AUTORIDADE DE CASO JULGADO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
Sumário


I - A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil.
II - Para efeitos da autoridade de caso julgado, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada.
III - Transitada em julgado sentença proferida em sede de embargos de executado deduzidos pelos 1.ºs autores, onde se decidiu que as deliberações cuja nulidade se quer ver declarada nesta ação, não violam preceitos de natureza imperativa, nem têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, é concebível que a eficácia externa da decisão proferida nos ditos embargos se estenda aos 2.ºs autores, também eles condóminos do prédio a que respeitam aquelas decisões.
IV - A relação jurídica subjacente aos embargos de executado não é alheia aos 2.ºs autores, como resulta, aliás, do facto de os mesmos se terem coligado com os 1.ºs autores para instaurar a presente ação.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, que AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, EE e FF, instauraram contra GG e mulher HH, II, JJ, KK, NETVOYGER LIMITED, LL, e mulher MM, NN, OO e mulher PP, QQ e mulher RR e CONDOMINIO DO PREDIO SITO NA URB ... - ..., representado pelo seu administrador, Prainhamar - Exploração Hoteleira S.A., após a não oposição dos autores e do réu condomínio à anunciada dispensa de continuação da audiência prévia que havia sido suspensa, por o Sr. Juiz a quo ter considerado «que o estado dos autos permite conhecer do mérito da causa, que inexistem insuficiências na exposição da matéria de facto que cumpra suprir, e que as exceções invocadas foram já discutidas nos articulados», foi proferido despacho saneador no qual se conheceu da exceção de ilegitimidade passiva e da autoridade do caso julgado.
A exceção de ilegitimidade passiva foi julgada procedente quanto aos 1º a 9º réus, os quais foram absolvidos da instância.
Relativamente à autoridade do caso julgado, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se totalmente procedente a exceção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolve-se o réu Prainhamar – Exploração Hoteleira, Lda, na qualidade de Administrador do Condomínio do Prédio Sito na Urb ... - ..., dos pedidos contra si formulados.»
Inconformados com a decisão na parte respeitante à autoridade do caso julgado, interpuseram os autores o presente recurso de apelação, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Primeiros e segundos réus litigam em coligação, por serem titulares de direitos reais próprios, logo terceiros juridicamente diferentes.
2. Não existe autoridade do caso julgado no que respeita aos segundos réus. Designadamente por serem terceiros juridicamente diferentes, não tendo sido demandados na acção executiva que correu termos sob o numero .../18.... do Juízo de execução ...- Juiz, pelo que tal decisão não lhe é oponível, nem sobre recaí a autoridade do caso julgado.
3. Também não existe autoridade do caso julgado no que respeita aos primeiros réus.
4. Qualquer condómino tem o direito de impugnar as deliberações das assembleias de condomínio, de cada vez que estas existam (artigos 1433º do Codigo civil), não se estendendo as deliberações anteriores às novas, formando sobre elas qualquer tipo de “caso julgado”. Cada deliberação e cada impugnação vale por si próprias
5. O instituto do abuso de direito, que tem carácter extraordinário, não é extensível de uns recorrentes para os outros, nem de umas partes para outras, porquanto este instituto só pode ser aplicado após a produção de prova, já que diz respeito a factos pessoais de cada recorrente, não se estendendo aos outros jurídica e pessoalmente diferentes, nem podem integrar um dos fundamentos caso julgado em relação a terceiros. Acresce que este instituto, sendo um instrumento de correcção com uma vocação subsidiária e fragmentária, só deve ser utilizado como uma última ratio e para situações de flagrante excesso no exercício de um direito subjectivo.
6. Pelo que errou a decisão ao estender a declaração de abuso de direito dos primeiros réus aos segundos, transformando a sentença proferida no processo .../18...., num verdadeiro Assento como o definia o artº 2 do Código Civil, entretanto revogado.
7. Não existe regulamento do condomínio da propriedade horizontal, que regule o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas do edifício que constitui a propriedade horizontal do lote ..., nos termos do artigo 1418º nº 2 al b)26. CC. O que existe é um “Regulamento Geral do Loteamento “...”.
8. As recorrentes BB, DD, casadas em regime de separação de bens, e os recorrentes EE, FF não estiveram presentes na assembleia que aprovou o Regulamento Geral do Loteamento “...”, pelo que não o aprovaram, nem foram convocados para qualquer assembleia de condóminos, sendo titulares de direitos reais próprios, pelo que a eles não se lhe pode imputar qualquer abuso de direito. Nem o regulamento é vinculativo aos mesmos, já que sendo uma relação obrigacional, apenas vincularia quem o subcreveu.
9. Nenhum dos recorrentes abusa de direito quando durante mais mais de 12 anos (até a entrada dos autos, mais de 15 até hoje), comparecem nas assembleias de condóminos, votaram contra e se recusam a pagar. Não há um venire contra factum proprium, quando o pedido da acção e exactamente a mesma posição que assumem publicamente e perante todos há mais de 12/15 anos.
10. Se há abuso de direito é da recorrida que durante mais de 15 anos, viu as posições expressas dos recorrentes e nada fez, criando-lhes a convicção de que não seriam demandados ao ponto de deixar prescrever mais de 10 anos de contribuições, havendo uma aceitação, pelo menos tácita, do comportamento dos recorrentes ao logo de mais de 12/15 anos.
11. Vejamos. Entre 2002 e 2007 os recorrentes maridos (AA e CC) compareceram nas assemblieas, votara e pagaram as contribuições. Decorreram 5 anos.
12. De 2007 até 2019 (caso dos autos) votaram contra e recusaram-se a pagar. Decorreram mais de 12 anos, situação que se prolonga até hoje. De onde resulta o entendimento da recorrida e do tribunal de que os Recorridos não reagiriam contra se o fazem há mais de 12 anos (15 anos se contarmos até hoje)?
13. A haver abuso de direito, não e dos recorrentes, é da recorrida, perante a sua inércia de mais de 12 anos, criando a convicção que nunca seriam demandados em acções executivas.
14. Por outro lado as questões levantadas nos presentes autos, que incluem uma deliberação posterior a essa acção (facto jurídico novo, gerador de direitos dos recorrentes, designadamente o de impugnar a decisão), não foram julgadas nessa acção, como esta refere expressamente.
15. Os pedidos em A), B) e D), tratando-se de NULIDADES, podem ser invocadas a todo o tempo por qualquer das partes.
16. As contribuições que se exige pagar aos recorrentes é sobre construções legalmente inexistentes (designadamente a piscina), ou sobre partes que constituem propriedade privada do município ....
17. O regulamento do loteamento, esgrimido pela recorrida, é uma regulamento meramente obrigacional sendo as partes são livres de denunciar a qualquer momento essa obrigação, uma vez que não há contratos eternos, nem duradouramente perpétuos, e não se trata de um regulamento do condomínio
18. Os recorrentes por diversas vezes já referiram que não pretendem pagar as quantias reclamadas, porque as não devem. sendo que a posição deles é uma autentica denuncia contratual.
19. A denúncia traduz-se numa declaração de uma das partes mediante a qual faz cessar os efeitos de um negócio jurídico, que tem a sua manifestação quando este constitui uma relação duradoura, sem estipulação de termo. A faculdade de denúncia resulta, como a doutrina corrente assinala, da não admissibilidade da existência de vinculações negociais eternas ou excessivamente duradouras que são consideradas contrárias à ordem pública, entendimento que se funda no art. 280.º do C.Civ. Daí o reconhecer-se à parte afecta a tal vinculação a faculdade de ad nutum, sem necessidade de invocação de qualquer fundamento - e mesmo contra a vontade da outra parte -, pôr termo ao correspondente negócio jurídico
20. A oposição dos recorrentes nas assembleias, a recusa em pagar e a presente acção, são declarações claras de denuncia, que visam terminar com a relação obrigacional que porventura advenha do regulamento, o que deve ser acolhido.
21. Foram violados os artigos 280º, 334º, 1420º, 1421º, 1422, 1424º, 1433º todos do código civil, e 591º do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência deverá ser proferido Acórdão que revogue a decisão recorrida e a substitua por outra que que tenha em consideração as questões que ora se suscitam
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!»

O réu contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se se verifica in casu a autoridade do caso julgado.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade:
1) Os autores, AA e BB (1.ªs AA.), CC e DD (2.ªs AA.), EE (3.º A.) e FF (4.º A.), instauraram a presente ação, além do mais, contra o réu Prainhamar – Exploração Hoteleira, Lda, na qualidade de Administrador do Condomínio do Prédio Sito na Urb ... – ..., formulam os seguintes pedidos:
«- Sejam declaradas nulas e/ou ineficazes as deliberações das assembleias de condóminos constantes das atas números 2 de 2003 a 18 de 2019, em tudo o que exorbitem da esfera de competência daquela assembleia e não diga respeito às partes comuns do edifício que compõe a propriedade horizontal do lote ...;
- Sejam declaradas nulas e/ou ineficazes as deliberações das assembleias de condóminos constantes das atas números 3 a 18, que aprovam contas ou fixam valores para pagamento de despesas, serviços, equipamentos e materiais na parte que esteja fora das partes comuns do edifício que constitui a propriedade horizontal do prédio, em especial as designadas como “Custos de manutenção das áreas comuns”, de fls. 2;
- Sejam declaradas nulas e/ou ineficazes as deliberações da assembleia de condóminos de 30 de março de 2019, a que corresponde a ata n.º 18, na parte que aprovam contas de 2018/orçamento para 2018, ambos juntos como folha 2 da convocatória e que dizem respeito ao que é designado por “Custos de manutenção das áreas comuns”, bem como a deliberação que decide instituir a “Administração para desenvolver as ações necessárias para receber os condomínios em atraso, sendo caso disso diligências legais”, no que respeitar a despesas que não digam diretamente respeito ao edifício do condomínio do lote ..., designadas como “Custos de manutenção das áreas comuns”;
- Sejam declaradas nulas e/ou ineficazes todas as deliberações que fixarem valores para pagamento de despesas, serviços, equipamentos e materiais que estejam fora das partes comuns do edifício que constitui a propriedade horizontal do prédio, em especial, as designadas como “Custos de manutenção das áreas comuns.»
2) Para fundamentar os pedidos referidos em 1), os autores alegam que as sobreditas deliberações são nulas e/ou ineficazes na medida em que, ao aprovarem um regulamento do loteamento e, por via deste, imporem aos condóminos (em específico, do lote ...) a obrigação de pagamento de despesas referentes a áreas e serviços alheios a este lote (que não, pois, partes comuns ao mesmo), o respetivo teor exorbita as competências atribuídas à administração e à assembleia de condóminos.
3) No processo n.º ..../18....-A, os aqui 1.ºs AA., embargando a execução instaurada pelo aqui Réu Condomínio do Prédio Sito na Urb ... - ..., alegaram que o Exequente/Embargado apenas pode demandá-los com vista à cobrança das quotas de condomínio do lote ..., e não das despesas comuns do loteamento de que faz parte o tal lote ...; inexiste título para cobrança coerciva destas despesas; o direito ao seu recebimento, de resto, já está prescrito, em parte; inexistem áreas comuns ao loteamento.
4) Na ação referida em 3), peticionam que seja “declarada a execução improcedente por não provada, absolvendo-se os executados do respetivo pedido e da obrigação de pagar qualquer quantia, declarando-se que os executados não têm de pagar quaisquer despesas comuns ao loteamento (fls. 2 das contas) - designadas “custos de manutenção das áreas de uso comum”, designadamente equipamentos coletivos, piscinas e jardins - integrados em determinado prédio e reconhecido no respetivo título constitutivo como partes desse prédio, mesmo que lhes tenha sido facultado o respetivo uso, bem como das partes que constituem domínio publico municipal.”.
5) Os fundamentos invocados nos embargos de executado referidos em 3) reconduzem-se àqueles invocados nos presentes autos e que, por conseguinte, já foram alvo de apreciação na sentença de embargos de executado, na qual, a propósito das deliberações cuja nulidade se pretende que seja declarada nestes autos, se entendeu que as mesmas não violam preceitos de natureza imperativa, nem têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, não sendo, por conseguinte, anuláveis, atuando os Executados/Embargantes, ao colocarem em causa o respetivo teor, em verdadeiro abuso de direito.
6) Por sentença exarada em 19.03.2019, proferida no referido processo n.º ..../18....-A, foi julgada totalmente improcedente a referida oposição à execução mediante embargos, não merecendo qualquer acolhimento os fundamentos invocados pelos embargantes.
7) A sentença referida em 6) foi integralmente confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 14.07.2020.

Foi considerado inexistirem «factos não provados com interesse para a exceção a decidir».

O DIREITO
Concluiu a sentença recorrida que estamos, in casu, «perante a autoridade de caso julgado quanto às questões suscitadas pelos autores nos presentes autos em relação às questões suscitadas e decididas no processo nº ..../18....-A, as quais foram confirmadas por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 14.07.2020.»
Contra este entendimento insurgem-se os recorrentes, que começam por dizer que não existe autoridade do caso julgado no que respeita aos segundos réus, «por serem terceiros juridicamente diferentes, não tendo sido demandados na acção executiva que correu termos sob o numero .../18.... do Juízo de execução ...- Juiz, pelo que tal decisão não lhe é oponível», nem tão pouco quanto aos primeiros autores, aduzindo que «[q]ualquer condómino tem o direito de impugnar as deliberações das assembleias de condomínio, de cada vez que estas existam (…)», valendo «[c]ada deliberação e cada impugnação vale por si próprias».
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Antes de mais importa referir não ser unânime o entendimento de que, quanto à autoridade de caso julgado, tem que verificar-se a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir estabelecida no art. 581º do CPC.
Assim, enquanto para alguns autores, designadamente para Alberto dos Reis In Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 139., a autoridade de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, outros há que defendem que a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação desta tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
Nesta última linha e quanto à identidade objetiva, consideram Lebre de Freitas e Isabel Alexandre In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, Almedina, p. 599. que «(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida».
De igual modo, sustenta Miguel Teixeira de Sousa In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579., que «[n]ão é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
Neste sentido, no qual que se posiciona a maioria da jurisprudência, escreveu-se no Acórdão do STJ, de 15.01.2013 Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, in www.dgsi.pt. , que «o alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos nos arts. 580º e 581º do CPC, para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente presentes».
E no acórdão do STJ de 22.02.2018 Proc. 3747/13.8T2SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt. , afirmou-se que «a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa» e abrange, «para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado».
Por sua vez, e no que concerne à extensão do caso julgado a terceiros, como refere Rui Pinto Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Revista Julgar Online, Novembro de 2018, p. 28 e ss.., «a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio.
(…) Mas importa notar que, também para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro.
Daqui decorre que, como já vimos relevar para a determinação da extensão subjectiva da excepção dilatória de caso julgado, também para efeitos da autoridade de caso julgado, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada (…).» (sublinhado nosso).
No caso concreto, os segundos autores, que se encontram coligados com os primeiros autores, ainda que não tenham sido parte nos embargos de executado que estes últimos deduziram à execução que lhes moveu o aqui réu, são – tal como os primeiros autores - proprietários de um apartamento inserido no prédio sito na Urbanização ..., ..., ....
Nessa medida, pode dizer-se que os segundos autores estão na relação jurídica que foi apreciada na sentença proferida nos embargos de executado no processo n.º ..../18....-A, na qual se entendeu, a propósito das deliberações cuja nulidade se pretende que seja declarada nestes autos, que as mesmas não violam preceitos de natureza imperativa, nem têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, não sendo, por conseguinte, anuláveis, acrescendo que aquela sentença foi integralmente confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, prolatado em 14.07.2020 e há muito transitado em julgado.
É por isso de todo concebível que a eficácia externa da decisão proferida nesta ação se estenda aos segundos autores, porquanto a relação jurídica subjacente aos embargos não é alheia aos mesmos, tanto assim que se coligaram com os primeiros autores para instaurar a presente ação.
Conclui-se, pois, que é oponível aos segundos autores o decidido nos aludidos embargos de executado.
Quanto ao demais, há que ter em conta o que a propósito da matéria em discussão nestes autos se afirmou no referido acórdão desta Relação:
«No caso dos autos, porém, não se afigura ao Tribunal que as deliberações tomadas violem preceitos de natureza imperativa, nem que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos.
Com efeito, nenhuma norma impede que os condóminos de um dado Loteamento/Urbanização (mais do que mera soma de ... lotes autónomos entre si), dotado de infra-estruturas que servem de apoio e de lazer aos proprietários das fracções autónomas que compõem cada lote integrante do todo, convencionem entre si o pagamento de uma quantia mensal, definida com base em critérios certos e determinados, para custear as despesas de conservação/manutenção ou melhoria daquelas.
Na verdade, é do interesse de cada um dos condóminos que essas áreas sejam mantidas com aspecto cuidado e apresentável, e foi isso mesmo que os condóminos dos ... lotes que integram o Loteamento ... deliberaram – e continuam a deliberar, malgrado a oposição dos Embargantes.
Também não se vislumbra que os condóminos tenham excedido a sua área de competência pois não atribuíram ao condomínio, em comum, nenhuma área privativa de um dos condóminos, e muito menos lesaram direitos de quem quer que seja – muito menos dos Embargantes.
De facto, os queixosos são flagrantemente minoritários – e nenhum deles, repare-se, alega ter sido prejudicado com as deliberações tomadas.
O que está em causa, em bom rigor, é a falta de vontade de (continuar a) pagar as despesas de manutenção das partes comuns do Loteamento, sendo certo que os Embargantes bem sabem que sempre beneficiarão dessa manutenção, atenta a diligência e cuidado dos demais condóminos dos vários lotes, que querem continuar a viver em apartamentos, dotados com certas infra-estruturas de uso comum, com envolvência limpa e cuidada e, por isso, querem continuar o pagar. Portanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, entende-se que as deliberações postas em crise são meramente anuláveis, sendo certo que há muito tempo se encontra caducado o direito dos Embargantes de virem arguir essa mesma anulabilidade.
O caso em análise é ainda mais flagrante porque, como provado resultou, o Embargante esteve presente na assembleia de condomínio em que o Regulamento Geral foi aprovado; o Regulamento foi aprovado por unanimidade, ou seja, com o voto favorável do próprio Embargante; os Embargantes sempre pagaram as quotas em causa entre os anos de 2002 a 2008, inclusive – cfr. pontos 10), 11) e 12) dos factos provados.»
Por isso, considerando ainda o que se deixou dito supra a respeito da identidade objetiva do caso julgado, mostram-se absolutamente certeiras as seguintes palavras da sentença recorrida:
«(…), atenta a matéria dada como provada, constata-se que as questões suscitadas pelos autores na presente ação reconduzem-se sempre às mesmas questões, questões essas que já foram apreciadas na sentença proferida no processo n.º ..../18....-A, na qual se entendeu, a propósito das deliberações cuja nulidade se pretende que seja declarada nestes autos, que as mesmas não violam preceitos de natureza imperativa, nem têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, não sendo, por conseguinte, anuláveis.
Deste modo, entende-se que, não obstante não haver identidade de partes (algo que não é necessário para estamos na presença da exceção de autoridade de caso julgado), há identidade das questões a decidir, porquanto em ambas as ações, com os mesmos fundamentos, peticiona-se a nulidade e/ou anulabilidade das deliberações tomadas, por violarem preceitos de natureza imperativa e/ou terem por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos.
Aliás, a exceção de autoridade de caso julgado visa impedir que sobre a mesma questão seja proferida mais do que uma decisão e, desta forma, evitar que haja uma contradição entre as mesmas. Deste modo, permitir que as mesmas questões (nulidades/anulabilidades tendo subjacente os mesmos fundamentos) sejam anualmente questionadas por condóminos distintos, permitindo-se a estes sindicá-las com os mesmos fundamentos que já haviam sido peticionados por demais condóminos anteriormente e não extrair qualquer consequência, parece-nos, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que se estaria a colocar em causa a certeza e segurança jurídicas estabelecida no ordenamento jurídica em relação ao respetivo condomínio, porquanto tais questões já havia sido apreciadas por um tribunal.
Neste conspecto, somos forçados a concluir que, efetivamente, estamos perante autoridade de caso julgado quanto às questões suscitadas pelos autores nos presentes autos em relação às questões suscitadas e decididas no processo nº ..../18....-A, as quais foram confirmadas por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 14.07.2020.»
Resta apenas dizer que improcedendo o recurso quanto à exceção de autoridade do caso julgado, e à semelhança do que se verificou na sentença recorrida, fica prejudicado o conhecimento do abuso do direito, cuja verificação, aliás, foi reconhecida no citado acórdão desta Relação, por se considerar que os embargantes, aqui primeiros autores, «nunca puseram em causa as deliberações tomadas nos termos legais; mas dispensaram-se de fazer os pagamentos devidos a partir de certa data, e só reagiram em sede de acção executiva depois de penhorado saldo bancário com vista à cobrança coerciva dos valores em falta».
Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras.
Vencidos no recurso, suportarão os autores/recorrentes as custas respetivas (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário:
I - A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil.
II - Para efeitos da autoridade de caso julgado, é ainda parte o sujeito que não esteve no processo (terceiro processual), mas está na relação jurídica que foi julgada.
III - Transitada em julgado sentença proferida em sede de embargos de executado deduzidos pelos 1.ºs autores, onde se decidiu que as deliberações cuja nulidade se quer ver declarada nesta ação, não violam preceitos de natureza imperativa, nem têm por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos, é concebível que a eficácia externa da decisão proferida nos ditos embargos se estenda aos 2.ºs autores, também eles condóminos do prédio a que respeitam aquelas decisões.
IV - A relação jurídica subjacente aos embargos de executado não é alheia aos 2.ºs autores, como resulta, aliás, do facto de os mesmos se terem coligado com os 1.ºs autores para instaurar a presente ação.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

*
Évora, 7 de março de 2024
Manuel Bargado (relator)
Maria José Cortes (1ª adjunta)
Maria João Sousa e Faro (2ª adjunta)
(documento com assinaturas eletrónicas)