ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
FORMALIDADES
COMINAÇÃO
Sumário

I. Alegando o empregador como fundamento do despedimento a extinção do posto de trabalho, cabe-lhe juntar aos autos os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas nos art.º 367 e seguintes do Código do Trabalho (art.º 98-J/3, CPT).
II. Não o tendo feito há lugar à imediata declaração de ilicitude do despedimento do trabalhador, sem que o tribunal possa conhecer quaisquer questões invocadas na petição inicial, designadamente alguma exceção de extinção do direito do trabalhador (inexistindo qualquer nulidade decorrente da sentença por falta de omissão desse conhecimento, uma vez que a lei expressamente se opõe à sua apreciação). Na verdade, a apreciação da licitude dependia da prévia junção dos elementos referidos no art.º 98-J/3, CPT.
(Sumário da autoria do Relator)

Texto Integral

Nos autos foi proferida decisão sumária do relator nos seguintes termos:
I. RELATÓRIO
Autora (A.) e recorrida: AA.
Ré e recorrente: XX, Lda..
A Autora veio impugnar o seu despedimento pela R.
Esta presentou articulado motivador do despedimento, fundando o despedimento em extinção do posto de trabalho, mas não juntou o respectivo procedimento.
A A. respondeu ao articulado motivador do despedimento.
Saneados os autos o Tribunal a quo julgou a ação procedente e decidiu:
a) declarar ilícito o despedimento da Autora AA;
b) condenar a Ré XX, Lda. a pagar à Autora as retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do desconto dos montantes referidos no artigo 390º, n.º 2, do Código do Trabalho;
c) condenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização por antiguidade equivalente a um mês de retribuição, por cada ano de antiguidade ou fracção até à data do trânsito em julgado da decisão e nunca inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades;
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A R. não se conformou e recorreu, concluindo:
- A sentença é nula (art.º 615/1/d, CPC) porquanto o tribunal a quo não se pronunciou nomeadamente sobre a excepção peremptória da extinção do direito da autora a impugnação do despedimento.
- Em 31/05/2023 a ré entregou em mão à autora uma carta sobre o assunto onde se lê “… comunicar a Vª Excelência que é a nossa firme intenção proceder à cessação do seu contrato de trabalho…”, carta de intenção que foi assinada pela autora.
- Em 20/06/2023 a ré comunicou por carta registada com aviso de recepção à autora a sua decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho.
- A Ré pôs à disposição da autora, que recebeu em 4/07/2023, a totalidade da compensação e não a devolveu, não elidindo a presunção prevista no artigo 366 número 4 do código do trabalho.
- A autora preencheu em 6/07/2023 no Tribunal de trabalho do Barreiro um formulário para a impugnação do despedimento.
Remata pedindo que se revolve a sentença recorrida esse deve por provada a excepção de não devolução da compensação e extinto o direito de impugnação do despedimento da autora.
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A A. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
1.º- No âmbito do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, impunha-se à Mm.ª Juíza a quo verificar se a R. juntou aos autos os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento por extinção do posto de trabalho e, na negativa, declarar a ilicitude do despedimento.
2.º- Ora, foi precisamente isso que a Mm.ª Juíza a quo fez, pelo que tendo constatado que a R./Recorrente não juntou a totalidade dos documentos que comprovavam o cumprimento das formalidades legais, ou a desnecessidade do seu cumprimento, declarou a ilicitude do despedimento da A.
3.º- Assim sendo, a decisão recorrida não é merecedora de qualquer censura.
4.º- Pese embora o referido, e à cautela, a A./Recorrida frisa que no art.º 12.º da sua contestação apenas aceitou que recebeu a importância paga por transferência em 04.07.2023.
5.º- Contudo, jamais aceitou que a R. lhe pagou tudo aquilo a que tinha direito.
6.º- E tanto assim é que acabou por reclamar as importâncias que entendia que ainda se encontravam em dívida, as quais, de resto, a R./Recorrente acabou por aceitar e proceder ao pagamento à A./recorrida, como resulta da sua resposta à questão prévia e reconvenção.
7.º- Neste contexto, e sem prejuízo de melhor opinião, não funciona a presunção a que alude a R./Recorrente, prevista no n.º 4, do art.º 366.º, do CT, não se mostrando, consequentemente, provada a exceção perentória da extinção do direito da A..
8.º - Pelo exposto, isto é, por a douta sentença recorrida não padecer de qualquer vício ou lapso e na mesma ter sido feita correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, não é merecedora de qualquer censura, devendo, por isso, ser mantida.
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II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se se verifica a extinção do direito da autora.
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Factos assentes: os descritos acima.
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C) De Direito
O Tribunal a quo proferiu a decisão dos autos tendo em consideração o disposto nos art.º 371 do Código do Trabalho (CT) e 98-J do Código do Processo do Trabalho (CPT), considerando que a ré não juntou aos autos o procedimento relativo ao despedimento.
Mais adiante, desenvolvendo o seu pensamento, refere que o procedimento “congrega todos os procedimentos levados a cabo pela ré para cumprimento das exigências legais previstas nos art.º 367 e ss. do Código do Trabalho” e ainda a decisão proferida quanto ao despedimento da trabalhadora.
Vejamos.
Estipula o n.º 2 do art.º 371 do CT que
2 – A decisão de despedimento é proferida por escrito, dela constando:
a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º;213
c) Prova da aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a extinguir, caso se tenha verificado oposição a esta;
d) Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho;
e) Data da cessação do contrato.
Por seu lado, o n.º 3 do art.º 98-J do CPT estipula que “se o empregador não apresentar o articulado referido no artigo anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador (…)”
A empregadora invocou a extinção do posto de trabalho.
Em tal caso devem verificar-se os requisitos designadamente no art.º 368, e haver lugar às comunicações previstas no art.º 369, do CT.
Assim sendo, é evidente que não existe um processo de cariz disciplinar, como a mera alusão ao termo “procedimento” sugere, sendo, porém, necessária a verificação de requisitos e pressupostos previstos nos art.º 367 e ss. do CT.
Como se decidiu no ac. do TRL de 11.04.2018, “I. Frustrada a tentativa de conciliação na audiência de partes numa acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pretendendo contestá-la deve o empregador, no prazo de 15 dias subsequentes à respectiva notificação, apresentar articulado motivador do despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas (art.º 98.º-I, n.º 4 do CPT). II. Prevêem-se ali duas situações diversas: na primeira, em que determina que o réu deve juntar o processo disciplinar, reporta-se ao despedimento por facto imputável ao trabalhador onde isso foi decidido (art.º 357.º do Código do Trabalho); na segunda, em que manda que o mesmo junte os documentos comprovativos, tem em vista os casos de despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 371.º do CT) e por inadaptação do trabalhador (art.º 378.º do CT)”.
Neste caso, impunha-se não junção de um procedimento disciplinar que não existe, mas dos documentos comprovativos da observação aqueles requisitos e pressupostos.
A empregadora limitou-se a juntar cópia de 2 missivas endereçadas a trabalhadora, numa das quais manifesta a sua intenção de proceder ao despedimento e noutra a decisão de o efectuar.
Isto não corresponde à junção dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
Tal questão foi suscitada no articulado da trabalhadora.
Ora, nos termos do disposto no art.º 98-J do CPT, não tendo tal sido feito até o termo dos articulados, teria de ser declarada a ilicitude do despedimento.
Assim, o procedimento adotado pela sentença mostra-se de acordo com o dispositivo legal.
Pretende a ré que deveria ter sido conhecida a excepção da extinção do direito da autora em virtude de ter recebido as quantias correspondentes à compensação pela cessação do contrato de trabalho (art.º 366 ex vi art.º 372 do CT) e que tal omissão consubstanciaria nulidade por falta de conhecimento de questões submetidas à apreciação do Tribunal.
Não é isso, porém, que resulta do disposto no n.º 3 do art.º 98-J do CPT, que dispõe que na falta dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, dá lugar à declaração de ilicitude do despedimento.
Com efeito, tal questão, em sede de apreciação da licitude da cessação, nestas circunstâncias é a única a ser conhecida. Aliás, se assim não fosse, se outra interpretação colhesse, poder-se-ia chegar à conclusão de que afinal o despedimento não era ilícito, ou não podia ser declarado como tal, o que retiraria sentido útil ao preceito (na jurisprudência, convergindo, pode citar se por todos o acórdão da Relação de Évora de 12/09/2018: (…) III. A não junção do procedimento disciplinar, no prazo, peremptório, de 15 dias, tem como consequência a declaração da ilicitude do despedimento; IV. Não pode assacar-se à sentença recorrida o vício de nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia, se face à não junção do procedimento disciplinar o tribunal declarou de imediato a ilicitude do despedimento e, em conformidade com o pedido reconvencional do trabalhador, que não foi objecto de resposta por parte da empregadora, condenou esta na reintegração daquele e no pagamento das retribuições intercalares).
Deste modo, não padece de vício a sentença recorrida, pelo que será confirmada.
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É contra a correspondente decisão que se insurge a recorrente, nestes termos:
Considera-se prejudicada com a decisão anterior, pois (…) a mesma não tomou em linha de conta a excepção da extinção do direito da Apelada.
Primeiramente, se a Autora pretendia submeter a licitude ou ilicitude do seu despedimento por extinção do posto de trabalho, ao escrutínio do Douto Tribunal "a quo", por este despedimento não cumprir todos os requisitos do cumprimento das formalidades exigidas pelo art.º 3710 do Código do Trabalho, para o despedimento por extinção do posto de trabalho, deveria ter devolvido a compensação recebida em tempo, ou posto à disposição do Apelante a totalidade dessa compensação recebida, o que não aconteceu. Não ilidindo assim a presunção prevista no art.º 3660 nº4 do Código do Trabalho.
Com este entendimento:
AC. TRL — Proc. 1245/20.0T8SLB1-4:
"Como ponto prévio, há que ter presente que a presunção de aceitação se forma com o acto de recebimento. Consumada a receção, não bastará por certo ao trabalhador vir depois a intentar a ação de impugnação e invocar que desse modo ficou patente que não aceitava o despedimento. E menos ainda será suficiente para afastar a presunção a mera declaração do trabalhador de que não aceita o despedimento, embora receba a compensação. Tudo indica, assim, que se quiser contestar o despedimento o trabalhador terá de demonstrar factos que atestem não apenas que discorda do despedimento, mas também que o recebimento da compensação não pode ser qualificado como uma aceitação presumida daquele. Tal será por certo difícil, pois, como observou o Supremo Tribunal de Justiça, o legislador revela-se particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda, pretenda questionar o despedimento de que foi alvo, pois a versão original da LCCT e o Código do Trabalho de 2009 inviabilizam, na prática, qualquer reação do trabalhador que conserve em seu poder a compensação recebida. Terá também influência a forma de pagamento utilizada pelo empregador. Realizando-se o pagamento por transferência bancária, como muitas vezes sucede, o trabalhador deve proceder à sua devolução logo que tome conhecimento de que o respectivo valor foi creditado na sua conta, sob pena de, não o fazendo, se considerar que recebeu a compensação e, como tal, aceitou o despedimento..."
E ainda AC. TRL – Proc. 14182/18.1T8SLB-4:
1. Invocando o empregador a licitude do despedimento, compete-lhe alegar a provar que pôs à disposição do trabalhador a compensação até ao termo do prazo do aviso prévio.
2 - Não efectuada esta prova, o despedimento é ilícito.
3 - Contudo, sempre que o trabalhador receba do empregador a totalidade da compensação e a não devolva, fica impedido de discutir a ilicitude, pois o despedimento tem-se como aceite.
Sendo que posteriormente o Apelante a instâncias da Juiz "a quo", e no cumprimento do preceituado no art.º 98º, alínea i), n.º 3, do CPT, juntou em tempo todos os documentos que possuía, nada mais podendo juntar”.
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A divergência entre o entendimento da recorrente e aquele que foi adotado da decisão singular prende-se com uma simples questão: não tendo o empregador junto oportunamente o articulado motivador do despedimento há lugar à apreciação da ilicitude/licitude do mesmo?
Respondeu a decisão do relator que não, afirmando:
Pretende a ré que deveria ter sido conhecida a excepção da extinção do direito da autora em virtude de ter recebido as quantias correspondentes à compensação pela cessação do contrato de trabalho (art.º 366 ex vi art.º 372 do CT) (…) Não é isso, porém, que resulta do disposto no n.º 3 do art.º 98-J do CPT, que dispõe que na falta dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, dá lugar à declaração de ilicitude do despedimento. Com efeito, tal questão, em sede de apreciação da licitude da cessação, nestas circunstâncias é a única a ser conhecida. Aliás, se assim não fosse, se outra interpretação colhesse, poder-se-ia chegar à conclusão de que afinal o despedimento não era ilícito, ou não podia ser declarado como tal, o que retiraria sentido útil ao preceito (na jurisprudência, convergindo, pode citar se por todos o acórdão da Relação de Évora de 12/09/2018: (…) III. A não junção do procedimento disciplinar, no prazo, peremptório, de 15 dias, tem como consequência a declaração da ilicitude do despedimento; IV. Não pode assacar-se à sentença recorrida o vício de nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia, se face à não junção do procedimento disciplinar o tribunal declarou de imediato a ilicitude do despedimento e, em conformidade com o pedido reconvencional do trabalhador, que não foi objecto de resposta por parte da empregadora, condenou esta na reintegração daquele e no pagamento das retribuições intercalares).
Nem poderia ser de outro modo. Com efeito, na interpretação da lei “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art.º 9º/3, Código Civil). Obviamente não teria sentido o n.º 3 do art.º 98-J do Código de Processo do Trabalho, se afinal o juiz tivesse de apreciar a licitude do despedimento. Ou seja: claramente a falta do articulado do empregador acarreta a imediata declaração da ilicitude do despedimento do trabalhador, sem que o tribunal possa entrar na apreciação de questões como a restituição da compensação entregue pelo empregador. A declaração da ilicitude é a consequência imediata, não chegando o tribunal a poder ponderar a concreta (i)licitude da resolução do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
Diga-se ainda, que a jurisprudência invocada pela ré não apoia o seu entendimento, porque não é sobre este ponto que incide. Na verdade, a mesma pressupõe que o empregador apresentou os elementos referidos no n.º 3 do art.º 98-J do CPT
Assim, mantém-se a decisão do relator.
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Termos em que o Tribunal mantém a decisão singular que confirmou a decisão recorrida.
Não são devidas custas (sem prejuízo de se manter a condenação proferida na decisão singular).

Lisboa, 24.04.2024
Sérgio Almeida
Paula Penha
Paula Pott