes bens para uso doméstico.
28. Como a construção de uma nova residência para a freguesia ... já estava planeada e foi “amadurecendo no coração” dos paroquianos, pronunciaram-se todos a favor da adaptação da antiga residência a CENTRO PASTORAL PAROQUIAL, onde funcionariam salas de catequese e Cartório Paroquial e ainda um almejado auditório, a construção, de raiz, ao lado, em terreno, também, da Diocese, uma NOVA RESIDÊNCIA PAROQUIAL, decisão essa que CONSELHO ECONÓMICO concretizou, após autorização da Arquidiocese de ..., criando para o efeito uma COMISSÃO DE OBRAS, de modo a liderar todo o processo.
29. No ano de 2013, Réu e alguns paroquianos abeiraram-se dos residentes da freguesia e de alguns beneméritos, os quais sempre contribuíram para a freguesia e a respetiva Paróquia, para a construção da nova residência paroquial, começando, assim, a angariação de fundos para iniciar as respetivas obras de construção.
30. Quer pelos documentos quer pelos comunicados que eram transmitidos nas missas, a RESIDÊNCIA PAROQUIAL DE ... ascendeu, em termos de custos e encargos, à quantia de cerca de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros), tudo resultante da dedicação e esforço, em primeiro lugar, do Réu e de todos os que “abraçaram” esta causa, sendo que o valor remanescente angariado foi entregue ao Conselho Económico após a dissolução da comissão de obras.
31. A freguesia ... pôde “rejubilar-se” com uma obra arquitetonicamente irrepreensível, enaltecida por todos e concretamente pela Arquidiocese de ....
32. Como o Réu iria mudar-se para a nova residência paroquial no ano de 2014 e dispunha apenas de alguns bens que se encontravam no apartamento que era de reduzidas dimensões, comparado à nova residência, o Réu, mais uma vez, socorreu-se de seus amigos mais próximos tais como o Dr. KK, seu filho Dr. TT, Sr. NN, entre outros no sentido de o ajudar – a ELE – RÉU - na compra de mobiliário, decoração e eletrodomésticos em falta.
33. O então paroquiano Dr. KK e família, nutrindo uma profunda amizade e admiração pelo Réu, considerando-o como seu “familiar”, não ficou alheio a tal pedido (como não ficou quando contribuiu para a construção da RESIDÊNCIA e de todas as obras da Igreja), contactou novamente o Arquiteto UU, mentor do projeto da CASA RESIDENCIAL, para lhe projetar todo o interior da habitação oferecendo-lhe, ao Réu – o mobiliário (adquirido no ...), tudo em plena conformidade com a opinião fulcral do então Arquiteto LL e cujo valor ascendeu à quantia de 9.624,79 €.
34. O Dr. KK ainda ofereceu 5.000,00 € para o Réu comprar objetos de adorno, decoração e outros bens que entendesse e fossem necessários, sendo que o filho daquele, Dr. TT, também lhe ofereceu igual valor monetário (5.000,00 €) para a aquisição dos Eletrodomésticos que entendesse 35. O seu amigo de longa data e paroquiano Sr. NN ofereceu ao ora Réu um aparador para a sala de estar e de jantar, um para cada divisão dos quartos e a mesa de sala de jantar composta por 2 cadeirões e 8 cadeiras, tudo lacado a branco, mobiliário esse que ascendeu à quantia de 12.000,00 e foi desenhado pelo próprio Arquiteto UU.
36. A referida RESIDÊNCIA PAROQUIAL, construída de raiz, finalizada em finais de 2013, ficou totalmente mobilada com a oferta destes três amigos do Réu, bem como de outros amigos benfeitores, sendo certo também que a restante mobília (a que se encontrava no apartamento e que havia sido oferecida, concretamente determinados bens e outros eletrodomésticos - máquina de lavar roupa e máquina de secar roupa da marca ... -) que já era sua propriedade e se coadunava com o “estilo “ de casa, também foi aproveitada e colocada na Residência.
37. Os bens que são postos em causa na presente ação bem como os demais que se encontravam no interior da NOVA CASA PAROQUIAL não eram nem foram pertença do Conselho Económico por oferendas de beneméritos, mas eram, sim, pertença exclusiva do Réu, ora adquiridos a titulo oneroso (pelo próprio), ora recebidos a titulo gratuito (dos beneméritos), a saber:
- Mobiliário de três quartos, Mobiliário de duas salas de estar, cinco Sofás em pele, três mesas de centro, Tapetes – todas as divisões da casa, três cadeirões, mobiliário de escritório - Escrivaninha, Cadeira de escritório em pele, banqueta, três cadeirões, aparador completo de sala em cerejeira, objetos de adorno e decoração, aparador de entrada em cerejeira, aparadores de todas as divisões, tapetes, mobiliário de quarto, mesas, cadeiras, entre outros;
- Aparadores em lacado branco e mesa de sala de estar e jantar, 2 cadeirões e 8 cadeiras;
- Frigorífico americano, Forno, micro-ondas, máquina de lavar louça, placa de fogão, todos da marca ...;
- Objetos de adorno e decoração – vários.
38. Os restantes bens mencionados (existiam muitos mais), tais como a máquina de lavar roupa e a máquina de secar roupa, o resto do mobiliário, tapetes, móveis, serviço de louça completo, serviço de copos e talheres, eram já pertença do Réu.
40. Todos estes bens que vieram adornar e rechear a nova casa residencial eram pertença do Réu, seu único e exclusivo proprietário por donativos de seus amigos e paroquianos da freguesia, ofertas essas derivadas de amizade, altruísmo, respeito e admiração, sendo que o respetivo valor total ascendia a uma quantia superior a 40.000,00 €.
41. Desde o início da sua tomada de posse até ao final do ano de 2017, paroquianos e Réu viviam pacifica e tranquilamente, em perfeita harmonia, plenamente devotos e unidos ao Réu e à Igreja, acreditando genuinamente o Réu e todos os que o acompanhavam e contribuíram que o mesmo terminaria a sua vida pastoral naquela paróquia (tal como o seu antecessor) ou, quanto muito, seria o pároco daquela freguesia por muitos e largos anos.
42. No final do ano de 2017, início do ano de 2018, um grupo de pessoas e jovens que faziam parte de Grupo de Jovens de ... –, grupo esse criado e “batizado” pelo Réu, começou a causar alguns problemas, adotando comportamentos e levantando questões que atentavam, segundo o pensamento do próprio Réu, contra os princípios defendidos pela Igreja, o que levou o Réu a manifestar, pública e privadamente, a sua discordância com os mesmos.
43. Devido a essa tomada de posição, acompanhada e defendida pela maior parte da população da freguesia, o Réu “pagou um preço” demasiado elevado, vivendo um autêntico “pesadelo” pelo aparecimento de notícias falsas e caluniosas sobre si que muito o penalizaram e fizeram sofrer, culminando em Janeiro de 2018, já de noite, no dia de ... (20 de Janeiro) com o aparecimento, atrás da Igreja, de uma Tarja com dizeres ofensivos contra o Réu, apelidando-o de gatuno: “Não temos pastor, temos um gatuno – mete processo”; tais dizeres foram difundidos, no mesmo dia, pela Internet, nomeadamente na rede social “Facebook”.
44. Algumas pessoas ameaçavam, perseguiam e intimidavam o Réu, criando uma enorme tensão entre este e os paroquianos e entre estes, convidando televisão e jornais a assistir à “paródia” por eles criada, com pessoas de outras freguesias, “enxovalhando-o” e difamando-o por todas as suas paróquias, com aleivosias e invenções com o propósito de maltratar, prejudicar e difamar o seu bom-nome e a sua imagem, pôr em causa a sua honra perante todos, sendo que até aos dias de hoje nada apareceu, em concreto, para alicerçar tais calúnias.
45. Criou-se um clima de medo, quer no Réu quer em várias pessoas que também foram alvo desta “cabala”, pelo que só restou ao Réu a alternativa de solicitar, de imediato, apoio à Arquidiocese de ... na pessoa do Sr. Arcebispo Dom MM para que tomasse uma posição, nomeadamente quanto às mentiras e às difamações de que estava a ser alvo; apenas recebeu por parte dessa Arquidiocese a recomendação de que um pároco deve ter “espírito de obediência e reverência”, solicitando que nada fizesse porque tudo passaria com o tempo, o mesmo dizendo aos restantes membros do Conselho Económico que, por diversas vezes, se dirigiram à Arquidiocese a solicitar orientação e apoio.
46. Perante esta postura por parte da Arquidiocese de ..., vendo-se “abandonado”, não restou outra alternativa ao Réu senão apresentar a sua dispensa, no decurso do mês de fevereiro do ano de 2018, ao Sr. Arcebispo Dom MM, e transmiti-la à respetiva Paróquia, sendo que o comunicado saiu no “...” em 8 de março de 2018.
47. Desprotegido e desamparado e sem saber ainda para onde iria ser transferido, sujeito a atitudes prementemente agressivas e cruéis por parte de algumas pessoas que teimavam em agredi-lo verbalmente, recorrendo a falsos e indiferenciados “abaixo-assinados” e acima de tudo “ferido” pela ingratidão a todo o seu esforço e a sua dedicação e por não ter sido reconhecido por tudo o que fez pela freguesia e pela Paróquia de ..., o ora Réu sentiu que tinha de se afastar, até para o bem da sua saúde física e mental.
48. Depois de muito ponderar e de solicitar conselhos de seus amigos e paroquianos, o Réu tinha duas soluções no que aos seus bens dizia respeito: - ou levantava todos os seus pertences (que foram pensados, definidos e projetados propositadamente para aquela residência, onde julgava que iria, em princípio, ficar no restante período da sua vida pastoral) e deixava a casa totalmente vazia; - ou vendia ao Conselho Económico por um valor abaixo de custo, beneficiando, assim, aquele Conselho Económico, a Paróquia e a freguesia.
49. Foi a pensar na Paróquia que em sede de reunião, transcrita em Ata, foi dada a justificação por parte do Réu, por ser uma mais-valia, de ficar, assim, a CASA RESIDENCIAL perfeita e em plenas condições para o novo pároco, colocando essa hipótese à consideração e à votação, sendo que apenas os três elementos da Comissão Fabriqueira, ora Autores, apesar de admitirem que também era a solução mais adequada, acabaram por unir-se e votar contra, sem fundamentos plausíveis e atendíveis, fazendo-o apenas para potenciar os conflitos pré-existentes e em curso; tal constituiu apenas mais um pretexto para voltar a “enxovalhar” o Réu, apelidando de imoral e ilegal a sua conduta, numa atitude premeditada e pelos vistos concertada, mesmo que isso implicasse que a Paróquia ficasse seriamente afetada, descurando, assim, a adequação dos bens à casa e o conforto do sacerdote sucessor.
50. De modo a justificar as suas atitudes e a recolher eventuais apoios, três dos ora Autores, DD, EE e GG, em plena missa leram uma “CARTA ABERTA” aos paroquianos, fazendo um “cruel julgamento” em plena “praça pública”, sem direito a contraditório, vexando-o e difamando-o num ato sem precedentes na Paróquia, com o objetivo de o expulsar daquela mesma Paróquia, com a condescendência tácita do celebrante e substituto Padre VV, até então considerado amigo e seu “braço direito” pelo próprio Réu.
52. O Réu, desde que tomou posse desta Paróquia e de todas as suas Paróquias, teve sempre um comportamento de Administrador exímio e diligente, sendo que deixou o Conselho Económico da Paróquia de ... com saldo positivo superior a 16.000,00 €.
53. A gestão do Réu como Presidente do Conselho Económico ao longo de todos os anos em causa foi irrepreensível, tendo liderado várias obras na Paróquia, tais como o restauro integral da Igreja ..., restauro da antiga residência paroquial (transformada em salas de catequese e cartório paroquial), construção de raiz de uma residência nova, contributo valioso para a transformação da antiga escola primária numa IPSS – (WW, ... - IPSS), tudo com muito esforço e dedicação do ora Réu, dos paroquianos e dos beneméritos que por amizade ao Réu e totalmente abnegados atendiam aos seus pedidos de contribuição.
54. O Réu atuou e administrou sempre os bens da Igreja regendo-se pelos padrões da lealdade e do respeito, e pelos deveres que lhe foram exigidos e sempre ao serviço desta e das outras Paróquias, nas quais ministrava sempre atento às necessidades da Diocese, centrado no bem da Igreja e dos seus paroquianos de modo exemplar.

Da RÉPLICA
7. A administração do património da paróquia cabe ao respetivo Conselho Económico de ..., tal como prevê o cânone 1.279 do Código do Direito Canónico.
8. Tal Conselho ou Corporação Fabriqueira, no caso, é representado, ora, pelo Chamado, Padre II.
44. A saída do Réu da Paróquia de ... foi forçada pelo “abaixo- assinado” dos paroquianos.
46. e 47. O pedido de dispensa do cargo de Pároco de ... foi provocado pelas atitudes sucessivas dos paroquianos, mais concretamente do grupo de jovens “...” em relação ao ora Réu.
Na primeira instância consideraram-se NÃO provados os seguintes Factos:

Da PETIÇÃO INICIAL
19. O mobiliário, oferecido ao Réu aquando da sua chegada à Paróquia de ..., integrava mobiliário para três quartos de casal, mobiliário para duas salas de estar (cinco sofás em pele, três mesas de centro e respetivos tapetes) e mobiliário para um escritório (uma escrivaninha, uma cadeira de escritório em pele, três cadeirões, uma banqueta e dois tapetes).
20. Além do mobiliário supra descrito, a residência paroquial estava recheada de diversos eletrodomésticos, tais como um fogão elétrico em placa de indução vitrocerâmica, um frigorífico americano, um forno elétrico, um micro-ondas, uma máquina de lavar loiça, uma máquina de lavar roupa, uma máquina de secar roupa, todos da marca ...”.
21. A residência paroquial estava também recheada dum serviço de loiça completo, um serviço de copos e talheres e um conjunto de tapetes para todas as divisões.
36. Ocorreu uma dissipação dos bens da paróquia de ....
37. O Réu locupletou-se, injustificadamente, à custa de diversos bens pertencentes à Paróquia.
38. A Paróquia ficou empobrecida na quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), na exata medida do injustificado enriquecimento por parte do ora Réu.
*
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Da alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação:

A nulidade decorrente da falta de fundamentação da decisão encontra-se prevista no art. 615º, al b) do C. P. Civil. (Os Recorrentes fazem referência ao art. 668º, nº 1 – b) , mas este era o preceito que regulava a matéria no Código de Processo Civil anterior e que está revogado).
Os termos da motivação de uma decisão judicial estão definidos no art. 607º, nº 4 do C. P. Civil, sendo essencial a motivação para a legitimação da decisão judicial. (Os Recorrentes fazem referência ao art. 659º, nºs 2 e 3 do C. P. Civil, mas este era o preceito que regulava a matéria no Código de Processo Civil anterior).
Assim, o tribunal deve explicar as razões pelas quais decidiu em determinado sentido e não noutro, permitindo aos intérpretes dessa sua decisão perceber em que meios de prova alicerçou a sua convicção e qual a razão por que o fez.      
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., 2º vol., págs 735 e 736) entendem que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.
Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, tal vício só se verifica quando se verifica a total omissão dos fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade (Neste sentido, cf, entre outros, o Ac. do STJ de 3/02/21 e Asc. desta Relação de 5/5/22 e de 22/02/24, ambos in www.dgsi.pt ).

No caso em apreço vemos que a decisão se encontra fundamentada de facto e de direito, inclusive no que respeita à decisão sobre as custas, pois menciona os preceitos aplicáveis. Deste modo, mesmo neste ponto, ainda que insuficientemente, a decisão recorrida encontra-se fundamentada e, como acima se referiu, apenas a total falta de fundamentação inquina a sentença de nulidade.
Se a fundamentação estão ou não correta, é uma questão de mérito e não de nulidade da sentença.
Não se verifica, pois, a mencionada nulidade.
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Da alegada nulidade por omissão de pronúncia:

Os requerentes alegam que a sentença é nula nos termos do art. 668, nº 1 – b) do C. P. Civil. Mais uma vez indicam uma norma revogada, que fazia parte do Código de processo Civil anterior ao atualmente em vigor (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho).
Atualmente o vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código.
O O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
Resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;  não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como se refere no Ac. da R.L. de 29/11/05 (in www.dgsi.pt ) , o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou decisões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
No caso, os Requerentes invocam tal vício dizendo que “Não existe naquela sentença qualquer menção à prova produzida relativamente à propriedade dos bens – no que tange à afirmação da Curia – que afirma, por documento escrito, admitido e não impugnado, que os bens que o Recorrido vendeu são propriedade da igreja”.
Ora, o Sr. Juiz que elaborou a decisão recorrida explicou devidamente por que considerou provados determinados factos e não provados outros, nomeadamente as razões porque entendeu que os bens mencionados pelos Requerentes pertenciam ao Réu e não à Paróquia.
Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143), são coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

Deste modo, não se verifica a nulidade em causa.
                
*
Da contradição entre os pontos 35 da p,i. e 21 da contestação:

Os Requerentes alagam haver contradição entre os seguintes pontos, ambos considerados provados na decisão recorrida:

35. Após um “abaixo-assinado” dos paroquianos, o ora Réu foi afastado da Paróquia de ....
           
21. O Réu apenas deixou de estar ao serviço da Paróquia de ... por iniciativa própria, perante uma “guerra” ocorrida no início do ano de 2018, concretizada propositadamente por um grupo de pessoas com o intuito de expulsar o Réu da Paróquia à qual foi fiel e devoto, dedicando 12 anos de vida ao serviço da mesma e/ou de todos os paroquianos, “guerra” essa que lhe provocou danos na sua vida profissional e pessoal.

Com efeito, a contradição em causa existe, pois são realidades diferentes ser “afastado do Paróquia” e deixar de estar ao serviço da mesma por iniciativa própria.
Assim, aquando da análise do recurso de impugnação da matéria de facto, será retificada esta matéria em consonância com a prova produzida.

Da matéria conclusiva que os Requerentes alegam conter os factos provados extraídos da contestação:

Os Requerentes dizem que vários factos que o Tribunal a quo considerou provados e que faziam parte da contestação, contêm afirmações conclusivas e que devem ser eliminadas dos mesmos.
Lendo tal matéria, verifica-se que, efetivamente, alguns dos pontos em causa contêm componentes conclusivas ou de direito, mas a maior parte não as contem.
De qualquer forma, que não concordamos que tal matéria, na maioria da dos casos, deva ser eliminada, (com exceção dos pontos que infra abordaremos) pois serve para contextualizar os factos ou para lhes dar substrato, sendo que, apesar de alguns dos vocábulos terem conotação jurídica (como “representam” e “proprietário”) já fazem parte da linguagem corrente, devendo assim continuar a fazer parte da matéria considerada provada na primeira instância.

Conforme se refere no Ac. do STJ de 27/09/23 “não pode perder se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto”.
No Acórdão do mesmo Colendo Tribunal, de 23/09/97 (in www.dgsi.pt ), pode ler-se que “a linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta” “donde, “o que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito”. Acrescenta este aresto que “na situação em que o juízo de facto conclusivo traduza juízo de valor sobre a ocorrência da vida real, apenas deve ser eliminado, por raciocínio analógico relativamente a questão de direito, quando traduza ou implique uma resposta antecipada à questão de direito em controvérsia no caso concreto.“

No caso, entendemos que o ponto 4 dos factos extraídos da p.i., deve ser eliminado por conter matéria de direito. Deve ainda ser eliminado o ponto 14 dos factos extraídos da contestação, pois traduz uma resposta antecipada à questão de direito em controvérsia no caso concreto. O ponto 37 contém também matéria conclusiva que pode traduzir-se na resposta à questão de direito em causa nos autos, pelo que, eliminamos do mesmo as expressões “não eram nem foram pertença do Conselho Económico por oferendas de beneméritos, mas eram, sim, pertença exclusiva do Réu”, passando este ponto a ter a seguinte redação:
37. Os bens que são postos em causa na presente ação bem como os demais que se encontravam no interior da NOVA CASA PAROQUIAL foram adquiridos pelo Réu a titulo oneroso, ou recebidos a titulo gratuito (dos beneméritos), a saber:
(…)

Assim, tendo em conta o que acima se disse, entende-se não ser de eliminar os vocábulos ou expressões constantes da matéria de facto que contém juízos de valor, com exceção dos acima mencionados.

Da análise do recurso de impugnação da matéria de facto:
           
Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

Os Requerentes impugnam os pontos dos factos provados 24 extraído da p.i. e 14 extraído da contestação.

Quanto ao ponto 14 da contestação, nos termos do que acima se expôs, foi eliminado, pelo que fica prejudicada a apreciação das alegações dos Recorrentes nessa parte.

O Ponto 24 da p.i. tem o seguinte teor;
           
24. No âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), todo o recheio da residência paroquial.

Os Requerentes entendem que do mencionado ponto devem constar quais os bens abrangidos pela mencionada venda e que constam do doc. de fls 14 a 16 dos autos.

Na verdade, no documento nº ... junto com a p.i. – ata da reunião da Corporação Fabriqueira Paroquial de ... – encontra-se discriminado tal mobiliário. Este documento não foi impugnado. Assim, para melhor precisar o que consta do ponto 24, deve este fazer referência à mencionada ata que refere qual o mobiliário abrangido na compra e venda em causa nos autos. Não vemos necessidade de aqui indicar cada um dos bens aí mencionados, uma vez que os mesmos encontram-se já discriminados noutros pontos, designadamente no ponto 37 (matéria da contestação).

O ponto em causa passará, assim, a ter a seguinte redação:
           
24. No âmbito desta reunião, o então Presidente, ora Réu, propôs à Corporação Fabriqueira Paroquial de ..., “deixar”, entenda-se vender, à Paróquia, pelo valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), o mobiliário e equipamentos que constituíam o recheio da residência paroquial e que se encontram discriminados na ata da reunião referida no ponto 22 (matéria da p.i.) e que constitui o doc. nº ...3 junto com a p.i..

No que respeita aos pontos 35 da p.i. e 21 da contestação, que se contradizem no que respeita aos motivos que levaram o Réu a deixar a paróquia identificada nos autos, entendemos que a prova não é segura no sentido de qualquer das circunstâncias referidas nos mencionados pontos.
Assim, o que efetivamente se encontra provado é o o Sr. Padre, ora Réu, deixou a paróquia, desconhecendo-se os respetivos motivos.

Os pontos em causa passarão, assim, a ter a seguinte redação:

35. Após um “abaixo-assinado” dos paroquianos, o ora Réu deixou a Paróquia de ....
           
21. O Réu deixou de estar ao serviço da Paróquia perante uma “guerra” ocorrida no início do ano de 2018, concretizada propositadamente por um grupo de pessoas com o intuito de expulsar o Réu da Paróquia à qual foi fiel e devoto, dedicando 12 anos de vida ao serviço da mesma e/ou de todos os paroquianos, “guerra” essa que lhe provocou danos na sua vida profissional e pessoal.
*
O Direito:

O art. 473º nº 1 do C. Civil estabelece o princípio geral de que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupetou”.

Para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos:
a) existência de um enriquecimento;
b) falta de causa que o justifique;
c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição;
d) que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição.

Como explica L .P .Moutinho de Almeida (in Enriquecimento sem Causa, Almedina, pág. 25), “ O enriquecimento sem causa é um evento, um facto, que se verifica quando o património de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património de outrem “.
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 474º do C. Civil, a ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, ou seja, esta ação só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial.
O enriquecimento sem causa supõe uma deslocação patrimonial ilegítima, injusta e, portanto, indevida.

Conforme dizem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, pág. 320) “A falta de justa causa traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento.
L .P .Moutinho de Almeida(op. cit, pág. 66) esclarece que “O pressuposto da ausência de causa caracteriza-se, dum modo geral, quando o enriquecimento não encontra justificação na lei ou na vontade do empobrecido.”.

Vejamos:

No caso, sem cuidar de saber se os Autores têm ou não legitimidade para propor a presente ação, intentada a pretexto de uma “espécie de ação popular” (como os próprios alegam), ao abrigo do art. 62º da CRP, vamos analisar se no caso, estão verificados os requisitos do enriquecimento sem causa acima indicados.

No caso, os Autores insurgem-se contra a compra por parte da Paróquia de ... de móveis e equipamentos existentes na Casa Paroquial, por, no seu entender, não pertencerem a quem os vendeu, ou seja, ao ora Réu que na altura era Pároco daquela Paróquia e, por inerência, Presidente do Conselho Económico da mesma.
A deliberação respeitante à compra e venda foi tomada, por maioria, na reunião do mencionado Conselho Económico, de 6/03/18.
A Administração do património da Paróquia cabe ao respetivo pároco, auxiliado pelo Conselho Económico (cfr. cânone 1279º do Código de Direito Canónico).
Vemos, pois, que na situação em análise houve um contrato de compra e venda entre o ora Réu, que na altura era Pároco da mencionada Paróquia, e esta, negócio que foi aprovado pelo Conselho Económico dessa mesma Paróquia.

O alegado empobrecimento da Paróquia e o alegado enriquecimento do Réu, têm, pois, uma causa justificativa que se consubstancia no mencionado contrato de compra e venda entre os dois livremente firmado.

Por outro lado, ao contrário do que referem os Autores relativamente à propriedade dos bens, o que se provou foi que tais bens pertenciam ao Réu, por os ter adquirido ou por lhe terem sido doados (a si e não à Igreja), alguns antes mesmo de ele ser Pároco da Paróquia de ... ou de residir na casa pertença da Paróquia.
Vejam-se, sobre esta matéria, os pontos 22., 23, 25, 26, 27, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40.
Tal como se diz na sentença recorrida “Na presente situação concreta, verifica-se que o Réu, na qualidade de Pároco, e durante o serviço pastoral prestado na Freguesia ..., viveu na respetiva residência paroquial. De modo a providenciar o seu conforto, alguns paroquianos, beneméritos, ofereceram mobiliário e equipamento para este colocar na residência paroquial. Tais bens foram oferecidos ao então Pároco, ora Réu, e NÃO à paróquia por esses paroquianos beneméritos.
Por conseguinte, conclui-se que o Réu podia, como efetivamente fez, alienar aquilo que era legítima e exclusivamente da sua propriedade. Ao fazê-lo NÃO quis, obviamente, enriquecer-se à custa daquilo que era legítima e exclusivamente seu!!!
Fácil se torna concluir que NÃO houve um enriquecimento injustificado nem, obviamente, obtido à custa da paróquia representada pelos autores e pelo chamado.
O Réu NÃO tem a obrigação de restituir aos autores e ao chamado tudo o quanto obteve com a Venda dos aludidos bens à referida paróquia, representada pela respetiva Comissão Fabriqueira ou Conselho Económico. Tal vantagem patrimonial obtida pelo Réu mostra-se totalmente justificada, isto é, tem por base uma causa justificativa que é a legítima e exclusiva propriedade de tais bens!!! O Réu, como qualquer cidadão, viu-se enriquecido com a Venda de bens pertencentes a si próprio, pelo que existe essa relação de propriedade derivada de doações “intuitu personae” que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso ordenamento jurídico, justifica tal, isto é, que legitima o referido enriquecimento obtido pelo Réu.”
Pelo exposto, não ficou demonstrada a inexistência de qualquer negócio ou facto a justificar a deslocação patrimonial, pelo que, não ficou demonstrado que o enriquecimento foi injustificado.

Deste modo, o alegado enriquecimento do Réu, a existir, não é injusto e tem uma causa justificativa.
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Dizem os Recorrentes que a falta de causa justificativa pode resultar, não só de nunca ter existido, mas também de, entretanto, se ter perdido.
No entanto, no caso não se verifica qualquer perda posterior da causa justificativa. A causa – contrato de compra e venda – mantém-se (não foi, por ex. anulado ou revogado), improcedendo, também este argumento dos Recorrentes.
Por outro lado, como se refere da decisão recorrida, a ação própria a instaurar seria a de impugnação da deliberação ou do ato, o que não ocorreu.
Com efeito, conforme resulta dos cânones 519, 532 e 537 do Código de Direito Canónico, é o Conselho Económico, representado pelo Pároco, que tem legitimidade para intentar eventual ação na prossecução dos interesses da paróquia, com a devida autorização do Bispo, o que não ocorreu no caso concreto.
Através da análise do documento ... junto com a p.i., vemos que os Autores pretenderam pôr em causa, junto do Arcebispo Primaz de ... a mencionada deliberação, no entanto este respondeu-lhes dizendo, nomeadamente, que a “Arquidiocese de ... dispõe de um Tribunal Eclesiástico para análise e decisão de toas as questões que surgem na vida da Igreja; No caso de existir algum tipo de gestão danosa dos bens particulares de uma determinada paróquia, compete a esse Tribunal averiguar as suspeitas e proceder a todas as diligências que considerar oportunas ao apuramento da verdade; Neste sentido, não reconheço legitimidade nos procedimentos e modos escolhidos pelo “Grupo de Paroquianos” para esclarecimento desta situação; Dada a natureza canónica do processo em questão, aconselho a que sejam percorridos os caminhos apropriados à natureza do caso” (doc. junto em audiência, sessão de 22/03/23).

Não, têm, pois, os AA. razão ao interpor a presente ação.
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Arguem os Recorrentes a inconstitucionalidade do artigo 474º do Código Civil quando interpretado no sentido de que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, equiparando a lei civil ao direito canónico.
Os Recorrentes fundamentam a alegação no sentido da inconstitucionalidade do citado preceito na “preservação do direito fundamental consignado no artigo 62º da CRP”.
Ora, o art. 62º da C. R. P. reconhece a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão.

Conforme se lê no Acórdão n.º 421/2009 do Tribunal Constitucional, “a “garantia” que vai reconhecida no n.º 1 do artigo 62.º tem uma importante dimensão institucional e objetiva, que se traduz, antes do mais, em injunções dirigidas ao legislador ordinário. Por um lado, e negativamente, estará este proibido de aniquilar ou afetar o núcleo essencial do instituto infraconstitucional da “propriedade” (nos termos amplos atrás definidos). Por outro lado, e positivamente, estará o mesmo legislador obrigado a conformar o instituto, não de um modo qualquer, mas tendo em conta a necessidade de o harmonizar com os princípios decorrentes do sistema constitucional no seu conjunto. É justamente isso que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 62.º, em que se diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada (…) nos termos da Constituição”.
Do disposto no art. 474º do C. P. Civil, não resulta qualquer restrição ao direito à propriedade privada, improcedendo a alegada inconstitucionalidade da norma em apreço.
           
De qualquer forma, ainda que se entendesse inconstitucional a interpretação de tal preceito nos termos efetuados nos presentes autos, sempre improcederia a pretensão dos Autores/Recorrentes por não se terem logrado provar que existiu um enriquecimento injusto e injustificado do Réu.            
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Das custas:

Os Recorrentes vêm pedir a redução das custas em que foram condenados em primeira instância.
O Tribunal recorrido condenou-os a esse título, no pagamento de 10 UC, com base nos artigos 527º nº 1, 1ª parte, n º 2 e nº 3, 528º nº 1, 529º, nº 2, 530º, nº 4 e 607º todos do Código Processo Civil.

Analisando:
O art. 527º, nºs 1 e 2 do C. P. Civil, as custas têm que ser pagas pela parte vencida, ou seja, pela parte contra a qual a decisão é proferida, na proporção em que o for.
Tendo ficado vencidos vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais (art. 528º, nº 1).
A taxa de justiça, abrangida nas custas, corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (art. 529º, nº 1 e 2).
O art. 530º, nº 4, diz-nos que “Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.”.

O agravamento da taxa de justiça encontra-se previsto no art. 530º, nº 7, do C. P. Civil e no art. 6º do Regulamento das Custas Processuais.
           
O artigo 530, nº 7, do Código de Processo Civil estabelece que “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”.

Por sua vez, o art. 6º do Regulamento das Custas Processuais, na parte com interesse para o caso em apreço, dispõe que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento” (nº 1) e que “O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às ações e recursos que revelem especial complexidade”(nº 5).

Na decisão em análise não foi mencionado qualquer um destes dois últimos preceitos, no entanto, no caso, vemos que a audiência se prolongou por nove dias, oito dos quais com produção de prova e desses, cinco com sessões de manhã e de tarde. Nessas sessões foram ouvidos sete declarações e depoimentos de parte e dezanove testemunhas.

Justifica-se assim, o acréscimo da taxa de justiça, com base no art. 530º, nº 7 – c) do C. P. Civil, pelo que podia o Exmº Juiz a quo condenar, como condenou, os AA. no pagamento de 10 UC de taxa de justiça.
Confirma-se, também nesta parte a decisão recorrida.
           
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.
         
Guimarães, 24 de abril de 2024

Alexandra Rolim Mendes
Ana Cristina Duarte
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira