PROVA PERICIAL
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
RECUSA DE EXIBIÇÃO DE ESCRITA COMERCIAL
Sumário

O entendimento plasmado no acórdão Uniformizador do STJ de 22/04/1997 [vide documento 087158, Nº do Documento: SJ1997042200871582, Relator Conselheiro Miranda Gusmão, publicado no DR IS-A , nº 6 , de 8-1-1998, pág. 119, acessível em www.dgsi.pt] relativamente ao artigo 519º do CPC de 1961 [sendo que ali se decidiu: «O artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.» fim de transcrição.] continua a lograr validade no tocante ao artigo 417º do actual CPC.
(Sumário da autoria do Relator)

Texto Integral

ZZ - Cuidados Domiciliários, Lda., intentou1 acção , com processo comum, contra:
- AA (1ª Ré);
- BB (2ª Ré);
- XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda.
(3ª Ré);
- CC (4ª Ré);
Pede que a acção seja julgada procedente por provada, e em consequência os RR. sejam condenados2:
«a) A absterem-se de, por si ou por intermédio de outrem, em sociedade de que seja sócio, agente, mero trabalhador ou prestador de serviços, contactar o prestar aos clientes que a A. tinha à data em que os RR. rescindiram os seus contratos, os serviços que a A. exerce e, de um modo gorai, a absterem-se da prática dos atos de concorrência desleal que têm vindo a praticar contra a A.:
b) Solidariamente, a efetuar o pagamento de uma quantia não inferior a €200.000,00 (duzentos mil euros), a título de indemnização pelas perdas os danos que a A. já sofreu, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às transações comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) A condenação dos RR. a indemnizá-la de todos os prejuízos que vier a sofrer, bem como dos já sofridos e que não foram possíveis de quantificar neste momento, em montante a liquidar em incidente próprio;
d) A título de cláusula penal, no montante de €3.000,00 (três mil euros) como penalização pela violação expressa dos deveres contratuais da 1• R. (dever de não prestar serviços direta ou indiretamente a clientes da A. e dever da confidencialidade e sigilo) a que estava adstrita;
e) A título de cláusula penal, no montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) como penalização pela violação expressa dos deveres contratuais do 2º R. (dever de não prestar serviços direta ou indiretamente a clientes da A. e dever da confidencialidade e sigilo) a que estava adstrito;
f) A título de cláusula penal, no montante de € 3.000,00 (três mil) como penalização pela violação expressa dos deveres contratuais da 4ª R. (dever de não prestar serviços direta ou indiretamente a clientes da A. e dever da confidencialidade e sigilo) a que estava adstrita.» - fim de transcrição.
Em sede probatória juntou 14 documentos, arrolou testemunhas, solicitou a prestação de depoimento de parte da 2ª Ré, bem como do legal Representante da 3º R..
Mais requereu3 a realização de perícia à contabilidade da 3º R. XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda. a fim de se apurar se a mesma angariou desde a sua constituição clientes da A., designadamente:
A instituição TT, UU, PP, RR e SS e a facturação obtida para efeito de cálculo de indemnização e prova da vantagem indevida auferida.
Entre outros factos na sua petição 4a Autora articulou que:
«1º
A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de cuidados domiciliários e de serviços de apoio à vida quotidiana de idosos e outros adultos, bem como, à prestação de serviços de enfermagem, conforme se afere pela sua certidão permanente com o código de acesso: (…)
2.º
Entre a 1ª R. e a A. foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, com início em 04 de novembro de 2019 e término a 08 de abril de 2021, para desempenhar funções de Técnica de Planeamento e Controle de Serviços.
(…)
3.º
Foi também celebrado um contrato de prestação de serviços entre a A. e a 1ª R., a 29 de janeiro de 2021, pare as seguintes funções:
gestão de entradas e ruturas de ajudantes familiares e articulação com os clientes; execução de relatórios de ocorrências de ajudantes familiares e clientes e atendimento telefónico a ajudantes familiares e clientes.
(…)
4.º
O contrato de prestação de serviços outorgado tinha como data de início 01 de fevereiro de 2021 e data de término 31 de julho de 2021.
Não obstante,
5.º
A 1ºR. denunciou unilateralmente, enviando carta registada à A., o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, com efeitos em 13/04/2021.
(…)
Por sua vez,
6.º
O 2º R. foi prestador de serviços para a A. tendo prestado serviços de enfermagem desde 16 de setembro de 2014 até marco de 2021.
(…)
7.º
Além das funções relacionadas com a área de enfermagem, o 2º R. passou a desempenhar maioritariamente funções de comercial na empresa. Tendo chegado a ser Diretor Comercial da A., funções que desempenhou pelo menos durante o último ano ao serviço da primeira.

A relação contratual cessou em 30 de março de 2021, por comunicação dirigida pelo 2º R. à A.
(…)

A 4ª R. outorgou um contrato de trabalho com a A. para desempenhar a função inerente à categoria profissional de "cliente care", tendo como funções, entre outras, o contacto com os clientes, a gestão dos seus processos, a monitorização dos clientes e dos cuidadores, a definição dos serviços a cobrar aos clientes, etc. - (…).
10.º
Tendo cessado o contrato por acordo, mas devido à vontade expressa pela 4ª R. em 19/02/2021.
(….)
Portanto,
11.º
Ambos os RR. cessaram a sua relação com a A. no ano 2021, a 1ª R. por denúncia do contrato, o 2º e a 4ª RR. através de acordo com a A., em datas similares.
De ressalvar que,
12.º
A 1ª Ré não deu qualquer motivo justificativo para tal decisão, já a 2º R. explicitou à A. quais seriam os motivos para cessação da relação contratual, a saber: o facto de querer exercer funções em meio hospitalar e ter mais tempo para se dedicar à sua família.
13º
A A. enquanto empresa de apoio a idosos tem um conjunto de trabalhadores ao seu serviço que se dividem em claros âmbitos de atuação, designadamente:
os comerciais, que procuram outorgar contratos, tendo acesso à informação sobre os preços praticados pela A. e aos serviços prestados;
- os técnicos de planeamento de serviço que organizam o trabalho interno, alocar os colaboradores às necessidades dos clientes, acedem ao âmbito dos serviços prestados e és necessidades dos clientes, às necessidades do contratar ajudantes familiares para colocar em Casa dos clientes e às necessidades de recursos que a A. precisa para poder desempenhar os seus serviços;
- as ajudantes familiares, prestadores de serviços que são alocadas aos clientes para satisfazer as suas necessidades;
- administrativos para verificar a satisfação dos clientes, cobrar os valores e endereçar os pedidos aos comerciais, aos trabalhadores responsáveis pelos planeamentos dos serviços.
14.*
A 1º R. enquanto técnica de planeamento de serviços passou a ter acesso a informação confidencial da empresa, uma vez que para poder planear o trabalho das ajudantes familiares, teve acesso aos serviços prestados pela A., ao trabalho desenvolvido pelas AF, ao número de AF necessárias para satisfazer cada tipo de trabalho solicitado, ao tipo de serviço que eram mais requisitados pelos clientes.
15.º
Consequentemente, aquando da sua contratação assinou uma cláusula de confidencialidade em que se obrigou a não revelar, nem a usar a informação a que tinha acesso no exercício das suas funções.
Por sua vez,
16.º
O 2º R. enquanto diretor comercial da empresa, tinha acesso a todas as políticas comerciais da mesma, aos preços praticados, às técnicas utilizadas para promover os serviços, às margens negociais (contratuais), bem como, à identificação de todos os clientes da A. uma vez que recebia uma percentagem paz cada cliente que outorgasse um contrato com a primeira.
17.º
Consequentemente outorgou com a 2ª Ré Cláusula de confidencialidade. de modo a não usar a informação que lhe foi transmitida durante a execução das suas funções.
18.º
A 4ª R. enquanto "cliente care" tinha acesso aos clientes, às ajudantes familiares, à faturação e aos procedimentos da A., aos níveis de satisfação dos clientes, motivo pelo qual aquando da sua contratação acordou a inserção no contrato de trabalho de uma cláusula de confidencialidade em que se obrigou a não revelar, nem a usar a informação a que tinha acesso no exercício da função.
Acontece que,
19º
A A. teve conhecimento que o 2ª R. se despediu do hospital onde anteriormente exercia funções, estando actualmente em colaboração com a 1ª e 2ª RR a prestar funções numa empresa concorrente direta da A., aqui 3ª R., criado por ambos.
Destaca-se que,
20.º
Essa empresa foi constituída em março de 2021 (aquando da salda de ambos os RR.) e apresenta-se no mercado sob o nome "YY".
21.º
É uma empresa concorrente direta da A., tendo como objeto social, o desenvolvimento e exploração de soluções e serviços de assistência social e de saúde, nomeadamente prestação de serviços do apoio domiciliário, apoio nas atividades da vida diária, serviços de enfermagem, cuidados médicos, psicologia, fisioterapia e terapias complementares.
(…) .
Acontece que,
22.º
A A. teve conhecimento que os seus clientes, na maioria instituições, estão a ser contactados pela 3ª R., alguns diretamente por intermédio dos 1º, 2º e 4º RR, o que só é possível face à informação que os 1º, 2º e 4º RR. recolheram no exercício das suas funções para a A.
23.º
A A. desde março de 2021 tem verificado uma baixa significativa da facturação em vários clientes, devido a desistências e cancelamentos das vagas já detidas pela empresa anteriormente, sem quaisquer justificações aparentes.
Além disso,
24.º
A empresa tem-se debatido severamente com a desistência dos prestadores de serviços (AF) contratados por esta, cuja identidade, contactos e valores auferidos eram do conhecimento dos 1º, 2º e  RR.
25.º
Estas situações só começaram e ocorrer na empresa desde o momento de saída dos RR.
26.º
Até porque ambos os RR. detêm conhecimentos específicos sobre a atividade desenvolvida pela A., sobre a identificação dos clientes, como sobre os preços praticados e o tipo de serviços prestados.
Que se diga que,
27.º
O 2º R. antes de cessar a sua relação contratual com a a A. solicitou uma listagem exaustiva dos clientes principais da empresa.
28º
Clientes esses, que este já conhecia e tinha uma relação consolidada derivado ao exercício de funções, primeiro enquanto comercial e posteriormente, entanto responsável por toda a área comercial da A.
29.º
Verificou então e A. que ambos os RR. se encontravam a exercer funções numa empresa concorrente, aqui 3ª R.: que criaram e, eventualmente, usando elementos que colheram na A. para tal propósito.
30.º
Informações essas asseveradas pelos próprios clientes da A. que confirmaram que tinham sido contactados pela 3º e 4ª RRª.
Nomeadamente,
31.º
A A. constatou que na sua cliente OO encontravam-se a prestar serviços várias colaboradoras que anteriormente já tinham prestado serviço para a empresa, mas que agora se encontravam a prestar serviços pela 3ª R., como é caso das auxiliares familiares: DD; EE; FF.
(…)
Tendo sido confirmado pela A. por parte da sua cliente que. efetivamente, a 3ª R. estava a operar na instituição sob gestão da aqui 1ª R.
33.º
Já a cliente da A. VV asseverou que existiu o recebimento de uma proposta por parte da 3ª R., tendo-se apresentado como representante desta empresa, a trabalhadora e prestadora de serviços da A., aqui 1ª R.
34.º
Quanto ao cliente da A. PP, RR e SS foi possível apurar que a 3ª R. tem prestadoras de serviços a operar nessas instituições.
Ora,
35.º
Os clientes acima referenciados foram angariados pela A. e constavam da lista de clientes que o 2ª R. tinha
acesso, tendo inclusivamente como comercial uma relação mais próxima de tais instituições e dos seus representantes, pelo que o facto de a 3ª R. se encontrar a operar em tais locais não seria possível se não tivesse
recorrido às informações constantes da listagem de clientes que o 2ª R. obteve na A. e que apenas teve acesso porque era o responsável comercial do mesmo.
Além disso,
36º
Os 1º, 2º e 4ª RR. procederam ao desvio dos funcionários da A., aliciados pela 3ª R., visto que no ano de 2021, saíram da empresa, entre outros:
CC, em fevereiro de 2021, GG também no fevereiro de 2021, HH em conluio com a 3ª R.
Deste modo,
37.º
É evidente que os RR., em violação das obrigações por eles assumidas, usaram em proveito próprio e da 3ª R. os dados que obtiveram na A. e que ilegitimamente mantêm em seu poder , utilizando-os para seu beneficio, enquanto ao serviço de empresa concorrente da A., aqui 3ª R., podendo não só contactar os clientes da A. como lhes oferecer serviços similares a preços mais baixos, pois tiveram acesso à forma como a A. atuava.
Mais.
38.º
A A. é uma sociedade comercial que esta integrada numa rede de franchising de que detém a marca WW.
39.º
Tem acesso ao know how de uma das principais empresas de cuidados domiciliários em todo o mundo.
40.º
O que lhe permite ter organizada uma forma de apresentação e divulgação dos serviços que presta distinta de outras empresas concorrentes.
41.º
Tem uma organização dos serviços própria, tem como a forma de controlar a qualidade dos serviços prestados, o cálculo do valor hora que deve cobrar, a alocação dos recursos humanos, a forma como deve publicitar a sua atividade, etc.
42.º
Os 1º, 2º e 4ª RR. no exercício da sua atividade tiveram acesso a todo esse know how e reproduziram-no na empresa que criaram.
senão vejamos,
43.º
A semelhança entre o documento de apresentação da 3ª R. e o da A. é notória, apresentando uma estrutura construída com base na estrutura organizacional da A., incluindo os próprios departamentos desta.
(….).
44.•
Por exemplo, o Departamento de Planeamento de Serviço é decalcado da estrutura organizacional da A., tendo as mesmas funções e objetivos.
45.º
O cálculo do orçamento é exatamente efectuado da mesma forma (valor hora do serviço x horas semanais x 4,33. 71, formula usada, calculando as semanas em 4,33 é utlizada pela empresa, unicamente, desde que entrou no mercado.
46.º
No que respeita ao orçamento enviado aos clientes a frase "nos feriados o valor/ hora é a dobrar e no Natal e FDA a 2,5" é exatamente a mesmo que a A. utiliza para os clientes, sendo a única diferença o preço mais baixo praticado pela 3ª R.
47.º
O discurso usado, o léxico é em tudo semelhante ao modelo contratual da A.
Reitera-se,
48.º
A A. está devidamente autorizada, como franchisada, a utilizar a marca e o sistema do negócio "WW", desenvolvido pela NN, ... e como tal, o modelo de negócios e a estrutura organizacional é única a exclusiva no mercado português.
49.º
Peio que se afigura evidente a apropriação desleal levada a cabo pelos 1º 2º e 3ª RR. dos elementos negociais diferenciadores e pertencentes ao modelo de negócio preconizado pela A. (desde a apresentação da empresa no mercado, fórmulas utilizadas, propostas contratuais...).
Por outro lado,
50º
Ambos os RR., porque conhecem a prática comercial da A., os preços por esta praticados, bem como os critérios para a formação desses preços, têm vindo a desviar a clientela da A. para a 3ª R. e também os seus prestadores de serviços.
51º
Contra os usos honestos da prática comercial, causando assim, lesões patrimoniais graves e dificilmente reparáveis na atividade comercial desenvolvida pela A. e em violação das cláusulas de confidencialidade constantes dos contratos que outorgaram.
52.º
Continuando a servirem-se de todos os conhecimentos e que tiveram acesso no tempo em que eram colaboradores da A. para beneficiarem ilicitamente a nova entidade, aqui 3ª R.
53.'
Tendo já sido contactados 6 dos melhores clientes da A., conhecidos pelos RR., dos anos em que exerceram as funções de Diretor Comercial e de Técnica de Planeamento. Além do que,
54.º
Ambos os RR tinham um conhecimento profundo das margens de preços praticados pela A., relativamente a esses clientes, proporcionando então preços concorrenciais, de forma desonesta, porque os apresentam sabendo aquelas que são praticados pela A.
A título de exemplo,
55.º
Veja-se os preços praticados pela 3ª R. na cliente da A. VV - a 3ª R. cobra ao cliente €7,15 enquanto a A. cobra €7,30; já quanto ao pagamento das auxiliares familiares contratadas foi possível apurar na cliente da A. PP que a 3ª R. paga mais 0,03 cêntimos ou seja € 4,4 euros /hora.
56.º
O que só é possível, porque os RR. sabiam os preços cobrados pela A. aos clientes e os valores que pagava às AF e a identidade de ambos.
Concretizando,
57.º
A Instituição TT, cliente da A., em fevereiro de 2021 tinha contratado 12 posições, sem motivo aparente justificativo diminuiu a contratação para duas posições ao fim de semana, passando de uma faturação de € 12.074,3 para € 741,12, apresentando um volume de faturação perdido aro .2 meses da € 135.999,12.
(…)
58.º
Já quanto ao cliente UU as vagas em fevereiro traduziam-se em 2 posições a full-time e 2 a part-time, diminuindo a contratação apenas para 2 posições em part-time, passando de uma faturação de € 6.170,21 para € 2.964,48, obtendo-se um volume de faturação perdido em 12 meses de € 95.468,76.
(….)
59.º
Quanto ao cliente PP em fevereiro de 2021 a A. tinha contratado 9 vagas, passou a ter somente 6 vagas, de uma faturação de €14.207,70 desceu pare €7.629,75, consignando-se um volume de faturação perdido em 12 meses de € 78.935,10.
(…)
60.º
Referente à cliente RR. em fevereiro de 2021, a A. tinha contratado 4 vagas, em fevereiro de 2022 deixou de ter quaisquer vagas, passando de uma faturação de €4.579,32 para €0, apresentando-se um volume de faturação perdido em 12 meses de €54.951,84.
(….)
61.º
No que toca à SS, em fevereiro de 2021 a A. tinha contratado 5 posições, que passaram para somente 2, de una faturação de €3.536,99 para €2.850,05, consignando-se o volume de faturação perdido em 12 meses em €8.243 28.
(….)
62.º
Totalizando assam um volume de faturação perdido com referência a 12 meses de €316.598,40 que os RR. se apoderaram ilicitamente, em violação dos contratos que assinaram.
Não obstante,
63.º
Não pode a A. quantificar com exatidão o valor perdido de faturação, por não ter informação exata dos valores em causa e de todos os clientes que os RR., usaram práticas de concorrência desleal e a informação sigilosa da A. angariaram para a empresa que criaram, ora 3ª R.
64.º
A ocorrência dos diversos factos praticados pela 3' R. em conluio com os 1º, 2º e 4ª RR., resultaram em prejuízos avultados para a A.
(….)
65.º
Os RR. agiram intencional e premeditadamente com intuito de desviar clientela para a 3ª R., nova entidade que criaram e para quem prestam funções, de modo a beneficiá-la em prejuízo da A.» - fim de transcrição.
Os Réus contestaram.
Em 25 de Fevereiro de 2023, foi lavrado despacho saneador [que na parte para aqui relevante logrou o seguinte teor]:
«
A causa não reveste especial complexidade e a posição das partes está ampla e claramente exposta nos articulados apresentados, motivo pelo qual não se realizará audiência prévia (artigo 62º, nº 1 do Código de Processo de Trabalho).
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
(..,..)
Objeto do litígio:
O direito indemnizatório da autora e os fundamentos do acionamento das cláusulas penais.
Temas de Prova:
A) Factualidade relacionada com as exceções deduzidas.
B) Factualidade relacionada com os direitos indemnizatórios invocados pela autora.
C) Factualidade relacionada com o funcionamento das cláusulas penais.
Requerimentos de prova:
Por tempestivos admite-se:
1) Os depoimentos de parte requeridos pela autora.
2) As testemunhas arroladas.
2) Os documentos juntos.
Notifique a autora para explicitar os factos que pretende demonstrar com a perícia requerida.
A audiência de julgamento será gravada.
Em face da diligência determinada, não se agenda por ora a audiência de julgamento.» - fim de transcrição.
Em 15 de Março de 2023, ZZ - Cuidados Domiciliários, Lda., veio expor o seguinte:5
«
1.º
A perícia à contabilidade da 3ª R. tem como fim
primordial a demonstração da angariação dos clientes da A. por esta sociedade e ainda a verificação que a angariação dos clientes TT, UU, PP, RR e SS não só ocorreu, como está intimamente ligada com a partilha
de informações confidenciais pelos 1º, 2º e 4º Réus.
2.º
Sendo crucial a análise da faturação da 3ª R. para se
provar a vantagem indevidamente auferida, quais os clientes angariados que pertenciam à A., em que condições e lograr calcular a indemnização a arbitrar no caso concreto.
3.º
Assim, através da prova pericial à contabilidade da 3ª R. pretende-se demonstrar os factos alegados nos artigos 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 29º, 30º, 31º, 32.º, 33º, 34.º, 35º, 37.º, 53º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º e 62º da Petição Inicial, bem como, a alínea A) dos temas da prova.» - fim de transcrição.
Em 30 de Março de 2023, com a referência 45182735, os Réus formularam o seguinte requerimento:
«
BB, XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda. e CC, Réus nos autos à margem identificados, notificados do requerimento da Autora com a referência Citius 45013868, vêm exercer o contraditório nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º De acordo com o disposto no artigo 388º do Código Civil, “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (…)”
2.º Considera pacificamente a jurisprudência que esses conhecimentos especiais se reputam a conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
3.º A Autora indica no artigo 3º do seu requerimento a que ora se responde, os artigos da petição inicial onde alega os factos que pretende sejam objeto de perícia à contabilidade da 3ª Ré.
4.º A apreciação de tais factos (de todos) não exige conhecimentos especiais técnicos, científicos ou artísticos, podendo a sua apreciação e valoração ser efetuada pelo julgador, atendendo aos conhecimentos, à cultura geral e à experiência comum, que se presume serem por si detidos.
Vejamos:
5.º Os factos alegados nos artigos 20º e 21º da petição inicial reportam-se à constituição e objeto social da 3ª Ré e ao nome com que se apresenta no mercado.
6.º A apreciação e valoração destes factos não necessitam de especiais conhecimentos técnicos ou científicos, carecendo manifestamente de fundamento legal a perícia à contabilidade da 3ª Ré, quanto aos mesmos, tendo, aliás, a Autora juntado prova
documental para prova desses factos.
7.º Os factos que a Autora alega no artigo 22º da petição inicial em nada se relacionam com a contabilidade da 3ª Ré, sendo que, a sua apreciação e valoração não necessitam de especiais conhecimentos técnicos ou científicos.
8.º Os factos alegados pela Autora nos artigos 23º e 25º da petição inicial em nada se relacionam com a contabilidade da 3ª Ré, sendo exclusivamente factos relacionados com a faturação da Autora – e não da Ré -, e cuja apreciação e valoração não necessitam de
especiais conhecimentos técnicos ou científicos.
9.º Os factos constantes no artigo 29º da petição inicial em nada se relacionam com a contabilidade da 3º Ré, pelo que, nenhum fundamento existe para serem objeto de perícia à contabilidade – acresce que, a apreciação e valoração de tais factos não carece de especiais conhecimentos técnicos e científicos.
10.º Os factos alegados nos artigos 30º, 31º, 32º, 33º e 34º da petição inicial são factos que a própria Autora alega ter “constatado”, “apurado” ou terem sido “asseverados” por terceiros, que em nada se relacionam com a contabilidade da 3º Ré, e cuja apreciação e
valoração não carece de especiais conhecimentos técnicos ou científicos.
11.º Os factos alegados no artigo 35º da petição inicial são factos que não se relacionam com a contabilidade da 3ª Ré, que, conforme a própria Autora alega, são do seu conhecimento – “os clientes acima referenciados foram angariados pela A. e constavam da lista de Clientes que o 2º Réu tinha acesso (…)” – sendo que, a sua apreciação e valoração não carece de especiais conhecimentos técnicos ou científicos.
12.º Os factos alegados no artigo 37º da petição inicial, para além de serem meramente conclusivos, não se relacionam com a contabilidade da 3ª Ré, mas apenas com alegadas violações contratuais do 2º Réu e da 4ª Ré – acresce que, a apreciação e valoração de tais factos não carece de especiais conhecimentos técnicos e científicos.
13.º Os factos alegados pela Autora nos artigos 57º, 58º, 59º, 60º e 61º da petição inicial são factos diretamente relacionados com a faturação da Autora, cuja prova só poderá ser efetuada pela contabilidade da Autora, e não pela contabilidade da Ré, porquanto em nada se relacionam com a contabilidade desta, pelo que a perícia à sua contabilidade não tem qualquer fundamento legal.
14.º Os factos alegados no artigo 62º da petição inicial são meramente conclusivos, relacionam-se exclusivamente com a faturação da Autora, sendo que a alegada ilicitude tem como alegado fundamento “a violação dos contratos que assinaram” – isto é, em nada se relaciona com a 3ª Ré, ou com a sua contabilidade, pelo que, também quanto a estes factos, carece de fundamento legal o pedido de perícia à contabilidade da 3ª Ré.
15.º Atendendo ao supra exposto, facilmente se conclui que, os factos que a Autora pretende provar com a perícia à contabilidade da 3ª Ré, não se revelam pela contabilidade da 3ª Ré, nomeadamente, saber quem angariou os Clientes da 3ª Ré, nem a apreciação e valoração de tais factos carece de especiais conhecimentos técnicos e científicos.
16.º Acresce que, à 3ª Ré não se aplicam as cláusulas de não concorrência e confidencialidade, invocadas pela Autora contra os aqui 2.º e 4.º Réus, pelo que é juridicamente irrelevante se a mesma angariou, desde a sua constituição, clientes que também são ou eram da Autora, porquanto a 3ª Ré é livre de angariar quaisquer Clientes, não estando sujeita a qualquer pacto ou cláusula de não concorrência em relação à Autora.
17.º Releve-se que, a perícia à contabilidade da 3ª Ré serviria apenas para a Autora, de forma ardilosa, com grave prejuízo para a 3ª Ré, ter conhecimento de toda a Clientela da 3ª Ré e preços praticados por esta, que é uma empresa concorrente da Autora.
18.º Constituindo a perícia à contabilidade da 3ª Ré uma clara e grave violação do princípio do segredo da escrita do comerciante e do princípio da livre concorrência, causando, necessariamente, graves prejuízos, na 3ª Ré.
19.º Atendendo ao supra exposto, deve a perícia à contabilidade da 3ª Ré, requerida pela Autora, ser indeferida, com todas as legais consequências.» - fim de transcrição.
Em 6 de Outubro de 2023, foi lavrado o seguinte despacho:6
«
Solicita a Autora a realização de prova pericial à contabilidade da Ré “XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda.”, sustentando pretender, com tal meio probatório, aferir se esta angariou clientes utilizando informações privilegiadas e sigilosas que constavam da sua base de dados de clientes.
Contrapõe a terceira Ré que a perícia se revela impertinente, na medida em que a si se não aplicam as cláusulas de concorrência e confidencialidade invocadas pela Autora.
Compulsada a matéria de facto alegada e em que a Autora sustenta o seu pedido de perícia contabilística, constata-se que, se é certo que os factos alegados em 20º e 21º em nada se relacionam com conhecimentos específicos de contabilidade ou economia e que o mencionado nos artigos 22º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 37º, 53º, 58º a 61º da Petição Inicial não revelam reconduzir-se a situações, em si mesmo, contabilísticas que necessitem de aferição pericial - podendo ser confirmadas e comprovadas por prova testemunhal – a verdade é que a conclusão que dessa matéria pode ser retirada (no sentido de saber se houve uma efectiva transferência de clientes, relacionada com a conduta dos demais Réus e quais as consequências contabilísticas que a mesma teve na Autora), apenas através da sobreposição das contas cliente da Autora com a da Ré, a partir do período por aquela mencionado no artigo 20º, da Petição Inicial, se pode aferir da efectiva existência de transferência de clientes e, consequentemente, das respectivas repercussões na facturação (o que, analisada toda a matéria factual alegada pela Autora é, afinal, o que por esta é pretendido com o pedido de realização de perícia contabilística).
Em face do assim ponderado e cotejando-o com o expressamente preceituado pelo artigo 476º, n.º 1, do Código de Processo Civil – aplicável in casu ex vi do disposto pelo artigo 1º, n.º2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho- , entende-se que o pedido de perícia assim apresentado se revela, efectivamente, pertinente para a boa decisão da causa.
Do estabelecido no supra referido preceito legal resulta que o juiz apenas deve indeferir o requerimento de prova pericial caso a mesma se revele impertinente ou dilatória, sendo que como tal se considera, respectivamente, quando não é reportada aos factos da
causa ou quando, sendo-o, o respectivo apuramento não demanda especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos subjacentes àquela prova específica, tornando-a desnecessária.
Não é, como se deixou supra explicitado o caso dos autos, na medida em que a contabilização da existência de transferência de clientes, apenas pela análise conjunta das contas clientes da Autora e da Ré pode ser efectuada.
Pelo exposto, por se considerar não se revelar impertinente para a boa decisão da causa, defere-se a requerida prova pericial, por forma a aferir da efectiva existência de transferência de clientes e da sua repercussão na facturação da Autora.
*
Notifiquem-se as partes para, em dez dias, querendo, sugerirem pontos adicionais ao objecto da perícia que agora se ordenou e se pronunciarem sobre a entidade a que deve a mesma ser entregue.
Decorridos os mesmos, lavre Termo de conclusão.
*
D.N.» - fim de transcrição.
Em 27 de Outubro de 20237, BB, XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda. e CC, vieram recorrer desse despacho.8
Concluíram que:
«
1. De acordo com o disposto no artigo 388.º do Código Civil, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais, sendo que, nos termos do artigo 476.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a perícia não deve ser nem impertinente, nem dilatória.
2. A jurisprudência considera, pacificamente, que a prova pericial é impertinente se não for reportada aos factos da causa, e que é dilatória, se embora com reporte a tais factos, o respetivo apuramento não demanda os especiais conhecimentos técnicos,
científicos ou artísticos.
3. Para a perceção ou apreciação dos factos alegados pela Autora, que consubstanciam o pedido da perícia contabilística, não são necessários conhecimentos especiais.
Como tal, é a prova pericial dilatória.
4. A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos, ou seja, o objeto da perícia incide sobre factos e não sobre conclusões sobre matéria de facto.
5. Como tal, não é legalmente admissível ter a perícia como objeto as conclusões retiradas sobre a matéria de facto, que é passível de ser provada por prova
testemunhal.
6. As “repercussões na faturação” da Autora - conforme mencionado no douto despacho – aferem-se unicamente pela análise à contabilidade da Autora, pois a alegada perda de faturação da Autora só poderá ser revelada pela análise da sua própria contabilidade e nunca pela contabilidade da 3ª Ré, pelo que, é a prova pericial impertinente e dilatória.
7. O douto despacho não se pronuncia quanto à questão alegada pelos Réus da violação do “princípio do segredo da escrita do comerciante”, no seu requerimento de 30-03-2023 com a referência 45182735 e com relevância para a decisão de mérito.
8. A omissão de pronúncia do Tribunal a quo sobre esta questão, com relevância para a decisão de mérito, tem como consequência a nulidade do douto despacho em causa, nos termos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, devendo, consequentemente, o douto despacho ser declarado nulo com fundamento em omissão de pronúncia.
9. O princípio do segredo da escrituração mercantil está consagrado no artigo 42º do Código Comercial.
Este princípio tem como racio e fim a proteção do negócio do comerciante perante terceiros, porquanto a revelação da sua escrita comercial poderá facultar aos seus concorrentes no mercado informação comercial que causará prejuízo – eventualmente grave – no seu negócio.
10. O segredo mercantil não deve ceder nas situações em que os factos que se pretendem demonstrar através do levantamento do mesmo se revelam não essenciais, ou seja, quando a sua prova possa ser feita por outros meios que não a perícia à escrituração mercantil.
11. No caso, a prova pode ser feita, nomeadamente, através da prova testemunhal, conforme consta no próprio douto despacho ora em causa, de acordo com o qual os factos alegados “não revelam reconduzir-se a situações, em si mesmo, contabilísticas que necessitem de aferição pericial – podendo ser confirmadas e comprovadas por prova testemunhal”.
12. A perícia à contabilidade da 3ª Ré serviria apenas para a Autora, de forma ardilosa, com grave prejuízo para a 3ª Ré, ter conhecimento de toda a Clientela e preços praticados por esta, que é uma empresa concorrente da Autora.
13. Constituindo, assim, a perícia à contabilidade da 3ª Ré uma clara e grave violação do princípio do segredo da escrita do comerciante, causando, necessariamente, graves prejuízos, na 3ª Ré.
14. Normas jurídicas violadas: artigo 388.º do Código Civil, artigo 476.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, e artigo 42.º do Código Comercial.» - fim de transcrição.
Assim, solicitam que seja declarado nulo o despacho em causa, com fundamento na omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, sendo proferido acórdão que indefira a prova pericial requerida pela Autora.
Em 8 de Novembro de 2023, a Ré ZZ - Cuidados Domiciliários, Lda., contra alegou.9
Concluiu que:
«
I. Conforme consta do despacho saneador da presente ação, este definiu o objeto do litígio como sendo o direito indemnizatório da A., aqui Recorrida, e os fundamentos do acionamento das cláusulas penais nos contratos apresentados.
II. Tendo em consideração o alegado na sua petição inicial desde logo requereu que fosse realizada
uma perícia à contabilidade da 3ª R. pois só
através desta seria possível apurar se a mesma angariou desde a sua constituição os clientes da Recorrida, designadamente a instituição TT, UU, PP, RR e SS.
III. A Recorrida sustenta que pretende, com tal meio probatório, aferir se a Recorrente, 3a R. angariou clientes utilizando informações privilegiadas e sigilosas que constavam da sua base de dados de clientes.
IV. As questões de facto colocadas pela Recorrente para efeitos de integrarem o objeto da perícia versem sobre os factos da causa alegados.
V. Os Recorrentes deturpam o sentido dada pela Mma Juiz, sendo que é fácil de depreender que o que a Mma Juiz a quo quis afirmar é no sentido de que só com a sobreposição das contas da Recorrente com a
da Recorrida é que se pode lograr provar a matéria alegada pela Recorrida, ou seja, se houve uma efetiva transferência de clientes, relacionada com a conduta dos demais Réus e quais as consequências contabilísticas que a mesma teve na Autora, não bastando prova testemunhal para provar tal desígnio.
VI. Constituindo o exame requerido um exame contabilístico, não é exigível ao julgador que tenha conhecimentos específicos de contabilidade que assegurem uma correta análise destes documentos.
VII. A perícia reporta-se aos factos da causa e insere-se numa matéria técnica e especifica -contabilidade, na medida em que a contabilização da existência de transferência de clientes, apenas pela análise conjunta das contas clientes da Autora e da Ré pode ser efetuada.
VIII. Sendo ainda certo que os motivos alegados pelos Recorrentes para a não realização da perícia, não consubstanciam fundamentos credíveis que possam pôr em causa o direito à prova assegurado à Recorrida.
IX. A Mma Juiz a quo ao ter deferido a prova pericial agiu de acordo com o que a lei estabelece, uma vez que não estão preenchidos quaisquer pressupostos que levem ao seu indeferimento, nem por ser uma prova dilatória, muito menos impertinente.
X. Na apreciação da nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes, já não aos fundamentos/argumentações invocados.
XI. Sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou que tem o dever de oficiosamente apreciar.
XII. A violação do segredo comercial é um dos argumentos/fundamentos que na ótica das Recorridas deve ser tido em conta para que seja indeferida a perícia.
XIII. Veja-se que a violação do segredo comercial por parte dos RR. que enquanto trabalhadores (alguns com cargos de direção) é um dos objectos centrais do presente processo, em virtude destes se terem apoderado e utilizado ilicitamente a informação comercial e organizativa da A. que obtiveram no exercício das funções.
XIV. E, por isso, não era a questão fundamental de direito em causa, não estando a Mma Juiz obrigada a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência do seu pedido, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não pode, salvo melhor opinião, determinar a nulidade do despacho por omissão de pronúncia.
XV. A questão a ser resolvida era o deferimento ou indeferimento da realização de perícia tendo a Mma Juiz a quo no despacho recorrido pronunciando-se minuciosamente sobre essa questão tendo aplicado
a lei à questão concreta, mencionado o artigo 476º do CPC e artigo 1º do CPT.
XVI. As Recorrentes podem manifestar a sua discordância com o ponto de vista defendido no despacho quanto ao deferimento da perícia, mas uma coisa é discordar de uma posição assumida de forma expressa, patente, clara, e com ela não estar em consonância, outra coisa é, por se discordar da mesma, invocar que houve uma omissão de pronúncia.
XVII. Pelo que, não se encontra verificada a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelas Recorrentes, nos termos do artigo 615º nº1 d) do CPC, razão pela qual, terá forçadamente de improceder tal arguição.
XVIII. A Recorrida delimitou a perícia ao facto de se lograr provar quais os clientes angariados que pertenciam à R. XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda. e a sua conexão com a partilha de informações confidenciais pelos 1º, 2º e 4º Réus
XIX. Não entende a Recorrida como esta perícia poderia prejudicar a Recorrente, uma vez que o que esta pretende é apenas saber se os clientes que identificou na sua Petição inicial foram efetivamente angariados pela Recorrente nos períodos temporais consonantes com as saídas dos colaboradores da Recorrida.
XX. Muito menos justifica a Recorrente quais seriam os prejuízos que tal perícia lhe causaria, limitando-se a invocar que lhe causaria um grave prejuízo por ter conhecimento de toda a sua clientela.
XXI. Acresce que, havendo reconhecimento do interesse da outra parte na apresentação da escrita comercial, não pode ser oposta a recusa com fundamento no seu carácter secreto.
XXII. Concluindo-se que, o segredo comercial que protege a escrituração comercial deve ceder perante o dever de cooperação para a descoberta da verdade.
XXIII. Pelo que, o douto despacho não padece de qualquer nulidade e muito menos subsistem razões juridicamente válidas para que seja indeferida a prova pericial, razão pela qual, deverá ser mantido o douto despacho recorrido.» - fim de transcrição.
Em suma, sustenta que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
Em 6 de Dezembro de 2023, foi lavrado o seguinte despacho:10
«
Decorrido o prazo concedido às partes que se pronunciassem sobre o objecto da perícia e entidade a que a mesma devia ser entregue, cumpre apreciar e decidir.
No que concerne ao objecto da perícia (cfr. artigo 476º, n.º 2, do Código de Processo Civil), decide-se que a mesma deverá apurar se existiu uma transferência de clientes da Autora para a terceira Ré e, em caso afirmativo, quais as consequências que a mesma teve nas contas da Autora, mais concretamente na sai facturação, com efeitos iniciados em Março de 2021.
Deverá a entidade pericial levar em linha de conta as questões levantadas pela Autora, nos pontos 3 a 17, 53, 54 e 55.
No demais indicado pela Autora, entendemos que, por um lado, em face daquele que é o objecto do litígio, as questões apresentadas extravasam aquela que é a causa de pedir dos autos e aquelas que são as questões de facto que cumpre decidir e, por outro, l são colocadas questões para cuja resposta não se mostram necessários conhecimentos especializados, como os do perito, antes se incluindo no espectro de aferição da prova testemunhal (uma vez que a prova pericial visa a comprovação de determinados factos que apenas podem ser observados ou compreendidos e valorados cabalmente, em virtude de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, o que não é o caso das questões mencionadas em 18 a 35, 43 a 46.
Já quanto às questões referidas em 36 a 42, 47 a 52, 53 a 55, 56 a 73 não são as mesmas susceptíveis de obter resposta através da perícia contabilística que se ordenou, na medida em que esta se destina a aferir da existência de transferência de clientela e da sua repercussão na facturação da Autora e as questões ali mencionadas ultrapassam, em muito, este escopo (sendo que, para além disso, muitas deles não lograriam obter resposta através da análise dos elementos contabilísticos).
*
A perícia deverá ser efectuada no prazo de 30 dias e o relatório deverá ser apresentado acompanhado do competente compromisso de honra manuscritamente assinado (uma vez que não assistirei à realização da diligência – Cfr. artigo 479º, n.º 1 a 3, do Código de Processo Civil).
Para o efeito, remetam-se ao perito nomeado o presente despacho, o despacho que fixou os Temas da prova e os requerimentos supra referidos.
*
Atento o objecto agora fixado, cotejado com o expressamente preceituado pelo artigo 467º, n.º1 e n.º 2, do Código de Processo Civil (na ausência de acordo quanto à nomeação de perito), determina-se que se oficie à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, a indicação de um ROC para efectuar a perícia agora determinada, que assim se deixa nomeado.
Declarada a aceitação da nomeação agora efectuada, remeta-se ao perito cópia do despacho saneador, do despacho proferido a 06 de Outubro, desde despacho e dos quesitos indicados pelo Autora (de onde se deverão retirar os que agora se indeferiram), para que informe qual a documentação que necessita para efectuar a perícia em causa.
O relatório pericial deverá ser apresentado em 30 dias e vir acompanhado do competente compromisso de honra, manuscritamente assinado.
D.N.
***
Atento o ora determinado – na impossibilidade de aferir do lapso temporal necessário para o seu cumprimento integral – e por forma a evitar a prática de actos inúteis, oportunamente se designará data para a realização de audiência final.
**
Por legal, tempestivo e apresentado por quem para tal possui legitimidade, admito o recurso interposto pelas Rés (artigos 79º-A, n.º 2, alínea d), todos do Código de Processo do Trabalho).
O recurso é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (cfr. artigos 79-A, n.º 1, alínea a), 83º-A, 80º, n.º 2, 81º, 83º e 83º-A, todos do Código de Processo do Trabalho).
*
Não se mostrando o despacho proferido sobre questões de que não podia tomar conhecimento, tendo ponderado da admissibilidade do meio de prova, aplicando à alegação de facto das partes as normas de direito que se entenderam ser as que mais se mostravam adequadas ao conhecimento do peticionado, não se mostrando ambíguo, obscuro ou ininteligível, encontra-se fundamentado, pelo que nenhuma nulidade de vislumbra.
Ponderou-se da admissibilidade e da pertinência do meio de prova requerido, assim tendo existido pronúncia sobre a questão em análise (cfr. artigo 476º, do Código de Processo Civil), sendo que a decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados.
Mantém-se, assim, na sua integralidade, o despacho proferido.
Instrua o competente apenso com os elementos solicitados pelo Recorrente (cfr. artigos 646º e 645º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Após junta que se mostra a resposta, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 82º, do Código de Processo do Trabalho).
D.N.» - fim de transcrição.
Veio a fixar-se o valor da acção em €231.000,00.11
A Exmª Procuradora Geral Adjunta lavrou o seguinte Parecer:
«
Inconformados com o despacho datado de 6/10/23, referência 328897890 proferido nos presentes autos, através do qual, ao abrigo do disposto no artigo 476º nº 1 do CPC foi considerado pertinente o pedido de realização de perícia contabilística à Ré “ XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda.” vieram os RR. BB, “ XX Apoio Domiciliário, Unipessoal, Lda.” e CC dele interpor recurso, alegando em síntese nas conclusões das respectivas alegações:
- a perícia requerida pela A é impertinente e dilatória;
- o despacho recorrido ao não se pronunciar sobre o teor do requerimento datado de 30/3/23, com a referência 45182735, é nulo por omissão de pronúncia ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC;
- deve ser dado provimento ao recurso e ser declarado nulo o douto despacho recorrido, com fundamento na omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, sendo proferido Acórdão que indefira a prova pericial requerida pela A.
*
A A apresentou contra alegações tendo pugnado pela manutenção do despacho recorrido.
*
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 639º nº 1 e 635º nº 4 do CPC.
*
Dispõe o nº 2 do artigo 475º do CPC: 2 - A perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Por seu turno o artigo 476º do mesmo diploma estabelece quanto à fixação do objecto da perícia:
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
No caso em apreço pretende-se a realização de perícia contabilística à 3ª Ré a fim se de apurar se a mesma angariou desde a sua constituição clientes da A designadamente a TT, UU, PP, RR e SS e bem assim a facturação obtida para efeitos de cálculo da indemnização e prova das vantagens indevidamente auferidas.
O despacho que fixou o objecto da perícia – despacho datado de 6/12/23, referência 430747464- decidiu que a mesma apenas deverá apurar se existiu uma transferência de clientes da Autora para a terceira Ré e, em caso afirmativo, quais as consequências que a mesma teve nas contas da Autora, mais concretamente na sua facturação, com efeitos iniciados em Março de 2021.
Ora, apesar da requerida perícia ter sido considerada pertinente, também é certo que o objecto da mesma é fixado pelo Juiz titular do processo, como decorre do nº 2 do artigo 476º do CPC, não estando este vinculado às questões alegadas pelas partes e mormente ao período sobre o qual deve incidir a mencionada prova.
Com efeito,
“Uma diligência de prova só será impertinente (e deverá, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 5/12/19, proferido no processo nº 6318/18.9T8BRG-A.G1, disponível em www.dgsi.pt
No caso vertente a Recorrida pretende ver demonstrado que, com a criação da 3ª Ré e com as informações que lhe foram fornecidas pelos restantes Réus, em violação do dever de confidencialidade consigo contratualizado, a 3ª Ré logrou obter contratos de prestação de serviços de saúde com entidades clientes da Recorrida, assim ocasionando prejuízos para a sua actividade.
Tais factos mostram-se invocados pela Recorrida, com relevância para questões levantadas pela mesma nos pontos 3 a 17, 53, 54 e 55, sendo esse o objecto da perícia deferida.
Assim, sendo pertinente e justificado averiguar-se os dados contabilísticos e financeiros para apuramento dos factos invocados, e por não poderem os mesmos ser averiguados através de qualquer outro meio de prova, (ou mostrando-se tal prova mais dificilmente alcançável por outra via) afigura-se-nos que o despacho que deferiu a requerida perícia contabilística não merece qualquer censura.
Alegam ainda os Recorrentes que o despacho recorrido mostra-se ferido de nulidade por falta de pronúncia, nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, por entenderem que a perícia à contabilidade da 3ª Ré constitui uma clara e grave violação do princípio do segredo da escrita do comerciante e do princípio da livre concorrência, causando-lhe, necessariamente, graves prejuízos, facto que não foi apreciado pelo Tribunal, como lhe cumpria.
Estabelece o artigo 615º nº 1 al. d) do CPC que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora,
– A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, ou não se pronuncie sobre questões que a lei lhe imponha o conhecimento.- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/1/21, processo nº 1928/19.0T8STR-B.E1.
“A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal - “questões” - não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/5/19, processo nº 1211/09.9GACSC-A.L2-3.
“A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art.º 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC) não se verifica se a questão que devesse apreciar estiver prejudicada pela solução dada a outra (art.º 608º, nº 2, 1ª parte, do mesmo código)”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8/7/21, processo nº 5281/19.3T8VIS.C1.
“ A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
- Acórdão do STJ de 10/12/20, processo nº 12131/18.6T8LSB.L1.S1.
E ainda conforme expendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24/2/22, proferido no processo nº 2815/20.4T8FAR.E1:
“(…) o tribunal decide as questões colocadas e não os argumentos, nem tem que rebater estes individualmente.
O tribunal decide as questões tendo em conta os factos provados e o direito aplicável e não decide argumentos.”
A Recorrente alega que o despacho recorrido é nulo por violação do disposto no artigo 42º do Código Comercial o qual consagra o princípio do segredo da escrituração mercantil.
Ora, a alegada violação do segredo da escrituração mercantil revela-se apenas como mais um argumento utilizado pelos Recorrentes para obstar ao deferimento da realização da perícia contabilística e como tal, não cumpre ao Tribunal pronunciar-se sobre tal argumento.
Nesse sentido os Acórdãos do STJ datados respectivamente de 10/11/20 e de 23/11/23, proferidos nos processo nº 12131/18.6T8LSB.L1.S1 e 779/20.3T8VFR.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Acresce que, como resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13/10/22, proferido no processo nº 669/21.2T8EPS-A.G1, disponível em www.dgsi.pt:
“I – O segredo da escrituração mercantil não faculta às partes recusar a apresentação dos documentos quando se trate de apurar factos em que tenha interesse ou responsabilidade a pessoa a quem eles pertençam, na medida em que aquele segredo não pode subsistir em tal situação, sendo que, em todo o caso, face a um eventual conflito de interesses, por um lado, o do segredo comercial e, por outro, o do dever geral de colaboração com a administração da justiça, sempre o direito ao segredo deve ceder perante um interesse público superior, que é o da boa administração da justiça.”
Termos em que se nos afigura inexistir nulidade do despacho por omissão de pronúncia.
Pelo que acima deixamos consignado somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo o despacho recorrido ser mantido na sua íntegra.» - fim de transcrição.
Não foram deduzidas respostas.
Mostram-se colhidos os vistos.
Nada obsta ao conhecimento.
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Na elaboração do presente acórdão será levada em conta a matéria constante do relatório supra.
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É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).
Mostra-se interposto um recurso pelos Réus no qual se suscitam duas questões.
A primeira consiste em saber se o despacho recorrido, proferido em 6 de Outubro de 2023 , enferma de nulidade por omissão de pronúncia contemplada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 77º do CPT, quanto à questão suscitada pelos Réus , no seu requerimento , de 30-03-2023 , com a referência 45182735 , que releva para a decisão de mérito , atinente à solicitada perícia ser violadora do “princípio do segredo da escrita do comerciante” previsto no artigo 42º do Código Comercial.
Será assim?
Recorde-se que o artigo 615º do CPC, aqui aplicável por força do disposto no nº 3 do artigo 613º do mesmo diploma e do artigo 77º do CPT, estabelece:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Neste particular, diremos ser sabido que «o tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], sendo que questões (a resolver) não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.» - vide nesse sentido nota de rodapé nº 2 de aresto do STJ, de 09-07-2014, proferido , no processo nº 2127/07.9TTLSB.L1.S1, Nº Convencional:4ª Secção, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado , acessível em www.dgsi.pt .
Daí que , a nosso ver, com respeito por opinião diversa , embora o Tribunal “ a quo”, efectivamente , não se tenha debruçado sobre o argumento 12 avançado a tal título em 1ª instância pelos recorrentes, a verdade é que se pronunciou sobre a questão que ali tinha de dirimir :
- a realização da perícia.
Se o fez bem ou mal, nomeadamente por a sua realização ser violadora do disposto no artigo 42º do Código Comercial, é questão distinta que, aliás, consubstancia, em termos de erro de julgamento, a segunda vertente do presente recurso.
Entende-se, assim, que não se verifica a arguida nulidade.
****
A segunda questão a dirimir no recurso consiste em saber se a realização da solicitada perícia viola o disposto no artigo 42º do Código Comercial.
Segundo os recorrentes:
«
9. O princípio do segredo da escrituração mercantil está consagrado no artigo 42º do Código Comercial.
Este princípio tem como racio e fim a proteção do negócio do comerciante perante terceiros, porquanto a revelação da sua escrita comercial poderá facultar aos seus concorrentes no mercado informação comercial que causará prejuízo – eventualmente grave – no seu negócio.
10. O segredo mercantil não deve ceder nas situações em que os factos que se pretendem demonstrar através do levantamento do mesmo se revelam não essenciais, ou seja, quando a sua prova possa ser feita por outros meios que não a perícia à escrituração mercantil.
11. No caso, a prova pode ser feita, nomeadamente, através da prova testemunhal, conforme consta no próprio douto despacho ora em causa, de acordo com o qual os factos alegados “não revelam reconduzir-se a situações, em si mesmo, contabilísticas que necessitem de aferição pericial – podendo ser confirmadas e comprovadas por prova testemunhal”.
12. A perícia à contabilidade da 3ª Ré serviria apenas para a Autora, de forma ardilosa, com grave prejuízo para a 3ª Ré, ter conhecimento de toda a Clientela e preços praticados por esta, que é uma empresa concorrente da Autora.
13. Constituindo, assim, a perícia à contabilidade da 3ª Ré uma clara e grave violação do princípio do segredo da escrita do comerciante, causando, necessariamente, graves prejuízos, na 3ª Ré».
Segundo os artigos 475º a 478º do CPC:
Artigo 475.º
Indicação do objeto da perícia
1 — Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência.
2 — A perícia pode reportar -se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Artigo 476.º
Fixação do objeto da perícia
1 — Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 — Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
Artigo 477.º
Perícia oficiosamente determinada
Quando se trate de perícia oficiosamente ordenada, o juiz indica, no despacho em que determina a realização da diligência, o respetivo objeto, podendo as partes sugerir o alargamento a outra matéria.
Temos, pois, que o juiz deve indeferir a realização da perícia se entender que se trata de diligência impertinente.
Recorde-se que para o Professor Alberto dos Reis, embora em relação a norma adjectiva anterior:
“Caso nítido de diligência impertinente é o de o magistrado verificar, pela leitura dos quesitos, que todos eles versam sobre factos não compreendidos no questionário, ou – se ainda não existe questionário – sobre factos que não estão em condições de vir a a ser insertos no questionário.
Caso nítido de diligência dilatória é o de o juiz se certificar, pelo exame aos quesitos, de que a diligência não é possível, pois que os factos respectivos não são susceptíveis de ser captados por meio de arbitramento” – fim de transcrição.
Por sua vez, Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, em relação ao anterior artigo 578º do CPC, referia:
“se o juiz entender, no caso de diligência lhe ter sido requerida por uma das partes, que ela não serve minimamente ao esclarecimento da causa (impertinente), ou que foi requerida apenas para protelar a sua decisão (dilatória) indeferirá liminarmente a pretensão e ordenará o prosseguimento dos autos” – fim de transcrição.
Para José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, já em relação à norma actual (artigo 476º):
“o juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando, embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art.º 388º CC).
Sendo a diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a e o despacho de indeferimento é recorrível nos termos gerais” – fim de transcrição.
Finalmente, de acordo com o CPC, Anotado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa:
“2. A perícia é impertinente ou dilatória, quando não respeita a factos condicionantes da decisão final ou porque, embora respeitando a tais factos, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais que a mesma propõe” - fim de transcrição.
No caso concreto , sendo certo que , a nosso ver, nenhuma das supra citadas circunstâncias se verifica, a problemática suscitada pelos recorrentes não se centra na impertinência da diligência , embora sempre invoquem que a pretendida prova pode ser feita por via testemunhal, mas por entenderem que a realização da perícia viola o segredo de escrituração comercial.
Segundo os artigos 41º a 43º do Código Comercial [na redacção que lhes foi conferida pelo DL nº 76-A/2008 de 29 de Março] :13
Artigo 41.º
Inspecções à escrita
As autoridades administrativas ou judiciárias, ao analisarem se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil, devem respeitar as suas opções, realizadas nos termos do artigo 30.º
Artigo 42.º
Exibição judicial da escrituração mercantil
A exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
Artigo 43.º
Exame da escrituração e documentos
1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão.
Saliente-se, agora, que segundo o artigo 417º do actual CPC:
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Este preceito corresponde ao artigo 519.º do CPC de 196114 em relação ao qual o STJ em Acórdão de 22/04/1997, 087158, Nº do Documento: SJ1997042200871582, Relator Conselheiro Miranda Gusmão, publicado no DR IS-A , nº 6 , de 8-1-1998, pág. 119, acessível em www.dgsi.pt , uniformizou jurisprudência15 nos seguintes moldes:
«O artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.» - fim de transcrição.
Ora não se descortina motivo para que à luz do actual CPC, aprovado pelo Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, se perfilhe entendimento distinto.
Assim, a nosso ver, atento o disposto no artigo 43º deste diploma não se verifica motivo para a rejeição da perícia ordenada.
É certo que dos referidos preceitos do Código Comercial decorre o segredo da escrituração mercantil.
Contudo, nos termos do disposto no artigo 43º desse diploma , tal comando apenas vale com plenitude nos limites que aí se encontram previstos, obstando a que tal escrituração seja examinada com o único objectivo de verificar se o comerciante arruma ou não devidamente os seus livros de escrituração mercantil.
No que concerne à utilização dessa escrituração como meio probatório – quer por via da sua exibição, quer por via do seu exame – aquele princípio não tem aplicação absoluta, embora quer a exibição quer o exame dessa escrituração apenas seja admissível nos casos ali contemplados.16
In casu, a perícia em causa afigura-se-nos admissível, pois a 3ª Ré pode (eventualmente)  vir a ter de assumir responsabilidade na acção em que a respectiva realização foi solicitada (e ordenada pelo despacho recorrido) por quem tem o ónus da prova de factos para os quais a mesma pode relevar.
E nem se argumente que tal prova também poderia ser obtida por via testemunhal, menos intrusiva na vida da 3ª Ré.
É que mesmo dando de barato tal afirmação, tal como – a nosso ver e bem – se referiu na decisão recorrida:
«(….) a conclusão que dessa matéria pode ser retirada (no sentido de saber se houve uma efectiva transferência de clientes, relacionada com a conduta dos demais Réus e quais as consequências contabilísticas que a mesma teve na Autora), apenas através da sobreposição das contas cliente da Autora com a da Ré, a partir do período por aquela mencionado no artigo 20º, da Petição Inicial, se pode aferir da efectiva existência de transferência de clientes e, consequentemente, das respectivas repercussões na facturação (o que, analisada toda a matéria factual alegada pela Autora é, afinal, o que por esta é pretendido com o pedido de realização de perícia contabilística).».
Improcede, assim, a segunda vertente do recurso e este na integra.
****
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
Custas pelas recorrentes.
Notifique.
Lisboa, 24-04-2024
Leopoldo Soares
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
_______________________________________________________
1. Em 11-10-2002 –fls. 4.
2. Vide fls. 17 v e 18.
3. Fls.18 e 18 v.
4. Fls. 5 v a 18 v.
5. Vide fls. 86 e 87.
6. Fls. 88 e 88 v.
7. Fls. 89.
8. Fls.89 a 92 v.
9. Fls. 95 a 103.
10. Vide fls. 106 e 106 v.
11. Vide fls. 114.
12. O que podia ter feito, sendo que o despacho de sustentação respeita a nulidade que, em rigor, não é suscitada pelos recorrentes.
13. O Código Comercial foi aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas, do mais recente para o mais antigo:
Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto;
Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio;
Decreto-Lei n.º 8/2009, de 7 de janeiro;
Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril;
Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março;
Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de outubro;
Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro;
Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de setembro;
Decreto-Lei n.º 203/98, de 10 de julho;
Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho;
Decreto-Lei n.º 201/98, de 10 de julho;
Decreto-Lei n.º 257/96, de 31 de dezembro;
Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de abril;
Decreto-Lei n.º 42/89, de 3 de fevereiro;
Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de abril;
Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de outubro;
Decreto-Lei n.º 349/86, de 17 de outubro;
Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro;
Decreto-Lei n.º 162/84, de 18 de maio;
Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de junho;
Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de julho;
Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de outubro;
Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de junho;
Decreto-Lei n.º 363/77, de 2 de setembro;
Decreto-Lei n.º 744/76, de 18 de outubro;
Decreto-Lei n.º 679/73, de 21 de dezembro;
Decreto-Lei n.º 154/72, de 10 de maio;
Decreto-Lei n.º 41/72, de 4 de fevereiro;
Decreto-Lei n.º 42 644, de 14 de novembro de 1959;
Decreto n.º 15 623, de 25 de junho de 1928;
Decreto n.º 13 004, de 12 de janeiro de 1927;
Decreto n.º 12 251, de 3 de setembro de 1926;
Decreto de 26 de julho de 1899.
14. Que comandava:
Artigo 519.º
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
15. MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
16. Neste sentido vide vg: acórdão da Relação de Coimbra , de 12-03-2013, proferido no âmbito do processo nº 882/09.0TBPMS-A.C1, Nº Convencional: JTRC, Relatora Catarina Gonçalves acessível em www.dgsi.pt, que logrou o seguinte sumário:
«I – Porque qualquer uma das partes em litígio tem interesse ou responsabilidade nas questões que se suscitam e estão controvertidas no âmbito de uma acção judicial em que são partes e que, como tal, estão inseridas no objecto do litígio que entre elas se desenvolve, não poderá deixar de ser admissível, à luz do disposto no art.º 43º do Código Comercial, o exame à escrita comercial de qualquer uma delas com vista ao apuramento de determinados factos que são necessários à apreciação e decisão daquelas questões.» - fim de transcrição.
Anote-se que segundo aresto da Relação de Évora, de 09-07-2009, proferido no âmbito do processo nº 15/08.0TBSTR-B.E1, Relatora Maria Alexandra Santos , acessível em www.dgsi.pt:
«I - O exame dos livros de escrituração comercial e documentos do comerciante em nome individual e das sociedades comerciais, só pode ter lugar quando esse comerciante ou sociedade for autor ou réu na acção.
II - "Chama-se "exibição" ao exame completo dos livros do comerciante;
“Chama-se "apresentação" ao exame que recai apenas sobre os lançamentos referentes a um determinado ponto que, por meio de tal exame se pretenda determinar.
III – Não pode ser encarado como devassa à escrita comercial ter sido requerido exame pericial para averiguar se as facturas que são objecto do processo se encontram ou não inscritas e registadas na contabilidade da Ré e se o IVA respectivo consta ou não na declaração periódica enviada à administração tributária, pois que tal perícia está perfeitamente delimitada quer temporalmente, quanto aos documentos a analisar.» - fim de transcrição.
Finalmente, recordar-se-á ainda aresto da Relação do Porto , de 03-12-2013, proferido no processo nº 2002/11.2TBVCD.P1 , Nº Convencional: JTRP000, Relator: José Igreja Matos ,
Nº do Documento: RP201312032002/11.2TBVCD.P1 acessível em www.dgsi.pt:
I – O segredo da escrituração comercial manifesta-se, nomeadamente, nas restrições colocadas ao exame da escrituração de pessoas, singulares ou colectivas, que não são partes no processo judicial respectivo.
II – Tais exames, em conformidade com o disposto no art.º 43º do Código Comercial, apenas serão admissíveis quando essas pessoas tenham interesse ou responsabilidade na questão a dirimir devendo, em qualquer caso e sempre que possível, optar-se por meios probatórios menos intrusivos para obtenção dos elementos factuais concretamente pretendidos.
III – O objecto de uma perícia judicial deve corporizar-se em factos controvertidos, que se revelem relevantes para o exame e decisão da causa e desde que, para a percepção ou avaliação dos mesmos, sejam necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua.
IV – Preenchidos estes requisitos nada obsta a que uma perícia se possa referir a factos de natureza ou índole meramente instrumental no contexto de uma dada acção judicial.