CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
DIVÓRCIO
Sumário


I) A casa de morada de família mereceu, da parte do legislador, uma atenção especial e um regime particular, uma vez que o seu destino e a sua utilização, designadamente durante a pendência da acção de divórcio e até à partilha, devem ser objecto de acordo dos cônjuges em caso de divórcio por mútuo consentimento e, podendo ser dada de arrendamento a um dos cônjuges nos termos do artigo 1793º do Código Civil, pode também ser objecto de regime provisório – na pendência da acção de divórcio – por iniciativa do juiz ou a requerimento de qualquer das partes, como previsto no artigo 931º, nº 7, do Código de Processo Civil.
II) A utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação pelo seu mero uso, mesmo quando atribuída por decisão judicial.
III) E não implica essa obrigação, ainda mais, no caso em que a sua utilização por um dos cônjuges resulta de acordo expresso firmado entre ambos no divórcio, sem que se tenha fixado o pagamento de qualquer retribuição ou compensação ao outro cônjuge.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. AA intentou acção especial para prestação de contas contra BB, pedindo a citação da R. para, no prazo de trinta dias, apresentar as contas da sua administração/gestão respeitante ao período de Agosto de 2012 até 2016, “nomeadamente até à data em que terminar o prazo para a respectiva apresentação”, ou contestar a acção, sob as cominações legais.

2. Para tanto, alegou, sem síntese, que foi casado com a R., que o casamento foi dissolvido por divórcio através de sentença proferida em 12 de Novembro de 2014, que do património comum do casal fazem parte dois imóveis que a requerida passou a administrar a partir de Agosto de 2012, dando-os de arrendamento para fins de ocupação turística e percebendo os respectivos rendimentos, não tendo apresentado contas de tal gestão ao requerente, não obstante ter sido instada para o efeito.
Juntou quatro documentos.

3. Citada para apresentar contas ou contestar a acção, veio a R. apresentar contestação, alegando que um dos imóveis indicados pelo requerente não integra o acervo patrimonial comum do dissolvido casal, sendo seu bem próprio, sendo certo que tal qualidade foi posta em causa pelo requerente do âmbito de acção que o mesmo intentou e corre termos sob o n.º 84/14.4TBLGS da Instância Central de Portimão, não havendo ainda decisão definitiva, pelo que deveria a decisão sobre a obrigação de prestação de contas aguardar o desfecho do aludido processo.
Mais alegou que o restante imóvel é e sempre foi a casa de morada de família, onde vive e reside, tendo-lhe sido atribuída no âmbito do processo de divórcio a utilização até à partilha, nunca tendo procedido à sua exploração turística por oposição do requerente e havendo sido nomeada depositária do imóvel, em 18 de Setembro de 2013, no âmbito dos autos de arrolamento que correram termos sob o n.º 2862/13.2TBPTM da Comarca de Faro, pelo que não tem obrigação de prestar quaisquer contas.
Por fim, alegou que entre 2008 e 2012 foi o requerente quem fez a gestão em exclusivo de arrendamentos em tais propriedades, estando obrigado a prestar contas de tal gestão, e, em reconvenção pediu que o mesmo lhe preste contas da sua gestão desde 2008, até Agosto de 2012.
Juntou documentos, e “contas” dos anos de 2012 a 2016 referentes à casa que constitui a morada de família, não pedindo qualquer diligência de prova.

4. Em resposta, alegou o A. que até ao final do mês de Julho de 2012, não obstante a sua separação de facto, a administração dos bens do casal foi feita conjuntamente com a R., situação que apenas cessou em Agosto de 2012, pelo que não tem qualquer obrigação de prestar contas.
Mais alegou que o expediente documental junto pela requerida não reúne os requisitos legais para que se deva considerar prestada a informação, de modo suficiente, acerca das contas do imóvel que constituía a casa de morada de família, tanto mais que não se mostram juntos os documentos que justifiquem ou demonstrem os valores apresentados, não a desobrigando a circunstância de tal imóvel constituir a casa de morada de família, pois que o seu valor locativo deve ser considerado receita, ante a posse exclusiva.
Por fim, reconhecendo inexistir ainda decisão final no que concerne à titularidade do imóvel cuja natureza própria ou comum foi posta em crise em sede de acção judicial, reputa que a mesma em nada bule com a obrigação de prestação de contas, pois que os rendimentos obtidos através da sua exploração constituem bem comum do casal.
Para o caso de se entender já prestadas as contas por banda da requerida, no que concerne ao imóvel que constitui a casa de morada de família, pediu o A. a realização de prova pericial, para determinação do seu valor locativo.

5. Foi proferido despacho julgando inadmissível o pedido reconvencional apresentado pela R. e julgado que a mesma está obrigada a prestar contas da sua administração dos prédios desde a data da propositura da acção de divórcio, até à data de trinta dias, volvidos desde a citação para o processo, ou seja, “entre 19 de Outubro de 2013 e 7 de Novembro de 2016”.
Apresentou a R. extracto de conta corrente e suporte documental da sua gestão, com um balanço de sete mil, trezentos e sete euros e setenta e cinco cêntimos negativos. As contas foram consideradas não contestadas (cf. ref.ª 115853154), tendo a R. sido notificada para os efeitos do n.º 3 do artigo 945º do Código de Processo Civil, mas não ofereceu prova.
Porém, entendeu o Tribunal ser essencial para apreciação das contas apresentadas a realização de perícia contabilística/financeira, o que determinou ao abrigo do n.º 5 do artigo 945º do Código de Processo Civil, constando o respectivo relatório (original) e anexos de fls. 1110 a 1142.
O A. pediu esclarecimentos e requereu a notificação da R. para juntar documentos.
Por despacho ref.ª 120537764 foi determinado que o Sr. Perito prestasse os esclarecimentos solicitados, o que este cumpriu, apresentando a resposta que consta de fls. 1163 a 1175.

6. Nesta sequência veio o requerente pedir a realização de perícia para avaliação da casa de morada de família, “Casa …”, para determinação do seu valor locativo, o que foi determinado, constando o relatório de avaliação de fls. 1201 a 1206.

7. Em face dos elementos constantes dos autos, entendeu-se oportuno a realização de tentativa de conciliação das partes, a qual se veio a revelar infrutífera.
Após veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
i condenar a Requerida no pagamento ao Requerente, do valor de trinta e um mil, trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e um cêntimos;
ii absolver a Requerida do demais peticionado.

8. Inconformado recorreu o requerente, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso, com a numeração corrigida]:
I - No âmbito da acção de divórcio que deu origem ao processo n.º 3790/13.7TBPTM, da Secção de Família e Menores da Instância Central de Portimão foi acordado que a utilização da casa de morada de família, designada “Casa …”, sita na Rua …, Lagos, ficava atribuída ao cônjuge mulher, ora Recorrida, até à partilha de bens.
II - A “Casa …” tem um valor locatário mensal de três mil e seiscentos euros e anual de quarenta e três mil e duzentos euros – cfr. relatório pericial.”
III - Por sentença proferida em 30/4/2019 foi decretada a obrigação da Recorrida BB prestar contas da sua administração em relação ao prédio urbano designado por “Casa …”, sito na Rua …, Concelho de Lagos, e, bem assim, relativamente prédio urbano designado por …, sito em …, concelho de Lagos, ambos devidamente identificados nos autos, desde a data da propositura da acção de divórcio, até à data de trinta dias, volvidos desde a citação para o presente processo, ou seja, entre 19 de Outubro de 2013 e 7 de Novembro de 2016.
IV - Consequentemente, veio a Recorrida apresentar extracto de conta corrente e suporte documental da sua gestão, com um balanço de sete mil, trezentos e sete euros e setenta e cinco cêntimos negativos.
V - Ao abrigo do disposto no art. 945º, n.º 5 do CPC, foi proferido o douto despacho de fls. de 2 de Outubro de 2020, através do qual, o Tribunal, atentos os concretos contornos de apreciação das contas apresentadas – revelador da ausência de rigor e da forma pouco criteriosa e tendenciosa das mesmas – determinou a realização de perícia contabilística/financeira – cfr. fls. 782 v
VI - Da perícia às contas apresentadas, resultou um resultado de exploração de sessenta e dois mil, setecentos e sessenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos – cfr- relatório pericial.
VII - Foram pelo A. pedidos esclarecimentos ao Senhor Perito e, requerida ao Tribunal notificação da Ré para, ao abrigo do princípio da colaboração, juntar aos autos a documentação que não chegou a ser disponibilizada ao Senhor Perito, nomeadamente, a que vem referida a fls.2 do respectivo Relatório Pericial, a saber:
i) Documentação contabilística, incluindo documentos de despesa e receita dos exercícios de 2013 e 2014;
ii) Recibos de arrendamento emitidos nos exercícios de 2013 e 2014;
iii) Declarações do IRS de BB dos exercícios de 2013 e 2014.
VIII - Em resposta aos esclarecimentos que lhe foram solicitados, veio o Senhor Perito informar que “a análise efectuada versou sobre as receitas e despesas inerentes à actividade de exploração dos imóveis identificados como pertencentes ao acervo patrimonial comum do casal, incluindo os imóveis identificados como “Casa …” e “…” e que “os documentos de despesa e de receita não referem, na sua grande maioria, o imóvel ao qual respeitam, motivo que incapacita a distinção entre os custos e rendimentos relativos aos imóveis “…” e “Casa …” e a consideração de despesas apenas relativas ao primeiro.”
IX - Para depois concluir que, ainda assim, “(…) considerando que do acervo patrimonial comum do casal constam 7 imóveis e que, de acordo com a informação recentemente transmitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro em 8 de Junho de 2021, 6 dos mesmos respeitam a imóveis destinados à exploração através de alojamento local e 1 dos mesmos trata-se da residência familiar da Ré – BB – poder-se-ia inferir que no máximo 14% das despesas apresentadas, respeitaria à Casa ….”
X - Não faz qualquer sentido a inclusão – no apuramento dos resultados – de quaisquer despesas relacionadas com a “Casa …”, onde apenas a Apelada mantém a sua residência exclusiva.
XI - Neste conspecto, atenta a manifesta impossibilidade que se verificou, no contexto da perícia, quanto à distinção entre os custos e rendimentos relativos aos imóveis “…” e “Casa …” e a consideração de despesas apenas relativas ao primeiro, mal andou o Tribunal recorrido ao não ter decidido - como, aliás, seria avisado e prudente – de acordo com a conclusão vertida nos esclarecimentos prestados no âmbito da perícia dos autos.
XII - Tendo sido considerado, pelo Perito, que 14% das despesas apresentadas, respeitariam à “Casa …”, podia e devia o Tribunal a quo ter decidido, segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, pela dedução da quantia equivalente a 14% do total das despesas apuradas, tendo em vista o justo e adequado apuramento do saldo das contas da administração do património comum por parte da Apelada.
XIII - E nessa senda, tendo em consideração que na através da Perícia concretizada se concluiu que as despesas decorrentes da administração da Ré ascenderam à quantia total de €:74.916,70, deve a esta ser deduzida a quantia de €:10.488,33 (correspondente a 14% do total das despesas), referente às despesas estimadas inerentes à habitação da Ré na “Casa …”, donde resulta um total de €:64.428,36 relativo às despesas com a exploração do património comum.
XIV - E, consequentemente, tendo sido considerada a obtenção, no respectivo período temporal abrangido, de um total de receitas de €:137.681,41, deve ser fixado um resultado de exploração positivo de €:73.253,04 e, por conseguinte, no confronto matemático entre as verbas do deve e do haver, apurar-se um saldo, a favor do Recorrente, correspondente a metade de tal montante, ou seja, de €:36.626,52.
XV - Mal andou o Tribunal recorrido ao não ter considerado como receita inerente às contas da “Casa …” o valor locativo deste imóvel, tendo em vista a compensação pecuniária do Apelante pelo uso exclusivo de um bem que também é seu, por parte da Apelada.
XVI - Não sendo pacifica a questão, é vasto o acervo jurisprudencial que vai no sentido contrário ao quanto foi decidido, relativamente ao qual se enunciou importante jurisprudência na motivação do presente recurso.
XVII - Deve, portanto, ser fixada uma compensação ao Recorrente, na justa medida em que, sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence.
XVIII - Tal compensação deve basear-se no valor locativo do imóvel, que foi determinado nos autos, através de perícia, no valor mensal de €:3.600,00 e anual de €:43.200,00, devendo ser considerado como receita, destinada a compensar o Recorrente pela privação do uso e fruição deste imóvel e com vista ao apuramento do saldo referente às contas sub judice, a quantia correspondente a metade daquele valor.
XIX - Assim sendo, no computo das receitas correspondentes ao período das contas em apreciação, deve ser considerada a quantia de €:1.800,00/mensal, destinada a compensar o Apelante relativamente ao período de tempo abrangido pelas contas, decorrido entre 19 de Outubro de 2013 e 7 de Novembro de 2016, que se traduz numa compensação de valor não inferior a €: 64.800,00, correspondente a 36 rendas mensais.
XX - Entre outros, a decisão recorrida, violou ou mal interpretou o artigo 943°, n.º 2 e 944°, n° 5 ambos do C.P.C o disposto nos artigos 1789º, n.º 1 e 483º do CC.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e proferido Acórdão que, reapreciando a matéria de facto e de direito, determine a desconsideração na prestação de contas sub judice, de todas as despesas relacionadas com as necessidades habitacionais da Recorrida na Casa …, por um lado, e que considere, como receita, o valor da utilização, pela Apelada, do referido imóvel destinado a compensar o Recorrente pela privação do seu uso, com todas as legais consequências, assim sendo feita acostumada Justiça.

9. O recurso foi admitido como de apelação com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Por despacho do relator não foram admitidas as contra-alegações posteriormente apresentadas por manifesta extemporaneidade.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da não realização de diligências nos termos do n.º 5 do artigo 945º do Código de Processo Civil;
(ii) Se devem ser consideradas as despesas relacionadas com a Casa …; e
(iii) Se deve ser tida em conta, como receita, o valor da utilização, pela Apelada, do referido imóvel, destinado a compensar o Recorrente pela privação do seu uso.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância deu-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão:
a. Por sentença proferida em 12 de Novembro de 2014, proferida no processo n.º …, da Secção de Família e Menores da Instância Central de Portimão, transitada em julgado em 15 de Dezembro de 2014, foi decretado o divórcio entre AA e BB, declarando-se dissolvido o seu casamento, a que se refere o Assento de Casamento n.º …, da Conservatória do Registo Civil de … - cfr. fls. 4 e seguintes.
b. Requerente e requerida relacionaram, no processo indicado em a., como bens comuns do casal, de entre outros, o prédio urbano designado por “Casa …”, sito na Rua …, Concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo …, e o prédio urbano designado por “…”, sito em …, concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, consignando existir divergência entre o casal quanto à propriedade total do mesmo, porquanto a cônjuge mulher considera que o terreno onde foi construído o imóvel é bem próprio seu e a construção aí feita é comum do casal, e o cônjuge marido entende ser bem comum na totalidade - cfr. fls. 4 e seguintes.
c. Mais declararam que a utilização da casa de morada de família, designada “Casa …”, sita na …, Lagos, fica atribuída à cônjuge mulher, até à partilha de bens - cfr. fls. 4 e seguintes.
d. No processo que corre termos sob o n.º 84/14.4TBLGS, na Secção Cível da Instância Central de Portimão, sendo ali A. o requerente e R. a requerida, peticionou aquele, de entre o mais, que seja declarada nula, por simulação, as declarações/cláusulas constantes da escritura pública de compra e venda celebrada, acerca da proveniência de fundos e das que com ela se relacionam, designadamente sobre a integração em nome próprio da R. da propriedade sobre o prédio urbano designado por “…”, sito em …, concelho de Lagos, com a área total de 3370m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … e inscrito na respectiva matriz predial urbana no artigo … da dita freguesia e, consequentemente, que seja declarado que a R. não é titular, em nome próprio, do direito de propriedade sobre os prédios adquiridos juntamente com o A., através da dita escritura e sempre seja declarado que tal imóvel integra o património comum dos cônjuges A. e R., havendo sido proferida decisão, ainda não transitada em julgado, determinando a alteração da natureza jurídica do prédio denominado “…”, sito no …, concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … e inscrito na matriz no artigo …, que deixará de constituir um bem próprio da R. e passará a integrar o património comum dos cônjuges - cfr. fls. 81 e seguintes.
e. Impetra o requerente, nos presentes autos, que apresente a requerida as contas da sua administração/gestão respeitante ao período de Agosto de 2012 até 2016, nomeadamente até à data em que terminar o prazo para a respectiva apresentação, atinente ao prédio urbano designado por “Casa …” e ao prédio urbano designado por “…” - vd. petição inicial.
f. Apresentou a requerida extracto de conta corrente e suporte documental da sua gestão, com um balanço de sete mil, trezentos e sete euros e setenta e cinco cêntimos negativos - cfr. fls. 782 v.
g. Da perícia às contas apresentadas pela requerida, resulta um resultado de exploração de sessenta e dois mil, setecentos e sessenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos – cfr- relatório pericial.
h. A casa de morada de família tem um valor locatário mensal de três mil e seiscentos euros e anual de quarenta e três mil e duzentos euros – cfr. relatório pericial.
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B) – O Direito
1. Com a presente acção pretendia o A. obter, ao abrigo dos disposto no artigo 941º e segs., do Código de Processo Civil, a prestação de contas pela R. (sua ex-cônjuge) referente aos prédios por esta administrado, tendo o Tribunal a quo decidido estar a mesma obrigada a prestar contas da sua administração dos prédios em causa desde a data da propositura da acção de divórcio, até à data de trinta dias, volvidos desde a citação para o presente processo, ou seja, “entre 19 de Outubro de 2013 e 7 de Novembro de 2016”.
Como se referiu, na sequência da apresentação das contas pela R., veio o Tribunal a quo a determinar a realização de perícia contabilística/financeira e, posteriormente, perícia para avaliação da casa de morada de família – Casa … –, onde residia a R., na sequência do decidido na acção de divórcio.
Após, veio a proferir a decisão recorrida, em que condenou a “Requerida no pagamento ao requerente do valor de trinta e um mil, trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e um cêntimos”, aduzindo a seguinte fundamentação [segue transcrição parcial, na parte que releva para a decisão do recurso]:
«(…)
No caso vertente, foi determinada a obrigação de prestar contas, o que foi feito, tendo sido realizada, adicionalmente, perícia às contas apresentadas, que não foram contestadas.
Nos termos prevenidos no Art.º 945º, n.º 3, da Lei Adjectiva Civil, não sendo as contas contestadas, é notificado o réu para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide, sendo que, por força do seu n.º 5, o juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los.
O julgamento segundo o prudente arbítrio do julgador, contudo, não equivale à estrita adesão às contas apresentadas – tanto, que pode previamente a tal acto coligir a informação que tiver por pertinente – em ordem a uma decisão prudente e avisada, proferindo o veredicto que tiver por justo.
Como se escreveu já noutro local da presente decisão, rememora-se que por via do processo de prestação de contas, se visa o apuramento efectivo e concreto de quem deve e quanto deve, tendo que se apurar a razão por que se deve.
É, pois, uma acção de condenação que segue a forma de processo especial, na mesma se devendo apurar o saldo de contas e condenar-se o devedor a pagar a quantia que resultar do julgamento dessas mesmas contas.
No caso dos autos, fixou-se que a Requerida, explorando património comum do casal, teve um resultado de exercício de sessenta e dois mil, setecentos e sessenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos.
Do confronto matemático entre as verbas do deve e do haver, apura-se um saldo, a favor do Requerente, correspondente a metade de tal montante, ou seja, de trinta e um mil, trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e um cêntimos.
Ora, em termos estritos, é este o resultado do presente processo e o seu objecto.
Por outro lado, com arrimo nas regras da experiência e da habitualidade das coisas, os montantes em causa, atentos os motivos explanados na perícia contabilística efectuada, não deixam de se afigurar consentâneos com o que usa de ser corrente, no que se atém com negócios de igual jaez.
Vale por dizer, que os valores exarados nas contas apresentadas não deixam de se afigurar razoáveis e proporcionais, pelo que juízo correctivo algum, com base na equidade ou no prudente arbítrio, é de lhes deferir.
Em se apurando um saldo a favor do Requerente, no montante de trinta e um mil, trezentos e oitenta e dois euros e quarenta e um cêntimos, no pagamento de tal quantia deve a Requerida ser condenada.
Importa, agora, apreciar questão distinta, referente às contas de casa de morada de família.
Foi determinado o seu valor locativo, mas não qualquer locação ou exploração da mesma, geradora de receitas.
A utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação pelo seu mero uso e, quanto a tanto, cabe assinalar, que tal é objecto que o processo especial de prestação de contas não comporta, pelo que neste não pode o Requerente obter tal resultado, pois no confronto entre o deve e o haver, inexiste qualquer saldo.
Termos em que, quanto a tanto, deve a Requerida ser absolvida.»

2. O A./Recorrente discorda do decidido, invocando que o tribunal interpretou mal o artigo 944º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que considerou indevidamente as despesas da Casa … e que não teve em conta o valor locativo desta casa, habitada pela R..
Quanto à 1ª questão, se bem a entendemos, a mesma reportar-se-á ao não cumprimento da norma do n.º 5 do artigo 945º do Código de Processo Civil, e não do artigo 944º, como se indica nas conclusões, pelo facto de o Tribunal não ter determinado a obtenção da documentação que o perito refere no seu relatório, questão que o recorrente identifica no texto das alegações, como “Da omissão por parte do Tribunal na obtenção oficiosa de informação/prova relevante para a boa decisão da causa”.
Não se questiona que, apresentadas as contas, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 945º do Código de Processo Civil, “[o] juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los”.
Efectivamente, o princípio do inquisitório assume particular importância no processo especial de prestação de contas, não só por via da aplicação do citado preceito, como também em aplicação do n.º 3 do artigo 943º, este no caso da apresentação de contas pelo A. (cf. ainda artigo 411º do Código de Processo Civil).
Ora, foi precisamente no uso dos poderes inquisitórios conferidos pela norma do n.º 5 do artigo 945º do Código de Processo Civil, que o juiz a quo determinou a realização da perícia contabilística/financeira às contas apresentadas pela R., no âmbito da qual, em face da junção de nova documentação pedida pelo perito, se veio a apurar um resultado de exploração muito superior ao apresentado pela R..
É certo que o perito referiu no relatório pericial não ter conseguido obter, nem da R. nem do seu I. Mandatário, “i) Documentação contabilística, incluindo documentos de despesa e receita, dos exercícios de 2013 e 2014; ii) Recibos de arrendamento emitidos nos exercícios de 2013 e 2014; e iii) Declarações do IRS de BB dos exercícios de 2013 e 2014.”
E também verificamos que o A. pediu esclarecimentos quanto ao relatório apresentado e que a R. fosse notificada para apresentar a referida documentação (referida no artigo 15º do requerimento).
Porém, o Tribunal a quo notificou apenas o perito para prestar os esclarecimentos pedidos pelo A., nada tendo dito quanto à documentação em falta.
E tendo o perito prestado os esclarecimentos pedidos, o A., notificado, apenas veio requerer a produção de prova pericial para apuramento do valor locatício do prédio designado por “Casa …”, nada dizendo quanto à falta da aludida documentação.
É certo que a falta de resposta à pretensão do A., e a entender-se que o Tribunal a quo, em face do relatório pericial, devia ter diligenciado no sentido de obter a documentação em causa, constitui omissão de acto devido, com eventual influência na decisão da causa, constituindo, assim, nulidade, sancionada no artigo 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Sucede, porém, que o recorrente, após o seu requerimento, e na sequência da tramitação processual acima referida, em face da perícia e dos esclarecimentos do perito, ficou a saber que o Tribunal não se pronunciou sobre a necessidade de notificação da R. para juntar os documentos em causa, sendo certo que, após os esclarecimentos do perito, o A./Recorrente também nada disse quanto à falta dos documentos, tendo apenas requerido o apuramento do valor locativo da “Casa …”, não arguindo a nulidade processual em causa. Assim, entende-se que a mesma se encontra sanada, em face do disposto nos artigos 196º e 199º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Acresce que, ainda que se entendesse que o recorrente só fica a conhecer a omissão do acto em causa com a prolação da sentença, tratando-se de nulidade processual tinha que a ter arguido perante o tribunal a quo, e no prazo de 10 dias, o que não fez. Por outro lado, mesmo a considerar-se que tal nulidade contamina a sentença, gerando a nulidade da mesma, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, por se ter proferido decisão final que ainda não podia ser proferida, certo é que o recorrente não argui a nulidade da sentença.
Por fim, sempre a apreciação de tal questão, relativa à “omissão” de notificação para junção da documentação em causa, redundaria em acto inútil, e, como tal proibido, nos termos do artigo 130º do Código de Processo Civil, porquanto, o recorrente não tirou consequências desse acto no recurso, pois apenas pede a revogação da sentença e que seja proferido acórdão que “determine a desconsideração na prestação de contas sub judice, de todas as despesas relacionadas com as necessidades habitacionais da Recorrida na Casa …, por um lado, e que considere como receita, o valor da utilização, pela Apelada, do referido imóvel destinado a compensar o Recorrente pela privação do seu uso”.
Por conseguinte, improcede esta questão.

3. Quanto à questão relativa à desconsideração das despesas com a habitação da “Casa …”, é certo, e nisso as partes estão de acordo, que esta habitação não foi usada na actividade comercial subjacente à obrigação de prestação de contas pela R. – o alojamento local –, constituindo habitação exclusiva desta, pelo que, em princípio, as despesas com a mesma relacionadas não devem entrar nas contas da exploração.
Sucede, porém, que, nos esclarecimentos prestados quanto às despesas da Casa …, informou o Sr. Perito que: «i. Os documentos de receita/despesa, salvo algumas excepções, não identificam o imóvel a que respeitam, não sendo possível individualizar inequivocamente os dois imóveis em termos de imputação de rendimentos e gastos (…); ii. Alguns documentos de despesa identificam no campo “morada’ a menção a “Casa …”, não significando, no entanto, que os mesmos respeitem a custos imputáveis a este imóvel, mas apenas que a Ré - BB - colocou a sua morada pessoal aquando da aquisição de determinados bens ou serviços (…); iii. Na correspondência trocada com o Tribunal Judicial da Comarca de Faro e com as diversas partes envolvidas não consta a menção à consideração de apenas um dos imóveis para efeitos de apuramento de receitas e despesas, razão pela qual o relatório pericial não tomou em consideração esta linha orientadora».
Deste modo, acabou o perito por concluir que «não nos é possível aferir com segurança quais as despesas incluídas no âmbito da presente análise, relativas ao imóvel “Casa …”» (sublinhado nosso)
E, em “considerações finais dos ditos esclarecimentos referiu ainda que:
«… da análise efectuada concluímos que as despesas apresentadas são consentâneas com actividade de alojamento local ou com despesas de conservação dos imóveis. Ainda assim, considerando que do acervo patrimonial comum do casal constam 7 imóveis e que de acordo com informação recentemente transmitida através de comunicação transmitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro em 8 de Junho de 2021, 6 dos mesmos respeitam a imóveis destinados a exploração através de alojamento local e 1 dos mesmos trata-se da residência familiar da Ré – BB – poder-se-ia inferir que, no máximo, cerca de 14% das despesas apresentadas, respeitaria à Casa …. No entanto, salientamos que esta indução trata-se apenas de um exercício matemático e pode não ter correspondência com as despesas efectivamente incorridas».
Como resulta dos autos, estava em causa o apuramento das contas referentes à exploração das actividades levadas a cabo nos prédios “Casa …” e “…”. Mas o primeiro constitui a habitação da R., e as actividades de exploração em causa, de alojamento local, desenvolveram-se na “…”, que tinha 6 apartamentos. Daí que, não referindo a documentação em causa a que imóvel se reportam as despesas o perito tenha levantado a hipótese de se considerar que 14% das despesas se reportariam à “Casa …”.
Mas, como o próprio perito diz, trata-se de um exercício matemático e pode não ter correspondência com as despesas efectivamente incorridas.
Por outro lado, também não podemos esquecer que se refere que “as despesas apresentadas são consentâneas com a actividade de alojamento local ou com despesas de conservação dos imóveis”, e na Casa …, que é propriedade comum, não foi desenvolvida aquela actividade e também não estão identificados gastos domésticos decorrentes da utilização da casa pela R..
Deste modo, não sendo possível apurar, em face da documentação existente e da análise pericial efectuada, quais as concretas despesas que dizem respeito à “Casa …”, que não foi utilizada na exploração comercial em causa, constituindo residência da R., não temos critério minimamente razoável e fiável para excluir qualquer valor do cômputo total das despesas de exploração apuradas, não havendo, por conseguinte, qualquer erro na valoração da prova, como advoga o recorrente, improcedendo, assim, esta sua pretensão.

4. Entende ainda o recorrente que, sendo a “Casa …” um bem comum do casal e estando adstrita ao uso exclusivo da R., deve ser considerado como receita metade do valor locativo apurado, para o compensar da privação do uso e fruição deste imóvel.
Na decisão recorrida desatendeu-se esta pretensão referindo-se que foi determinado o seu valor locativo, mas não qualquer locação ou exploração da mesma, geradora de receitas, e que, “a utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação pelo seu mero uso e, quanto a tanto, cabe assinalar, que tal é objecto que o processo especial de prestação de contas não comporta, pelo que neste não pode o Requerente obter tal resultado, pois no confronto entre o deve e o haver, inexiste qualquer saldo.”
Em abono da sua pretensão refere o recorrente, designadamente, o acórdão da Relação de Guimarães, de 08/03/2012 (proc. n.º 5372/04.5TBGMR-A.G1,) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/03/2004 (proc. n.º 04A364), disponíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt, onde se concluiu que:
«I - Dissolvido o casamento por divórcio, o ex-cônjuge administrador que detenha a posse de bens comuns do casal e deles colha os seus frutos ou utilidades é obrigado a prestar contas ao outro ex-cônjuge, desde data da propositura da acção de divórcio.
II - O cônjuge administrador não pode beneficiar do lucro que lhe proporciona a utilização exclusiva dos prédios comuns, em prejuízo do outro ex-cônjuge.
III - O valor do uso desses prédios representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa do cônjuge que os utiliza exclusivamente, em seu benefício.»
Embora se concorde que a utilização exclusiva pelo cônjuge administrador dos bens que integram o património comum, ainda que não produza receitas, poderá constitui um benefício ou vantagem económica em relação ao outro cônjuge, entende-se que tal não determina necessariamente a atribuição de compensação ao outro cônjuge privado da utilização desses mesmos bens, havendo que apurar em que circunstâncias concretas é exercida essa mesma administração.
E tal não ocorre quando essa utilização decorra de acordo alcançado pelos cônjuges na acção de divórcio ou por decisão judicial.
Neste sentido concluiu-se no acórdão da Relação de Coimbra, de 28/03/2017 (proc. n.º 255/10.2TMCBR-B.C1) que:
«1. A utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, quando atribuída por decisão judicial ou por acordo (ainda que tácito), não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação por tal utilização.
2. A acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
3. Tendo a autora, juntamente com a filha do casal, habitado a casa morada de família, bem comum do casal, desde a separação até à partilha, o valor da utilização exclusiva do imóvel por parte da autora (seja ele o valor locativo ou qualquer outro valor), não corresponde a uma receita obtida com a administração do bem que, como tal, possa ser contabilizada no âmbito de uma prestação de contas, referente a tal administração.»
De facto, como se escreveu neste aresto, «[s]endo indiscutível que aquele imóvel era um bem comum do casal (até à realização da partilha), é também indiscutível que o mesmo correspondia à casa de morada de família, casa esta que mereceu, da parte do legislador, uma atenção especial e um regime particular, uma vez que o seu destino e a sua utilização, designadamente durante a pendência da acção de divórcio e até à partilha, devem ser objecto de acordo dos cônjuges em caso de divórcio por mútuo consentimento (cfr. art. 1775º e 1776º do CC) e tal casa, podendo ser dada de arrendamento a um dos cônjuges nos termos do art. 1793º do CC, pode também ser objecto de regime provisório – na pendência da acção de divórcio – por iniciativa do juiz ou a requerimento de qualquer das partes nos termos do art. 931º, nº 7, do CPC.
(…)
A lei não impõe, de modo expresso, que o cônjuge a quem seja atribuída a utilização da casa de morada de família deva pagar qualquer compensação. Não obstante – conforme se considerou no Acórdão do STJ de 13/10/2016, proferido no processo nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1 - a norma constante do nº 7 do art. 931º do CPC, ao conferir ao juiz a possibilidade de fixar um regime provisório acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, “…é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família”.
Mas, conforme também se considerou no citado Acórdão, a atribuição da casa de morada de família “…pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família”.
Significa isto, portanto, que a utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, quando atribuída por decisão judicial, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação por tal utilização; a existência dessa obrigação e o apuramento do respectivo valor, face ao regime e às funções específicas da casa de morada de família, dependerá da apreciação das concretas circunstâncias do caso atendendo, designadamente, às necessidades de cada um dos cônjuges e ao interesse dos filhos do casal, à semelhança do que acontece quando, por aplicação do disposto no art. 1793º, a casa é atribuída por um dos cônjuges por via de um contrato de arrendamento (ainda que, neste caso, seja sempre fixada uma renda – como é suposto num contrato de arrendamento – o seu valor não corresponde, naturalmente, ao valor locativo do imóvel no mercado, sendo fixado em função das circunstâncias ali mencionadas).
E, se a utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, quando atribuída por decisão judicial, não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação, é evidente não poder concluir-se, sem mais, pela existência de tal obrigação nos casos em que a utilização da casa não assenta em qualquer decisão judicial mas sim em acordo (ainda que tácito) entre os cônjuges onde essa obrigação não foi prevista.»
Ora, no caso em apreço, as partes relacionaram no processo de divórcio o imóvel em causa como bem comum do casal, e acordaram expressamente que “a utilização da casa de morada de família, designada “Casa …” … fica atribuída à cônjuge mulher, até à partilha”, não tendo consignado o pagamento de qualquer retribuição ou compensação ao outro cônjuge.
Deste modo, resultando a utilização do dito imóvel de acordo expresso pelos cônjuges alcançado no divórcio, sem que haja referência a qualquer retribuição ou compensação ao outro cônjuge, conclui-se não haver que considerar como receita na prestação de contas o valor locativo do imóvel, usado pela R., na sequência da dita atribuição, até à partilha, não tendo, por conseguinte, o A. direito a metade do valor apurado.

5. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
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Évora, 7 de Março de 2024
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Ana Pessoa
(documento com assinatura electrónica)