I - No âmbito das contra-ordenações ambientais, a aplicação da coima pode ser total ou parcialmente suspensa quando se verificarem cumulativamente as seguintes condições: i) que tenha sido aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; e ii) que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
II - Embora se admita que em alguns casos seja possível aos Tribunais da Relação aplicar sanção acessória e suspender a execução da coima, desde que aquela se mostre adequada à infracção contra-ordenacional cometida e à salvaguarda das condições previstas no art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, a mesma não pode ter como objectivo único aligeirar o sancionamento do infractor.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2
Sumário:
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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ......, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, IGAMAOT), por decisão notificada à arguida “A..., Unipessoal, Lda.” por carta simples, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 3, da Lei 50/2006, de 29-08, expedida a 24-04-2022, foi decidido (transcrição):
«1. Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, pelo exercício da atividade em violação do disposto n.ºs 1 e 3 do art. 19.º, nos n.ºs 1, 2, 3, 7, 8 e 9 do art. 20.º e alínea d) do nº 1 do art. 24.º do DL n.º 196/2003, de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 64/2008, de 08/04, (atualmente previsto e punido pela n9 2, do art. 879 e pela alínea i), do n9 1, do art. 90.9 do OL n.9 152-0/2017, de 11/12, na sua atual redação), sancionável a título de negligência nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08;
2. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do art. 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08.»
E no âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ......, a IGAMAOT, por decisão notificada à arguida “A..., Unipessoal, Lda.”, por carta registada com aviso de recepção expedida a 18-05-2022, foi decidido (transcrição):
«1. Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave (inexistência de garantia financeira relativa à responsabilidade ambiental, p. e p. pelos art.º 22.º e 26.º/1/f) do DL n.º 147/2008, de 29/07), sancionável a título de negligência nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na sua redação atual;
2. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do artigo 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.»
«1. A Recorrente discorda da douta sentença proferida, na medida em que entende que a aplicação da coima, no valor de € 12.000,00 (doze mil euros), deveria suspender-se totalmente.
2. O Tribunal a quo considerou, e bem, que a moldura punitiva normal, que estava em causa, era manifestamente desproporcionada, tendo optado pela atenuação especial da coima.
3. Acontece que, em nossa opinião, o Tribunal podia, e deveria, ter ido mais longe, aplicando in casu o mecanismo da suspensão da sanção previsto no art. 20º-A da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto – Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
4. Isto porque, o próprio Tribunal de que se recorre considerou que “A arguida constituiu reserva livre nos seus próprios capitais, no valor de €2000,00, destinada a cumprir as obrigações decorrentes do regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais, em 31-12-2018” – veja-se o ponto 12 dos factos provados,
5. Mais tendo relevado o depoimento do legal representante da arguida no sentido de confirmar “que não tinha à data, mas que não sabia que devia ter”.
6. Encontrando-se a situação anterior à infração totalmente resposta e inexistindo, salvo melhor opinião, efeitos decorrentes da mesma.
7. A Arguida é uma pequena oficina de automóveis, que atualmente tem apenas um funcionário.
8. A Arguida/Recorrente é primária no cometimento de infrações ambientais,
9. Tendo sempre atuado convencida de que exercia a sua atividade em conformidade com as normas legais, tendo agido sem culpa e em manifesto erro sobre a ilicitude.
10. Em nossa opinião o Tribunal a quo deveria ter relevado de outro modo todo o circunstancialismo descrito e dado como provado,
11. Não se podendo concordar que “Não há lugar a suspensão, dado não ter sido aplicada qualquer sanção acessória”.
12. Em suma, o conjunto das circunstâncias atenuantes, aliada à debilidade económica da arguida, permitia justificar a suspensão total ou parcial da coima aplicada, no valor de 12.000,00 (doze mil euros), o que se roga.»
Ora, no caso em apreço, e como vimos, apenas foi aplicada à recorrente uma coima - que, aliás, foi especialmente atenuada para metade do valor fixado - não tendo aquela sido punida com qualquer sanção acessória.
Sendo assim, e como decorre da citada norma, não se verifica aquele requisito para que possa ser suspensa a execução da coima em que a recorrente foi condenada.
É certo que a recorrente invoca a existência de dois Acórdãos um da Relação de Guimarães e outro de Relação de Coimbra, que, segundo parece ser sua interpretação, consideram ser possível a suspensão da execução da coima ainda que a autoridade administrativa não tenha aplicado qualquer sanção acessória.
Porém, o que resulta da leitura desses dois acórdãos é exactamente o contrário, pois que ambos são claros na afirmação de que a suspensão da execução da coima está condicionada à aplicação de uma sanção acessória.
O que tais acórdãos admitem é que, ainda que a autoridade administrativa não tenha aplicado qualquer sanção acessória, esta possa vir a ser aplicada posteriormente pelo Tribunal e que, em face disso, a execução da coima possa ser, então sim, suspensa.
No caso em apreço, nem a autoridade administrativa aplicou qualquer sanção acessória à recorrente, nem o Tribunal o fez nem, tão pouco, a recorrente reclama a aplicação de qualquer sanção acessória para que, em face dela, a execução da coima possa ser suspensa.
Como tal, não assiste razão à recorrente quando reclama, sem mais, pela suspensão da execução da coima em que foi condenada.»
4. Somos, pois, de parecer que, acompanhando a resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos.»
Como tal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que ao recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se o Tribunal a quo podia e devia ter determinado a suspensão da coima aplicada.
Para apreciação da questão que importa examinar releva o teor da factualidade assente e da análise de direito que na sentença se fez a propósito do tema aqui colocado, e que é o seguinte (transcrição):
«II - FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS
Resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1. No dia 15 de Fevereiro de 2017, pelas 15:30 horas, procedeu-se a ação de fiscalização à oficina de manutenção e reparação de veículos automóveis da Recorrente, acompanhada pelo legal representante da mesma, AA;
2. Na atividade desenvolvida, a Recorrente utiliza diversas substâncias perigosas, como tintas, vernizes, destinados à pintura automóvel, e óleos e diluentes;
3. A arguida não tinha, à data garantia financeira que lhe permitisse assumir a responsabilidade ambiental atinente à atividade por si exercida;
4. Ao não cumprir com a obrigação que devia conhecer, não agiu com o cuidado devido e de que era capaz;
5. Na mesma data, hora e local referidos em 1), constatou-se que a arguida labora no local há 4 anos, com três funcionários e encontrava-se em funcionamento;
6. Existiam no local cerca de uma dezena de viaturas, das quais pelo menos uma parcialmente desmantelada;
7. Encontravam-se ainda removidos e separados diversos componentes automóveis;
8. A recorrente tinha diversos componentes espalhados no chão;
9. A Recorrente não tinha alvará para desmantelamento de veículos em fim de vida;
10. A arguida declarou para efeitos de IRC, relativamente ao exercício de 2017, um lucro tributável de € 12.049,93;
11. Posteriormente à fiscalização, o logradouro da Recorrente foi completamente limpo;
12. A arguida constituiu reserva livre nos seus próprios capitais, no valor de €2000,00, destinada a cumprir as obrigações decorrentes do regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais, em 31-12-2018;
13. Atualmente a arguida só tem um funcionário;
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a causa, designadamente que:
a) A arguida tinha obrigação saber que ao exercer atividades de desmantelamento de veículos em fim de vida, tinha que ser detentora de licenciamento para o efeito, pelo que, não cumprindo, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz;
D) DO DIREITO
(…)
III. Da contra-ordenação ao disposto no artigo 22.º e 26.º, 1, f) do DL 147/2008 de 29.7, sancionável a titulo de negligência, nos termos do artigo 22.º, 4, b) da Lei 50/2006 de 29.8;
Dispõe o artigo 22.º do citado DL, que aprovou o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais, sob a epígrafe garantias financeiras, que:
«1 - Os operadores que exerçam as actividades ocupacionais enumeradas no anexo iii constituem obrigatoriamente uma ou mais garantias financeiras próprias e autónomas, alternativas ou complementares entre si, que lhes permitam assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida.
2 - As garantias financeiras podem constituir-se através da subscrição de apólices de seguro, da obtenção de garantias bancárias, da participação em fundos ambientais ou da constituição de fundos próprios reservados para o efeito.
3 - As garantias obedecem ao princípio da exclusividade, não podendo ser desviadas para outro fim nem objecto de qualquer oneração, total ou parcial, originária ou superveniente.
4 - Podem ser fixados limites mínimos para efeito da constituição das garantias financeiras obrigatórias mediante portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do ambiente e da economia, nomeadamente relativos:
a) Ao âmbito de actividades cobertas;
b) Ao tipo de risco que deve ser coberto;
c) Ao período de vigência da garantia;
d) Ao âmbito temporal de aplicação da garantia;
e) Ao valor mínimo que deve ser garantido.»
A não constituição da garantia válida e em vigor, nos termos do artigo 26.º, 1, f) do mesmo diploma, constitui uma contra-ordenação muito grave.
De reter que a atividade da recorrente insere-se, conforme consta da decisão administrativa, no disposto, desde logo, no anexo iii), n.º 7, a) e b) do citado diploma legal, uma vez que detinha vernizes, diluentes, entre outros produtos, pelo que se impunha a si a obrigatoriedade de ter constituído a garantia financeira, o que não aconteceu, à data.
Tratando-se de atividade que desemprenhada, era exigível à Recorrente, na pessoa do legal representante, que estivesse a par da legislação em vigor, o que não aconteceu, conforme resultou provado, concluindo-se que atuou, pois, com negligência, nos termos do artigo 22.º, 4 da Lei 50/2006, de 28/9, na redação atual.
Praticou, pois, a contra-ordenação pela qual foi condenada, na modalidade negligente.
«1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;
b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.
3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.».
Ora, a Recorrente comprovou que constituiu reserva de fundos próprios, conforme legalmente exigido, é primária e atento o lapso de tempo decorrido, com boa conduta e sem que se tenha apurado qualquer outra situação contra-ordenacional, encontra-se em condições de beneficiar da atenuação especial, o que se determina, passando a moldura contra-ordenacional a ser reduzida para metade nos seus limites mínimos e máximos.
Assim, retendo que lhe foi aplicada a coima pelo mínimo legal de €24.000,00, entende-se adequado, face a todo o exposto, condenar a Recorrente na coima de €12.000,00.
Não há lugar a suspensão, dado não ter sido aplicada qualquer sanção acessória, sendo que a suspensão prevista no artigo 20.º-A do mesmo diploma, implica a sujeição a sanções acessórias a cumprir.
Também não há lugar à admoestação, atento o facto de se tratar de contra-ordenação muito grave, embora praticada a titulo negligente.»
Pretende a recorrente que este Tribunal de recurso determine a suspensão total ou parcial da coima aplicada, no valor de € 12 000 (doze ml euros), fazendo intervir o disposto no art. 20.º-A da Lei 50/2006, de 29-08 (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais).
Determina este preceito, sob a epígrafe “Suspensão da sanção” que:
«1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:
a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória.
3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.
4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.
5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:
a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território;
b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.
6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.»
O que de imediato se retira deste preceito é que a aplicação da coima pode ser total ou parcialmente suspensa quando se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
1.ª – que tenha sido aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
2.ª – que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
Como facilmente se comprova no caso dos autos, nenhuma das indicadas condições se mostra verificada.
Desde logo, não foi aplicada qualquer sanção acessória à requerida e nem se vê que pudesse ter sido, pois a única contra-ordenação que a recorrente cometeu – não constituição de garantia financeira obrigatória – esgota-se em si mesma, posto que a sua finalidade é meramente preventiva, no sentido de permitir que os destinatários, isto é, todos os operadores que exerçam as actividades ocupacionais enumeradas no anexo iii possam assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida (art. 22.º, n.º 1, do DL 147/2008, de 29-07.
Esta contra-ordenação visa assim garantir que os operadores supra-identificados possuam meios financeiros para levar a cabo acções de reparação de danos que a sua actividade possa vir a provocar.
O cumprimento da obrigação subjacente à própria contra-ordenação em causa não pode ser transformado em sanção acessória, sob pena de deixar a previsão legal da contra-ordenação sem conteúdo, e muito menos em sanção acessória para prosseguir finalidades ligadas à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, pois a sua relevância é estruturalmente prévia à ocorrência dos danos.
Mas a recorrente vai mais além e invoca, implicitamente, por remissão para sumários de dois acórdãos, que o Tribunal a quo podia ter, ele próprio, equacionado a aplicação de sanção acessória enquanto condição necessária para suspender a execução da coima.
Mas esta hipótese suscita várias observações.
Em primeiro lugar, a recorrente não avançou com o pedido de aplicação de uma qualquer sanção acessória, limitando-se a sugerir uma tal decisão tendo em vista a sequente suspensão da coima.
As sanções acessórias para contra-ordenações de natureza ambiental mostram-se elencadas no art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08, a aplicar nos termos do disposto nos arts. 29.º e 31.º a 38.º do mesmo diploma legal, e ainda no art. 21.º do Regime Geral de Contra-ordenações e Coimas (doravante, RGCO), aprovado pelo DL 433/82, de 27-10, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, a aplicar nos termos previstos nos arts. 21.º-A a 26.º do mesmo diploma legal.
As sanções acessórias devem ser aplicadas às contra-ordenações que evidenciam maior gravidade, não só pela sua natureza formal (qualificadas de graves e muito graves, nos termos do art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08), mas também tendo em conta a culpa do agente (de acordo com o disposto no art. 21.º, n.º 1, do RGCO).
No caso concreto, estamos perante uma infracção qualificada como muito grave (art. 26.º, n.º 1, al. f), do DL 147/2008, de 29-07), susceptível, em abstracto, de permitir a aplicação de sanção acessória.
Porém, em concreto, verificamos que a recorrente actuou de forma negligente e beneficiou da atenuação especial da coima prevista no art. 23.º-A da lei 50/2006, de 29-08, por se ter entendido que comprovou que constituiu reserva de fundos próprios, conforme legalmente exigido, é primária e atento o lapso de tempo decorrido, com boa conduta e sem que se tenha apurado qualquer outra situação contra-ordenacional.
Dificilmente, ao nível da culpa, a sua concreta actuação justificaria uma sanção acessória.
Ademais, a circunstância de a recorrente ter constituído a garantia financeira obrigatória foi ponderada para efeito de atenuação especial da coima, sendo incongruente, agora, para além do que já referimos sob o esvaziamento de conteúdo da própria contra-ordenação, utilizar a mesma circunstância, duplicando a sua ponderação de forma não permitida, mas em sentido oposto ao da atenuação especial, agravando a condenação do arguido com a imposição de uma sanção acessória.
É verdade que o regime específico da Lei 50/2006, de 29-08, permite a prolação de decisões judiciais em violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, expressamente excluído pelo art. 75.º da referida lei.
Mas mantém-se o princípio geral de proibição de dupla valoração e a exigência de coerência lógica da decisão.
Por outro lado, analisadas em concreto as sanções acessórias previstas nos preceitos indicadas, verificamos que apenas a prevista na al. j) do n.º 1 do art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08, seria formalmente elegível para aplicação, já que as demais estão sujeitas aos condicionalismos, não verificados, previstos no mesmo preceito e ainda, quanto à publicidade da condenação, nos arts. 38.º do referido diploma legal e art. 27.º do DL 147/2008, de 29-07.
Porém, a referida alínea j) corresponde ipsis verbis à primeira condição a que o alude o art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, para que seja suspensa a coima, a que já aludimos, isto é, imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.
Ora, esgotando-se a contra-ordenação em concreto na constituição da própria garanta financeira obrigatória, de natureza preventiva, como já referimos, não há como salvaguardar a segunda e terceira imposições – reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma –, claramente pensadas para situações em que ocorrem danos para o ambiente, o que não é o caso.
Verificamos, assim, que em concreto inexiste qualquer sanção acessória que pudesse dar cumprimento às condições fixadas no art. 20.º, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08.
É verdade que as coimas ambientais são pesadas, mas essa foi uma mensagem que o legislador quis, claramente, transmitir, através da Lei 50/2006, de 29-08, ideia que reforçou com a Lei 114/2015, de 28-08, que aquela alterou, introduzindo o art. 20.º-A e revogando o art. 39.º até então vigente e que permitia a suspensão da execução da coima sem condicionalismos.
Por outro lado, as sanções acessórias representam, por natureza, um plus relativamente à sanção principal, não podendo ser utilizadas para reduzir a real gravidade destas, como ocorreria caso a finalidade da sua aplicação fosse exclusivamente a suspensão da execução da coima e não para complementar a sanção principal.
Assim, e sem excluir que em alguns casos seja possível aos Tribunais da Relação aplicar sanção acessória e suspender a execução da coima[2], desde que aquela se mostre adequada à infracção contra-ordenacional cometida e à salvaguarda das condições previstas no art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, mas não com o objectivo único de aligeirar o sancionamento do infractor, no caso concreto essa faculdade não pode ser exercida por não se mostrarem reunidos os pressupostos formais e substanciais mencionados[3].
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 8.º do RCP e tabela III anexa e 93.º, n.º 3, e 94.º, n.º 3, do DL 433/82, de 27-10).
Porto, 20 de Março de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Pedro Vaz Pato
Lígia Figueiredo
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Como se entendeu nos acórdãos do TRE de 22-01-2019, relatado por Martinho Cardoso no âmbito do Proc. n.º 135/18.3T8TNV.E1, do TRP de 02-03-2022 relatado por Paulo Costa no âmbito do Proc. n.º 2154/20.0T8GDM.P1 e do TRC de 22-02-2023, relatado por Alice Santos no âmbito do Proc. n.º 1422/22.1T8GRD.C1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do TRP de 08-01-2020, relatado por Liliana de Páris Dias no âmbito do Proc. n.º 1101/19.7Y2VNG.P1, e do TRC de 13-09-2023, relatado por Alcina Costa Ribeiro no âmbito do Proc. n.º 3612/22.8T9LRA.C1, e de 22-11-2023, relatado por Alexandra Guiné no âmbito do Proc. n.º 1255/22.5T9ACBE. C1, acessíveis in www.dgsi.pt.