SIGILO PROFISSIONAL
ACEITAÇÃO TÁCITA
Sumário


1. O dever de sigilo radica na concretização da tutela da confiança entre o Advogado e o seu cliente, protegendo essa relação de fidúcia, mas transcende essa relação contratual ao assumir-se como um princípio de interesse e ordem pública.
2. A violação do sigilo profissional prevista na alínea f) do artigo 92.º do EOA não corresponde à exceção dilatória prevista na alínea d) do artigo 577.º do CPC, nem a qualquer outra ali não referida, porquanto não tem a virtualidade de obstar a que se conheça do mérito da causa dando lugar à absolvição da instância e muito menos à remessa dos autos para outro tribunal.
3. O que está sujeito a sigilo profissional na previsão da alínea f) do artigo 92.º do EOA são os termos da negociação e as correspondentes mensagens e documentos que as comprovam e/ou outros que os mandatários das partes tenham trocado entre eles, que revelem os factos que discutiram e que deviam permanecer reservados e não revelados, quando as negociações não tenham tido êxito.
4. A perfeição do acordo negocial exige a aceitação da proposta pela parte contrária, de forma expressa por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade.
5. A aceitação tácita apenas ocorre nas situações previstas na lei, ou seja, quando se possa concluir do comportamento da parte, com grande probabilidade, que aceitou o negócio, considerando nessa ponderação os critérios da boa-fé, as regras da experiência comum, da lógica das coisas, dos usos sociais, daquilo que é normal acontecer, e do que desse comportamento retiraria o homem médio, o bom pai de família, medianamente inteligente e capaz.
6. Se a parte a quem foi dirigida a proposta negocial, não a assina, nem a devolve e, ao invés, questiona algum dos termos da mesma, não existe aceitação da proposta nem de forma expressa, nem tácita.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 221/22.5T8PTG-A.E1 (Apelação)

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA deduziu embargos de executado contra CAIXA CENTRAL – CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, CRL, pugnando pela extinção da execução e levantamento das penhoras ali realizadas.
Alegou, em suma: (i) a inexigibilidade da obrigação exequenda (com base num alegado acordo extrajudicial firmado com a Embargada atinente ao processo n.º 127/21.5T8PTG; (ii) aexceção de não cumprimento (uma vez que a Embargada não cumpriu com as obrigações decorrentes do aludido acordo); e (iii) oposição à penhora (com base no alegado para fundamentar os embargos).
A Embargada contestou defendendo, essencialmente, a inexistência do alegado acordo celebrado entre as partes, concluindo pela improcedência total da pretensão do Embargante.
A Embargada pugnou ainda pelo desentranhamento dos documentos n.ºs 2, 4, 6, 8, 9 e 10, devendo também considerar-se, na sua ótica, como não escritos os artigos 2.º a 31.º da petição de embargos por violação do disposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Foi proferido saneador-sentença que julgou totalmente improcedente os embargos, absolvendo a Embargada dos pedidos formulados.

Inconformado, apelou o Embargante, defendendo a revogação da sentença recorrida, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:
(…)

Na resposta ao recurso, a Apelada defendeu a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se, sucessivamente, apreciar:
- Questão prévia: da falta de cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 617.º do CPC pelo tribunal recorrido
- Nulidades da sentença
- Impugnação da decisão de facto (ponto 3 dos factos provados)
- Violação do artigo 92.º, n.º1, alínea f), do EOA
- Acordo das partes impeditivo da instauração da ação executiva

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados
«1. Correu termos neste Juízo – Juiz 1, sob o n.º 127/21.5T8PTG, a providência cautelar de entrega judicial, intentada pela embargada contra a sociedade BB – Sociedade Agrícola, Lda, executada na presente acção executiva, no âmbito da qual foram deduzidos os seguintes pedidos:
«Nestes termos e demais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne, com dispensa da audição prévia da Requerida, decretar a presente providência e, em consequência, determinar a entrega imediata dos bens locados e melhor identificados nos arts. 2.º e 3.º supra à ora Requerente.
Mais requer a V. Exa. que, após decretação da presente providência e audição das partes, profira juízo sobre a causa principal, no sentido da condenação definitiva da Requerida na restituição dos bens locados à Requerente, nos termos do artigo 21º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 149/95, uma vez que, s.m.o., consta dos autos os elementos necessários para o efeito.»
2. Em 09-03-2021, no âmbito do referido processo, foi proferida sentença, entretanto transitada em julgado, por via da qual o Tribunal determinou o seguinte:
«a) Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 21º, 1, do Decreto-Lei 145/95, de 24 de junho, determino que a sociedade requerida “BB Sociedade Agrícola, Ldª” entregue de imediato à requerente “Caixa Central Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL”, devoluto e livre de pessoas e bens, o prédio que foi objeto de locação denominado Herdade, bem como todo o equipamento vitivinícola supra identificado;
b) Julgo procedente por provado o pedido da requerente sobre a antecipação do juízo definitivo da causa principal, determinando, consequentemente, a entrega a título definitivo dos ditos bens, realizando-se por esta via a composição definitiva deste concreto litígio, tudo nos termos e ao abrigo do disposto no art. 21º, 7, do sobredito diploma legal, conjugado, ainda, com o disposto no art. 369º, 1, do Código de Processo Civil.»
3. Por via do requerimento apresentado aos aludidos autos em 04-05-2021, a embargada e a sociedade executada requereram a suspensão da entrega judicial dos bens locados pelo período de 90 dias em face da possibilidade de resolução extrajudicial do litígio.
4. Através do requerimento deduzido nos aludidos autos em 30-07-2021, a embargada requereu a realização da diligência de entrega dos bens locados.
5. Em 06-12-2021, o AE efetuou a entrega da totalidade da Herdade, no âmbito desta providência cautelar, à Requerente.
6. A sociedade executada instaurou contra a embargada a acção especial para fixação judicial de prazo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa – J14, sob o n.º 1415/22.9T8LSB.»
Factos Não Provados
«Inexiste factualidade dada como não provada com relevância para a decisão da causa.»

C- Do Conhecimento das Questões suscitadas no recurso
1. Questão prévia: da falta de cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 617.º do CPC pelo tribunal recorrido
O Apelante veio arguir que a sentença recorrida é nula por excesso e omissão de pronúncia, e por falta de fundamentação, invocando, ainda que foi violado o princípio do contraditório, tendo requerido que, ao abrigo do artigo 613.º, n.º 2, do CPC, o tribunal a quo emitisse pronúncia sobre tais vícios.
Mais requereu que, caso a mesma fosse no sentido da improcedência do invocado, então, que os autos fossem remetidos à 2.ª Instância.
Como se verifica do despacho que admitiu o recurso, o tribunal a quo silenciou pronúncia sobre a arguição destes vícios, contrariamente ao que lhe é imposto pelos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC.
Porém, considerando que o n.º 7 do artigo 617.º do CPC estipula que, caso seja omitido o despacho previsto no n.º 1 do mesmo normativo, «pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido», no caso, analisada a fundamentação dos arguidos vícios e o facto de nada obstar ao conhecimento do recurso que, entre outras questões, aponta esses vícios à sentença, e que, prima facie, se perfilam como manifestamente improcedentes, sem prejuízo do que infra melhor se analisará, entende-se que a baixa dos autos não se revela indispensável.
Assim, por razões de economia e celeridade processual, não se ordena a remessa dos autos à 1.ª instância para os efeitos do n.º 1 do artigo 617.º e 641.º, n.º 1, do mesmo Código.

2. Nulidades da sentença
2.1. O Apelante vem arguir a nulidade da sentença recorrida por omissão e excesso de pronúncia, invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, em suma, porque o tribunal a quo não identificou, nem conheceu a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea d), do CPC, identificando-a, antes como uma questão prévia, e, desta feita, conheceu do mérito dos Embargos quando os autos não reuniam as condições para tal, e sem que fosse facultado ao ora recorrente o necessário contraditório, violando, assim, o disposto nos artigos 3.º, 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Analisemos a questão colocada levando em atenção a tramitação seguida nos autos.
Na contestação dos Embargos, a Embargada alegou que os factos articulados nos artigos 2.º a 31.º da p.i. de embargos continham referências expressas e detalhadas às negociações que tiveram lugar entre as partes através dos seus I. Mandatários, que se revelaram infrutíferas, defendendo que essa alegação deveria ser considerada não escrita por violação do sigilo profissional, nos termos do artigo 92.º, n.º 1, alínea f), e 5, do EOA, com consequente desentranhamento dos documentos 2, 4, 6, 8, 9 e 10 juntos com a p.i.
Em 10-05-2023 foi realizada Audiência Prévia, com a presença dos I. Mandatários das partes constando da mesma que as partes mantinham a posição assumidas nos articulados, pelo que, após ser fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador tabelar onde consta que não existiam exceções ou questões previas ou incidentais que obstassem ao conhecimento de mérito, dando o tribunal a quo a conhecer aos I. Mandatários que «considera[va] reunidas as condições necessárias para conhecer, no todo, do mérito da causa», ordenando concretamente: «notifiquem-se as partes para se pronunciarem sobre essa possibilidade – cfr. art. 591.º, n.º 1, al.b), do CPC».
O I. Mandatário do Embargante defendeu que não estavam verificados os pressupostos para o conhecimento do mérito da causa pelos fundamentos que ficaram gravados; ao invés, a I. Mandatária da Embargante considerou o inverso, pelos fundamentos que também ficaram gravados.
Foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Uma vez que o Tribunal considera que se encontram reunidas as condições necessárias para conhecer, no todo, o mérito da causa, de modo a facultar às partes a discussão oral de facto e de direito, nos termos do disposto no art. 591.º, n.º 1, al.b, do CPC, concede-se a palavra para o efeitos aos Ilustres Mandatários».
O que fizeram como ficou registado na ata com remissão para a respetiva gravação.
De seguida, o I. Mandatário do Embargante requereu que o tribunal aguardasse pela junção dos documentos que a Embargada protestou juntar, o que foi indeferido, dando-se por encerrada a Audiência Prévia.
Após ter sido indeferido o pedido do Embargante de retificação da ata da Audiência Prévia, foi proferido Saneador-Sentença onde foram identificadas as questões a decidir, mas, antes das mesmas serem decididas, foi identificada a seguinte questão prévia:
«(i) Questão prévia - Da violação do segredo profissional por parte do Ilustre Mandatário do Embargante»
Tendo sido decidida nos seguintes termos:
«Face ao exposto e ao abrigo do enquadramento legal acima recenseado, deverão considerar-se como não escritos os artigos 2.º a 14.º, 16.º a 18.º, 20.º a 24.º e, bem assim, ser desentranhados os documentos n.º 2, 4, 6, 8, 9 e 10, juntos com a petição inicial por violação do disposto no art. 92.º, al. f), do Estatuto da Ordem dos Advogados.»
Dito isto, cumpre referenciar sumariamente que a nulidade arguida pelo Apelante se encontra tipificada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, verifica-se quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A omissão ou o excesso de pronúncia está diretamente relacionada com o comando do artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, reportando-se, na primeira vertente, ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) alegadas relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido formulado pelo autor e da reconvenção e/ou das exceções invocadas na defesa, e, na segunda vertente (ultra petitum) ao conhecimento das questões não suscetíveis de serem apreciadas na sentença por não poderem ser conhecidas oficiosamente ou por não terem sido suscitadas pelas partes.
No caso em apreço, o ora Recorrente fundamenta a arguição desta nulidade no facto do tribunal a quo não ter identificado e, consequentemente, dado o devido tratamento processual ao que entende ser uma exceção dilatória que reconduz à previsão do artigo 577.º, alínea d), do CPC, que estipula do seguinte modo:
«Artigo 577.º - Exceções dilatórias
São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
(…)
d) A falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;».
No entender do ora Recorrente, a falta de autorização a que se reporta o preceito aplica-se à situação descrita nos autos, ou seja, à alegação de negociações entabuladas pelos mandatários da partes visando a resolução extrajudicial do litígio e documentos comprovativos das mesmas e do que estava a ser negociado, sem que tenha havido previamente dispensa do sigilo profissional.
Mas esta interpretação do mencionado preceito não tem qualquer viabilidade jurídica.
As exceções dilatórias correspondem à falta ou ausência de pressupostos processuais (que, em regra, são evidenciadas pelo réu na sua contestação) que, não sendo suscetíveis de sanação ou suprimento, obstam a que o tribunal conheça do mérito da ação judicial e determinam a absolvição do réu da instância ou a remessa do processo para outro tribunal, esta nos casos de incompetência relativa ou absoluta (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
A lei procede a uma enumeração exemplificativa das exceções dilatórias (artigo 577.º do CPC), podendo ser suscitadas pelas partes, pese embora sejam, em regra, de conhecimento oficioso, a menos que a lei proíba esse conhecimento oficioso ( artigo 578.º do CPC).
O momento processual adequado para análise, por parte do tribunal, das exceções dilatórias, para além da fase liminar, é a fase do saneamento, após terem findado os articulados, nomeadamente no despacho pré-saneador ou no despacho saneador proferido na audiência prévia (artigos 590.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 591.º, n.º 1, alínea a), e 595.º, n.º 1, alínea a), do CPC), podendo essa análise ser relegada para a sentença (n.º 4 do artigo 595.º do CPC).
No elenco exemplificativo das exceções dilatórias enunciado no artigo 577.º do CPC consta a falta de autorização (ou deliberação) que a lei exija para a parte (ativa) estar em juízo, por a lei exigir que o representante da parte se muna previamente dessa autorização ou deliberação para poder praticar certos atos. Isto é, o preceito reporta-se a situações em que, do lado ativo, existe incapacidade judiciária (não suprida) ou irregularidade da representação (não sanada – cfr. artigo 29.º do CPC).[1]
Ou seja, a violação do sigilo profissional prevista na alínea f) do artigo 92.º do EOA (Lei n.º 145/2015, de 09-09, com as alterações subsequentes) não corresponde à exceção dilatória prevista na alínea d) do artigo 577.º do CPC, nem a qualquer outra ali não referida, porquanto não tem a virtualidade de obstar a que se conheça do mérito da causa dando lugar à absolvição da instância e muito menos à remessa dos autos para outro tribunal.
As consequências processuais da violação do segredo profissional são outras e encontram-se previstas no EOA.
O artigo 92.º, n.º 1, alínea f), do EOA estabelece que o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: «factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.»
Para além da responsabilidade criminal, disciplinar e civil que tal violação possa acarretar, em termos processuais no âmbito do processo civil, reflete-se no facto dos atos praticados pelo Advogado com violação de segredo profissional não poderem fazer prova em juízo. Estando abrangidos por esta proibição de valoração de prova, caso o sigilo não seja levantado nos termos previstos na lei, entre outros, os factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo (artigo 92.º, n.º 1, alínea f), e n.º 5, do EOA).
Como refere o Ac. STJ, de 05-05-2022, «IV- Estamos perante uma proibição de valoração da prova, tendo essa proibição um tratamento autónomo do que se encontra previsto para as nulidades processuais, podendo, designadamente, tal infração ser conhecida em recurso, sem que a nulidade da produção do respetivo meio de prova tenha que ser arguida nos termos previstos no artigo 199.º do Código de Processo Civil.»[2]
Decorre deste enquadramento legal que, na situação prefigurada nos autos, não ocorre qualquer exceção dilatória de que o tribunal a quo tivesse de conhecer.
Consequentemente, toda a alegação do Recorrente ao invocar a nulidade do despacho-saneador, baseia-se num pressuposto inexistente, ficando, consequentemente prejudicada toda a alegação do Recorrente com base no mesmo.
Sendo que a violação do segredo profissional foi efetivamente conhecida, no lugar e momento processual adequado, ou seja, aquando da prolação de despacho saneador onde foi conhecido do mérito da causa e antes desse conhecimento propriamente dito, porquanto tal se impunha uma vez que a alegação e documentação junta interferia na decisão de facto a proferir e na subsequente subsunção dos factos provados ao direito.
Não se verificando, assim, quer excesso, quer omissão de pronúncia sobre a questão em apreciação, ou seja, se ocorria ou não violação do segredo profissional.
Também não descortinamos qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que a questão tinha sido suscitada na contestação dos embargos e na Audiência Prévia foi facultada às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a existência de condições para ser proferida uma decisão de mérito, tendo usado da palavra no sentido que bem entenderam (cfr. artigos 3.º, n.º 3, e 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Improcede, pois, a arguida nulidade.

2.2. O Apelante também arguiu a nulidade da sentença por violação do dever de fundamentação, vício reconduzível ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Diz o Apelante, reportando-se ainda ao segmento da decisão sobre a violação do segredo profissional, que a sentença não baseou ou sustentou a decisão de facto sobre quaisquer factos dados por provados, nem fez qualquer subsunção jurídica, violando, assim, o artigo 607.º, n.º 3 e 4, do CPC (Conclusão V), acrescentando, ainda, na Conclusão VIII: «Relativamente à fundamentação da decisão que recaiu sobre a inexigibilidade da obrigação exequenda, o tribunal a quo, não apresentou nenhuma prova factual, remetendo o meritíssimo juiz a quo para a prova em geral sem a concretizar, omitindo totalmente o seu dever de fundamentar a decisão que tomou relativamente à inexigibilidade da obrigação exequenda, o que constitui uma nulidade do saneador sentença, e um fundamento deste recurso, ( v. art.615.º n.º1 alínea b) e n.º4 do CPC e art.205.º e 204.º da CRP)».
Vejamos.
Estipula a alínea b) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A falta de fundamentação a que alude o preceito está em consonância com o dever de fundamentação as decisões, consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).
Porém, como tem sido entendido de forma consensual, a arguida nulidade só ocorre quando a falta de fundamentação for absoluta, o que não se verifica quando haja insuficiente ou errada fundamentação de facto e/ou de direito, vícios para os quais a lei tem remédios diversos que não passam pela declaração de nulidade do decidido (cfr., assim, artigos 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 640.º e 662.º, n.º 1 e 2, alíneas c) e d), todos do CPC).
No caso em apreciação, e em relação ao segmento da sentença que se pronuncia sobre a questão da violação do segredo profissional, sendo a questão de direito e não de facto, o tribunal a quo limitou-se, e bem, a enunciar a questão, a analisá-la sob o ponto de vista jurídico com recurso à interpretação e aplicação dos preceitos legais que teve por aplicáveis, e emitiu um juízo judicativo em conformidade.
Não existe, pois, qualquer violação do dever de fundamentação da decisão suscetível de ser enquadrável na nulidade arguida.
Quanto ao segmento da sentença que conheceu da alegada inexigibilidade da obrigação exequenda, foi emitida pronúncia, com base na factualidade dada como provada em relação ao alegado acordo entre as partes que estaria a ser cumprido, o que impedia à Embargada instaurar a ação executiva.
Ora, o tribunal a quo elencou os factos provados, mencionando não existirem factos não provados com relevância para a decisão da causa, fez assentar a decisão de facto nos meios de prova juntos aos autos, que analisou de forma crítica e criteriosa como decorre da respetiva fundamentação, e, subsequentemente, aplicou justificadamente aos factos as normas jurídicas que teve por aplicáveis, pelo que não existe falta total e absoluta de fundamentação, seja de facto, seja de direito.
Coisa diversa é saber se ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto, que deve ser analisado em sede de impugnação da decisão de facto (que o Apelante impugnou), ou erro de julgamento quanto à aplicação do direito aos factos, a analisar em termos de apreciação do mérito do decidido.
Em suma, em face do modo como o tribunal a quo fundamentou a decisão de facto e direito, e considerando a fundamentação da arguição da nulidade da sentença, não incorreu a sentença na arguida nulidade, pelo que improcede este segmento do recurso.

3. Impugnação da decisão de facto (ponto 3 dos factos provados)
O Apelante impugna a decisão de facto em relação ao ponto 3 dos factos provados («3. Por via do requerimento apresentado aos aludidos autos em 04-05-2021, a embargada e a sociedade executada requereram a suspensão da entrega judicial dos bens locados pelo período de 90 dias em face da possibilidade de resolução extrajudicial do litígio.»), alegando que quem requereu esta diligência foi apenas a Embargada e não o Embargante ou qualquer outro Executado.
Como decorre do teor da documento 2 da contestação (para o qual a fundamentação da decisão de facto remete) e que se encontra a fls. 62-63 do processo físico (ref.ª CITIUS 38757010), a requerente do pedido de suspensão da entrega judicial dos bens foi a Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, aqui Embargada, pelo que procede a impugnação da decisão de facto (artigo 662.º, n.º 1, do CPC).
Nestes termos, em procedência da impugnação da decisão de facto, altera-se a redação do ponto 3 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
«3. Por via do requerimento apresentado aos aludidos autos em 04-05-2021, a Embargada requereu a suspensão da entrega judicial dos bens locados pelo período de 90 dias em face da possibilidade de resolução extrajudicial do litígio.»

4. Violação do artigo 92.º, n.º1, alínea f), do EOA
Em sede de impugnação da decisão de direito, a Apelante volta à alegação que já antes tinha vertido em sede de arguição de nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia, questão que se encontra analisada e decidida, nada mais se justificando acrescentar, remetendo-se para o ali escrito.
Na perspetiva, agora, do erro de julgamento sobre a verificação da violação do segredo profissional, alega o Apelante que o tribunal a quo não poderia ter concluído, como fez, que o mandatário do Embargante violou o segredo profissional ficando a alegação e documentação junta sob a alçada do artigo 92.º, n.º 1, alínea f), do EOA, sem dar como provada a existência de negociações malogradas, como é exigido pelo referido normativo, o que não foi feito.
Ademais, também alega que, mesmo que estivéssemos perante negociações malogradas, a alegação factual e os documentos em causa não se encontram sob a égide do segredo profissional, podendo ser utilizados em tribunal sem qualquer autorização da AO, porquanto «representam as negociações normais de um acordo, que necessariamente tem de ser levadas mais cedo ou mais tarde ao conhecimento dos clientes para que possam decidir» (Conclusão XX), acrescentando logo na Conclusão seguinte: «E o conhecimento necessário por clientes/terceiros não sujeitos a sigilo profissional ainda que respeitante a correspondência trocada entre mandatários/advogados afasta o sigilo profissional.»
Vejamos, então.
Sublinhando-se que o que está em causa nesta alegação do Recorrente é se ocorreu, ou não, violação do sigilo profissional reconduzível ao disposto no artigo 92.º, n.º 1, alínea f), do EOA, centrando-se o Recorrente, numa primeira perspetiva, na falta de prova de um acordo malogrado.
Como é bom de ver, com esta argumentação o ora Recorrente concede que existe violação do segredo profissional quando vêm ao processo os termos das negociações e os documentos trocados nessa fase, caso as negociações não cheguem a bom porto, ou seja, fiquem malogradas. Daí que defenda que não há prova do dito malogro para excluir a invocação da violação do sigilo profissional.
Porém, a prova do malogro das negociações encontra-se evidenciada nos factos provocados.
Efetivamente, os factos provados 4 e 5, que não se encontram impugnados («4. Através do requerimento deduzido nos aludidos autos em 30-07-2021, a embargada requereu a realização da diligência de entrega dos bens locados.»; 5. Em 06-12-2021, o AE efetuou a entrega da totalidade da Herdade, no âmbito desta providência cautelar, à Requerente.»), revelam que, apesar do pedido de suspensão da entrega judicial (facto provado 3, reportando-se a data anterior à factualidade a que se reportam os factos provados 4 e 5), a ora Recorrida, posteriormente, veio requerer a efetiva entrega judicial dos bens em conformidade com o decidido na providência cautelar (proc. n.º 127/21.5T8PTG), o que revela que, efetivamente, as negociações extrajudiciais não obtiveram êxito.
É certo que o Embargante veio defender que tal acordo existe, mas cabia-lhe, no âmbito deste processo, alegar e provar esse facto, como decorre do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o que efetivamente não logrou demonstrar, atenta factualidade que foi dada como provada.
Consequentemente, afigure-nos correta e isenta de crítica a fundamentação expressa na sentença recorrida quando ali se escreveu:
«Analisado o teor dos artigos em causa expendidos pelo embargante, resulta à saciedade que, no geral, – expurgadas das conclusões fácticas e de direito - os mesmos dizem respeito a negociações entabuladas entre os mandatários das partes, visando a resolução amigável do litígio que conformou o processo judicial acima mencionado – veja-se o doc. n.º 8, junto com a petição de embargos, nomeadamente a secção dos considerandos, alíneas f) e g).
Por outro lado, também se afigura claro que se trataram de negociações malogradas, havendo delas surtido, apenas, uma minuta/proposta de acordo. Isto porque, (i) o documento que, na óptica do embargante, suporta o acordo firmado entre as partes apenas se encontra subscrito por uma sociedade representada por aquele e não pela embargada; (ii) veja-se também que não foi apresentado qualquer termo de transação ou acordo ao processo em causa.
Noutro prisma, analisados os documentos n.ºs 2, 4, 6, 9 e 10 – mensagens de correio electrónico remetidas pelo Ilustre Mandatário da Embargante à Ilustre Mandatária da Embargada, e 8 – supra aludida minuta de acordo, constata-se que os mesmos dizem respeito à matéria relacionada com as negociações supra abordadas.
Nessa medida, atendendo ao acima expendido, será de concluir pela procedência da argumentação da embargada quanto a esta matéria.»
Quanto ao segundo argumento expendido pelo ora Recorrente para defender que inexiste violação do segredo profissional, centra-se, agora, o Apelante no argumento que, a final de contas, sempre os clientes (que não se encontram sujeitos a esse dever) teriam de ter conhecimento da correspondência trocada entre os seus mandatários.
Não assiste qualquer razão ao Recorrente.
Não está em causa, obviamente, a transmissão pelo Advogado ao seu cliente do andamento e do resultado a que chegaram negociações entabuladas com o Advogado da parte contrária, porquanto tais informações se enquadram no conjunto de deveres resultantes do contrato de mandato (artigo 1161.º do Código Civil), bem como dos deveres do Advogado consignados no respetivo Estatuto.
Como prescreve o artigo 97.º, n.º 1 e 2, do EOA: «1- A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca»; «2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas», prescrevendo expressamente o artigo 100.º, n.º 1, alínea a): «Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas (…)».
Por conseguinte, haveria flagrante violação das obrigações decorrentes do contrato de mandato e dos deveres estatutários do Advogado se o cliente apenas viesse a ter conhecimento do resultado das negociações de que foi incumbido através do vem a ser alegado na p.i. da ação judicial intentada em nome desse mesmo cliente.
Naturalmente, que a violação do segredo profissional a que se reporta o artigo 92.º do EOA situa-se noutro parâmetro de discussão e de ponderação de interesses.
O dever de sigilo radica na concretização da tutela da confiança a que se reporta o artigo 97.º, n.º 1, do EAO e colhe a sua essência na regra geral da boa-fé do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, vista, nesta perspetiva, como uma regra de conduta ética profissional.
Por essa razão, e como é entendimento consensualizado na nossa ordem jurídica, o sigilo profissional, por um lado, protege essa relação de fidúcia entre o Advogado e o seu cliente, mas, por outro lado, afiança o interesse público fundado na função social da Advocacia e ainda o interesse coletivo no exercício digno dessa profissão.
Como refere o STJ, no acórdão de 15-02-2018[3], em consonância com jurisprudência firmada sobre esta matéria:
«IV - Radicando no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, o dever de segredo profissional transcende a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação para com o constituinte, para com a própria classe, a OA e a comunidade em geral.
V - Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.»
Veja-se, no mesmo sentido, e de forma paradigmática, o Acórdão do STJ, de 27-04-2023[4] ao decidir:
«V - O dever de segredo transcende a mera relação contratual entre o advogado e o cliente, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado, não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.»
É precisamente esta dupla valência que justifica, em determinado casos, o levantamento do sigilo profissional e que também é assinalada pelo Conselho Distrital de Lisboa (CDL) da AO, ao afirmar:
«(…) três grandes ordens de razões estão na origem da consagração estatutária do dever (que é ao mesmo tempo direito) do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão: “a) a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente; b) o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça; c) a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social”.»[5]
No que concerne à previsão da alínea f) do artigo 92.º do EAO, o que está sujeito a sigilo profissional são os termos da negociação e as correspondentes mensagens e documentos que as comprovam e/ou outros que os mandatários das partes tenham trocado entre eles, que revelem os factos que discutiram e que deviam permanecer reservados e não revelados, quando as negociações não tenham tido êxito.
Como se refere na intervenção supra citada do CDL, analisando este concreto normativo, «(…) aqui não importa a origem dos factos», o que se enquadra no sigilo profissional são «(…) os factos que tenham chegado ao conhecimento do Advogado durante negociações malogradas para celebração de um qualquer contrato.»[6]
E, no caso, foram precisamente os termos dessas negociações e os documentos correspetivos, alegados e juntos em sede de contestação dos embargos que enformam a violação do sigilo profissional, nos termos do artigo 92.º, alínea f), do EOA.
Improcede, consequentemente, esta vertente da alegação recursória.

5. Acordo das partes impeditivo da instauração da ação executiva
Neste conspecto, o Embargante vem defender que a questão que devia ter sido decidida era se o malogrado acordo era válido independentemente de ter sido denominado de minuta e de se encontrar apenas subscrito pelos executados/embargante, e se, sendo válido, se a exequente/embargada estava impedida de recorrer à ação executiva para cobrança das livranças nela indicadas.
Sobre esta questão, lê-se na sentença recorrida:
«Relativamente a este ponto, o embargante estriba a sua argumentação num alegado incumprimento do invocado acordo por parte da embargada.
Sucede que, conforme ressalta cristalinamente da matéria factual dada como provada, inexiste o dito acordo invocado pelo embargante.
Aliás, o próprio embargante afirma que (a propósito da excepção de não cumprimento que se tratará adiante), «[A] impossibilidade da executada de ter podido exercer o direito de opção de compra ou de venda a terceiro, no prazo de 10 dias úteis antes do termo do prazo de 28.07.2021, tornou-se impossível por causas imutáveis à credora/exequente, por não ter atempadamente enviado o acordo escrito à executada e lhe ter imposto um formalismo e um prazo não acordados e impossíveis de cumprir, (v. art. 795.ºCC) – cfr. art. 34.º da petição inicial.
Pelo que, neste plano, a pretensão do embargante terá necessariamente de improceder.»
Não vislumbramos forma de contrariar a clareza desta argumentação.
Competia ao Embargante alegar e provar a existência, validade e cumprimento do referido acordo do qual resultaria a inexigibilidade da obrigação exequenda (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), ónus probatório que não logrou cumprir.
Sendo que na p.i. veio alegar que a Exequente/Embargada não assinou o acordo nem lho devolveu (cfr. artigos 19.º, 25.º e 34.º da p.i.), o que foi confirmado pela Embargada na contestação dos embargos (cfr. artigos 15.º, 19.º e 20.º).
Estando em causa um acordo (contrato bilateral de natureza sinalagmática e oneroso), a perfeição do mesmo depende de uma declaração de aceitação da proposta pelo destinatário, pois o artigo 232.º do Código Civil prescreve que: «O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo».
Efetivamente, até pode haver proposta negocial válida e eficaz por ter chegado ao conhecimento do destinatário e o mesmo a ter rececionado, ou seja, por ser recipienda (artigo 224.º, n.º 1, 1.º parte, do Código Civil); porém, o contrato não fica concluído enquanto as partes não acordarem em todo o clausulado, ou seja, para que ocorra a perfeição do negócio jurídico, decorrente do encontro de vontades, é necessária a aceitação da proposta pela parte contrária, de forma expressa por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade (artigo 217.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil).
A aceitação tácita também é permitida, mas apenas nas situações previstas na lei, ou seja, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (artigo 217.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil). Quando se possa concluir do comportamento da parte, com grande probabilidade, que aceitou o negócio, considerando nessa ponderação os critérios da boa-fé, as regras da experiência comum, da lógica das coisas, dos usos sociais, daquilo que é normal acontecer, e do que desse comportamento retiraria o homem médio, o bom pai de família, medianamente inteligente e capaz.
No caso sub judice, é o próprio Embargante que alega que a Embargada não devolveu o acordo assinado por haver discordância quanto ao termo do prazo de cumprimento (artigo 25.º da p.i.), pelo que, à luz dos artigos 217.º, n.º 1, 1.ª parte, e 232.º do Código Civil, o acordo não ficou concluído, por faltar a aceitação expressa exigida na lei.
E também não se pode concluir que haja aceitação tácita nos termos da 2.ª parte do n.º 1, do artigo 217.º do Código Civil, porquanto não decorre dos factos provados que a Embargada tenha adotado qualquer comportamento do qual se possa concluir, nos termos acima referidos, que tacitamente aceitou o acordo.
Aliás, a instauração da presente execução evidencia precisamente o inverso, bem como toda a alegação vertida na contestação dos Embargos.
Conclusão que não se inverte em face da existência da ação de fixação judicial de prazo que corre termos sob o n.º 1415/22.9T8LSB, uma vez que se desconhece o que ali foi decidido.
Concordando-se e remetendo-se, ademais, nesta parte para a sentença recorrida quando ali se escreveu: «(…) um dos pressupostos da referida acção especial assenta precisamente na existência de uma obrigação incontroversa, cuja validade e eficácia não merece contestação pelas partes – vide 777.º, n.º 3, do C.C. e 1026.º do C.P.C. Ora, no caso que se trata tal não sucede, constituindo a matéria concernente à existência de um acordo válido e eficaz celebrado entre as partes o cerne dos presentes embargos.»

Nestes termos, improcede totalmente a apelação.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 07-03-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Graça Araújo (2.ª Adjunta)

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[1] Cfr. GERALDES, ABRANTES et al., Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 655 (8); VARELA, ANTUNES, et al., Manual de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, 2.ª ed., pp. 123-128 e 299-300.
[2] Proc. n.º 126/20.4T8OAZ-A.P1.S1, em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 1130/14.7TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt
[4] Proc. n.º 21/23.5YFLSB, em www.dgsi.pt
[5] SOUTO, RUI, “O Dever de Guardar Sigilo Profissional – Uma Aproximação Prática”, in VI Congresso dos Advogados Portugueses, 13/11/2005, p. 3, acessível em http://www.oa.pt/Uploads/%7B7760A5F7-FAAD-4C97-B199-5B7B12AC6A69%7D.pdf, remetendo e citando o Parecer do Conselho Distrital de Lisboa nº 02/01, no qual foi relator o Dr. José Ferreira de Almeida, e aprovado em sessão plenária no dia 13/03/2003.
[6] Idem, p. 11.