IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO
Sumário


1. As atribuições patrimoniais identificadas no art. 260.º n.º 1 do Código do Trabalho não estão sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
2. Porém, as identificadas no n.º 3 desse art. 260.º beneficiam dessa protecção legal.
3. Enquadra-se nessa excepção a retribuição variável atribuída pela empregadora aos seus trabalhadores com cargos de chefia, como forma de incentivar o desempenho e promover o atingimento de objectivos.
4. Tal é o caso do prémio atribuído anualmente, correspondente a um mês de retribuição por cada 5% da margem líquida do volume de negócios atingido para além do orçamentado para o respectivo exercício, com o limite máximo de 4 salários.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, AA demandou RANGEL – Internacional Aérea e Marítima, S.A., pedindo a sua condenação a pagar a quantia de € 299.754,32 (€ 217.150,32 a título de créditos emergentes da relação laboral, e € 82.604,00 a título de juros vencidos até 28.02.2020), acrescida dos que se vencerem até integral pagamento.
Funda a sua causa de pedir num acordo de atribuição de prémio anual por objectivos, correspondente a um mês de retribuição por cada 5% da margem líquida do volume de negócios atingido para além do orçamentado para o respectivo exercício, em cada uma das unidades de negócio a seu cargo.
Na contestação, a Ré alega restrições ao prémio acordado, que seriam: seria aplicado apenas à área de negócio do automotive; e tinha um limite anual de 4 salários. Mais alega que tendo o A. deixado de ser director da unidade de negócio de automotive em Maio de 2008, e não tendo tal unidade de negócio, entre 2005 e essa data, obtido resultados que ultrapassassem o orçamentado, não é devido o prémio reclamado.
Após julgamento, a sentença condenou a Ré a pagar a quantia de € 110.221,54, acrescida de juros desde a data de citação e até integral pagamento.

Quer o A., quer a Ré, interpuseram recurso da sentença.
São as seguintes as conclusões oferecidas pelo A.:
(…).

E são as seguintes as conclusões oferecidas pela Ré:
(…)

Não foram oferecidas contra-alegações.
Cumpre-nos decidir.

Da arguição de nulidade da sentença
Argumenta o Recorrente A. que a sentença incorreu em nulidade, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, por contradição entre os seus fundamentos de facto e a análise jurídica realizada.
Especificando, o A. diz que a nova estrutura de unidades de negócio se traduziu num aumento da quantidade e qualidade do trabalho e do nível de responsabilidade, e por isso não se mostra razoável nem coerente com o princípio da justa remuneração a aplicação de condições remuneratórias globais mais desfavoráveis. Assim, a solução apresentada na sentença está em contradição com os fundamentos de facto, ao concluir pela indeterminação pelas partes do regime do prémio e pela aplicação do art. 272.º do Código do Trabalho, decidindo por um regime mais desfavorável ao Recorrente.
Apreciando, diremos que, ao abrigo da norma invocada pelo Recorrente A., a sentença será nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Alberto dos Reis[1] escrevia que esta nulidade verifica-se “quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)”, quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
E também se escreveu[2] que a lei refere-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) (Nestes) casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”
No caso dos autos, a sentença argumenta que “a aplicação da atribuição de um prémio anual sem limitações às unidades CamLX, CAM Aérea e RHL não se encontra suportada em base negocial concreta e casuística quanto ao Autor e nos termos em que foi contratado para chefiar a unidade Código das Sociedades Comerciais”, que “inexistindo revisão do prémio salarial para as unidades de CamLX, CAM Aérea e RHL a estrutura de cálculo da retribuição variável deve concatenar o princípio da irredutibilidade da remuneração com o respeito pelas regras procedimentais de pagamento em vigor para a remuneração dos cargos de chefia”; e que “a alteração da estrutura das unidades de negócio com fusão das unidades SCS e CamLX e, com ela, a alteração do conteúdo funcional do trabalho prestado pelo Autor, pode e deve consubstanciar a admissibilidade de alteração estrutural unilateral do pagamento do prémio salarial, desde que compatível com o princípio da irredutibilidade da remuneração e com as regras procedimentais de pagamento em vigor para a remuneração dos cargos de chefia”.
Não há aqui um vício lógico nem uma contradição real entre os fundamentos e a decisão, mas o mero exercício pelo tribunal recorrido do seu poder de livre indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, que lhe é concedido pelo art. 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
O tribunal analisou os factos e interpretou as regras de direito que entendeu pertinentes, concluindo por uma solução que considerou compatível com o princípio da irredutibilidade da remuneração e com as regras de remuneração dos cargos de chefia em vigor na empresa.
Se o A. Recorrente discorda das conclusões obtidas na sentença recorrida, o seu fundamento de recurso não é a invocação de nulidade, mas a identificação de outros caminhos de análise dos factos e de interpretação jurídica.
Julga-se, assim, improcedente a arguição de nulidade invocada pelo A. Recorrente.

Da impugnação da matéria de facto:
(…)

O elenco de factos provados, face à procedência das impugnações da matéria de facto, fica assim organizado:
1. A Ré dedica-se ao transporte de mercadorias por via aérea, marítima e terrestre.
2. O Autor foi admitido para prestar trabalho ao serviço da Ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, no dia 9 de Novembro de 2005, com a retribuição base mensal de 2.500,00€/35.000,00€ anuais, acrescido de subsídio de refeição de 6,74€, por cada dia de trabalho efectivamente prestado e de ajudas de custo, por forma a que o Autor recebesse a retribuição líquida mensal de 2.000,00€.
3. No desempenho do trabalho, o Autor teve sempre sob sua orientação e responsabilidade uma equipa de trabalho constituída por um número maior ou menor de trabalhadores, consoante as necessidades das respectivas Unidades de Negócio.
4. No mês de Dezembro de 2008, o Autor auferia vencimento mensal de 3.147,34€.
5. No mês de Dezembro de 2011, o Autor auferia vencimento mensal de 3.143,06€.
6. No mês de Dezembro de 2013 e 2014, o Autor auferia vencimento mensal de 3.163,80€.
7. No ano de 2008 a margem líquida orçamentada para a unidade de negócio Supply Chain Services (SCS) foi no montante de 82.145,00€, tendo sido atingido o valor global de 170.377,00€, o que corresponde a um excesso, relativamente ao orçamentado, de 107%.
8. No ano de 2008, para a unidade de negócio Carga Aérea e Marítima de Lisboa (CAM Lx), a margem líquida orçamentada foi de 114.100,00€, tendo sido atingido o valor global de 231.580,00€, o que corresponde a um excesso relativamente ao orçamentado, de 103%.
9. No ano de 2011, a margem líquida orçamentada na unidade de negócio CAM Lx foi no montante de 241.374,00€, tendo sido atingido o valor global de 518.411,00€, o que corresponde a um excesso, relativamente ao orçamentado, de 115%.
10. No ano de 2013, a margem líquida orçamentada na unidade de negócio Carga Aérea e Marítima Lisboa (CAM Aérea) foi de 263.671,00€, tendo sido atingido o valor global de 290.036,00€, o que corresponde a um excesso, face ao orçamentado, de 10%.
11. No ano de 2014, o valor da margem líquida orçamentado para a mesma unidade de negócio foi de 228.599,00€, tendo sido atingido o valor global do montante de 300.480,00€, o que corresponde a um excesso, face ao orçamentado, de 31%.
12. A Ré comunicou ao Autor, por carta datada de 26 de Março de 2019, a extinção do posto de trabalho por motivos estruturais e de mercado.
13. Após o seu despedimento, o Autor insistiu pelo pedido de pagamento das quantias relativas aos prémios devidos nos termos acordados previamente à contratação, nada tendo o Autor recebido a tal título até à presente data.
14. O Autor foi admitido ao serviço da Ré com a categoria profissional de Chefe de Serviços.
15. No âmbito das funções para que foi contratado, o Autor começou por executar as tarefas inerentes à criação, organização e desenvolvimento de uma nova Unidade de Negócio na empresa – a Supply Chain Services (SCS), dirigindo-a e coordenando-a.
16. (Alterado, conforme decisão supra da impugnação de facto): No âmbito das negociações estabelecidas entre o Autor e a Ré que culminaram na celebração do contrato de trabalho, foi acordada, para além de outras vantagens adicionais ao salário, a atribuição de um prémio anual por objectivos, correspondente a um mês de retribuição por cada 5% da margem líquida do volume de negócios atingido para além do orçamentado para o respectivo exercício (budget), com o limite máximo de 4 salários.
17. Em Maio de 2008 passou a cumular as funções próprias daquela unidade com as inerentes à direcção da Unidade de Negócio CAM Lx.
18. A partir de Janeiro de 2009, ambas as Unidades de Negócio a cargo do Autor passaram constituir uma só – a denominada CAM Aérea que abrangia a zona sul do país.
19. A partir de Janeiro de 2013 o Autor passou a ter a direcção da Unidade de Negócio – Carga Aérea Nacional – que passou a abranger a área de todo o país, ficando a direcção do sector da Carga Marítima a cargo de outro colega Director.
20. Em meados do ano de 2014, por decisão da Administração da Ré, foi criada a Unidade de Negócio Rangel HealthCare Logistics – RHL - que integrava a carga aérea, marítima e terrestre dos produtos da indústria farmacêutica -, cuja direcção foi entregue ao Autor.
21. A referida modalidade de remuneração variável dos titulares de cargos dirigentes da Ré por atribuição de prémio correspondente a um salário por valor de margem líquida superada constituía uma prática comum da Ré.
22. Após a alteração das funções de chefia do Autor, a atribuição de um prémio anual por objectivos não foi objecto de qualquer revisão ou alteração.
23. A Ré, à data da contratação do Autor e actualmente, tinha implementado um regime salarial de pagamento de prémios anuais por objectivos aos cargos de chefia com a limitação de 4 salários.
24. Nos anos de 2011, 2013 e 2014, com conhecimento da Ré e por períodos não concretamente apurados, o Autor não prestou trabalho, com justificação de baixa médica, e em decorrência de doença foro oncológico.
25. (Eliminado).
26. Aquando da apresentação da contestação, a Ré sabia que o Autor foi contratado e exerceu o cargo de chefia da unidade de negócio SCS até 2009, e que o segmento de negócio do automotive estava incluído na unidade de negócio SCS.

APLICANDO O DIREITO
Do prémio de desempenho
O art. 260.º do Código do Trabalho, depois de estabelecer que não se consideram retribuição “as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa” e as “as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido” – als. b) e c) do respectivo n.º 1 – excepciona as “gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele” – al. a) do n.º 3.
Esta distinção é relevante, porquanto as primeiras não estão sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição – art. 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho – enquanto as segundas beneficiam dessa protecção legal.
Importa, pois, determinar se a prestação em causa se enquadra no conceito de retribuição em sentido restrito, porquanto devida ao trabalhador por força do seu contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida do seu trabalho.[6]
Na proposta de trabalho dirigida ao trabalhador, foi informado que receberia prémios de acordo com a fórmula “comum na empresa (1 vencimento por cada 5%)”, que se apurou compreender um tecto máximo, de 4 salários – pontos 16 e 23 do elenco fáctico.
Está em causa uma retribuição variável, implementada de acordo com o regime salarial em vigor na empresa, atribuído aos cargos de chefia e segundo objectivos atingidos anualmente (um mês de retribuição por cada 5% da margem líquida do volume de negócios atingido para além do orçamentado para o respectivo exercício, com o limite máximo de 4 salários).
Como tal, a empresa vinculou-se a pagar aos seus trabalhadores com cargos de chefia, como era o caso do A., uma retribuição variável, como forma de incentivar o desempenho e promover o atingimento de objectivos, o que significa a obrigação de pagar tal valor sempre que tais patamares sejam atingidos e como contrapartida do trabalho prestado. E se assim é, tal retribuição enquadra-se na excepção identificada no art. 260.º n.º 3 al. a) do Código do Trabalho, pois é devida por força do contrato e das normas que o regem, apesar da sua atribuição estar condicionada à produtividade alcançada.[7]
Definido o carácter retributivo de tal prestação, a mesma beneficia do princípio da irredutibilidade e não pode ser retirada unilateralmente, de acordo com critérios arbitrários[8]. Se este desempenhou as suas funções e logrou atingir os objectivos fixados para a atribuição daquela retribuição, tem direito à mesma.
Deste modo, ao trabalhador é devido o pagamento do prémio anual por objectivos, de acordo com as regras em vigor na empresa (um mês de retribuição por cada 5% da margem líquida do volume de negócios atingido para além do orçamentado para o respectivo exercício, com o limite máximo de 4 salários), e que assim se definem:
a) No ano de 2008, visto que o A. passou a cumular as funções de direcção das unidades de negócio SCS e CamLx, depois integradas na mesma unidade CAM Aérea, no ano de 2009, tem direito ao prémio anual máximo permitido na empresa, de 4 salários, i.e., € 12.589,36 (€ 3.147,34 x 4) – aqui se dizendo que a solução proposta na sentença recorrida, de atribuir dois prémios distintos no ano de 2008, sendo um deles sem qualquer limitação, para além de representar uma injustificada duplicação de remunerações, não tem apoio no regime de prémios estabelecido na empresa, que impunha um tecto máximo de 4 salários a atribuir anualmente aos trabalhadores com cargos de chefia, não permitindo a sua multiplicação pelo número de unidades de negócio que dirigiam, pois estas não são mais que meras estruturas internas da empresa, de maior ou menor dimensão e complexidade, enquanto o prémio em causa constitui uma retribuição individual do trabalhador;
b) No ano de 2011, na unidade de negócio CAM Aérea, o prémio anual máximo de 4 salários, i.e., € 12.572,24 (€ 3.143,06 x 4);
c) No ano de 2013, na unidade de negócio CAM Aérea, o prémio anual correspondente a 2 salários, i.e., € 6.327,60 (€ 3.163,80 x 2), correspondente à fórmula 10% / 5% = 2; e,
d) No ano de 2014, na unidade de negócio CAM Aérea, o prémio anual máximo de 4 salários, i.e., € 12.655,20 (€ 3.163,80 x 4).
Deste modo, no provimento do recurso interposto pela Ré, a sua condenação global reduz-se à quantia de € 44.144,40.
Quanto à questão dos juros, a regra aplicável é a que decorre do art. 278.º n.ºs 1 e 4 do Código do Trabalho – o crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, e visto que se trata de um prémio centrado ano fiscal, deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior, e visto que depende do apuramento dos resultados da sociedade, vence-se pelo menos a 31 de Março do ano seguinte – art. 65.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais.
Logo, nesta parte, o recurso do A. merece provimento.

Da litigância de má-fé
A primeira instância baseou a decisão de condenação da Ré como litigante de má-fé na consideração desta ter conhecimento que era falsa a alegação que o prémio anual era aplicado apenas na unidade de negócio SCS.
O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu a redacção do art. 456.º do anterior Código de Processo Civil que transitou para o actual art. 542.º, afirmava quanto ao elemento subjectivo da litigância de má fé: «Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.»
Em consequência da Reforma Processual de 1995/96, passaram a ser punidas não só as condutas processuais dolosas mas também as gravemente negligentes ou fundadas em erro grosseiro. Comentando o art. 456.º do anterior Código de Processo Civil, Lopes do Rego[9] escreveu o seguinte: “o regime instituído traduz substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando o tipo de comportamentos que podem integrar a má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva, como na objectiva.
No que concerne à al. a) do n.º 2 do art. 542.º, não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito.
Mas esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé.[10]
A exigência legal de demonstração de litigância com dolo ou negligência grave, pressupõe a consciência de que se não tem razão, sendo necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
Expostos os princípios gerais, desde já se anota que os factos apurados não permitem concluir que a Ré agiu intencionalmente ou com negligência grosseira, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Como já aqui referimos, na contestação não se alega que o pagamento de prémios anuais ocorria apenas na área de negócio do automotive, o que se diz é que foram acordadas com o A. condições remuneratórias específicas, diferentes dos demais trabalhadores com cargos de direcção.
Certo que a Ré não logrou essa prova, mas o comportamento relevante para os fins aqui em discussão não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária.
Esta circunstância impede a formulação de um juízo acerca da violação dos deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé, o que obsta à condenação da Ré como litigante de má-fé.
Será, pois, esta parte da sentença revogada.

Decisão.
Destarte, concede-se provimento ao recurso interposto pela Ré e parcial provimento ao interposto pelo A., na medida em que se reduz a condenação ao pagamento da quantia global de € 44.144,40, a que acrescem juros de mora, à taxa que decorre do art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde as seguintes datas:
a) sobre a quantia parcelar de € 12.589,36, os juros vencem-se desde 31.03.2009 e até integral pagamento;
b) sobre a quantia parcelar de € 12.572,24, os juros vencem-se desde 31.03.2012 e até integral pagamento;
c) sobre a quantia parcelar de € 6.327,60, os juros vencem-se desde 31.03.2014 e até integral pagamento; e,
d) sobre a quantia parcelar de € 12.655,20, os juros vencem-se desde 31.03.2015 e até integral pagamento.
A sentença é igualmente revogada na parte em que condenou a Ré como litigante de má-fé.
As custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Évora, 7 de Março de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

__________________________________________________
[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1.ª ed., pág. 689.
[3] (…)
[4] (…)
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, proferido no Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1, também publicado na dita base de dados.
[6] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 504.
[7] Na jurisprudência identificámos os seguintes Acórdãos que consideraram prémios de desempenho, com características semelhantes à dos autos, como retribuição variável, para os fins do art. 261.º n.º 1 do Código do Trabalho: da Relação do Porto de 11.05.2015 (Proc. 883/08.6TTMTS.P1) e da Relação de Lisboa de 25.09.2019 (Proc. 14746/18.3T8LSB.L1-4), ambos em www.dgsi.pt.
Seguindo o mesmo entendimento, vide o Acórdão desta Relação de Évora de 30.06.2022 (Proc. 1345/20.9T8TMR.E1), publicado no mesmo local e subscrito pelo mesmo Colectivo que julga o presente recurso.
[8] Acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.2019, citado na nota anterior.
[9] In Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I.
[10] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012, proferido no Proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.