CONTRATO DE EMPREITADA
MORA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO CONTRATO
DONO DA OBRA
DESISTÊNCIA DO CONTRATO DE EMPREITADA
Sumário

I - No âmbito de um contrato de empreitada, a mora na prestação do empreiteiro não confere ao dono da obra direito à resolução do contrato sem que proceda previamente à sua conversão em incumprimento definitivo.
II - Para que a mora do empreiteiro se convertesse em incumprimento definitivo, passível de permitir a resolução do contrato, seria necessária uma actuação do dono da obra- ou a comunicar a falta de interesse objectiva, ou a fazer uma interpelação admonitória- ou da parte do empreiteiro um comportamento inequívoco de não querer cumprir, designadamente abandonando a obra.
III - O dono da obra pode desistir da empreitada, nos termos do art. 1229º do CC, pode não querer que seja aquele empreiteiro a concluir os trabalhos contratados que iniciara, porém essa forma de extinção do contrato- por desistência- tem mera eficácia ex nunc, permanecendo nesse caso o dono da obra obrigado a pagar os trabalhos efectivamente executados pelo empreiteiro até à data da cessação, não tendo direito a exigir deste a devolução da totalidade do adiantamento pago.
IV - Mantendo-se em vigor o contrato de empreitada no âmbito do qual a quantia cuja restituição o dono da obra pretende obter foi entregue ao empreiteiro como adiantamento do preço, não tem este a obrigação de restituição por não se verificar uma situação de enriquecimento sem causa.

Texto Integral

Processo n.º 1904/22.5T8VNG.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou acção declarativa sob processo comum contra BB, tendo formulado os seguintes pedidos:
i) que seja reconhecido a resolução do contrato de empreitada;
ii) que seja o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 4.700,00 (quatro mil e setecentos euros), que este lhe entregou como adiantamento dos custos da empreitada, nomeadamente para aquisição de telha, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais, e
iii) ser o réu condenado ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais no montante de 775,00 acrescido de iva e juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento da referida pretensão, o Autor alegou em síntese que, em Novembro de 2019 adjudicou ao Réu a execução de obras de renovação do telhado no imóvel identificado nos autos do qual é proprietário, por aquele orçamentadas em €9800,00, tendo-lhe entregue um cheque no valor de € 4700,00 como adiantamento desses trabalhos, à ordem do fornecedor da telha conforme pedido pelo próprio Réu, no entanto, apesar das diversas interpelações para que o Réu procedesse aos trabalhos contratualizados e apesar das sucessivas promessas, o Réu nunca os iniciou até à data da instauração desta acção, nem devolveu ao Autor a quantia recebida por conta daquele orçamento,conforme fora interpelado para fazer, pretendendo o Autor que seja reconhecida a resolução do contrato de empreitada, que o Réu lhe devolva a importância de €4700,00 acrescida de juros á taxa de 4% desde que foi disponibilizado o crédito até integral pagamento, assim como que o Réu seja condenado a pagar-lhe a importância de €775,00 acrescida de IVA e juros de mora até efectivo e integral pagamento para o indemnizar pelas despesas que teve de incorrer de reparação dos danos sofridos na fração do 4º andar direito, decorrentes das infiltrações provocadas pela conduta omissiva do Réu de não reparação do telhado.

2. O Réu deduziu contestação, impugnando os factos alegados na pi, alegando que foi realizando diversas intervenções no imóvel e noutros imóveis do Autor, designadamente tendo em Novembro de 2019 iniciado os trabalhos adjudicados no imóvel dos autos, tendo sido substituído e colocado rufos, bem como caleiras e capoto nas chaminés desse imóvel, para o qual adquiriu o material ao fornecedor a quem foi entregue o cheque mencionado pelo Autor, não tendo sido concluída a obra no telhado porque o Autor sem mais, e sem que se previsse tal, decidiu unilateralmente interromper a obra, tendo suspendido os trabalhos que o Réu estava a realizar naquele imóvel, apesar de mais tarde o ter  contactado para terminar a obra, tendo-lhe sido dito que poderia terminar a obra do telhado após termino de outros trabalhos que se encontrava a realizar noutros clientes.
Invocou também a excepção de não cumprimento do contrato, estando disposto a terminar a obra se o Autor lhe pagar os valores que reclama estarem em dívida e cujo pagamento peticiona em sede de reconvenção.
Formulou, ainda, pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor/Reconvindo a reconhecer o crédito do Réu/Reconvinte no montante de €8.260,00 por valores em dívida de trabalhos realizados quer nesse imóvel, quer nos outros imóveis que identificou como sendo pertencentes ao Autor.

3. O Autor apresentou réplica, suscitando a questão da omissão do valor do pedido reconvencional, bem como pediu a sua absolvição do pedido reconvencional por se verificar a excepção da ilegitimidade da sociedade A..., Lda e de CC, assim como impugnou os factos que fundamentam o pedido reconvencional, negando dever qualquer valor ao Réu/reconvinte.
Requereu a condenação do Réu/Reconvinte como litigante de má-fé em multa e indemnização no montante de €1.500,00.
Mais suscitou a questão do enriquecimento sem causa, alegando que o Réu enriqueceu à sua custa, porquanto pagou-lhe os materiais, desconhece o seu paradeiro e a obra não foi executada.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, que admitiu o pedido reconvencional, julgou improcedente a excepção da ilegitimidade, bem como dispensou a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, e com estes fundamentos, o Tribunal decide:
a) absolver o R. BB dos pedidos formulados pelo A. AA;
b) absolver o A. AA do pedido reconvencional deduzido pelo R. BB;
c) indeferir a condenação do R. BB como litigante de má fé.
d) condenar as A. e o R. nas custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 43% para o A. e 57 % para o R..
Registe e notifique.”

6. Inconformado, o Autor/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A. Os presentes autos respeitam a uma ação declarativa de condenação, em processo comum, na qual peticiona o Autor AA o reconhecimento do direito de resolução do contrato de empreitada celebrado entre este e o Sr. BB (aqui Réu) e a subsequente condenação do Réu BB ao pagamento da quantia de €4.700,00 (quatro mil e setecentos euros) que o Autor lhe entregou como adiantamento dos custos da empreitada, nomeadamente para aquisição de telha, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal até efetivo e integral pagamento. Peticiona ainda o Autor a condenação do Réu ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de €775,00 (setecentos e setenta e cinco euros) acrescido de IVA e juros de mora até efetivo e integral pagamento.
B. Volvida a marcha do presente processo, o Tribunal, por sentença a fls. ...., de 27.08.2023, notificada às partes a 29.08.2023, decidiu: “a) absolver o R. BB dos pedidos formulados pelo A. AA; b) absolver o A. AA do pedido reconvencional deduzido pelo R. BB; c) indeferir a condenação do R. BB como litigante de má fé; d) condenar as A. e o R. nas custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 43% para o A. e 57 % para o R..
C. Não pode o recorrente aceitar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto a sentença proferida por este apresenta: i) uma evidente contradição entre os factos dados como provados e a decisão final da causa e (ii) uma errada aplicação do Direito aos factos do caso concreto.
D. Neste sentido, entendeu e bem o Tribunal, no facto 12 dado como provado que “Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado)”, porquanto, dos trabalhos contratualizados pelas partes– cf. Orçamento do Réu que consta do Documento 1 junto com o Requerimento de 28.03.2022 -, o Réu não levou a cabo a realização integral de nenhum dos mesmos.
E. Assim, não pode admitir simultaneamente o Tribunal a quo o facto 1 dos factos não provados – “Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado) – como não provado, tanto por tal afirmação não corresponder à verdade, como pela impossibilidade de se considerar que, numa mesma realidade fáctica, simultaneamente ocorreu um facto que não ocorreu.
F. Das duas uma: ou o Réu procedeu à realização das obras ou o Réu não procedeu à realização das referidas obras e, no caso concreto, o Réu nunca procedeu à realização de trabalhos, tal como confessa.
G. Trata-se de dar como provados factos contraditórios e incompatíveis.
H. Para além de não dar cumprimento às obrigações a que estava adstrito em virtude do Contrato de Empreitada, o Réu imbuiu o Autor com falsas promessas de que começaria a realização dos trabalhos sempre que o Autor se deslocava a casa do Réu tentando obter algum esclarecimento quanto ao motivo do não início dos mesmos ou até mesmo quando o Autor o contactava.
I. Nunca o Réu deu início aos trabalhos contratualizados.
J. Pelo que só se poderia dar como provado o facto de que o Réu nunca iniciou os trabalhos contratualizados no imóvel do Autor.
K. Deste modo, deu e bem o Tribunal a quo o facto 12 dos factos provados como provado, no entanto, andou mal este Tribunal ao dar como não provado o facto de que “desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha iniciado, de todo, a obra de reparação do telhado”, devendo, este facto constar do elenco dos factos provados, como o consta, no facto 12 dos mesmos.
L. Com efeito, tal circunstância influi diretamente no conteúdo do dispositivo da sentença, isto é, na boa decisão da causa e descoberta da verdade.
M. Olhando para a relação contratual constituída entre o Autor e o Réu – isto é, o contrato de empreitada celebrado entre estes –, tendo presente que o Autor emitiu um cheque ao fornecedor do Réu no valor de €4.700,00 para a aquisição de material para a realização da obra e verificando-se (como se verifica) que o Réu não cumpriu os trabalhos objeto do referido contrato, solução diversa deveria ter sido adotada pelo Tribunal a quo na composição definitiva do presente litígio.
N. Neste conspecto, a única conclusão plausível para o presente dissidente (que deveria ter sido levada a cabo pelo Tribunal a quo) é a de condenar o Réu BB aos pedidos formulados pelo Autor AA, isto é, a de condenar o Réu BB na restituição dos valores pagos pelo Autor para a realização da obra, no montante de €4.700,00.
O. Face aos contornos do presente caso, aduzindo e apreciando a prova produzida tanto nos articulados apresentados pelas partes como em sede de audiência de discussão e julgamento, este é o único veredicto que o Direito positivo ampara e concerne.
P. Dispõe o artigo 798.º do Código Civil que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, sendo, nos termos do disposto no artigo 799.º do mesmo diploma legal, ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Q. In casu, perante o compromisso que o Autor e o Réu assumiram – o Réu de fazer as obras no prédio do Autor e o Autor de pagar o respetivo preço - seria expectável que o Réu efetivamente as realizasse.
R. Incorre o Réu, desta forma, num comportamento ilícito que consiste na falta de cumprimento dos deveres positivos estipulados e considerados no contrato, ou seja, o cumprimento da prestação acordada.
S. Cumpre ainda salientar que o Réu não estava impedido de cumprir o seu dever, porquanto, ainda que o Contrato de Empreitada tenha perdurado no período pandémico, o Réu não deixou de exercer, neste período, a sua atividade profissional.
T. Posto isto, a atuação foi culposa, verdadeiramente dolosa, porquanto para além da sua inação face à obrigação que tinha assumido, este ainda se apropriou, em seu benefício, de €4.700,00, o que constitui uma verdadeira situação de enriquecimento sem causa à custa do Autor, porquanto do adiantamento que este lhe concedeu.
U. Por tudo o que fora exposto, andou mal o Tribunal a quo ao não condenar o Réu na restituição do valor que o Autor havia pago, tornando-se decisão emitida contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
V. Nestes termos e face à oposição entre o fundamento e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, requer-se a V/ Exas. se dignem reconhecer e declarar a nulidade da Sentença em crise, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC.
W. Constitui entendimento do Tribunal a quo, que não se chegou a verificar uma “perda do interesse” do Autor na realização integral da obra de reparação do telhado.
X. No entanto, tal convicção não poderia estar mais afastada da realidade dos factos.
Y. O Autor e o Réu celebraram um contrato de empreitada, no dia 18.11.2019, nos termos do disposto no artigo 1207.º do Código Civil, que se caracteriza por ser um contrato sinalagmático, estando, num dos lados do sinalagma a realização e entrega da obra e no outro a contraprestação respetiva, a saber, o pagamento do preço contratado.
Z. Neste sentido, o Réu assumiu, perante o Autor a realização da obra no telhado do prédio sito no Largo ..., concelho do Porto. Por seu turno, estava o Autor obrigado a pagar, aquando da conclusão da obra, o seu preço, montante este no valor de €9.800,00.
AA. Não obstante os contactos encetados pelo Autor ao Réu, “o certo é que o R. não realizou os trabalhos em falta e que constam do número 12. Dos factos provados, apesar das promessas de realização integral da obra” – facto 14 dos factos provados.
BB. Em meados de 2021, o Autor deslocou-se a casa do Réu manifestar a sua intenção de resolver o contrato celebrado por ambos, em virtude do facto de estar há mais de um ano à espera do início dos trabalhos, resolução esta que foi objeto de desentendimento pelas partes.
CC. No entanto, e bem sabendo da conduta dolosa que levava a cabo, o Réu durante a conversa com o Autor acabou por se conformar com a resolução do referido contrato.
DD. A partir deste momento, torna-se inequívoco que o Autor perdeu o interesse na prestação do Réu, pois volvidos tantos meses e até anos (de 2019 a 2021), uma vez que que o comportamento de um “homem médio, razoável” não seria o de, mediante o pagamento de uma provisão por parte do credor, não iniciar os trabalhos contratados, nem no prazo de 1 ano (que foi o que o Autor pacientemente esperou pela sua realização), nem nunca.
EE. Tanto o Autor como o Réu estavam conformados com a cessação daquele contrato. Mas, mesmo que não o estivessem, o Autor quando se deslocou à residência do Réu foi claro no seu desinteresse relativamente ao contrato por estes celebrado, perda essa resultante da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância.
FF. Ainda, enviou o Autor ao Réu, em 05.07.2021, uma carta onde reitera a sua perda de interesse na prestação e o consequente incumprimento definitivo.
GG.Neste momento, conhecia o Réu as circunstâncias do contrato, a necessidade de reparação urgente que o telhado do imóvel apresentava, o intervalo temporal que mediou entre a celebração do contrato e a perda do interesse do credor adveniente da mora no cumprimento.
HH.No presente status quo temos um Credor, aqui Autor, sem a prestação contratada para a qual despendeu de €4700,00 e um Devedor, aqui Réu, que não incorreu em custos e em mão de obra para a realização da referida prestação e que dispõe de um incremento patrimonial de €4700,00.
II. Ademais, ao entender o Tribunal a quo de forma manifestamente errada, que não existiu perda de interesse contratual por parte do credor, aqui Autor, não havendo, por isso, razão para invocar o incumprimento definitivo, não concede este Tribunal a indemnização peticionada pelo Autor, no valor de €775,00, acrescido de IVA à taxa legal (facto 16 dos factos não provados).
JJ. A verdade é que, para fazer face ao incumprimento reiterado do Réu, o Autor teve e contratar um outro empreiteiro – B... Unipessoal, Lda. – para a realização de parte das referidas obras, no sentido de impedir que a degradação se alastrasse de tal forma que se tornaria de reversão impossível.
KK. Assim, o Autor incorreu neste prejuízo única e exclusivamente por conta da conduta do Réu (!) porquanto se, ao invés, este tivesse procedido diligentemente à reparação do telhado do prédio sito no Largo ..., Porto, não teria o Autor de subcontratar parte da referida prestação num terceiro.
LL. Nestes termos, dispõe o artigo 563.º do Código Civil que a indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
MM. Como é percetível, não teria o Autor de contratualizar com a empresa B... Unipessoal, Lda, a reparação dos danos verificados na fração do 4º Direito decorrente da conduta omissiva do Réu, que se subsumem ao levantamento de tacos no chão da sala, humidade nas paredes e gesso cartonado danificado, se não se visse numa situação limite quanto à salubridade da referida fração, dada a inércia do Réu na execução dos trabalhos que consigo foram contratualizados.
NN. Neste sentido, o facto 4 dos factos não provados deveria ter sido valorado como provado, provando-se também, por conseguinte, o nexo causal entre o comportamento omissivo do Réu e a produção dos referidos danos.
OO. A admitir-se o decidido pelo Tribunal a quo, o que não se concebe nem tampouco se concede, está-se a permitir um enriquecimento flagrante de uma parte à custa da outra.
PP. Assim, aplicando-se os factos do caso concreto à hipótese legal ínsita no artigo 473.º estamos perante um aumento no património do Réu de €4700,00, à custa de um cheque emitido pelo Autor, sem causa justificativa, uma vez que não existiu uma prestação efetiva. E, no presente caso, como foi amplamente provado através do presente recurso que ora se interpõe, não existiu causa justificativa para a apropriação, por parte do Réu, desta quantia. Outrossim existiria se o Réu efetivamente tivesse procedido à reparação do telhado, o que, in casu, não aconteceu.
QQ. Face a tudo quanto resulta supra exposto, temos que, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC., por contradição dos factos dados como provados com a dispositivo da decisão, com as inerentes consequências legais, o que se requer seja reconhecido e declarado.
RR. Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, temos que, o Tribunal a quo, quanto à subsunção dos factos ao Direito, na parte objeto do presente recurso, promoveu: (i) A uma errada interpretação do direito subjacente aos factos do caso concreto.; (ii) A uma errada aplicação e interpretação dos artigos 798.º e 808.º do Código Civil, como se impunha dada a factualidade trazida pelas partes;
SS. Sendo certo que, promovendo-se a uma correta análise e aplicação do disposto nos artigos 798.º e 808.º do Código Civil nos termos supra expostos – sempre se imporia condenar o Réu ao pedido formulado pelo Autor na sua Petição Inicial, nos termos melhor acima explanados,
TT. Motivo pelo qual se requer a esse Venerando Tribunal se digne revogar a decisão vertida na sentença em crise, substituindo-a por outra que: a) Condene o R. BB dos pedidos formulados pelo A. AA; b) Condene o R. ao pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de €775,00, pelos prejuízos por si causados c) condene o R. no pagamento das taxas de justiça pelas partes pagas, incluindo as custas de parte e mantendo a decisão d) Absolva o A. AA do pedido reconvencional deduzido pelo R. BB;
Concluiu, pedindo que a sentença proferida pelo tribunal a quo seja declarada nula, com as inerentes consequências legais.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, seja a sentença em crise revogada e substituída por outra que:
a) Condene o R. BB dos pedidos formulados pelo A. AA;
b) Condene o R. ao pagamento de uma indemnização ao Autor, no valor de €775,00, pelos prejuízos por si causados.
c) condene o R. no pagamento das taxas de justiça pelas partes pagas, incluindo as custas de parte. E mantenha:
d) Absolva o A. AA do pedido reconvencional deduzido pelo R. BB

7. O Réu/Apelado não ofereceu contra-alegações.

8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª Questão-Nulidade da sentença;
2ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3ª Questão- Resolução do contrato de empreitada por incumprimento definitivo por parte do empreiteiro;
4ª Questão- Indemnização por danos numa fração decorrentes de conduta omissiva do Apelado;
5ª Questão- Enriquecimento sem causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. O A. AA é possuidor e proprietário do imóvel sito no Largo ..., da união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... concelho do Porto.
2. O mencionado imóvel carecia da realização de obras de conservação, nomeadamente a renovação do telhado e, para tal, o A. entrou em contacto com o R. para que este lhe desse um orçamento para a obra a realizar.
3. O R. BB já havia realizado outras obras de recuperação e reabilitação em imóveis de que o A. era proprietário existindo, portanto, uma relação de confiança.
4. Em meados de setembro ou outubro de 2019, o R. deslocou-se ao prédio com o A., para analisar o seu estado de conservação do telhado, de modo a aferir quais as obras que este necessitava e também para projetar o orçamento.
5. No dia 18/11/2019, o R. entregou ao orçamento ao A. um orçamento no montante de €9.800,00 (nove mil e oitocentos euros).
6. Face à relação de confiança existente entre A. e R., e por já havia sucedido anteriormente, pelo R. foi solicitado um adiantamento para aquisição de material.
7. O A. adjudicou os trabalhos ao R. tendo em conta o orçamento apresentado.
8. No dia 28/11/2019, o A. entregou ao R. cheque número ... sacado sob o Banco 1..., no montante de €4.700,00 (quatro mil e setecentos euros) emitido à ordem de CC – empresário que forneceria a telha.
9. O referido cheque foi apresentado a pagamento e pago no dia 02/12/2019, na conta do Banco 1... ....
10. Portanto, e tal como já havia ocorrido em situações anteriores o A. adiantou a referida quantia por conta do orçamento apresentado.
11. Era usual o R. pretender que os pagamentos fossem efetuados diretamente aos fornecedores e não a si diretamente, alegadamente, por ter problemas que o impediam de receber diretamente.
12. Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado).
13. Em março de 2020, a situação descrita no número 12. ainda se mantinha.
14. Posteriormente a essa data, e, não obstante, os contactos (pessoalmente, quer telefonicamente), havidos entre o A. e o R., o certo é que, o R. não realizou os trabalhos em falta e que constam no número 12. dos factos provados, apesar das promessas de realização integral da obra.
15. Por carta datada de 05/07/2021, recebida pelo R., o A. comunicou-lhe:
“Logradas as promessas de execução da obra de renovação do telhado do prédio do Largo ..., promessas que desde novembro de 2019 tem vindo a fazer, sou por esta via a informá-lo do seguinte:
I. No dia 28 de novembro de 2019, por cheque do banco nº ... sobre o Banco 1..., entreguei-lhe a quantia de 4700 € (quatro mil e setecentos euros), para executar a obra de colocação do telhado no edifício sito no Largo ..., conforme orçamento de 18 de novembro de 2019, no valor de 9800 € (nove mil e oitocentos euros).
2. Na altura referiu que necessitava desse montante para aquisição do material, para realizar o trabalho, mais concretamente da telha.
3. A verdade é que a obra não foi realizada, nem o material terá sido adquirido, não obstante as promessas debalde, verbalizadas ao longo deste ano e meio.
4.Em conformidade, dispõe do prazo limite de 10 dias IMPRETERIVELMENTE, a partir da data da presente missiva, para entregar a quantia em causa;”.
16. A empresa B... Unipessoal, Lda. elaborou um orçamento para a reparação da fração sita no 4º andar direito (levantamento de tacos no chão da sala, humidade nas paredes e gesso cartonado danificado), sendo que, o custo da reparação é de 775,00 acrescido de Iva à taxa legal.
17. Por carta datada de 19/07/2021, enviada por uma ilustre mandatária em representação do R., foi comunicado ao A. que “Fui contactada pelo m/constituinte, BB que me mandatou para junto de V.a S Ex.a s expor e comunicar o seguinte:
O m/constituinte foi notificado por V.a Exa para proceder no prazo de dez dias impreterivelmente a quantia de 4.700€ e 9.800€, o que perfaz a quantia total de 14.500€ (catorze mil e quinhentos euros). Alega para tanto V.a Exa que a obra realizada no Edifício sito no Largo ... não foi realizada, nem o respetivo material de obra.
Ora, desde já se repudia vivamente o exposto na sua missiva, impugnando tais afirmações e factos por não corresponderem à verdade.
Conforme é do s/conhecimento, o m/constituinte não terminou a obra no telhado porque o Sr. AA findou a prestação de serviços adjudicada ao m/constituinte verbalmente nesse edificio.
Porém, é certo que mais tarde, arrependido de tal situação, V.a Exa encetou contacto com o m/constituinte e, solicitou junto do mesmo o término da obra, nomeadamente, a reparação do telhado.
Nesse seguimento, o Sr. BB, ora m/constituinte, referiu que aceitava terminar a aludida reparação, no entanto, uma vez que havia cessado a prestação na s/habitação, tinha agora aceite outras obras e, como tal, só após termino dessas obras é que iniciaria as obras.
Perante o exposto, facilmente poderá verificar-se que V. Ex.a não procedeu ao pagamento da quantia supra referida, pelo que poderá fazê-lo no prazo de 10 dias”.
18. O A. contratou com o R. a realização de trabalhos no Edifício ..., sendo tais serviços no valor de 560€, referente a:
a) Deslocação de dois funcionários pelo período de dois dias para trabalho de pinturas nos móveis, no valor de 260 euros;
b) Deslocação de um funcionário para cortar esteiros do muro do imóvel e transporte de entulho para o vazadouro, no valor de 300 euros;
tendo o valor sido pago pelo A..
19. O A. contratou com o R. a realização de trabalhos no Edifício ..., tendo apresentado valor de 850€ referente aos seguintes serviços: a) Colocação de Pelador com ferragens e pintura na marquise virada para o mar, no valor de 850€, tendo o valor sido pago pelo A..
O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1. Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha iniciado, de todo, a obra de reparação do telhado.
2. O R. indicou que não dava inicio da grande maioria das tarefas necessárias à reparação do telhado pela situação pandémica e por falta de funcionários.
3. Para além do indicado no número 15. dos factos provados, o A., em meados de 2021 contactou o R. ou este cumpria o contrato e dava início aos trabalhos no imediato, e se assim não o fosse, que restituísse o montante que este lhe havia pago.
4. Face à conduta omissiva perpetrada pelo R., viu o A. a fração do 4º direito ser afetada com a entrada de chuvas na fração, com o levantamento de tacos no chão da sala, humidade nas paredes e gesso cartonado danificado, o que deu origem ao orçamento indicado no número 16. dos factos provados.
5. O cheque entregue pelo A., mencionado no número 8. dos factos provados destinou-se a efetuar o pagamento de diversos materiais de construção para diversas obras que o R. se encontrava a realizar para o A.., tendo o R. adquirido, nesse âmbito, material no valor de €4.744,53, encontrando-se assim por liquidar a quantia de €44,53.
6. O A., sem mais e sem que se previsse tal, decidiu unilateralmente interromper a obra indicada no número 12. dos factos provados, tendo para o efeito suspendido os trabalhos que o R. estava a realizar naquele imóvel, dispensando os seus serviços.
7. Mais tarde, e decorrido bastantes meses, o A. arrependido de tal situação, encetou contacto com o R. quer telefonicamente, quer por carta registada e, solicitou junto do mesmo o término da obra, tendo requerido para o efeito a reparação do telhado.
8. Tendo o R. referiu que aceitava executar os trabalhos, mas que teria de terminar outras obras.
9. O R., após receber a carta indicada no número 15. dos factos provados, acrescentou e frisou que poderia terminar a obra do telhado após termino de outros trabalhos que se encontrava a realizar noutros clientes, tendo também para o efeito e, desde logo, esclarecido que não havia lugar a qualquer restituição de quantias pagas, uma vez que o A. era devedor de várias quantias ao R. por força de vários trabalhos realizados em diferentes imóveis do A.
10. O R. contratou com o A., para realização de trabalhos a realizar num imóvel sito na ... – Espinho, que o R. realizou no âmbito desse contrato, pelo valor de €6.850,00, tendo o R., no âmbito desse contrato, realizado os seguintes serviços:
a) Colocação e construção de Fogão de Sala em tijolo burro e implementação de tubagem em anexo, no valor de 2.300 euros;
b) Construção de viga em I juntamente entre o corredor e a sala (demolição de paredes e colocação de viga em I, no valor de 1.100 euros;
c) Colocação de cassete de 1,20 metro na porta entre a sala e a cozinha, no valor de 600 euros;
d) Colocação de Pelador nas paredes interiores da residência, no valor de €2.400 euros;
e) Tapamento de duas portas nos quartos (fecho e revestimento com pintura), no valor de 450,00 euros.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Nulidade da sentença.
O Apelante aludiu à contradição entre os factos dados como provados e a decisão final da causa (Conclusão C), considerou que o tribunal a quo andou mal ao não condenar o Réu na restituição do valor que o Autor havia pago, tornando-se decisão emitida contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la (Conclusão U) e concluiu que face à oposição entre o fundamento e a decisão deve ser declarada a nulidade da sentença nos termos do art. 615º nº 1 al. c) do CPC (Conclusões V e QQ).
Adiantamos desde já que resulta, porém, evidente da leitura das conclusões de recurso que não estamos perante qualquer nulidade da sentença, mormente aquela mencionada no art. 615º nº 1 al. c) do CPC de que o Apelante se socorreu, estamos sim perante uma manifestação de inconformismo com a decisão sobre a matéria de facto prolatada pelo tribunal recorrido e a invocação de erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da questão decidenda, erros esses, quer de facto quer de direito, que o Apelante suscitou nas demais conclusões de recurso e serão apreciados em sede própria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de julgamento de mérito, não consubstanciando qualquer das nulidades taxativamente previstas no art. 615º do CPC.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [2], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
A esse propósito, o Apelante invocou a nulidade da sentença consagrada no mencionado art. 615º nº 1 al. c) do CPC, cujo teor, para o que aqui importa, é o seguinte:
“É nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)”
A nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c) do CPC, tem a ver com uma contradição lógica entre a fundamentação jurídica e a decisão.
Como refere nesta matéria J. Lebre de Freitas, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade de sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada conclusão jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. “[3]
Ora, da própria argumentação que o Apelante invocou para sustentar esta nulidade da sentença, como acima afloramos, resulta inegável a sua improcedência, porquanto nela não se vislumbra a invocação de contradição nos próprios termos da sentença, entre a sua fundamentação e a decisão propriamente dita.
 No caso dos autos, a sentença proferida está em linha com a fundamentação jurídica que dela consta, que absolveu o Apelado dos pedidos formulados pelo Apelante por ter concluído que o Apelante não havia resolvido validamente o contrato de empreitada celebrado com o Apelado, porque havia apenas mora e não incumprimento definitivo e, não havendo resolução do contrato o Apelante não tinha fundamento para pedir a restituição do valor pago como adiantamento dessa empreitada, sendo que tal conclusão não entra em colisão com  os factos dados como provados a esse propósito, porque o tribunal não os considerou suficientes para fundamentar a pretensão do Apelante, conforme verteu na fundamentação de direito acerca dos pressupostos necessários para o reconhecimento da resolução válida do contrato.
O Juiz a quo concluiu, na decisão final proferida, no mesmo sentido seguido no seu raciocínio explanado na fundamentação, porquanto entendeu, (mal ou bem, não interessa para a decisão da nulidade) que os factos apurados não permitiam a procedência da ação e este seu entendimento ficou expresso na fundamentação.
Se o Apelante entende, como o diz expressamente, que parte dos factos estão mal julgados ou que a decisão final devia ter sido outra, designadamente que devia ter sido condenado o aqui Apelado, tal constituirá fundamento para a reapreciação desses segmentos decisórios por eventual erro de julgamento, que o aqui Apelante também suscitou, sendo essa a sede própria para a sua apreciação.
Saber se houve erro quanto a alguns dos factos dados como provados ou como não provados, ou se a conclusão a que chegou o tribunal está errada, consubstancia, quando muito, a apreciação de um eventual erro de julgamento e não a apreciação da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. c) do CPC. [4]
As partes têm direito a entender que, quer o raciocínio seguido pelo Juiz a quo, quer os fundamentos jurídicos vertidos na sentença recorrida não foram convincentes ou sequer esgrimidos de forma consistente, com apreciação sustentada de todos os factos dados como provados, de forma a convencer as partes da solução encontrada, mas essa discordância não se confunde com a nulidade da sentença por contradição lógica entre a fundamentação e a decisão, e mesmo que os factos dados como provados sejam suficientes para conceder provimento à pretensão do Apelante tal eventual erro consubstanciará uma questão de mérito, não uma questão de nulidade da sentença.
O acerto da decisão é uma questão que não contende com a nulidade da sentença, mas com o seu mérito. [5]
Improcede, assim, a apontada nulidade da sentença.
*
2ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[6]
Analisadas as conclusões deste recurso, que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, concluímos que tais ónus de impugnação da matéria de facto foram suficientemente cumpridos pelo Apelante, ao fazer constar das conclusões de recurso, os factos impugnados, a decisão alternativa e os meios de prova constantes do processo, que em seu entender, sustentam a pretendida alteração da decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, fazendo constar também, para além das transcrições, as passagens concretas das gravações dos depoimentos nos quais fundamenta este recurso.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Importa, pois, apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos mencionados pelo Apelante nas conclusões de recurso:
i. Nas Conclusões de recurso D a K, o Apelante impugnou o ponto 1 dos factos não provados, considerando-o incorrectamente julgado e, sustentou que, deveria esse facto constar do elenco dos factos provados, como consta, no facto 12 dos mesmos.
ii. Assim como, nas Conclusões JJ a NNN, impugnou o ponto 4 dos factos não provados, considerando que deve ser dado como provado.
Vejamos o que dizem cada um desses factos impugnados:
1. Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha iniciado, de todo, a obra de reparação do telhado.
4. Face à conduta omissiva perpetrada pelo R., viu o A. a fração do 4º direito ser afetada com a entrada de chuvas na fração, com o levantamento de tacos no chão da sala, humidade nas paredes e gesso cartonado danificado, o que deu origem ao orçamento indicado no número 16. dos factos provados.”
Para fundamentar a impugnação do ponto 1 dos factos não provados o Apelante chama à colação o ponto 12 dos factos provados, cuja redação é a seguinte:
12. Desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado).”
O Apelante defendeu que existe uma contradição entre o ponto 12 dos factos provados e o ponto 1 dos factos não provados.
O tribunal a quo, quando se pronunciou sobre a nulidade apontada à sentença recorrida, afirmou não serem factos contraditórios por dizerem respeito a realidades diferentes.
Vejamos a motivação vertida na sentença a propósito desses dois pontos:
“Os factos presentes nos números 12. e 13. dos factos provados são logo o primeiro ponto de controvérsia.
O A., nas declarações prestadas em julgamento, afirma que os trabalhos nunca foram iniciados.
O R. afirma nas mesmas declarações, que iniciou a reparação dos rufos e depois parou por causa das chuvas.
O Tribunal tem dúvidas sobre quem esta ser verdadeiro.
Na dúvida, o Tribunal considerou como provada a parte em que ambos estão de acordo, julgando como não provada a parte em que estão em desacordo.
E por isso se consideraram como provados os factos presentes nos números 12. e 13. dos factos provados e como não provados os factos presentes no número 1. dos factos não provados.”
A propósito da reapreciação do ponto 1 dos factos não provados, torna-se necessária a análise do ponto 12 dos factos provados, como alegado pelo Apelante, mas ainda do ponto 14 dos factos provados (que não foi impugnado) na parte em que refere que “posteriormente a essa data e, não obstante, os contactos (pessoalmente, quer telefonicamente), havidos entre o A. e o R., o certo é que, o R. não realizou os trabalhos em falta e que constam no número 12. dos factos provados (…)”, para realçarmos que contrariamente ao que se poderia extrair deste último ponto de facto, no número 12 dos factos provados não constam quais os trabalhos que estavam em falta, nem por outro lado constam quais os trabalhos que terão sido iniciados e isso sim era importante para que fosse perceptível a diferença entre os pontos 12 dos factos provados e o ponto 1 dos factos não provados.
Cremos que a redação destes pontos é manifestamente infeliz e induz em erro, o que se teria evitado se tivessem ficado consignados naquele ponto 12 quais os trabalhos iniciados na reparação do telhado, porquanto no ponto 12 dos factos provados foi considerado provado que “desde dezembro de 2019 até à data da propositura da ação, o R. não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado)” e no ponto 1 dos factos não provados foi considerado que não se provou que no mesmo período de tempo o R. não tinha iniciado, de todo, a obra de reparação do telhado”.
O tribunal tinha todos os elementos para evitar as dúvidas criadas com aquela redação, porquanto o Apelante havia alegado que o Apelado nunca iniciara qualquer trabalho de reparação do telhado (arts. 12 a 17 da petição inicial) e o Apelado alegara que iniciara essa intervenção, tendo para o efeito sido substituído e colocado rufos, bem como caleiras e capoto nas chaminés desse imóvel e só não terminara a obra no telhado porque o Apelante terminara com os seus serviços (arts. 7 e 15 da contestação).
Afirmar que o Apelado “não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado” é de uma incerteza inaceitável porque deviam estar vertidos nesse ponto quais os trabalhos que o tribunal considerou terem resultado da prova como tendo sido iniciados, no entanto, essa incorreção para além de não poder ser sanada porque o Apelante não impugnou o ponto 12 dos factos provados, também não é bastante para concluirmos que entre em efectiva contradição com o ponto 1 dos factos não provados, porquanto o que o tribunal a quo pretendeu que ficasse provado, se bem entendemos o que escreveu, é que alguns trabalhos terão sido iniciados pelo Apelado na obra de reparação do telhado e por isso não se podia afirmar, tal como o fizera o Apelante, que o Apelado não os tivesse iniciado de todo.
Alegou o Apelante que “das duas uma: ou o Réu procedeu à realização das obras ou o Réu não procedeu à realização das referidas obras e, no caso concreto, o Réu nunca procedeu à realização dos trabalhos, tal como confessa.”
Acrescentamos que existe uma terceira hipótese, que terá sido a apurada pelo tribunal a quo e que decorre da redação do ponto 12 dos factos provados com a qual o Apelante se conformou: o Apelado iniciou parte das referidas obras, embora a grande maioria dos trabalhos para reparação do telhado não tenham sido realizados.
Por conseguinte, os referidos pontos de facto não são contraditórios nem incompatíveis: o Apelado iniciou alguns, poucos, trabalhos para reparação do telhado, apesar de a grande maioria do trabalho contratado ter ficado por fazer.
Arredada a contradição apontada entre o ponto 1 dos factos não provados e o ponto 12 dos factos provados, e não tendo sido este último objecto de impugnação pelo Apelante, mantém-se os dois pontos tal qual vertidos na sentença recorrida.
Diferente seria se o Apelante também tivesse impugnado o ponto 12 dos factos provados, pugnando pela alteração da sua redação, o que manifestamente não fez, pelo contrário, considerou que o tribunal deu bem o facto 12 como provado (conclusões D e K).  
Relativamente ao ponto 4 dos factos não provados o Apelante defende que deve transitar para os factos provados, convocando para o efeito o que já está provado no ponto 16 dos factos provados e a articulação das declarações de parte do Apelante com o depoimento da testemunha DD (transcrevendo em parte essas declarações e fazendo alusão ao segmento concreto da gravação das mesmas).  
Vejamos a motivação a esse propósito exarada na sentença recorrida:
“Veio o A. alegar que, pela não realização das obras (totalmente, pelo menos) no telhado, teve infiltrações nas frações.
No que foi igualmente mencionado pela testemunha DD, filho do A..
Honestamente, o Tribunal teve dúvidas em acreditar nesta versão. Concretamente, tivemos dúvidas em acreditar que as infiltrações já não existissem anteriormente e não tivessem, anteriormente, provocado aqueles danos.
Por existirem infiltrações é que o A. pretendia a reparação to telhado.
Na dúvida, consideraram-se como não provados os factos presentes no número 4. dos factos não provados.”(sublinhados nossos).
Adiantamos desde já que secundamos esta apreciação da prova, porquanto as declarações do Apelante e da referida testemunha (filho do Apelante) devidamente analisadas à luz das regras da experiência não impõem decisão diferente.
As fotos juntas aos autos não nos permitem aferir a data em que ocorreram os danos de que a  referida fração padece, no entanto sabemos que o orçamento dado pelo Apelado para reparação do telhado data de 30.10.2019, altura em que ocorrem chuvas com bastante intensidade, pelo que é crível que a necessidade de serem implementadas obras de reparação do telhado terá sido naturalmente motivada por sinais de infiltrações naquela fração imediatamente por baixo do telhado, precisamente aquela onde o Apelante diz estarem localizados tais danos, sendo certo que como é do senso comum tais obras não seriam de fácil nem imediata resolução mesmo que o Apelado as tivesse iniciado em finais de Novembro- data em que o orçamento foi aceite e adjudicadas as obras pelo Apelante-pois que para a sua realização é do conhecimento geral ser necessário um período contínuo de tempo seco por vários dias, logo, podemos inferir com relativa segurança que as infiltrações de água da chuva pelo telhado nos meses de novembro e dezembro (em pleno inverno) poderiam bem acarretar tais danos independentemente da conduta do Apelado.
De todo o modo, as declarações do Apelante e o depoimento da testemunha não foram consistentes e assertivas quanto ao momento em que tais danos terão ocorrido, tendo o Apelante falado que aquele andar estava arrendado e anteriormente não tinha havido queixas, não tendo esclarecido a razão porque nesse caso o telhado precisava de ser recuperado, enquanto que a testemunha DD embora tenha afirmado que as infiltrações no soalho e tectos do último andar não existiam anteriormente, afirmou que tinham acabado de recuperar essa fração (afirmando que não estava arrendada) e a situação requeria urgência de intervenção no telhado, não tendo esclarecido a razão dessa urgência, corroborando as razões que em nosso entender, e no seguimento do decidido pelo tribunal a quo, permitem afirmar que tais meios de prova não impunham decisão diversa, pois que deles não resultou prova segura de que tenha sido a conduta omissiva do Apelado que tenha determinado que a fração do 4º direito tivesse sido afetada com a entrada de chuvas ( que apesar de tudo terá iniciado alguns trabalhos).
Neste ponto 4 dos factos provados, não está em causa se a conduta do Apelado (ao não realizar todos os trabalhos durante todo aquele tempo) contribuiu e, nesse caso em que medida, para os danos que agora ( decorridos mais de 3 anos) lá se podem visualizar traduzidos ao levantamento de tacos no chão da sala, humidade nas paredes e gesso cartonado danificado, que terá dado origem ao orçamento indicado no ponto 16 dos factos provados, porque o ponto de facto impugnado (ponto 4 dos factos não provados) reporta-se ao facto de ter sido a conduta omissiva do Apelado a causa daqueles danos e quanto a isso não foi produzida prova bastante para o efeito, pelo que, na dúvida sobre a realidade desse facto, como ficou o tribunal a quo, confirmada por este tribunal ad quem depois de ouvida toda a prova gravada, resolveu-se contra a parte a quem aquele facto aproveita por força do art. 414º do CPC.
Improcede este segmento recursivo, mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos de facto impugnados.
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3ª Questão- Resolução do contrato de empreitada por incumprimento definitivo por parte do empreiteiro.
Tal e qual as partes o denominaram e o tribunal a quo qualificou, não sendo questão controvertida neste recurso, entre Apelante e Apelado foi celebrado, verbalmente, um contrato de empreitada, com base num orçamento fornecido pelo Apelado tendo em vista a realização de uma obra de renovação do telhado de um imóvel do Apelante, solicitada por este, obra essa que foi adjudicada em 28.11.2019, e no âmbito da qual o Apelante entregou ao Apelado a importância de €4.700,00 emitido à ordem do fornecedor da telha, quantia que constituiu um adiantamento por conta do orçamento apresentado no valor global de €9.800,00.
Ficou demonstrado que desde Dezembro de 2019 atá à data da propositura da ação (2022) o Apelado “não tinha procedido, pelo menos, ao início da grande maioria dos trabalhos necessários à reparação do telhado (trabalho contratado)”- trabalhos esses que estão descritos no orçamento nos seguintes termos: retirar toda a telha e cumes do telhado, levar a vazadouro e colocação de telha e cumes novos- €7.000,00; colocação de rufos, caleiras e forrar chaminés zinco- €2.800,00).
Em março de 2020 a situação assim se mantinha e posteriormente a essa data, não obstante os contactos (quer pessoalmente, quer telefonicamente) havidos entre o Apelante e o Apelado, o Apelado não realizou os trabalhos em falta apesar das promessas de realização integral da obra.
Desta factualidade resulta que não foi estipulado qualquer prazo para realização da empreitada adjudicada ao Apelado, que este terá realizado alguns trabalhos no âmbito da obra adjudicada, mas muito poucos, tendo interrompido tais trabalhos porque em março a obra não tinha tido desenvolvimentos, sendo que apenas posteriormente a Março de 2020 terá havido contactos entre dono de obra e empreiteiro em que este terá prometido realizar integralmente a obra.
Mais uma vez não ficou apurado qualquer prazo para essa realização integral da obra, apenas promessas por parte do empreiteiro, sem que o dono da obra tenha, decorridos já esses meses, acordado ou imposto prazo para a sua execução.
Até que por carta de 5.07.2021, recepcionada pelo Apelado, o Apelante lhe comunicou o seguinte:
Logradas as promessas de execução da obra de renovação do telhado do prédio do Largo ..., promessas que desde novembro de 2019 tem vindo a fazer, sou por esta via a informá-lo do seguinte:
I. No dia 28 de novembro de 2019, por cheque do banco nº ... sobre o Banco 1..., entreguei-lhe a quantia de 4700 € (quatro mil e setecentos euros), para executar a obra de colocação do telhado no edifício sito no Largo ..., conforme orçamento de 18 de novembro de 2019, no valor de 9800 € (nove mil e oitocentos euros).
2. Na altura referiu que necessitava desse montante para aquisição do material, para realizar o trabalho, mais concretamente da telha.
3. A verdade é que a obra não foi realizada, nem o material terá sido adquirido, não obstante as promessas debalde, verbalizadas ao longo deste ano e meio.
4.Em conformidade, dispõe do prazo limite de 10 dias IMPRETERIVELMENTE, a partir da data da presente missiva, para entregar a quantia em causa”.
Entende o Apelante que pôs fim ao contrato de empreitada por resolução, decorrente do incumprimento definitivo por parte do Apelado e que tal lhe dá direito a peticionar a devolução de todo o valor pago por conta da obra que lhe havia adjudicado.
O tribunal a quo entendeu que o Apelado estava apenas em mora, não tinha entrado em incumprimento definitivo e que o Apelante não tem direito à resolução do contrato e consequentemente não tem direito, neste momento, à devolução da quantia que pagou por conta do referido contrato de empreitada.
Em sede deste recurso o Apelante reiterou que houve incumprimento definitivo por parte do Apelado, que este nunca deu início aos trabalhos contratualizados apesar das promessas de realização integral da obra, conhecendo o Apelado a necessidade de reparação urgente que o telhado do imóvel apresentava, que em meados de 2021 se deslocou a casa do Apelado manifestando a sua intenção de resolver o contrato em virtude de estar há mais de um ano à espera do início dos trabalhos, acabando o Apelado por se conformar com a resolução do referido contrato, estando ambos conformados com a cessação daquele contrato, tendo o Apelante reiterado na carta de 5.07.2021 a sua perda de interesse na prestação e o consequente incumprimento definitivo(Conclusões H, I, BB, CC, EE, FF e GG).
Não obstante, como resulta inegável do confronto destas alegações recursivas apresentadas pelo Apelante com a factualidade apurada nos autos, a sua argumentação não encontra respaldo no elenco dos factos provados.
Neles nada consta quanto à necessidade urgente de reparação do telhado, contrariamente ao por si alegado o Apelado iniciou os trabalhos, embora em grande medida tenham ficado por realizar os trabalhos necessários à reparação do telhado, não ficou demonstrado que o Apelante tenha transmitido ao Apelado qualquer perda de interesse no cumprimento do contrato ou a sua resolução, nem muito menos que ambos estivessem de acordo quanto à cessação do contrato com devolução integral do valor entregue pelo Apelante.
Como resulta do disposto no art. 406ºn.º 1 do CC, o contrato só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (art. 432º nº 1 do CC).
Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação e, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro ( art. 801º nº 1 e 2 do CC).
 Um dos meios de extinção do contrato é o da resolução, resolução esta que, em consonância com o preceituado no citado preceito legal depende da convenção/acordo das partes ou da verificação do fundamento previsto na lei.
A resolução consiste na “destruição da relação contratual, operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes que pretende  fazer regressar as partes à situação em que se encontravam  se o contrato não tivesse sido celebrado”( Antunes Varela in Das Obrigações em Geral , vol. II pág. 264) e opera por meio de declaração unilateral receptícia  do credor ( art.º 436 do CC).
Consequentemente, a resolução importa a extinção do contrato e a respectiva restituição de tudo o que as partes houverem recebido, já que tem efeito retroactivo (arts. 434º e 289º CC), colocando o lesado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o negócio.
A parte adimplente (ou não inadimplente) pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração, escrita ou verbal, à outra parte (art. 436º nº 1) e, a resolução opera imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder ou esfera de acção da parte inadimplente ou é dela conhecida (art. 224º nº 1).
O Apelante invocou ter procedido à resolução do contrato, por incumprimento definitivo por parte do Apelado, operada de forma extrajudicial, pedindo nesta ação apenas o reconhecimento de que operou a resolução do contrato de empreitada.
É entendimento consolidado na doutrina e jurisprudência que a mora na prestação não confere direito à resolução do contrato sem que se proceda previamente à sua conversão em incumprimento definitivo.
 Estando um dos contraentes em mora relativamente à execução de qualquer uma das prestações do contrato, o credor pode converter “a mora debitoris” em incumprimento definitivo fixando ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena de se considerar não cumprida a obrigação.
É a chamada interpelação admonitória, declaração receptícia, que deve conter três elementos: a intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório de um prazo para o cumprimento; cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo (neste sentido ver Ac STJ de 12.10.2023, Proc. Nº 1823/19.2T8FNC.L1.S1, www.dgsi.pt). 
No caso em apreço, da factualidade apurada não consta a estipulação de qualquer prazo fixo, absoluto, para realização da obra, apenas ficou provado que foi adjudicada a renovação do telhado em 28.11.2019 e que posteriormente a Março de 2020 não obstante os contactos (pessoalmente e telefonicamente) havidos entre o Apelante e o Apelado, este não realizou os trabalhos em falta apesar das promessas de realização integral da obra, até que o Apelante lhe mandou a carta de 5.07.2021 em que lhe concede um prazo de 10 dias para devolução da quantia que lhe havia entregue por conta do orçamento aceite.
Nessa carta não foi fixado qualquer prazo limite para o Apelado proceder à obra acordada, não foi sequer dada a oportunidade ao Apelado de retomar a obra iniciada, apenas foi intimado para devolver a quantia recebida como adiantamento, estando subjacente que o Apelante havia já considerado cessado o contrato.
De que modo essa cessação ocorreu, ou que fundamento foi pelo Apelante invocado desconhecemos, o que sabemos é que nunca fora consagrado qualquer prazo de execução da obra, que o Apelante foi condescendendo com as promessas de realização feitas pelo Apelado durante cerca de ano e meio e que em Julho de 2021 o informou que dispunha do prazo limite de 10 dias IMPRETERIVELMENTE, a partir da data daquela missiva, para entregar a quantia em causa.
Afigura-se-nos que, no limite o Apelado entrou em mora após a recepção daquela carta, com ela ficando ciente que se não retomasse a obra entrava em incumprimento - uma vez que nela era afirmado que a obra não fora realizada, nem o material teria sido adquirido, não obstante as promessas debalde, verbalizadas ao longo daquele ano e meio.
Mas esse inegável incumprimento não assumia a natureza de um incumprimento definitivo, pois que para que a mora do Apelado se convertesse em incumprimento definitivo, passível de permitir a resolução do contrato, seria sempre necessário uma actuação do Apelante- ou a comunicar a falta de interesse objectiva, ou a fazer uma interpelação admonitória- ou um comportamento do Apelado inequívoco de não querer cumprir, designadamente abandonando a obra.
O incumprimento definitivo do contrato tem que ser aferido pelas regras gerais do não cumprimento das obrigações estabelecidas no art.º 808º do C.C.
Dispõe o art. 808º nº 1 do CC que “ se o credor em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”
Para que se pudesse considerar causa justificativa de resolução do contrato de empreitada não bastava ao Apelante provar que tinha mantido contactos com o Apelado para que ele realizasse integralmente a obra adjudicada, pois que, verificada essa situação, sendo a prestação ainda possível, teria o contraente faltoso/Apelado incorrido apenas numa situação de mora ou atraso no cumprimento da prestação prevista nos art.º s   804º nº2 e 805.º nº2 do C.C.
Em suma, a simples mora de um dos contraentes não confere ao outro, sem mais, a possibilidade de resolução do contrato celebrado. É necessário a conversão da mora em não cumprimento definitivo, através dos mecanismos previstos no art.º 808.º do C.C.
Segundo o nosso Cód. Civil (arts. 801º/n.º 1 e 808º ), são basicamente três as causas que podem estar na origem de tal situação de incumprimento definitivo:
1- impossibilidade da prestação;
2- perda de interesse por parte do credor, em consequência do atraso no cumprimento;
3 – decurso de um prazo suplementar de cumprimento estabelecido e dado a conhecer pelo credor ao devedor (A. Varela, Das Obrigações em Geral, II vol., pág. 87/88).
A jurisprudência e Doutrina acrescentam outra via de consumação: recusa categórica do devedor em cumprir, isto é, o devedor declara inequivocamente e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato (Pedro Romano Martinez, Ob. Cit., 2ª edição, p. 140 e 142; A Declaração da Intenção de não Cumprir, Estudos de Direito Civil e Processo Civil ( Pareceres), Coimbra, 1996, p. 137 ss; Brandão Proença, A Hipótese da Declaração (Lato Sensu) Antecipada de Incumprimento Por parte do Devedor, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 364 ss).
Como escreve, entre outros, Brandão Proença, “O comportamento do promitente que exprima a vontade de não querer cumprir, reconduz-se ao conceito de recusa de cumprimento, o que permite considerá-lo inadimplente” (ob. cit. P. 238/241; Baptista Machado, RLJ 121º, p.223; Galvão Telles, ob. cit. P.117 e 248).
No mesmo sentido ensina Pedro Romano Martinez que, “Quando o devedor declara expressamente- de modo significativo- não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente, por exemplo no caso em que (…) afirma, de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação.” (ob. Cit, p.142).
A problemática do abandono da obra pelo empreiteiro poder assumir caraterísticas de um comportamento concludente e inequívoco de recusa de cumprimento foi também abordada pelo Ac STJ de 14.01.2021, do qual se pode ler que, “ sendo a prestação de realização da obra, típica do contrato de empreitada, uma prestação duradoura e, no tipo de obra aqui em causa, de execução contínua, o abandono da obra, enquanto comportamento de recusa a cumprir, apresenta a especificidade de não consistir numa recusa antecipada, mas sim numa recusa em prosseguir a execução de uma prestação já iniciada.
Essa conduta, essencialmente omissiva, mas podendo ser precedida de ações que a anunciam (v.g. retirada de materiais e máquinas), para ser significante de um propósito definitivo de não conclusão do ato de realização da obra, deve ser aparente, categórica e unívoca.”[7]
Também segundo o decidido no Ac STJ de 12.10.2023, “O empreiteiro (relativamente ao dono da obra) ou o subempreiteiro (relativamente ao empreiteiro) só entram automaticamente em incumprimento definitivo se foi estabelecido um termo certo para a entrega da obra. Caso contrário, tal situação apenas surge após a interpelação admonitória que o comitente faça, tendo em conta o prazo razoável para a execução da obra (ut art. 777.º, do Cód. Civil).
(…) Porém, se o empreiteiro (ou o subempreiteiro) tiver uma conduta reveladora de uma intenção firme e definitiva de não cumprir a obrigação contratual de concluir a respectiva obra, está‑se perante uma situação de incumprimento definitivo a si imputável, podendo, então, o dono a obra (ou o empreiteiro, na subempreitada) resolver o contrato e exigir uma indemnização, sem necessidade de recorrer a prévia interpelação admonitória.
Uma atitude susceptível de revelar aquela intenção firme e definitiva de não cumprir a obrigação contratual de concluir a obra é o abandono da obra; sendo, porém, que o abandono da obra, só por si, não só não significa impossibilidade de prestação, como, também, suspender ou parar uma obra não é o mesmo que abandoná‑la, correspondendo às diversas situações efeitos jurídicos diferentes.”[8]
Na mesma senda já se decidira no Ac RP de 9.09.2021, que “o abandono da obra, enquanto fundamento de incumprimento definitivo do contrato, tem que se revelar pela prática de atos que evidenciem o firme e definitivo propósito de não cumprir a prestação; deve ser aparente, categórico e unívoco.”[9]
Apesar de tudo, afigura-se-nos que o comportamento do Apelado de ao longo de ano e meio não ter retomado os trabalhos iniciados de renovação do telhado, limitando-se a conceder promessas, não cumpridas, de realização integral da obra, possa consubstanciar uma vontade clara, peremptória e inequívoca de que não pretendia cumprir, revelando mais um comportamento relapso de quem sabia que da parte do dono de obra havia alguma permissividade de adiamento da situação por nunca lhe ter dado um ultimato.
É certo que durante um período de tempo significativo o Apelado não demonstrou querer retomar a execução dos trabalhos, mas nesse período de tempo houve contactos entre ele e o Apelante e quando recebeu a carta de 5.11.2021 refutou a falta de inicio dos trabalhos, sendo francamente insuficiente a matéria de facto apurada para se poder concluir que houve da sua parte o propósito categórico de abandono em definitivo da obra.
Não podemos com segurança afirmar que o Apelado demonstrou um propósito firme e definitivo de não cumprir, que tornasse dispensável a interpelação admonitória do art. 808º do CC por parte do dono da obra para o efeito de conversão da mora em incumprimento definitivo.
O dono de obra perante aquelas promessas não concretizadas não tinha obrigação de manter-se indefinidamente vinculado àquele contrato, porque a lei concedia-lhe a faculdade de nessa situação fixar um prazo limite ao empreiteiro para que cumprisse a sua parte com a expressa advertência de que se o não fizesse nesse prazo considerava resolvido o contrato, faculdade de que o Apelante não lançou mão.
No caso em apreço, apesar da mora por parte do Apelado na realização integral da obra contratada de reparação do telhado, o Apelante não demonstrou ter recorrido à interpelação admonitória, não demonstrou ter concedido, verbalmente ou por escrito, um derradeiro prazo ao Apelado para que realizasse a obra sob a advertência de que se o não fizesse considerava o contrato resolvido, pura e simplesmente pôs fim ao contrato e exigiu do Apelado a devolução da quantia que havia adiantado, tendo-o feito por carta na qual lhe concedeu não um prazo para realização de qualquer trabalho mas apenas um prazo para a devolução da importância que lhe fora entregue a título de adiantamento.
Numa altura em que o Apelado, apesar do tempo entretanto decorrido e para o qual o Apelante foi condescendendo, estava apenas numa situação de mera mora, que não foi validamente convertida em incumprimento definitivo.
Também não nos parece que se possa conceder que o Apelante tenha demonstrado ter perdido objectivamente o interesse na obra a realizar, porquanto mantém interesse na reparação do telhado, para a qual inclusivamente já recolheu orçamento de outra empresa.
Quando muito demonstra que não tem interesse em que seja o Apelado a prosseguir com os trabalhos, mas essa alegada perda de interesse não é relevante para converter a mora em incumprimento definitivo, por não ser essa perda de interesse objectiva, mas meramente subjectiva.
“A perda do interesse do accipiens terá de resultar, objectivamente, das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo “programa obrigacional”.
Podendo a perda do interesse resultar da superveniente inutilidade da prestação ou do prejuízo que a sua prestação fora do tempo lhe traria.
Não bastando a mesma de mera alegação do credor, nesses termos, tendo de ter na sua base uma razão objectivamente perceptível e compreensível para o cidadão comum.”[10]
Ou dito de outra forma, “perda de interesse que, em rigor, significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visava satisfazer, ou dito de outro modo, quando pela natureza da própria obrigação, o retardamento do cumprimento destrói os objectivos e finalidades do negócio.”[11]
Também no Ac RP de 9.09.2021 ficou decidido que “a perda de interesse do credor na prestação do devedor para efeito de incumprimento definitivo e resolução do contrato de empreitada ocorre se a prestação não for efetuada no prazo razoável e admonitório por aquele comunicado ao devedor ou, ainda que sem fixação de prazo, se aquela perda de interesse existir, segundo um critério objetivo, designadamente quando a prestação do devedor se torna inútil ou desaparece totalmente a necessidade que a prestação visava satisfazer ou quando o retardamento da prestação destrói o objetivo do negócio.
Não ocorre perda relevante do interesse do credor, para efeito de verificação de incumprimento definitivo, quando o dono da obra perde a confiança no empreiteiro e o interesse na manutenção da relação contratual e mantém interesse na sua execução da obra e correção dos defeitos, entregando a realização de trabalhos a outro ou outros empreiteiros.”[12]
Atendendo aos referidos ensinamentos, nos quais nos revemos e, analisando a ausência de prova de factos consubstanciadores dessa perda de interesse objectiva por parte do Apelante, não tendo resultado apurado qualquer facto objectivo tido pelo comum dos cidadãos como compreensível para a alegada perda de interesse na realização da obra, não tendo desaparecido objectivamente o interesse na renovação do telhado, não estamos perante um caso de falta de interesse passível de determinar uma resolução válida e eficaz do contrato celebrado com o Apelado.
Ao Apelante incumbia a prova dessa matéria porque constitutiva do invocado direito à resolução do contrato (art. 342º nº 1 do CC).
Assim sendo, não tendo sido produzida prova de um incumprimento definitivo por parte do Apelado, mas de mera mora, não podendo afirmar-se que o Apelante tenha perdido, objectivamente, o interesse na prestação, não tendo ocorrido a conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente por interpelação admonitória feita pelo Apelante ao Apelado, tem de se concluir, como se fez na sentença recorrida, que o Apelante não tinha o direito a resolver o contrato.
Contudo, pode haver também extinção do contrato por denúncia, a qual corresponderá à comunicação da vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo obrigacional.
Como escreve Pedro Romano Martinez, “apesar de haver alguma divergência na doutrina quanto a esta divisão, pode aludir-se a três tipos de denúncia.
Num primeiro sentido, que se designará por técnico, a denúncia é uma forma de cessação de relações contratuais estabelecidas por tempo indeterminado. Neste caso não estando definido o prazo de vigência do contrato, o vínculo poderá perdurar até que uma das partes lhe pretenda pôr termo, denunciando-o.
Noutro sentido, a denúncia corresponde a uma declaração negocial por via da qual se obsta à renovação automática do contrato. Tendo o vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.
Nestes dois tipos, a ideia base é a mesma: pretende-se impedir a subsistência de um vínculo contratual que se protela por um período indefinido.
Num terceiro sentido, alude-se ainda à denúncia como meio de desvinculação, porque uma das partes, apesar de se encontrar vinculada, desiste da execução do contrato.”[13]
Com a remessa da carta de 5.07.2021 pode-se defender-se que o Apelante pôs termo ao contrato que celebrara com o Apelado, desistindo da execução do mesmo.
O dono da obra pode desistir da empreitada, nos termos do art. 1229º do CC, pode não querer que seja aquele empreiteiro a concluir os trabalhos que iniciara de renovação do telhado, como parece ser o caso sub judice, porém essa forma de extinção do contrato- por desistência- tem mera eficácia ex nunc (neste sentido Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, p. 566),  permanecendo nesse caso o Apelante obrigado a pagar os trabalhos efectivamente executados pelo Apelado na data da cessação, obrigação que o Apelante não concede, porquanto pretende ver reconhecida a resolução do contrato e a devolução de tudo quanto pagou ao Apelado por conta desta obra.
Considerando-se que não estavam reunidos os pressupostos necessários para que o Apelante pudesse resolver, valida e eficazmente, o contrato de empreitada celebrado com o aqui Apelado, por não existir à data da comunicação de 5.11.2021 incumprimento definitivo imputável ao Apelado, consequentemente terá de soçobrar qualquer uma das pretensões formuladas pelo Apelante contra o Apelado, por não se considerar verificada a cessação do contrato de empreitada por resolução, nem ser devida a restituição do valor pago pelo Apelante como adiantamento.
Improcede este argumento recursivo.
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4ª Questão- Indemnização por danos numa fração decorrentes de conduta omissiva do Apelado.
A procedência desta pretensão estava dependente da alteração da decisão sobre a matéria de facto vertida no ponto 4 dos factos não provados, alteração essa que improcedeu.
Por conseguinte, não tendo ficado demonstrado que tenha sido o comportamento omissivo do Apelado a dar origem às infiltrações de que padece o 4º andar do imóvel pertencente ao Apelante, na falha do pressuposto da causalidade adequada entre esses danos e qualquer comportamento do Apelado, não incorreu este na obrigação de os indemnizar à luz do instituto da responsabilidade civil, mantendo-se o segmento decisório da sentença recorrida atinente à improcedência do pedido de condenação do Apelado no pagamento da indemnização peticionada de €775,00 acrescido de iva e juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Improcede este argumento recursivo.
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5ª Questão- Enriquecimento sem causa.
Dispõe o art. 473º, n.º 1 CC que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
A razão de ser do instituto do enriquecimento sem causa é a de que nenhuma pessoa deve locupletar-se injustificadamente à custa alheia, sendo essa a base da consagração do enriquecimento sem causa como fonte autónoma de obrigações (art. 437º n.º 1CC).
Refere Antunes Varela, que o instituto do enriquecimento sem causa tem por finalidade “ ... abranger todas as situações, mediante as quais uma pessoa obtém certa vantagem patrimonial à custa de outra, independentemente da natureza e da origem do acto de onde elas procedem... ”[14]
O enriquecimento sem causa pressupõe, como resulta do preceituado no art. 473ºn.º 1 CC, a verificação cumulativa dos seguintes três pressupostos:
i.- que alguém obtenha um enriquecimento;
ii.- que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem;
iii.- que esse enriquecimento não tenha causa justificativa.
Sobre os pressupostos do enriquecimento sem causa, socorremo-nos na doutrina, entre outros, de Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 491; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, pág. 410; Antunes Varela, ob. cit, pág. 448 e, na jurisprudência, entre outros, dos Ac STJ de 30.03.2023, Proc. Nº 4415/19.2T8MAL.P1.S1; Ac STJ de 22.06.2021, Proc. Nº 4158/17.1T8CBR.C1.S1; Ac RP de 4.10.2021, Proc. Nº 6159/19.6T8VNG.P1; Ac RL 22.06.2023, Proc. Nº 26690/21.2T8LSB-A.L1-2 e Ac RC de 7.02.2023, Proc. Nº 1707/20.1T8CTB.C1, todos consultáveis in www.dgsi.jstj.pt..
Relativamente ao primeiro dos acima citados pressupostos - obtenção de um enriquecimento - consistirá ele na obtenção de uma vantagem de caracter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista e a sua origem, designadamente por via de um aumento do activo patrimonial, de uma diminuição do passivo, do uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de um direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária ou, ainda, na poupança de despesas (neste sentido, por todos, Antunes Varela, ob. cit., I volume, pág. 449).
O segundo pressuposto - obtenção de um enriquecimento à custa de outrem, o empobrecido -, traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um dos sujeitos - o enriquecido - resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro - o empobrecido.
Para a verificação deste outro pressuposto é exigível que o enriquecido aufira de uma vantagem patrimonial, independentemente da natureza e da origem do acto de onde ela procede, e que a essa vantagem corresponda, em contrapartida, um sacrifício económico na esfera do empobrecido.
Como último pressuposto, ainda, é necessário que o enriquecimento seja injustificado.
Trata-se de um conceito indeterminado e de difícil precisão, pela extrema variedade das situações a que poderá aplicar-se.
Porém, independentemente da exacta caracterização ou qualificação de todas as situações a que o instituto se poderá aplicar, é posição da doutrina e da jurisprudência definir o enriquecimento injustificado como aquele que, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, deve pertencer a outrem.(neste sentido, Antunes Varela, ob. cit., I volume, pág. 455, I. Galvão Telles, ob. cit., pág. 186-187 e AC STJ de 26.02.2004, Proc. n.º 03B3798, in www.dgsi.pt ).
Na verdade, o enriquecimento não terá causa justificativa quando, segundo os princípios legais, não haja razão de ser para ele, acontecendo a falta de causa justificativa do enriquecimento quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correcta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento (neste sentido Ac. RP de 6/5/2010, Proc. nº JTRP00043998, www.dgsi.pt).
Sendo tais pressupostos de verificação cumulativa, para que existisse a obrigação de restituição por parte do Apelado, com fundamento em enriquecimento sem causa, sempre seria necessário que o valor cuja restituição o Apelante pretende obter do Apelado não tivesse causa justificativa, o que manifestamente não ocorre, porquanto tem subjacente uma relação contratual existente entre ambos.
Resulta, assim, inegável a falência do último pressuposto, porquanto a importância cuja restituição o Apelante pretende obter foi entregue ao Apelado como adiantamento do preço da empreitada que este último se obrigou a executar-renovação do telhado- obrigação de execução e conclusão dos trabalhos que apesar de não estar integralmente cumprida pode ainda vir a sê-lo uma vez que, como anteriormente ficou decidido, o contrato mantém-se em vigor.
Mantendo-se em vigor o contrato de empreitada no âmbito do qual a quantia cuja restituição o Apelante pretende obter foi entregue ao Apelado, existe causa justificativa para que a mesma não tenha de ser devolvida ao Apelante, não se verificando uma situação de enriquecimento sem causa.
Em jeito de conclusão, na decorrência da improcedência da totalidade dos argumentos recursivos, nenhuma censura merece a sentença recorrida.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Apelante, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante que ficou vencido.
Notifique.

Porto, 19 de Março de 2024
Maria da Luz Seabra
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
______________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686.
[3] José Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º volume, 3ª edição, pág. 736-737. Vide, ainda, no mesmo sentido, AC RP de 29.06.2015, AC RP de 1.06.2015 ou, ainda, AC RG de 14.05.2015, todos www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, entre outros, Ac STJ de 30.11.2021, Proc. Nº 760/19.5 T8PVZ.P1.S1 e Ac STJ de 16.11.2021, Proc. Nº 2534/17.9T8STR.E2.S1, www.dgsi.pt
[5] Vide, neste sentido, ainda, A. VARELA, ob. cit., pág. 690.
[6] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[7] Proc. Nº 2209/14.0TBBRG.G3.S1, www.dgsi.pt
[8] Proc. Nº 1823/19.2T8FNC.L1.S1, www.dgsi.pt
[9] Proc. Nº Proc. Nº 325/19.1T8ILH.P1, www.dgsi.pt
[10] Ac STJ de 15.03.2012, Proc. Nº 9818/09.8TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt
[11] Ac RP de 20.03.2012, Proc. Nº 1714/09.5TBMTS.P1, www.dgsi.pt
[12] Proc. Nº 325/19.1T8ILH.P1, www.dgsi.pt
[13] Da Cessação do Contrato, p. 60
[14] Das Obrigações em geral, I vol., Almedina, 6ª edição, 1989, pág. 447