CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
Sumário


1. A confissão simples (admissão de um facto desfavorável ao confitente e favorável à parte contrária) tem força probatória plena.
2. A confissão qualificada ou complexa (reconhecimento de factos desfavoráveis ao confitente, à qual são aditados factos ou circunstâncias desfavoráveis à parte contrária) só faz prova após a parte contrária se pronunciar.
3. Nessa pronúncia, a parte pode prescindir da confissão (deixando a confissão de ter força probatória plena, ficando sujeita à livre apreciação), aceitar a confissão, bem os factos e circunstâncias que lhe são desfavoráveis (abrangendo a força probatória plena da confissão todos os factos) ou declarar que pretende aproveitar a confissão e provar a inexatidão dos factos e circunstâncias que lhe são desfavoráveis (ocorrendo, nesse caso, uma inversão do ónus de prova em relação aos factos desfavoráveis que passam a estar a seu cargo).
4. No caso dos autos, não tendo o Autor aceite a confissão parcial dos Réus e tendo impugnado os factos alegados na reconvenção, que lhe são desfavoráveis, a confissão não tem força probatória plena, sendo livremente valorada pelo tribunal.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 2937/19.4T8PTM.E1 (Apelação)

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa condenatória com processo comum, contra BB, e mulher, CC (1.ºs Réus), DD (2.º Réu) e EE – DOCES E SIMILARES LDA (3.ª Ré), formulando os seguintes pedidos:
Serem os Réus condenados a restituírem/pagarem ao Autor, solidariamente, a quantia de €131.000,00;
ou (subsidiariamente) no caso de se entender mais adequado que os negócios de mútuo invocados são nulos por falta de forma legal, condenados então os Réus solidariamente a restituírem-lhe tal quantia (€131.000,00) por força da referida nulidade.
ou, (subsidiariamente ainda) e, para a hipótese de não proceder qualquer desses fundamentos ou pedidos, serem condenados a restituírem-lhe a mesma importância (€131.000,00), ao abrigo do instituo do enriquecimento sem causa.
Mais devem, em qualquer caso, serem os Réus condenados a pagar-lhe os juros de mora, à taxa legal, sobre aquele capital de €131.000,00 desde a data de citação até integral e efetivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, ter emprestado dinheiro ao 1.º e 2.º Réus, a seu pedido, e para fazerem face a necessidades pessoais e da atividade comercial, e que iam devolvendo nos termos acordados, tendo ficado por restituir o montante de €131.000,00. Também a sociedade Ré terá beneficiado de tais montantes e se vinculado à respetiva restituição.
Os 1.ºs Réus e 2.º Réu contestaram e alegaram que o Autor é sócio de uma sociedade comercial estrangeira e que, nesse âmbito, tê-lo-ão fornecido de diversas mercadorias e emitido as correspondentes faturas.
Deduziram reconvenção, pedindo que apenas venha a ser reconhecida a dívida de €28.889,64, por via da compensação que consideram dever ter lugar.
Invocaram, ainda, a má-fé do Autor.
Os sucessores do falecido FF, único sócio gerente da Ré 3.ª Ré, EE – DOCES E SIMILARES, LDA, foram citados como incertos, editalmente, pelo que foi dado cumprimento ao artigo 21.º do Código de Processo Civil (CPC).
O Ministério Público contestou.
O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e, em consequência, decido:
a) Condenar os réus BB e CC, casados entre si, e DD a pagar ao autor AA a quantia de €66 000 (sessenta e seis mil euros), pelos mesmos confessada, acrescida de juros legais contados desde o dia seguinte ao da contestação de 17 de janeiro de 2020, até integral cumprimento;
b) Absolver no mais os mencionados réus;
c) Absolver a EE – DOCES E SIMILARES, LDA., de todo o pedido;
d) Absolver o reconvindo AA do pedido formulado pelos reconvintes BB e CC, casados entre si, e DD;
e) Absolver o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.»

Inconformados, apelaram os 1ºs Réus e 2.º Réu apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª — Tendo o apelado em seu poder cheques que, só por si não provam a existência de um contrato de empréstimo particular de dinheiro aos apelantes, mas tendo os apelantes confessado tal facto de que houve um empréstimo celebrado entre as partes, no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros), esta confissão é relevante e tem os efeitos jurídicos atribuídos à confissão.
2ª —Tendo os apelantes entregue ao apelado mercadorias, que não foram pagas pelo apelado aos apelantes e que, segundo a confissão dos apelantes, tais entregas de mercadorias serviam de abatimento da conta corrente existente entre as partes, deve tal confissão ser atendida como relevante e eficaz perante o Tribunal.
3ª - Tendo os apelantes confessado que, inicialmente, foram devedores de €60.000,00 (sessenta mil euros) ao apelado e que lhe entregaram mercadoria, que foi recebida e não paga e de que se confessam devedores de ainda €28.000,00 (vinte e oito mil euros), deve ser este o montante pelo qual os apelantes devem ser condenados e não, como consta da douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo", condenados no montante a pagar ao apelado de €60.000,00 (sessenta mil euros).»

Na resposta ao recurso, o Autor formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«a) A confissão apenas opera em relação aos factos que são desfavoráveis ao confitente;
b) Quanto aos demais factos constitutivos do direito dos réus, se impugnados pelo autor, devem ser provados pelos primeiros;
c) Não tendo os réus provado os factos invocados em sede de reconvenção, tal pedido está votado ao insucesso;
d) Nenhum vício há a assacar à sentença recorrida, que deve, assim, ser mantida;
e) O recurso dos réus é manifestamente improcedente.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se foram violadas as regras de direito material probatório em relação à confissão dos Réus contestantes.

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados
«1. Ao longo de vários anos, o Autor desenvolveu atividade comercial no domínio de equipamentos de diversão, máquinas de venda de bens, doçaria, guloseimas, chocolates e outros produtos consumíveis (art. 1.º da petição inicial)
2. BB e DD eram pessoas ligadas também a esses sectores de atividade (art. 2.º da petição inicial)
3. DD foi sócio gerente de duas sociedades comerciais por quotas denominadas GG – Unipessoal, Lda., (até 27.10.2017) e EE – Doces e Similares, Lda., (até 07.06.2018) cujo objeto social consiste, respetivamente, em comércio, aluguer e exploração de máquinas de vendas de bens, artigos de decoração, bebidas e de diversão e comércio, importação, exportação e representação de produtos alimentares e bebidas, nomeadamente doces, guloseimas, chocolates e produtos de confeitaria (…) – fls. 10 e 12/43/64 (arts. 3.º a 6.º da petição inicial)
4. Naquele período, o Autor conheceu o 1º Réu BB e 2º Réu (art. 7.º da petição inicial)
5. Por volta de 2011, o 1º Réu BB e o 2º Réu passaram a solicitar ao Autor empréstimos para fazer face a necessidades de tesouraria, que diziam serem necessários para as suas atividades profissionais, inclusive, para a atividade da 3ª Ré (art. 12.º da petição inicial – cfr. o art. 2.º da contestação)
6. Foram entregues ao autor os cheques de fls. 151 (arts. 15.º a 17.º da petição inicial)
7. Estes cheques nunca foram apresentados a pagamento (art. 20.º da petição inicial)
8. Em 5 de setembro de 2018 o Autor interpelou os Réus para restituírem as quantias em causa, fixando o respetivo prazo para o efeito, a que os réus não acederam – fls. 19 v. e ss. (arts. 23.º e 24.º da petição inicial)
9. Os 1º e 2ºs Réus são casados desde 1977 no regime de comunhão de adquiridos – fls. 21 (art. 43.º da petição inicial)
10. Na contestação, os réus BB, CC e DD reconheceram dever ao autor a quantia de € 66 000 – fls. 34»
Factos Não Provados
«- Que tenha sido enquanto pessoa que tinha o domínio de facto da “EE” que BB tivesse desenvolvido relação de amizade com o autor e que este comprasse chocolates à sociedade (arts. 8.º a 11.º da petição inicial)
- Que o autor tenha aceitado fazer alguns empréstimos ao réu BB que ia periodicamente pagando os valores mutuados nos termos acordados (arts. 13.º e 14.º da petição inicial)
- Que o réu BB e a “EE” tenham usufruído de montantes entregues pelo
autor e assumido a obrigação de restituir ao autor quaisquer montantes até final de 2016
(arts. 18.º da petição inicial, parte, 25.º, 26.º, 29.º)
- Que tenha ficado por restituir o montante de €131.000 (arts. 19.º, 21.º da petição inicial)
- Que o autor seja sócio-gerente da “Team Winner SL” (art. 4.º da contestação);
- Que o autor tenha vendido diversas mercadorias aos réus e que o autor tenha vendido um monta-cargas a BB e que nada tenha sido pago (arts. 5.º a 14.º da contestação)
2.3. Restantes artigos dos articulados
Matéria irrelevante, de mera impugnação, repetida, conclusiva ou de direito, como a
dos arts. 21.º, 27.º, 28.º, 30.º a 42.º, 44.º a 46.º da petição inicial e arts. 1.º a 3.º, 15.º a 17.º, 25.º a 34.º, 36.º, 38.º a 42.º da contestação de BB, DD e CC, os da contestação do Ministério Público e os não indicados da réplica.»

C- Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
A questão essencial que o recurso coloca consiste em apreciar se ocorreu violação das regras de direito material probatório em relação à confissão dos Réus contestantes.
Na contestação os 1.ºs Réus e 2.º Réu, ora recorrentes, confessaram que devem ao Autor a quantia de €66.000,00.
Porém, também alegam que esse não é o real valor em dívida, porquanto, e por sua vez, o Autor deve aos Réus a quantia de €37.110,36 (embora faturado a uma sociedade estrangeira gerida pelo Autor), valor este que deve ser abatido ao valor confessado, e, consequentemente, o valor em dívida ao Autor cifra-se em €28.889,64.
Com base nesta alegação, dissidem da sentença recorrida na parte em que os condenou a pagar ao Autor a quantia de €66.000,00 e absolveu o Autor do pedido reconvencional.
E fazem-no alegando do seguinte modo:
Se foi aceite a confissão dos Réus contestantes em relação ao valor que aceitam dever (embora no recurso tenham dito que o valor em dívida é apenas de €60.000,00), então também teria de ser aceite como confessória a declaração relativa à dívida que imputam ao Autor, devendo o valor da condenação ser reduzido em conformidade.
O Autor, por sua vez, na réplica, não aceitou que o valor em dívida seja o confessado pelos Réus contestantes, continuando a defender que o valor corresponde aos €131.000,00 peticionados e, em relação ao pedido reconvencional, impugnou os factos relativos à alegada dívida para com os Réus, aduzindo, ainda, que o pretenso crédito dos Réus é sobre uma sociedade terceira e não sobre o Autor.
Na fundamentação do decidido, o tribunal a quo remete para a confissão judicial enquanto meio de prova, nos termos do artigo 46.º do CPC, e condenou os 1.ºs Réus e o 2.ºs Réu a pagarem ao Autor o valor confessado, absolvendo-os do demais peticionado, bem como o Autor do pedido reconvencional, não fazendo operar a compensação.
Vejamos, então, em que termos a confissão dos Réus contestantes faz prova em juízo.
No nosso regime legal, a confissão, judicial ou extrajudicial, é um meio de prova, conforme resulta da inserção sistemática dos artigos 341.º e seguintes no Código Civil (cfr. também artigos 552.º e seguintes do CPC), e tem, como as demais provas, a função de «demonstração da realidade dos factos».
Porém, o legislador apenas dá valor probatório à confissão direcionada a determinados factos. Por isso, prescreve o artigo 352.º do Código Civil que «Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
Interpretando o preceito e analisando o conceito e a natureza jurídica da confissão, refere MANUEL DE ANDRADE[1]:
«A confissão é uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade dum facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) – dum facto cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.»
Resulta, pois, do regime legal que a confissão é um meio de prova da realidade/factualidade em discussão, aceitando o legislador que a declaração que reconhece um facto desfavorável a quem a emite e favorece a parte contrária, possa ocorrer em sede de articulados de uma ação (confissão judicial) através da alegação feita pelo mandatário da parte (cfr. artigo 355.º, n.º 1 a 3, do Código Civil e artigos 46.º e 574.º, n.º 2, do CPC).
Sendo que a força probatória plena atribuída à confissão exige que a declaração seja confessória nos termos acima referidos, e que a mesma seja exata, não viciada e indivisível (artigos 358.º a 360.º do Código Civil).
Como refere o STJ, no Acórdão de 14-06-2028[2]:
« II. A confissão feita nos articulados pelo mandatário da parte e aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 47º e 465º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, adquire força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358º, nº1 do Código Civil, como modalidade de confissão judicial escrita.»
O princípio da indivisibilidade da confissão encontra-se previsto no artigo 360.º do Código Civil, que estipula do seguinte modo:
«Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão.»
Decorre deste normativo que a força probatória plena da confissão vale apenas para a confissão simples, em que a parte se limita a confessar o facto desfavorável, sem mais, e que favorece a parte contrária, atento o preceituado nos artigos 352.º e 356.º, n.º 2, Código Civil, mas já não para a confissão complexa ou para a confissão qualificada.
Como se refere no Ac. STJ de 21-11-2019[3], a «confissão qualificada, que corresponde aos casos da negação motivada, o confitente apenas confessa uma parte do facto material, negando o próprio facto constitutivo do direito ou da exceção, ou seja, adita à declaração confessória fatos que alteram a fisionomia ou a qualificação jurídica dos factos reconhecidos.
E, na confissão complexa, o confitente adita aos factos que lhe são desfavoráveis outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado, a modificar ou a extinguir os seus efeitos, isto é, aos factos confessados (desfavoráveis), adita outros factos que lhe são favoráveis, com aqueles conexos, suscetíveis de fundamentarem uma exceção, uma contra-exceção ou uma reconvenção.
Daí a razão para, relativamente a estes dois tipos de declarações confessórias, vigorar a regra da indivisibilidade da confissão ou da confissão indivisível, contida no art. 360º do C. Civil, o que tudo significa que, ao contrário, da simples confissão, que produz logo o seu efeito probatório, as declarações qualificadas ou complexas só fazem prova depois de a parte contrária se pronunciar, pelo que o efeito da confissão apenas se produz diferidamente, com a aceitação da parte contrária ou perante o seu silêncio.»
Como refere LEBRE DE FREITAS[4] reportando-se à interpretação do artigo 360.º do Código CIVIL:
«Esta norma, tradicionalmente conhecida como princípio da indivisibilidade da confissão ou da confissão indivisível, respeita, na realidade, a uma declaração complexa que, contendo a afirmação de factos desfavoráveis ao declarante, mas também de factos que lhe são favoráveis, é só em parte confessória e na outra parte assertória: dado que uns e outros desses factos são objecto da mesma declaração, entende-se que a contraparte que se queira aproveitar da mesma declaração que lhe é favorável deve igualmente aceitar a realidade dos factos que lhe são desfavoráveis.»
Acrescentando:
«Para isso, não basta a unidade formal da declaração, sendo preciso que factos favoráveis e factos desfavoráveis estejam entre si em relação: o declarante afirma, por um lado, a realidade de factos constitutivos que lhe são desfavoráveis e, por outro, a realidade de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito dos primeiros.»
«Ao contrário da simples confissão, que produz logo o seu efeito probatório, esta declaração complexa só faz prova depois de a parte contrária se pronunciar.»
«O efeito da confissão produz-se diferidamente, com a aceitação da parte contrária, ou perante o silêncio desta.»
«Três vias lhe são possíveis: prescindir da confissão, com o que esta não terá eficácia de prova plena, mas só a de meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361º CC); aceitar como tendo-se verificado os factos e circunstâncias que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão ganha eficácia de prova plena e, por sua vez, a declaração de aceitação corresponde a uma segunda confissão, em sentido inverso, desses factos ou circunstâncias; declarar que se quer aproveitar da confissão, mas se reserva o direito de provar a inexactidão dos factos ou circunstâncias que lhe são desfavoráveis, caso em que a confissão tem também eficácia de prova plena, mas a realidade desses factos ou circunstâncias só ficará definitivamente estabelecida se não for feita a prova do contrário.»
«Neste último caso, uma vez que cabia ao autor da declaração complexa provar o facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte contrária – ou de outro efeito jurídico resultante do facto constitutivo -, dá-se a inversão do ónus da prova, que passa a caber à contraparte.»
Por fim, sublinha ainda o mesmo Professor, pode a parte contrária ao autor da declaração complexa «omitir qualquer declaração, com o que o regime será o mesmo do da reserva expressa.»
No caso sub judice, é inquestionável que na contestação os Réus confessaram que deviam ao Autor €66.000,00.
Porém, não se trata de uma confissão simples que produz imediatamente o seu efeito probatório pleno, mas de uma confissão, simultaneamente, qualificada (porque para além de não terem confessado a totalidade do valor em dívida peticionado pelo Autor, aditam ao facto que lhe é parcialmente desfavorável circunstâncias que alteram o perfil jurídico do facto reconhecido e confessado, ou seja, reconhecem que devem mas não a título de empréstimo como o Autor pretende ver reconhecido, mas sim por força de uma relação comercial assente numa conta-corrente) e complexa (porque aditam ao facto parcialmente confessado outros suscetíveis de fundamentar a seu favor a procedência do pedido reconvencional, ou seja, que o Autor também lhes deve o valor de €29.610,36, que deve ser abatido ao valor confessado), pelo que o facto confessado não produz imediatamente o seu efeito probatório pleno contra o Autor, só tendo essa eficácia probatória depois do Autor ter oportunidade de se pronunciar, tendo ao seu dispor as três vias acima assinaladas.
No caso, o Autor apresentou réplica resultando da alegação nela vertida que não aceitou que os Réus apenas lhe devessem a quantia objeto da confissão (€66.000,000), reiterando que o valor em dívida correspondia aos €131.000,00 peticionados e, para além disso, impugnou os factos que lhe eram desfavoráveis referentes à dívida que os Réus lhe assacaram.
Sendo assim, o princípio da indivisibilidade da confissão impede que o Autor beneficie da confissão dos Réus em relação ao facto que lhes é desfavorável, pois seria injusto que pudesse beneficiar, em seu proveito da «presunção de seriedade do confitente que a lei estabelece, e a repudiasse ao mesmo tempo na parte em que a declaração contraria os seus interesses.»[5]
Consequentemente, em face do princípio da indivisibilidade da confissão, não pode ser atribuído valor de prova plena à admissão de dívida no valor de €66.000,00, devendo tal declaração ser valorada à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos que decorrem do artigo 361.º do Código Civil ao prescrever: «O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.»
E por essa mesma razão, também o facto desfavorável ao Autor inserido na declaração confessória dos Réus não pode ser abrangido pelo valor da confissão.
Deste modo, atenta a posição do Autor, continuava o ónus de prova do valor alegadamente em dívida pelos Réus a impender sobre o mesmo e, do mesmo modo, a impender sobre os Réus reconvintes o ónus de prova relativamente ao pedido que formularam contra o Autor (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), e, provado o mesmo, seria, então, de apreciar, a requerida compensação.
A falta de eficácia plena da confissão dos Réus pelas razões sobreditas, não impende que o tribunal aprecie livremente aquela declaração, levando em atenção os factos provados e as inferências que deles decorrem à luz das regras da lógica, da experiência e da prudência.
Ora, no caso, embora as partes estejam em desacordo quanto ao tipo de negócios que entre si celebraram e aos valores em dívida, ou reciprocamente em dívida, o certo é que se provou que o Autor e o 1.º e 2.º Réus exerciam atividade comercial no mesmo sector de atividade (sendo o 2.º Réu também gerente de sociedades comerciais como objeto social do mesmo ramo de atividade); que o Autor e o 1.º e 2.º Réus eram conhecidos; que estes Réus, em 2011, para fazerem face a dificuldades de tesouraria, solicitaram ao Autor «empréstimos» para as suas atividades profissionais, incluindo as atividades da 3.ª Ré (factos provados 1 a 5).
Também se provou que o Autor detinha na sua posse vários cheques, que nunca apresentou a pagamento, emitidos pelo 2.º Réu no valor que ascende a €131.000,00, e que, em 05-12-2018, interpelou os Réus para restituírem as quantias tituladas pelos cheques, o que não fizeram (factos provados 5, 6 e 8).
As regras da experiência dizem-nos que a entrega desses cheques ao Autor tinha de ter uma finalidade e, apesar de não serem usados como meio de pagamento como decorre do seu regime jurídico (artigos 1.º e 2.º da LUch), por vezes, são usados como uma garantia de pagamento de dívidas dos valores apostos nos mesmos.
Ora, se na contestação, os Réus baseando-se nos referidos cheques em posse do Autor (ou noutros substituídos por aqueles) admitem que lhe devem €66.000,00, ainda que contextualizando de forma diversa da apresentada na petição inicial a fonte dessa obrigação, entende-se que, em face do princípio da livre apreciação da prova, se encontra provado que os 1.ºs e 2.º Réus devem ao Autor, pelo menos, o valor de €66.000,00, interpretando e valorando, desse modo, o facto provado n.º 10 da decisão de facto.
O que sustenta a condenação dos 1.ºs e 2.º Réus vertida na parte dispositiva da sentença.
E nada se tendo provado quanto ao pedido reconvencional, a sentença recorrida ao absolver o Autor do pedido reconvencional encontra arrimo nessa falta de prova.
Nestes termos, improcede a apelação, por a sentença recorrida não merecer qualquer censura, mantendo-se na íntegra, incluindo em relação à absolvição do Autor como litigante de má-fé pelas razões que constam da mesma e que, efetivamente, não foram colocadas em crise no recurso, não obstante a referência conclusiva inserida na parte final da motivação de recurso, que, aliás, nem sequer veio a constar das Conclusões do mesmo.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos Apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 08-03-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1979, p. 240 e ss.
[2] Proc. n.º 472/15.9T8VRL.G1.S1, em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 6354/05.5TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt
[4] LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 243-245. Ver também LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 483 (2).
[5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 4.ª ed, p. 320 (2).