PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA
DIREITO DE CRÉDITO
INDEMNIZAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
ANULAÇÃO DO NEGÓCIO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

I - Invocando a Requerente a existência de um direito de crédito, traduzido numa indemnização, decorrente do direito à anulação do negócio por vícios ou desconformidades do estabelecimento comprado à Massa Insolvente no processo de insolvência, ou da violação de obrigações assumidas pela vendedora naquele contrato de compra e venda, em nenhuma dessas hipóteses precisará de lançar mão de uma providência cautelar, seja de arresto ou inominada, mesmo que invoque que o faz para acautelar esse direito de crédito e o receio de poder não o conseguir cobrar dado o encerramento da liquidação no processo de insolvência.
II - Sendo o objectivo invocado pela Requerente para a instauração desta providência cautelar, tornar cativo o valor que entende ser um direito de crédito seu perante a massa insolvente, impedindo que o mesmo seja também utilizado para dar pagamento aos demais credores reconhecidos no processo de insolvência, esse receio estará devidamente acautelado assim que for intentada a ação definitiva na qual a Apelante/Requerente venha a exercer o direito indemnizatório de que se arroga titular, qualquer que seja a pretensão que nela venha a formular:
i. caso pretenda anular o contrato de compra e venda e trespasse, deverá lançar mão do procedimento previsto no art. 838º do CPC aplicável por força do art. 17º e 164º nº 1 do CIRE, estando aquele receio devidamente acautelado no art. 838º nº 3 do CPC;
ii. caso pretenda reclamar da massa insolvente o crédito emergente da violação das obrigações de garantia prestadas no contrato, deverá intentar ação para reconhecimento de crédito sobre a massa insolvente- uma vez que a reclamada indemnização consubstanciará dívida da massa insolvente ( art. 51º nº 1 al. c) do CIRE) enquanto dívida emergente dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (como é o caso da venda de bens da massa insolvente)-, através do procedimento especificamente previsto no art. 89º nº 2 do CIRE.
Nesta última hipótese, instaurada essa ação contra a Massa Insolvente- representada pelo administrador de insolvência-, este terá de deduzir da massa insolvente o valor necessário à satisfação da dívida da massa insolvente reclamada pela requerente, em cumprimento do art. 172º do CIRE, preceito legal que determina que nelas se incluam as dívidas que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo de insolvência.

Texto Integral

Processo n.º 826/22.4T8STS-M.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. A..., Lda intentou providência cautelar de ARRESTO, ou subsidiariamente, providência cautelar inominada, nos termos do art. 362º do CPC, contra Massa Insolvente da B..., SA, tendo formulado os seguintes pedidos:
1. Ser decretado o arresto do saldo da conta bancária titulada pela Requerida aberta junto do Banco 1..., com o número ...... ... e o IBAN ..., até ao montante de € 2.079.484,95.
Para tanto, requereu que se ordenasse a notificação do Banco 1..., S.A., com domicílio na Rua ..., ... Lisboa, do arresto do saldo da conta bancária titulada pela MASSA INSOLVENTE DA B... S.A., com o número ...... ... e o IBAN ..., no montante de € 2.079.484,95, nos termos do disposto no artigo 780.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 391.º, n.º 2 do mesmo diploma
2. Alternativamente, caso se entenda que o direito da Requerente a ser indemnizada resulta da anulação do contrato de trespasse, ser decretado o arresto do saldo da conta bancária titulada pela Requerida aberta junto do Banco 1..., com o número ...... ... e o IBAN ..., até ao montante de € 3.449.853,49.
Para tanto, requereu que se ordenasse a notificação do Banco 1..., S.A., com domicílio na Rua ..., ... Lisboa, do arresto do saldo da conta bancária titulada pela MASSA INSOLVENTE DA B... S.A., com o número ...... ... e o IBAN ..., no montante de € 3.449.853,49, nos termos do disposto no artigo 780.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 391.º, n.º 2 do mesmo diploma.
3. Subsidiariamente, caso se entenda que o arresto não é a providência cautelar adequada a tutelar a pretensão da Requerente, ser decretada a providência cautelar de inibição do Administrador da Insolvência de pagar aos credores no âmbito do processo de insolvência da B...(autos principais), de valor não inferior a € 2.079.484,95 ou, se se entender que a Requerente apenas deverá ser indemnizada em razão da anulação do contrato de compra e venda, de valor não inferior a € 3.449.853,49.
Como fundamento da referida pretensão, a Requerente alegou em síntese que, no âmbito do processo de insolvência da B..., por contrato de compra e venda celebrado a 21.12.2022 a requerida trespassou-lhe o estabelecimento comercial identificado nos autos pelo preço de 3.400.000,00, tendo a requerente descoberto, quando tomou posse do mesmo que algumas das declarações e garantias prestadas pela requerida designadamente no que respeita ao cumprimento da legislação em vigor e ao bom estado dos activos, essenciais para a concretização da compra pela requerente, não eram verdadeiras, tendo-se visto confrontada com processos de natureza contraordenacional por actos ilícitos de índole ambiental, saúde e segurança, cuja legalidade terá de repor para poder explorar o estabelecimento, tendo um crédito sobre a massa insolvente por violação das declarações e garantias que prestou no referido contrato e, pelo IVA que tinha direito a receber porque estava incluído na transmissão efectuada, do qual a requerida se apoderou indevidamente.
Mais alegou que está iminente a distribuição do preço pago por variadíssimos credores, tendo justo receio de não vir a recuperar o seu crédito correspondente à indemnização a que tem direito, requerendo o arresto da conta bancária da requerida com o limite de €2.079.484,95 ou caso se entenda não ser o arresto o meio adequado a satisfazer a sua pretensão, que seja ordenado ao administrador de insolvência que se abstenha de pagar aos credores aquele valor, ou o valor de €3.449.853,49 caso se entenda que o direito de crédito da requerente resulta da indemnização a que tem direito com a anulação do contrato de compra e venda.

2. Em 16.11.2022, Ref. Citius 453852920, foi proferido despacho de indeferimento liminarmente da providência cautelar, com o seguinte teor:
“Pelo exposto, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar intentado por A..., S. A..
Custas a cargo da Requerente.
Notifique.
Registe.”

3. Inconformada, a Requerente interpôs recurso de apelação do referido despacho, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. A Recorrente requereu procedimento cautelar contra a Recorrida que concluiu, designadamente, pedindo que fosse “decretado o arresto da conta bancária titulada pela Requerida [Recorrente] aberta junto do Banco 1..., com o número (…), até ao montante de € 2.079.484,95. (…)” e, subsidiariamente, “caso se entenda que o arresto não é a providência cautelar adequada a tutelar a pretensão da Requerente [Recorrente], ser decretada a providência cautelar de inibição do Administrador da Insolvência de pagar aos credores no âmbito do processo de insolvência da B... (autos principais), de valor não inferior a € 2.079.484,95 (…)”
II. Para o efeito, a Recorrente alegou ser titular de dois créditos sobre a Recorrida: (i) um relativo a uma indemnização a que entende ter direito por violação, pela Recorrida, das declarações e garantias prestadas no âmbito de contrato de trespasse celebrado com a Recorrente, no valor de € 1.199.036,45, e
(ii) outro relativo a um crédito de IVA da titularidade da Recorrente apreendido indevidamente pela Recorrida no âmbito da insolvência, no valor de € 880.448,50.
III. O presente recurso vem apenas da parte da decisão de16.11.2023 que concluiu pela não adequação do procedimento cautelar de arresto para protecção do referido direito de indemnização por violação de declarações e garantias, conformando-se a Recorrente com o despacho recorrido no que se refere ao crédito de IVA.
IV. A este respeito, decidiu o Tribunal a quo que “a pretensão da Requerente, quanto aos alegados vícios do estabelecimento comercial, apenas poderá ser formulada pelo mecanismo plasmado no artº 838º, ou seja, a anulação da venda e consequente indemnização (a qual, nos presentes autos, por uma questão, desde logo, de facilidade e gestão processual, em nosso entendimento, deverá ser instaurada por meio de acção autónoma e não através de mero incidente)” (cf. páginas 10 e 11 da sentença recorrida).
V. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por não concordar que o único remédio para a violação de declarações e garantias em contrato de venda de uma empresa, mesmo em processo de insolvência, seja a anulação do negócio.
VI. Para a decisão da causa, importa ter presente que, no caso sub judice, ao abrigo do artigo 162.º do CIRE, a 21.12.2020, por contrato outorgado mediante escritura pública, a Recorrida, representada pelo Administrador da Insolvência, transmitiu por trespasse à Recorrente, que adquiriu, o estabelecimento comercial da Insolvente (cf. factos provados b) e d) da sentença recorrida).
VII. Trata-se, assim, de um contrato de compra e venda de empresa e, como é habitual neste tipo de contratos, a vendedora, aqui Recorrida, prestou declarações e garantias sobre as qualidades do Estabelecimento e respectivo cumprimento da legislação em vigor, as quais, no caso concreto, assumiram especial importância face à impossibilidade de realizar uma auditoria dado o prazo manifestamente exíguo estabelecido pelo Administrador da Insolvência para outorga do contrato de trespasse.
VIII. As cláusulas de declarações e garantias são admitidas e válidas no ordenamento jurídico português e a respectiva violação é geradora de um dever de indemnizar, e não de um direito a anulação do contrato de compra e venda da empresa, conforme tem vindo a ser entendido pelos Tribunais Superiores e pela doutrina (cf., designadamente, Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2016).
IX. As partes, ao preverem declarações e garantias no contrato de compra e venda de uma empresa não pretendem, caso se venha a demonstrar que as mesmas não são verdadeiras, que o negócio seja anulado, devendo ser dada primazia ao princípio da conservação dos negócios jurídicos e ao princípio da liberdade contratual e negocial, enquanto corolários do princípio da autonomia privada.
X. De resto, a venda de uma empresa (incentivada pelo legislador, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do CIRE), mesmo no quadro de uma insolvência, obriga a que o vendedor descreva com algum pormenor o objecto vendido, em vários aspectos, dependentes da sua natureza, sendo um processo que se deve desdobrar, no mínimo, numa fase de informação, numa fase de negociação e na fase de venda propriamente dita.
XI. Para além do mais, as empresas evoluem e transformam-se rapidamente, não sendo possível ao comprador devolver a empresa no estado em que a mesma se encontrava quando a comprou, pois essa empresa já é necessariamente muito diferente, dada a dinâmica inerente a qualquer actividade empresarial.
XII. Enquanto uma “má venda” de um bem isolado e feita em processo judicial se pode remediar por meio da sua anulação, accionando-se o mecanismo do artigo 838.º do Código de Processo Civil, a “má venda” de uma empresa dificilmente poderá ser remediada por tal via.
XIII. No caso concreto, e conforme alegado, constata-se que algumas das declarações e garantias prestadas pela Recorrida à Recorrente no contrato de trespasse não são verdadeiras.
XIV. Assim, nada há de estranho em que: (i) tendo a Recorrida assumido a responsabilidade pelo estado da empresa, prestando declarações e garantias a seu respeito e (ii) o remédio primacialmente pretendido pela compradora, ora Recorrente, face à violação dessas declarações e garantias seja a indemnização – e não a anulação.
XV. A anulação da venda no caso concreto é também prejudicial para (i) os credores, já que implica a devolução do preço à Recorrente acrescida de outros eventuais custos, bem como poderá determinar o encerramento da actividade da empresa, tornando assim praticamente impossível voltar a vender o estabelecimento, restando apenas a venda dos bens isolados que a compõem;
(ii) os mais de 300 trabalhadores da empresa, que ficariam sem emprego com a cessação de actividade.
XVI. Assim, o entendimento que a anulação do negócio é o único remédio, conforme entendido pelo Tribunal a quo, além de extremamente oneroso, não se coaduna com:
(i) O dever de indemnizar resultante da violação de declarações e garantias, tal como aliás tem sido o entendimento dos Tribunais Superiores e da doutrina;
(ii) A venda de uma empresa, incluindo em processode insolvência (cf. Artigos 162.º, 269.º e 270.º do CIRE);
(iii) O princípio da conservação dos negócios jurídicos;
(iv) O princípio da autonomia privada (cf. artigo 405.º do Código Civil);
(v) A satisfação dos credores em processo de insolvência (cf. artigo 1.º, n.º 1 do CIRE);
(vi) A protecção dos trabalhadores.
XVII. A Recorrente entende, assim, que sem necessidade de pedir a anulação do negócio, tem direito a ser indemnizada pela Recorrida, por violação das declarações e garantias, correspondendo tal indemnização aos custos em que já incorreu e terá de incorrer para colocar o Estabelecimento em conformidade com a lei.
XVIII.   Não se aplicando, ao caso concreto, o disposto no artigo 838.º do Código de Processo Civil, dado que a pretensão não é a de anular o negócio, e na iminência da distribuição do dinheiro depositado na conta da Massa Insolvente, a Recorrente não tem ao dispor qualquer outro meio processual que assegure a efectividade do seu direito a ser indemnizada que não o procedimento cautelar que instaurou para arresto ou, subsidiariamente, para inibição do Administrador da Insolvência de pagar aos credores o valor correspondente ao crédito alegado pela Recorrente.
XIX. Com efeito, o processo de insolvência está pronto para seguir para a fase final de rateio e pagamento aos credores, pelo que é iminente o desaparecimento da única garantia do crédito da Recorrente.
XX. Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, considerando-se o procedimento cautelar o meio adequado à pretensão indemnizatória do Recorrente, por não se aplicar o artigo 838.º do Código de Processo Civil ao caso concreto, revogando-se a decisão recorrida, e baixando os autos à 1.ª instância para conhecimento do mérito, com o que V. Exas. farão a habitual justiça!

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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A questão a decidir no presente recurso é se se verificam os pressupostos da providência cautelar de arresto ou da providência cautelar inominada e se não se há outros meios adequados para assegurar os objectivos pretendidos pela Requerente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou assentes os seguintes factos:
a) Mediante sentença proferida em 24-03-2022, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade B..., S.A. – tudo cfr. sentença proferida nos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) Aos 30-11-2022, o(a) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência apreendeu o estabelecimento comercial e bens integrantes do mesmo identificados no auto de apreensão com refª 44223184 do apenso F, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
c) O(A) Exm(a) Sr(a) Administrador(a) da Insolvência, em 06-09-2023, apreendeu, sob a verba nº 6, o “valor respeitante ao reembolso do crédito de IVA solicitado na declaração periódica do IVA de 01/2023, no valor de 525.799,75€” - cfr. auto de apreensão com refª 46422322 do apenso F, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
d) Os bens mencionado em b) foram vendidos à Requerente mediante escritura pública de compra e venda e trespasse, outorgada em 21-12-2022, e junta ao apenso G, no o requerimento com refª 44298600, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) A Requerente, aos 10-01-2023, no apenso de liquidação, apresentou um requerimento com o seguinte teor:
“(…) 3. Em 21 de novembro de 2022, a A... dirigiu ao Sr. Dr. AA, na qualidade de Administrador de Insolvência da B..., uma proposta de aquisição do estabelecimento comercial da Insolvente, correspondente à unidade económica e produtiva da B... composta por todos os seus ativos, com exceção do saldo existente a essa data a título de Caixa e Depósitos no valor de EUR 100.455,90.
4. Nos termos da referida proposta, e com o objetivo primordial de assegurar a continuidade da atividade do estabelecimento comercial, a A... assumiu ainda (i) a transferência de todos postos de trabalho existentes na B..., com manutenção das condições de remuneração, antiguidade e restantes direitos associados, (ii) responsabilidades vencidas perante a Segurança Social, no valor de EUR 564.961,29, e (iii) a transferência dos contratos de locação financeira associados aos equipamentos operacionais da unidade produtiva da Insolvente descritos no Anexo 1 (“Proposta”) – Documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. A 22 de novembro de 2022, o Administrador de Insolvência informou todos credores da B... que se encontrava na “posse de uma proposta de aquisição do estabelecimento comercial, credível e que se afigura suscetível de acautelar os interesses da Massa Insolvente, dos credores e dos trabalhadores” e que “A referida proposta será objeto de pronúncia pela Comissão de Credores em reunião agendada para o dia 25/11/2022;” – cfr. Requerimento apresentado pelo Administrador de Insolvência, com a ref. 43949372.
6. Por email de 30 de novembro de 2022, o Administrador de Insolvência comunicou à A... a aceitação da referida Proposta, tendo ainda informado que a “Comissão de Credores, nomeada no âmbito do processo de insolvência, em reunião ocorrida em 25/11/2022, deliberou aceitar a referida proposta de aquisição” – cfr. Documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
7. Nessa comunicação, o Administrador de Insolvência enviou (i) um auto de adjudicação em que refere expressamente que “Ao abrigo do disposto no artigo 161º do CIRE, o administrador judicial colocou esta proposta à consideração da Comissão de Credores nomeada no processo, tendo sido deliberado, em reunião ocorrida a 25/11/2022, aceitar a referida proposta de aquisição do estabelecimento comercial.” e (ii) a ata da Comissão de Credores aprovando a venda do estabelecimento comercial da B... à A....
8. A Proposta apresentada pela A... e respetiva aprovação pela Comissão de Credores e pelo Administrador de Insolvência constam destes autos, pelo menos, desde 30 de novembro de 2022 (cfr. Requerimento apresentado pelo Administrador de Insolvência com a ref. 44030575), sendo do conhecimento de todos os credores da Sonafi1.
9. Foi neste contexto que no passado dia 21 de dezembro de 2022, o Administrador de Insolvência e a A... celebraram, através de escritura pública, o contrato de transmissão do estabelecimento comercial da B... (“Contrato de Trespasse”) – Documento n.º 3 que se junta e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
10. Assim, desde essa data, que a A... é a legítima proprietária do estabelecimento comercial que anteriormente pertencia à B..., tendo adquirido todos os ativos e passivos referidos no Contrato de Trespasse, incluindo as posições contratuais aí descritas. (…). - cfr. requerimento com refª 44350353, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
f) Aos 12-05-2023, a Requerente apresentou, nos autos principais, um requerimento a formular os seguintes pedidos:
“Termos em que deve a massa insolvente ser determinada a indemnizar a Requerente pelas desconformidades do estabelecimento face ao que foi anunciado e garantido, incluindo todas as reparações necessárias à correcção das mesmas e despesas incorridas em quantia não inferior a € 809.906,00, e sem prejuízo dos montantes exactos que se vierem a apurar.
Mais REQUER a V.ª Ex.ª que determine que o referido montante não pode ser levantado do produto da venda do estabelecimento para ser entregue aos credores, sem que estes prestem caução.” - cfr. requerimento com refª 45545065, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
g) Sobre o requerimento mencionado em f), aos 29-06-2023, foi proferido despacho, devidamente transitado em julgado, com o seguinte teor:
“(…) A compradora A..., Lda., em requerimento apresentado aos 12-05-2023, veio deduzir o seguinte pedido:
“Termos em que deve a massa insolvente ser determinada a indemnizar a Requerente pelas desconformidades do estabelecimento face ao que foi anunciado e garantido, incluindo todas as reparações necessárias à correcção das mesmas e despesas incorridas em quantia não inferior a € 809.906,00, e sem prejuízo dos montantes exactos que se vierem a apurar.
Mais REQUER a V.ª Ex.ª que determine que o referido montante não pode ser levantado do produto da venda do estabelecimento para ser entregue aos credores, sem que estes prestem caução.”
Fundou a pretensão no preceituado no artº 838º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil, aplicável ex vi do disposto nos artºs 17º, nº 1, e 164º, ambos do CIRE.
As credoras Banco 2..., S.A., e Banco 3..., CRL, e a Massa Insolvente de B..., S. A., vieram opor-se a tal pretensão, quer por impugnação dos factos arguidos, quer por entenderem que não é o meio próprio.
Ora, sem necessidade de se analisar se a pretensão da predita compradora pode ser deduzida em mero incidente ou em ação autónoma, o certo é que a mesma não é enquadrável no preceito que fundamenta.
Com efeito, o nº 1 do artº 838º do C. P. Civil, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 - prescreve o seguinte : “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil”. – sublinhado e negrito nosso.
Assim, o dispositivo em análise estipula um pedido cumulativo de anulação da venda executiva e de indemnização. Não pode o comprador querer manter válida a venda e requerer apenas uma indemnização, como expressamente pretende a compradora A..., Lda..
Deste modo, sem mais delongas, indefere-se o requerido pela compradora A..., Lda., aos 12-05-2023.
Notifique. (…).” - cfr. despacho com refª 449917279, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Na sentença recorrida foram abordados os pressupostos de que depende o decretamento do Arresto, ou da Providência Cautelar Inominada (suscitadas em termos subsidiários pela Requerente), tendo sido proferido despacho liminar de indeferimento por o tribunal a quo ter concluído que “nem o procedimento cautelar de arresto, nem o procedimento cautelar comum são os meios adequados para a consecução dos desideratos visados pela Requerente.”
Compulsada a motivação de tal decisão, de relevante para culminar na referida conclusão, podemos ler o seguinte:
“(…) em causa está a venda do estabelecimento comercial da sociedade insolvente a favor da Requerente, celebrada mediante escritura pública de compra e venda e trespasse, outorgada em 21-12-2022.
Ora, como se sumaria no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-03-2023 – in www.dgsi.pt :
“I- A venda realizada em sede de liquidação do activo no processo de insolvência é uma venda judicial.
II- Salvo os casos expressamente regulados no CIRE, as vicissitudes que a afectam têm de ser solucionadas de acordo com o regime jurídico previsto no CPCivil para o processo executivo.
III- A existência de desconformidade entre as características do imóvel, objecto da venda e a descrição que do mesmo foi feita no respectivo anúncio, confere ao comprador o direito a deduzir pretensão de anulação da venda, nos termos enunciados no art.º 838º do CPCivil.” 
Dispõe o artº 838º, nº 1, do C. P Civil aplicável à venda no processo de insolvência por força da remissão efetuada pelo artº 17º, nº 1, do CIRE, que:
“Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil.”
Vê-se da norma acabada de transcrever que o comprador tem a faculdade de pedir a anulação da venda quando tenha havido erro da sua parte. Erro sobre a existência de algum ónus ou limitação a que estiver sujeito o direito transmitido ou erro sobre a coisa transmitida.
Nos termos analisados no supracitado aresto: “ (…) o artigo 838º, nº1, determina que a venda executiva pode ser anulada caso se reconheça a existência de:
a. ónus oculto: ónus ou limitação que, sendo eficaz em face da penhora (cf. artigo 819º CC) – v.g. direito real de gozo, direito real de aquisição, redução de doação – não fosse tomado em consideração, i. e., de que não foi dado conhecimento ao adquirente – ainda que estivesse registado – e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, (…)
b.  falta de conformidade com o que foi anunciado, tanto quanto à identidade como quanto à qualidade da coisa, incluindo o defeito.
Exemplo: divergências entre a descrição do prédio a vender feita no registo predial e incluída nos anúncios e editais que publicitaram tal venda, e a real composição do mesmo prédio.
É somente neste nº 1 do artigo 838º que se devem procurar os requisitos e efeitos do erro sobre o objeto, não no Código Civil.”
Em consequência e  como já exposto no despacho proferido aos 29-06-2023, nos autos principais, concluímos que, a pretensão da Requerente, quanto aos alegados vícios do estabelecimento comercial, apenas poderá ser formulada pelo mecanismo plasmado no artº 838º, ou seja, a anulação da venda e consequente indemnização (a qual, nos presentes autos, por uma questão, desde logo, de facilidade e gestão processual, em nosso entendimento, deverá ser instaurada por meio de ação autónoma e não através de mero incidente).
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de  11-04-2014, in www.dgsi.pt, onde se expõe que “[À] venda realizada em liquidação dos bens da massa são naturalmente aplicáveis as normas do processo executivo que não contrariem as disposições do CIRE – cfr. o respectivo art.º 17.
Ora uma dessas normas é a do art.º 908 do CPC, em que se preceitua:
“1. Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável o art.º 906 do Código Civil.
(…) 
Por virtude do erro em que alegou ter incorrido peticionou A. a condenação da Ré na indemnização da despesa que teve com a venda, mais precisamente com o pagamento dos serviços do estabelecimento que levou a cabo o leilão (e a que contratualmente ficou vinculada).
Mas para isso não podia deixar de pedir anulação da própria venda, pois que a indemnização não é consequencial do erro mas sim da anulação requerida ao abrigo do citado nº 1 do art.º 908 do CPC.”
Assim, competindo à Requerente instaurar a ação de anulação, cumulada com a indemnização, o presente procedimento cautelar não é o meio correto, visto que nos termos do disposto no nº 3 do artº 838ºdo C. P. Civil, “[F]eito o pedido de anulação do negócio e de indemnização do comprador antes de ser levantado o produto da venda, este não é entregue sem a prestação de caução; sendo o comprador remetido para a ação competente, a caução é levantada, se a ação não for proposta dentro de 30 dias ou estiver parada, por negligência do autor, durante três meses”.
Por conseguinte, inexiste qualquer receio de perda da garantia patrimonial, uma vez que o seu direito de encontra salvaguardado com o predito mecanismo, não se procedendo ao rateio da massa insolvente. “
Se bem compreendemos a decisão recorrida, foi entendimento do tribunal a quo que na situação sob apreciação falharia sempre um dos pressupostos cumulativos de qualquer uma das providências cautelares intentadas, porquanto o receio de perda da garantia patrimonial (pressuposto referente ao Arresto) ou o receio de lesão grave e de difícil reparação do direito da requerente (pressuposto referente á providência cautelar comum ou inominada) estariam suficientemente acautelados com a disposição prevista no art. 838º nº 3 do CPC aplicável ex vi do art. 17º do CIRE.
Para isso o tribunal a quo reiterou um entendimento que já havia proferido nos autos principais de insolvência no âmbito do despacho de 29.06.2023 de que “a pretensão da Requerente, quanto aos alegados vícios do estabelecimento comercial, apenas poderá ser formulada pelo mecanismo plasmado no art. 838º, ou seja, a anulação da venda e consequente indemnização”, tendo dito expressamente nesse despacho que “ não pode o comprador querer manter válida a venda e requerer apenas a indemnização, como expressamente pretende a compradora(…)”.
A esta fundamentação veio a Requerente contra-argumentar que não pretende a anulação do negócio com direito a indemnização, mas apenas obter uma indemnização pela violação de declarações e garantias previstas no contrato de compra e venda celebrado com a massa insolvente e, que não se aplicando no caso concreto o art. 838º do CPC, não tem ao seu dispor qualquer outro meio processual que assegure a efectividade do seu direito a ser indemnizada que não seja a providência cautelar para ser travado o pagamento aos credores .
Apesar de a fundamentação da sentença recorrida não ter abordado a questão sob este prisma, limitando-se a reiterar que a Requerente tem o seu direito acautelado no art. 838º nº 3 do CPC bastando-lhe intentar ação de anulação do negócio, afigura-se-nos que ainda que a Requerente não pretenda anular o negócio celebrado com a massa insolvente não precisa de recorrer a uma providência cautelar para acautelar o seu direito, porquanto  o receio de perda da garantia patrimonial (pressuposto referente ao Arresto) ou o receio de lesão grave e de difícil reparação do direito de crédito de que a requerente se arroga (pressuposto referente à providência cautelar comum ou inominada) estará  devidamente acautelado qualquer que venha a ser a pretensão a ser exercida pela Requerente na futura ação a intentar para o efeito.
Senão vejamos.
O direito de crédito a exercer futuramente pela Apelante/Requerente emergirá sempre, de acordo com a causa de pedir invocada, da celebração do contrato de compra e venda e trespasse de um estabelecimento da insolvente, em 21.12.2022 com a Requerida- Massa Insolvente –representada pelo administrador de insolvência, no âmbito da liquidação dos bens da massa insolvente.
Nesse processo de insolvência o administrador de insolvência apreendeu o estabelecimento comercial e bens integrantes do mesmo e vendeu-os à Apelante/Requerente mediante a mencionada escritura pública de compra e venda e trespasse junta ao apenso G.
A Apelante/Requerente, no âmbito da presente providência cautelar veio invocar ser titular de um direito de crédito emergente de uma indemnização a reclamar da aqui Requerida em virtude da violação de declarações e garantias prestadas expressamente pela Apelada/Requerida no referido contrato (Cláusula 6.1), afirmando não pretender a anulação do contrato, pugnando pela faculdade que lhe deve ser conferida de ser indemnizada sem que tal afecte a validade e vigência do contrato celebrado.
Apesar disso, formula pedido alternativo a acautelar a possibilidade de o tribunal vir a entender que só pode exercer o direito à anulação da venda e trespasse cumulado com pedido indemnizatório.
No âmbito da providência cautelar, de arresto ou inominada, tal como o próprio tribunal a quo referiu, basta a alegação e prova da probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pela requerente, não tendo de ser exaustiva nem restritiva a apreciação da fonte de onde poderá emergir esse alegado direito de crédito, devendo ser ponderada pelo tribunal a pretensão da requerente à luz dos vários fundamentos legais de que a mesma poderá dispor para sustentar o direito de crédito de que se arroga titular.
Assim sendo, afigura-se-nos redutora a posição do tribunal a quo de, nesta fase, restringir a tutela jurisdicional da requerente ao mecanismo contemplado no art. 838º do CPC, uma vez que a requerente não alegou pretender anular o negócio e exigir a devolução do preço pago, só o fez a título subsidiário, tendo alegado ser sua intenção manter o contrato e ainda assim receber uma indemnização porque não teria pago aquele preço caso tivesse tomado conhecimento de algumas vicissitudes de que padece a empresa adquirida.
Admitindo que a requerente não queira primacialmente anular o contrato celebrado e devendo ser ponderadas as várias soluções plausíveis de direito, a indemnização que a requerente afirma pretender peticionar, mantendo válido o negócio, pode bem emergir de eventual responsabilidade pré-contratual ou mesmo contratual pelo incumprimento parcial do contrato, designadamente pela violação de obrigações de conduta ou de garantia prestadas no âmbito do contrato celebrado com a massa insolvente, tal qual a requerente alega, pretensão essa que em tese poderá determinar designadamente redução do preço ou mesmo uma indemnização, tal qual pugnado pela aqui Requerente.
Admitida a probabilidade séria da existência do direito de crédito da Apelante/Requerente, quer nos termos propugnados pelo tribunal por vícios ou desconformidades do estabelecimento comprado no processo de insolvência, quer nos termos propugnados a título principal pela requerente por violação de obrigações decorrentes daquele contrato, importará então analisar se a requerente precisa desta providência cautelar para acautelar esse direito de crédito e correlacionado com essa questão se o receio invocado para a sua instauração não se mostra acautelado através de outros mecanismos legais especificamente previstos para a situação em apreço.
Nestes autos de providência cautelar a Apelante/Requerente formulou dois pedidos alternativos: o primeiro no qual pediu o arresto de um saldo bancário da Requerida para acautelar um direito de crédito que quantificou no valor de €2.079.484,95 (crédito emergente da alegada violação de declarações e garantias prestadas no contrato de compra e venda e trespasse); o segundo no qual pediu o arresto de um saldo bancário da Requerida para acautelar um direito de crédito que quantificou no valor de €3.449.853,49 (crédito emergente da anulação do contrato de compra e venda e trespasse) este último formulado para o caso de se entender que o direito da requerente só pode resultar do pedido de anulação da venda.
Subsidiariamente, a Requerente pediu que para o caso de não se entender ser o arresto a providência cautelar adequada a tutelar a sua pretensão, seja decretada a inibição do administrador da insolvência pagar aos credores no âmbito do processo de insolvência da B... (autos principais) de valor não inferior a € 2.079.484,95 ou, se se entender que a Requerente apenas deverá ser indemnizada em razão da anulação do contrato de compra e venda, de valor não inferior a € 3.449.853,49.
O objectivo a atingir com a presente providência cautelar, admitido pela própria Requerente, é tornar cativo aquele valor que entende ser um direito de crédito seu perante a massa insolvente, impedindo que o mesmo seja também utilizado para dar pagamento aos demais credores reconhecidos no processo de insolvência.
O receio invocado pela Requerente é nem mais nem menos que o segundo pressuposto exigido pela providência cautelar intentada, quer seja de arresto, quer comum, traduzido no “justo receio de perda da garantia patrimonial” (pressuposto referente ao Arresto) ou no “receio de lesão grave e de difícil reparação do direito da requerente” (pressuposto referente á providência cautelar comum ou inominada), traduzido no receio de, mesmo a ser-lhe reconhecido o direito de crédito a exercer na ação definitiva, poder não o conseguir cobrar dado o encerramento da liquidação no processo de insolvência.
Acontece que esse receio estará devidamente acautelado assim que for intentada a ação definitiva na qual a Apelante/Requerente venha a exercer o direito indemnizatório de que se arroga titular, qualquer que seja a pretensão que nela venha a formular:
i. caso pretenda anular o contrato de compra e venda e trespasse, tal como se decidiu assertivamente na sentença recorrida, deverá lançar mão do procedimento previsto no art. 838º do CPC aplicável por força do art. 17º e 164º nº 1 do CIRE, estando aquele receio devidamente acautelado no art. 838º nº 3 do CPC;
ii. caso pretenda reclamar da massa insolvente o crédito emergente da violação das obrigações de garantia prestadas no contrato, deverá intentar ação para reconhecimento de crédito sobre a  massa insolvente- uma vez que a reclamada indemnização consubstanciará dívida da massa insolvente ( art. 51º nº 1 al. c) do CIRE) enquanto dívida emergente dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (como é o caso da venda de bens da massa insolvente)-, através do procedimento especificamente previsto no art. 89º nº 2 do CIRE.
Nesta última hipótese, instaurada essa ação contra a massa insolvente- representada pelo administrador de insolvência-, este terá de deduzir da massa insolvente o valor necessário à satisfação da dívida da massa insolvente reclamada pela requerente, em cumprimento do art. 172º do CIRE, preceito legal que determina que nelas se incluam as dívidas que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo de insolvência.
“Os créditos sobre a massa insolvente são os que dizem respeito a obrigações constituídas depois do início do processo de insolvência, isto é, no decurso do respectivo processo”[2], como será o caso do crédito cujo reconhecimento a aqui requerente pretende obter na ação a propor.
Poder-se-ia colocar também como hipótese o recurso ao art. 146º nº2 e 3 e 180º do CIRE caso se considerasse um reconhecimento de crédito de constituição posterior, em verificação ulterior, mas sabemos não ser consensual essa possibilidade, tal como escreve Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, que “esta verificação ulterior de créditos não serve para reclamação do pagamento de créditos sobre a massa insolvente ( nº 2 do artigo 51º), sendo o meio processual próprio o previsto no nº 2 do artigo 89º, ou citando o Ac RP de 18.06.2009, “os créditos sobre a massa insolvente devem ser exercidos judicialmente através do meio previsto no nº 2 do artigo 89º e não através de reclamação de créditos ( seja a prevista no artigo 128º ou a verificação ulterior prevista no artigo 146º).”[3]
Tendo a requerente alegado expressamente que a “decisão de requerer um procedimento cautelar resultou da iminência da elaboração do mapa de rateio e distribuição aos credores do produto da liquidação, atendendo à recente prolação de sentença de verificação e graduação de créditos, o que levaria a que a requerente ficasse praticamente impedida de recuperar o crédito que tem sobre a recorrida”, contrariamente ao por si sustentado, mesmo no caso de não pretender anular a venda do estabelecimento da insolvente, mas apenas pedir o reconhecimento da dívida da massa insolvente nos termos por si invocados, esse direito está devidamente acautelado pelos procedimentos previstos no CIRE, porque na distribuição do produto da liquidação do activo pelos credores da insolvente, o administrador terá de levar em conta o valor a deduzir para uma eventual necessidade de pagamento da dívida da massa que a aqui Requerente dela reclama e cuja previsibilidade de constituição deve acautelar assim que tomar conhecimento da instauração da ação.
Esse procedimento imposto pelo art. 172º do CIRE que o administrador de insolvência está obrigado a implementar e que estará em condições de o fazer assim que instaurada pela requerente a ação para reconhecimento do crédito sobre a massa insolvente (nos moldes determinados no art. 89º nº 2 do CIRE) é, no caso em apreço, precisamente o meio processual adequado para assegurar a efectividade do direito de indemnização a que se arroga a requerente, não a providência cautelar- seja a de arresto ou a comum.
Existindo aquele meio processual ao alcance da requerente, não tem de antecipar os efeitos da ação principal através de providência cautelar, até porque a fazê-lo ter-se-ia sempre de considerar inverificado o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial ou o justo receio de lesão grave e de difícil reparação, por o mesmo estar acautelado quer nos termos do art. 838º nº 3 do CPC ex vi do art. 17º do CIRE, quer nos termos da articulação do art. 892º nº 2 e do art. 172º do CIRE.
Por conseguinte, em face da argumentação acima exposta e na improcedência dos argumentos recursivos, deve manter-se a decisão recorrida de indeferimento liminar de providência cautelar.
***
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela Apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante que ficou vencida.
Notifique.

Porto, 19 de Março de 2024
Maria da Luz Seabra
Fernando Vilares Ferreira
Artur Dionísio Oliveira

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
______________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, CIRE Anotado, pág. 170/172
[3] CIRE Anotado, 2013, pág. 173 e 415