REFORMA DO TRABALHADOR
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO A TERMO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


i) Inscreve-se no erro de julgamento, e não em nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, a alegação de erro na subsunção dos factos (inerentes à pensão/reforma dos recorridos) às normas jurídicas sobre a caducidade dos contratos de trabalho;
i) a caducidade do contrato só opera dentro dos 30 dias subsequentes ao conhecimento, por ambas as partes, da reforma do trabalhador;
iii) mas se o trabalhador permanece ao serviço decorridos esses 30 dias, considera-se a termo o contrato de trabalho e vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos.;
iv) em conformidade com as proposições anteriores, mantêm-se os contratos de trabalho, convertidos em contratos a termo, de trabalhadores que se reformaram se a empregadora não alegou nem provou que tenha comunicado àqueles a sua não renovação/caducidade, não valendo como tal a posição assumida nos articulados, de não pretender a renovação.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 1623/21.0T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
AA intentou, em 08-08-2021 e no Juízo Central ... de Faro – Juiz ..., ação declarativa de condenação contra BB e CC, pedindo, a final:
“• ser declarado o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado no artigo 1. desta petição inicial (prédio misto situado em ... ou ..., Estrada ..., na União das Freguesias ... (... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37, da freguesia ... (...) - onde se encontra inscrita a aquisição a seu favor pela AP. ...61, de 2021/01/13 -, e inscrito na respetiva matriz predial sob os artigos ...43 (a parte urbana) e ...08 (a parte rústica)]
serem os réus condenados a reconhecê-lo e a entregá-lo à autora, devoluto e livre de pessoas e bens;
• serem os réus condenados, solidariamente, no pagamento à autora de uma indemnização, no valor de 600,00 € (seiscentos euros), por cada mês de ocupação do prédio identificado no artigo 1. desta petição inicial, desde a data da respectiva citação para a presente acção até a da entrega à autora do sobredito prédio”.
Alegou para o efeito, em síntese, ser legitima proprietária do prédio e encontrar-se o mesmo ocupado pelos réus, sem qualquer título que legitime essa ocupação, sendo o seu valor locativo mensal de € 600,00.

Os réus apresentaram contestação, em 06-09-2021, na qual alegaram, no essencial, que são “caseiros do prédio” há mais de 38 anos, que asseguram a “guarda do monte”, tratam dos animais domésticos e da propriedade, assim como fazem a limpeza da mesma.
Em reconvenção pediram a condenação da autora a reconhecer os réus como únicos e verdadeiros proprietários do prédio, por o terem adquirido por usucapião, ou, caso assim se não entenda, a pagar-lhes a quantia de € 228.000,00, por (…) benfeitorias e compensação por todo o trabalho realizado pelos Réus, nomeadamente limpeza do prédio, varejamento de árvores, apanha dos frutos, roçamento das ervas, bicos e limpeza do solo a quantia média de 500,00€/mês”, e ainda a quantia de € 4.242,63 que despenderam em pagamentos relacionados com água, luz e telecomunicações no prédio.

Face à posição dos réus, em 21-10-2021 a autora veio ampliar a “causa de pedir”, acrescentando-lhe os seguintes factos:
a) Há mais de 38 anos que os réus foram admitidos para trabalhar sem qualquer horário estabelecido para exercer as funções de caseiros, com direito a habitar a casa;
b) Que procedem à limpeza do terreno e das árvores, bem como da apanha dos frutos;
c) Que, apesar dos factos expostos nos dois artigos anteriores, não entregaram à autora os frutos apanhados.
E, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, requereu a ampliação do pedido, nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:
Se, por qualquer motivo que a autora não vislumbra, não for julgada procedente, por provado, o segundo pedido formulado na presente ação, deverá:
a) Ser declarado resolvido o contrato existente com os réus e, em consequência, os mesmos condenados na entrega à autora do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, bem como no terceiro pedido formulado pela autora na petição inicial; ou, se assim se não entender,
b) Ser declarado caducado o contrato existente entre a autora e os réus e, em consequência, os mesmos condenados na entrega à autora do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, bem como no terceiro pedido formulado pela autora na petição inicial.de modo a dela constar que há mais de 38 anos que os réus foram admitidos para trabalhar sem qualquer horário estabelecido para exercer as funções de caseiros, com direito a habitar a casa, que procedem à limpeza do terreno e das árvores, bem como da apanha dos frutos, que não entregaram à autora os frutos apanhados, requerendo quanto ao “pedido”, que seja declarado resolvido o contrato existente entre a autora e os réus, com esse fundamento e, subsidiariamente, que a autora não pretende a renovação do contrato existente com os réus.

Admitida a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido, foram os réus notificados, em sede de audiência prévia, para, querendo, esclarecerem como obtiveram o peticionado valor de € 228.000,00 e ainda as circunstâncias em que alegadamente foram contratados como caseiros, por quem, o prazo do contrato, bem como as tarefas e a remuneração que competia a cada um, tendo os Réus respondido ao convite.

No prosseguimento dos autos, em 07-03-2022 veio a ser proferida decisão, no referido Juízo Central ... de Faro – Juiz ..., que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal para conhecer dos pedidos da ação principal, por incompetência em razão da matéria – considerando competente para o efeito o Juízo do Trabalho de Faro – e, em consequência, absolveu os réus, e julgou extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido reconvencional.

A requerimento da autora e tendo presente o disposto no artigo 99.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, foram os autos remetidos ao Juízo do Trabalho de Faro, onde prosseguiram os seus termos, tendo aí, em 14-09-2023, sido proferido saneador-sentença, que absolveu os réus do(s) pedido(s).
Respiga-se da decisão a seguinte fundamentação:
“Quanto à caducidade, são três as causas de caducidade do contrato de trabalho: verificação do seu termo; impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber; com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
O contrato a termo certo caduca no fim do prazo estipulado, desde que o empregador ou o trabalhador comuniquem à outra parte, respetivamente 15 ou 8 dias antes do prazo expirar, e por escrito, a vontade de o fazer cessar.
Os contratos de trabalho caducam com a morte do empregador em nome individual. Só assim não será se o sucessor do falecido continuar a atividade para que o trabalhador foi contratado ou se houver transmissão da empresa ou estabelecimento.
Ora, no caso dos autos, desconhece-se com quem foi celebrado o acordo de caseiros com os RR. e mais se desconhece se faleceu ou não.
De qualquer modo, tal como já ficou dito na decisão proferida pelo Tribunal ..., importa referir que a Autora reivindica um imóvel do qual alega ser proprietária, invocando os Réus que há mais de 38 anos que foram admitidos para trabalhar sem qualquer horário estabelecido para exercer as funções de caseiros, com direito a habitar a casa e que procedem à limpeza do terreno e das árvores bem como à apanha dos frutos.
A A. aceitou esta factualidade e pretende que, caso não seja procedente o pedido de restituição do imóvel, seja declarado caducado ou resolvido o contrato de trabalho existente entre as partes.
A Autora tem conhecimento da situação e que a mesma continua a verificar-se, o que não foi impugnado pela mesma a até foi aceite, servindo de base à alteração do pedido e da causa de pedir na réplica.
Nem a Autora pode pretender considerar aceite que os Réus são caseiros há mais de 38 anos, não pondo em causa que sabia de tal situação e que a mesma se mantém e depois pretender que tais contratos não produzem efeitos relativamente a si ou que caducaram.
Assim, não pode deixar de se considerar que o sucessor do falecido continua ou permitiu a continuação da atividade para que o trabalhador foi contratado.
Na verdade, por sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo ... de Vila Nova de Gaia - Juiz ..., no âmbito do processo n.º 7729/08...., que homologou a partilha da herança aberta por óbito de DD, falecida em ../../2006, e que transitou em julgado em 15 de Janeiro de 2020, adquiriu a autora, livre de quaisquer ónus ou encargos, a plena propriedade do prédio misto situado em ... ou ..., Estrada ..., na União das Freguesias ... (... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37, da freguesia ... (...) - onde se encontra inscrita a aquisição a seu favor pela AP. ...61, de 2021/01/13 -, e inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos ...43 (a parte urbana) e ...08 (a parte rústica).
Entende-se não se verificar a caducidade invocada”.

Inconformada com a decisão, a autora dela veio a interpor recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
“II.I - Fundamento específico da recorribilidade e identificação da decisão recorrida, com especificação da parte dela a que o recurso se restringe (artigo 81.º, n.º 1, do C.P.T.).
1.ª - O fundamento específico da recorribilidade é, a título principal, a nulidade do despacho saneador-sentença recorrido, por estarem os respectivos fundamentos em oposição com a decisão nele contida de não verificação da caducidade do contrato existente entre a autora e os réus, e, a título subsidiário, a existência de erro na determinação da norma aplicável, por não terem sido aplicadas pelo tribunal a quo ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.ºs 1 e 2, ambas do C.T.
II.II- Do primeiro fundamento específico da recorribilidade: a nulidade do despacho saneador-sentença, por estarem os respectivos fundamentos em oposição com a decisão nele contida de não verificação da caducidade do contrato existente entre a autora e os réus (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., ex vi do disposto no artigo 77.º do C.P.T.).
2.ª - Após a leitura, por um lado, da decisão sobre a matéria de facto - designadamente, do facto julgado provado sob a alínea G), o de que a ré “É pensionista de velhice desde 2023-02-01 (…)”, e do facto julgado provado sob a alínea I), o de que o réu “É pensionista de velhice desde 2017-12-27 (…)” -, por outro, da alínea f) do artigo 75. da réplica, no qual alterou a autora causa de pedir, alteração que foi totalmente admitida por despacho contido na acta da audiência prévia realizada no dia 15 de Dezembro de 2021 - alínea aquela na qual a autora se opôs “à renovação do contrato existente entre a autora e os réus” -, e, por fim, da decisão sobre a matéria de direito quanto ao pedido formulado pela autora de que fosse declarado caducado o contrato existente entre a autora e os réus e, em consequência, fossem os mesmos condenados na entrega à autora do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial - a saber: a de que não se verificava a caducidade do contrato existente entre a autora e os réus -, uma observação se impõe: se, desde 2017-12-27 e 2023-02-01, estão o réu e a ré, respectivamente, reformados por velhice; se, nos termos do disposto no artigo 343.º, al. c) do Código do Trabalho (doravante, designado “C.T.”), o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por velhice; se, nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, do C.T., se considera a termo o contrato de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice; e se, na réplica por si apresentada em 2021-10-21, se opôs a autora à renovação do mencionado contrato; então, impõe-se a conclusão de que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducou no dia 1 de Fevereiro de 2023, data da reforma da ré por velhice ou, se assim se não entender, no dia 31 de Julho de 2023, ou seja, findo o prazo de 6 meses, previsto no artigo 348.º, n.º 2, al. b), do C.T.
3.ª - Considerando o acima exposto, torna-se inevitável a conclusão de que estão os fundamentos acima indicados em oposição com a decisão acima referida - que deveria ter sido a de declaração de caducidade do contrato, com a consequente condenação dos réus na entrega à autora do prédio identificado no artigo 1. da petição inicial, e não que foi proferida -, o que, segundo o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do C.P.C., para o qual remete o artigo 77.º do C.P.T., constitui uma causa de nulidade da sentença - nulidade que expressamente aqui se invoca, para todos os efeitos legais.
4.ª - Em suma: deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, declarada a nulidade da sentença recorrida, por estarem os fundamentos acima realçados em oposição com a decisão do tribunal a quo acima reproduzida, e, em sua substituição, proferida outra que declare que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducou no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, no dia 31 de Julho de 2023, e, em consequência, condene os réus a restituir à autora o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
Se porventura se entender não ser nula a decisão recorrida, o que não se consente e só se figura para efeitos de mero raciocínio, por cautela imposta por dever de patrocínio, então, alegar-se-á o que se segue.
II.III - Do segundo fundamento específico da recorribilidade: o erro na determinação da norma aplicável, por não terem sido aplicadas ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.os 1 e 2, ambas do C.T.
5.ª - Após a leitura, por um lado, da decisão sobre a matéria de facto - designadamente, do facto julgado provado sob a alínea G), o de que a ré “É pensionista de velhice desde 2023-02-01 (…)”, e do facto julgado provado sob a alínea I), o de que o réu “É pensionista de velhice desde 2017-12-27 (…)” -, por outro, da alínea f) do artigo 75. da réplica, no qual alterou a autora causa de pedir, alteração que foi totalmente admitida por despacho contido na acta da audiência prévia realizada no dia 15 de Dezembro de 2021 - alínea aquela na qual a autora se opôs “à renovação do contrato existente entre a autora e os réus” -, e, por fim, da decisão sobre a matéria de direito quanto ao pedido formulado pela autora de que fosse declarado caducado o contrato existente entre a autora e os réus e, em consequência, fossem os mesmos condenados na entrega à autora do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial - a saber: a de que não se verificava a caducidade do contrato existente entre a autora e os réus -, outra observação se impõe: se, desde 2017-12-27 e 2023-02-01, estão o réu e a ré, respectivamente, reformados por velhice; se, nos termos do disposto no artigo 343.º, al. c) do Código do Trabalho (doravante, designado “C.T.”), o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por velhice; se, nos termos do disposto no artigo 348.º, n.º 1, do C.T., se considera a termo o contrato de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice; se, na réplica por si apresentada em 2021-10-21, se opôs a autora à renovação do mencionado contrato; e se, apesar dos factos supra assinalados, entendeu o tribunal a quo que se não verificara a caducidade do contrato existente entre a autora e os réus; então, impõe-se a conclusão de que não aplicou o tribunal a quo ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.os 1 e 2, ambas do C.T. - de acordo com as quais, deveria ter declarado que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducara no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim não entendesse, no dia 31 de Julho de 2023 -, assim havendo incorrido em erro na determinação da norma aplicável.
6.ª - Considerando o acima exposto, torna-se inelutável a conclusão de que cometeu o tribunal a quo um erro na determinação da norma aplicável, por não ter aplicado ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.os 1 e 2, ambas do C.T. - de acordo com as quais, como se alegou já, deveria ter declarado que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducara no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim não entendesse, no dia 31 de Julho de 2023 -.
7.ª - Em suma: deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogada a sentença recorrida, e, em sua substituição, proferida outra que aplique ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.os 1 e 2, ambas do C.T., e, por conseguinte, declare que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducou no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, no dia 31 de Julho de 2023, e, em consequência, condene os réus a restituir à autora o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
Nestes termos e nos demais de Direito - que V.as Ex.as, doutamente, suprirão -, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência:
− Ser declarada a nulidade da decisão recorrida, por estarem os fundamentos acima realçados em oposição com a decisão do tribunal a quo acima reproduzida, e, em sua substituição, proferida outra que declare que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducou no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, no dia 31 de Julho de 2023, e, em consequência, condene os réus a restituir à autora o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; ou, se assim se não entender,
− Ser revogada a decisão recorrida, e, em sua substituição, proferida outra que aplique ao caso sub judice as normas previstas nos artigos 343.º, al. c), e 348.º, n.os 1 e 2, ambas do C.T., e, por conseguinte, declare que o contrato de trabalho existente entre a autora e os réus caducou no dia 1 de Fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, no dia 31 de Julho de 2023, e, em consequência, condene os réus a restituir à autora o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial”.

Contra-alegaram os recorridos, a pugnar pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho a exma. julgadora a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, a negar a sua verificação.

Tendo os autos subido a esta Relação, a exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância e a reafirmar que o recurso deve proceder, por, em síntese, nos autos ter ampliado a causa de pedir, alegando não pretender que se mantenha em vigor o contrato que mantem com os réus/recorridos e não pretender a sua renovação, assim como ampliou o pedido, no sentido de ser considerado caducado o contrato que mantinha com os réus/recorridos.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam, são duas as questões essenciais a decidir:
(i) saber se a sentença é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
(ii) saber se deve ser declarada a caducidade do (alegado) contrato de trabalho em 1 de fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, em dia 31 de julho de 2023, condenando-se, consequentemente, os réus a restituir (à autora) o imóvel.

III – Factos
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
A) Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo ... de Vila Nova de Gaia - Juiz ..., no âmbito do processo n.º 7729/08...., que homologou a partilha da herança aberta por óbito de DD, falecida em ../../2006, e que transitou em julgado em 15 de Janeiro de 2020, adquiriu a autora, livre de quaisquer ónus ou encargos, a plena propriedade do prédio misto situado em ... ou ..., Estrada ..., na União das Freguesias ... (... e ...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37, da freguesia ... (...) - onde se encontra inscrita a aquisição a seu favor pela AP. ...61, de 2021/01/13 -, e inscrito na respectiva matriz predial sob os artigos ...43 (a parte urbana) e ...08 (a parte rústica);
B) Há mais de 38 anos que os Réus foram admitidos para trabalhar sem qualquer horário estabelecido para exercer as funções de caseiros, com direito a habitar a casa;
C) Que procedem à limpeza do terreno e das árvores, bem como da apanha dos frutos;
D) Os RR. não entregaram à Autora os frutos apanhados;
E) BB consta inscrita na Segurança Social com o NISS ...05 e com a residência em Estrada ... – ... ...;
F) É trabalhadora na entidade empregadora ...76 – ..., com Sede/Domicílio profissional em Rua ...- ... ..., desde ../../2018, auferindo a remuneração base de € 705,00 referente ao último mês de 2022-07, relativo a 30,0 dias;
G) É pensionista de velhice desde 2023-02-01, sendo o valor mensal da pensão de € 337,41;
H) CC consta inscrito na Segurança Social com o NISS ...97 e com a residência em Estrada ... – ... ...;
I) É pensionista de velhice desde 2017-12-27, sendo o valor mensal da pensão de € 733,38.

IV – Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas.

1. Da (arguida) nulidade da sentença
A recorrente sustenta a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Efetivamente, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

A propósito das nulidades da sentença, importa ter presente que, como escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora ( Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686), (…) não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…).
E como afirma Alberto dos Reis, no âmbito de anterior lei processual civil e a propósito da nulidade quando os fundamentos se encontram em oposição com a decisão (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 141), em tais situações (…) o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Por sua vez, no entendimento de Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 333) “ se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se”.
Ou seja, verifica-se a nulidade arguida quando na construção da sentença existe realmente um vício lógico que a compromete pelo facto de o juiz, embora escrevendo o que realmente queria escrever, ter chegado a um resultado (a uma decisão) diferente daquele a que os fundamentos por ele invocados logicamente conduziriam.
Dito ainda de outra forma: entre os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica, pelo que se o julgador segue determinada linha de raciocínio, que aponta para determinada conclusão, mas, em vez disso, conclui em sentido diferente, verifica-se a referida nulidade.
Assim, por exemplo, “[q]uando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora da nulidade aludida no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão); mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade” (Ac. do STJ de 30.11.2021, Proc. 760/19.5T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).
Deste modo, como resulta do exposto, esta nulidade não se confunde com o erro na subsunção dos factos às normas jurídicas, ou com o erro na interpretação jurídica das normas: nestes casos o que ocorre é erro de julgamento e não oposição geradora de nulidade.

No caso que nos ocupa, para arguir a oposição entre os fundamentos e a decisão, a recorrente ancora-se, ao fim e ao resto, na circunstância de o tribunal ter dado como provado que a ré é pensionista de velhice desde 01-02-2023 e o réu desde 27-12-2017 [alíneas G) e I) dos factos provados], e, em conformidade com os mesmos e com o disposto nos artigos 343.º, alínea c) e 348.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código do Trabalho, devia ter declarado, mas não declarou, a caducidade dos (alegados) contrato de trabalho.
Ora, face à invocação da recorrente o que está em causa é um eventual erro na subsunção dos factos (referentes à pensão/reforma dos recorridos) às normas jurídicas da caducidade dos (alegados) contratos de trabalho ou, até noutra perspetiva, erro na interpretação jurídica das normas sobre a caducidade do contrato.
E, como se disse, tais situações inscrevem-se no erro de julgamento, e não em nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Improcedem, por consequência, nesta parte as conclusões da alegação de recurso.

2. Quanto a saber se deve ser declarada a caducidade do (alegado) contrato de trabalho em 1 de fevereiro de 2023 ou, se assim se não entender, em dia 31 de julho de 2023, condenando-se, consequentemente, os réus a restituir (à autora) o imóvel
A este propósito argumenta a recorrente, por um lado, (i) que consta da matéria de facto que o réu e a ré estão desde 27-12-2017 e 01-02-2023, respetivamente, reformados por velhice, por outro lado, (ii) que nos termos do disposto no artigo 343.º, al. c) do Código do Trabalho, o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por velhice e nos termos do artigo 348.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, o contrato de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice se considera a termo, (iii) e atendendo, ainda, que na réplica que apresentou em 21-10-2021 se opôs à renovação do mencionado contrato, deveria o tribunal declarar a caducidade do contrato de trabalho no dia 1 de fevereiro de 2023, ou no dia 31 de julho de 2023 e, em consequência, condenar os réus a restituir à autora o prédio identificado nos autos.
Mais uma vez, ressalvado o devido respeito pelo entendimento da recorrente, não se pode anuir ao mesmo.
Expliquemos porquê.

É incontroverso que nos termos legais – artigo 343.º, alínea c) do Código do Trabalho – o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
E, caso o trabalhador permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da reforma por velhice daquele, considera-se a termo o contrato de trabalho e vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos (artigo 348.º n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho).
Como escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 22.ª Edição, Almedina, 2023, pág. 637), [s]e a relação factual de trabalho subsiste, o título jurídico respectivo sofre uma modificação ope legis: o contrato originário recebe, no mesmo momento, um termo, cuja incorporação, por força da lei, resulta de uma situação de facto que é « a permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice»(…)
Ou seja, as partes continuam contratualmente ligadas, mas o vínculo deixa de ser estável, torna-se precário e a situação ficará exposta a reconsideração periódica (de seis em seis meses)”.
Pois bem: da matéria de facto, de relevante para a presente questão apenas consta que há mais de 38 anos que os réus foram admitidos para trabalhar sem qualquer horário estabelecido para exercer as funções de caseiros, com direito a habitar a casa [alínea B)], que procedem à limpeza do terreno e das árvores, bem como da apanha dos frutos [alínea C)], que a ré é pensionista de velhice desde 01-02-2023 e o réu desde 27-12-2017 [alíneas G) e I)].
Assim, e desde logo, tendo em conta que a caducidade do contrato só opera dentro dos 30 dias subsequentes ao conhecimento, por ambas as partes, da reforma (artigo 348.º, n.º 1 do Código do Trabalho), o certo é que não resulta dos autos quando é que a autora/recorrente teve conhecimento da mesma.
Se bem se intui do recurso, considera que terá tido conhecimento no âmbito dos presentes autos, antes de apresentar a réplica e, por isso, procedeu à alteração/ampliação da causa de pedir e do pedido.
Mas se assim é, admitindo-se que, nos termos previsto no artigo 348.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho, o contrato se converteu em contrato a termo por seis meses e se renovou por período iguais e sucessivos(do que se retira dos autos, réus mantêm-se no imóvel, nas funções de caseiros), haverá que assinalar que a autora não alegou e, por consequência, não provou que tenha comunicado aos réus a não renovação/caducidade do contrato a termo, não podendo valer como tal a posição assumida pelas partes nos articulados: essa caducidade encontra-se sujeita a um aviso prévio de 60 dias para o empregador [cfr. alínea c) do n.º 2 do referido artigo 348.º).
Como se disse, a autora, aqui recorrente, guardou absoluto silêncio sobre a (alegada) relação laboral e sobre a forma como pôs termo à mesma, não valendo como tal a posição (da parte) assumida nos articulados, maxime de não pretender a renovação do contrato de trabalho.
Como escreveu de modo assertivo a exma. procuradora-geral-adjunta, no seu douto parecer, (…), a cessação da relação laboral depende de um ato de uma das partes – e não de um pedido em peça processual -, competindo ao tribunal, apenas, uma intervenção posterior no sentido de reconhecer a legalidade daquela”.
Aqui chegados, não provando a recorrente a caducidade dos alegados contratos de trabalho, terá forçosamente a sua pretensão que soçobrar.

3. Custas
Vencida no recurso, a autora/recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V – Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por AA, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 7 de março de 2024
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Paula do Paço.